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o impacto do acordo CNPq/NAS na evolução da química no Brasil

The impact of the CNPq/NAS cooperative program on the developement of chemistry in Brazil

o impacto do acordo CNPq/NAS na evolução da química no Brasil

The impact of the CNPq/NAS cooperative program on the developement of chemistry in Brazil

Paschoal Senise* * e-mail: psenise@iq.usp.br

Instituto de Química, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes 748, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

ABSTRACT

Main features of the CNPq/NAS Cooperative Program in the field of Chemistry are described as well as the corresponding activities carried out in the University of São Paulo along the years 1969-1976.

Keywords: CNPq/NAS; Cooperative Program; USP.

CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO PROGRAMA

Em 1968 o CNPq, por iniciativa de seu presidente, Antonio Moreira Couceiro, estabeleceu um acordo de cooperação com a National Academy of Sciences dos Estados Unidos, a fim de desenvolver projetos de pesquisa em áreas consideradas prioritárias para o progresso científico e tecnológico do país.

Um dos programas, para cujo desenvolvimento houve especial interesse, foi o relativo à Área de Química, que começou a ser implementado em 1969-70 com a duração prevista de 5 anos, prazo posteriormente prorrogado por mais 2. Orientado para a pesquisa básica, o programa se propunha abrir novos campos de investigação em linhas consideradas de vanguarda, de modo a poder contribuir de maneira significativa para dar maior dimensão à pesquisa química no Brasil e promover a formação de pessoal altamente qualificado mediante o treinamento adequado de pós-graduandos.

O idealizador do formato do programa de Química foi o Professor Carl Djerassi, da Universidade de Stanford, que com sua atuação dinâmica e entusiasta conseguiu atrair para o empreendimento alguns cientistas de grande renome internacional, em sua maioria professores da Universidade de Stanford e do Caltech. Considerou, Djerassi, essencial para o êxito da iniciativa que os projetos fossem implantados apenas em centros que tivessem alcançado certo estágio de adiantamento em pós-graduação, sem problemas sérios na área de graduação. Por esse motivo, os trabalhos se concentraram na USP e na UFRJ, visto que, na época, eram as instituições que poderiam reunir as condições indicadas por aquele ilustre cientista.

A peculiaridade do programa consistia em ter, em estreita associação, dois responsáveis para cada projeto, um professor americano e um docente local. Na maioria dos casos, houve também a participação direta de pesquisadores jovens, pós-doutores, provenientes das citadas universidades ou de algumas outras, vindos para permanecer no Brasil de 1 a 3 anos. Os professores "Seniors" costumavam realizar visitas periódicas, para melhor acompanhar os trabalhos, orientar os jovens "Fellows", trocar idéias com os correspondentes parceiros brasileiros e incentivar os participantes. Com os seus excelentes seminários, alcançavam um público mais amplo e assim procuravam estimular o interesse de outros docentes e estudantes não vinculados ao programa.

Como coordenador do grupo americano atuou, nos primeiros anos, o próprio Professor Djerassi que, premido por seus numerosos compromissos, deixou o encargo e foi substituído pelo Professor Aron Kuppermann, do Caltech.

O Professor Aron Kuppermann, como o seu antecessor, empenhou-se com muita dedicação no cumprimento de seu mandato e soube, com habilidade, realizar contatos produtivos com autoridades e pesquisadores locais, tarefa que, de certo modo, lhe foi facilitada pela sua condição de brasileiro.

Os coordenadores na UFRJ e na USP foram os professores Eloísa Biasotto Mano e Paschoal Senise, respectivamente.

Os projetos no Rio de Janeiro e em São Paulo foram planejados e implementados de maneira um tanto distinta, pois foi preciso levar em conta as diferenças de condições existentes, na época, nos dois centros e considerar suas peculiaridades.

O PROGRAMA NA USP

As colegas Professoras Eloisa Biasotto Mano e Aida Espínola incumbiram-se de apreciar o desenvolvimento e resultados na UFRJ, cabe-nos, pois, fazer referência ao que ocorreu na USP.

No Instituto de Química da USP, os grupos que participaram do Programa, em sua maioria, já vinham atuando ativamente em linhas de pesquisa bem definidas mas mostravam interesse na abertura de novos campos ou na adoção de metodologias de recente desenvolvimento. A experiência científica e administrativa dos professores locais facilitou a associação com os Seniors americanos, bem como o desempenho dos Fellows. Um bom exemplo é o do projeto de Sínteses Orgânicas montado com o objetivo principal de promover treinamento em sínteses totais, campo bastante complexo e, sob o ponto de vista experimental, muito trabalhoso e que não era explorado entre nós, apesar do setor de Química Orgânica ser o mais desenvolvido do Departamento de Química Fundamental.

Reconhecendo a relevância do projeto, o Prof. Nicola Petragnani aceitou a tarefa de coordenador brasileiro, não obstante as suas pesquisas se concentrassem no campo de compostos metalo-orgânicos, no qual se notabilizou, principalmente com os trabalhos versando sobre química orgânica do telúrio de ampla repercussão internacional. Não deixou de dar prosseguimento a tais pesquisas e os seus colaboradores se beneficiaram da convivência com os novos elementos cujo trabalho acompanharam de perto e assim contribuíram para criar um ambiente de interesse científico mútuo.

No projeto houve a participação dos professores Seniors William S. Johnson e Robert Ireland e, em uma segunda fase, James A. Marshall e dos Fellows Simon Campbell (69-72), Robert Ronald (70-73), Thomas Meteyer (72-74) e Timothy Brocksom (72-76). Dentre os pós-graduandos que se destacaram, João Comasseto após passagem pela Universidade Federal de São Carlos, foi admitido mais tarde no Instituto e fez brilhante carreira. Também foram contratados Maurício Constantino, que pouco depois se transferiu para a FFCL de Ribeirão Preto e Helena Carvalho Ferraz.

Assim também na área de Química Inorgânica, o Prof. Ernesto Giesbrecht com seu grupo de estudantes deu seqüência normalmente às suas pesquisas, sem prejuízo da coordenação e contínua assistência ao projeto em que o parceiro americano foi o Prof. Henry Taube (Prêmio Nobel de 1983). Papel relevante foi desempenhado pelo Fellow John Malin durante estada de três anos (70-73) em que foi dada certa ênfase ao emprego das técnicas de reações rápidas para estudos cinéticos e mecanísticos. Coube a Edward Dockal substituir Malin (73-74). O aproveitamento dos pós-graduandos foi muito bom cumprindo destacar o desempenho de Henrique Toma que, em pouco tempo, desenvolveu atividades científicas próprias e se tornou cientista de reconhecido prestígio internacional. Alguns estudantes após a obtenção do grau de Mestre ou de Doutor voltaram às instituições de origem.

Já no campo da Físico-Química e, mais propriamente no projeto de ressonância ciclotrônica de íons, o Prof. José Manuel Riveros, em estreita associação com o Prof. John Baldeschwieler, pôde instalar um laboratório de dinâmica química inexistente no país e realizar pesquisas de vanguarda com resultados quase que imediatos de ampla repercussão e criar condições que lhe permitiram desenvolver novos projetos de alto nível. Os Fellows Larry Blair (70-71) e Patrick Jones (71-73) participaram do projeto, bem como vários bolsista dois dos quais, Peter W. Tiedemann e Paulo Celso Isolani, foram posteriormente admitidos no corpo docente do Instituto.

A fim de implementar estudos de Fotoquímica, foi criado um novo laboratório com equipamento especializado e os trabalhos coordenados pelo Prof. Vicente Guilherme Toscano contaram com a dedicada parceria do Prof. George Hammond, especialista de grande renome e pioneiro no campo da fotoquímica. Também foi excelente a contribuição dos Fellows Richard Weiss (71-74) e Frank Quina (75-76). Este último permaneceu no Brasil e foi absorvido pelo Instituto. A bolsista Maria Eunice Ribeiro Marcondes também viria a ser contratada.

Outro laboratório, completamente novo, para estudos de Dinâmica Atômica e Molecular, requereu investimento relativamente grande no âmbito do Programa. A participação do lado americano ficou a cargo dos professores Russell Bonham e Aron Kuppermann enquanto o elemento local responsável foi o Prof. Eduardo Mota Alves Peixoto. Os estudos desenvolvidos se relacionavam com problemas de colisão de elétrons com a matéria envolvendo difração de elétrons de alta energia por átomos e moléculas em fase gasosa e exigiram aparelhos projetados e construídos especialmente, em parte no próprio Instituto. O projeto não contou com Fellows e os pós-graduandos que se doutoraram foram aproveitados em outras instituições.

Um sexto e último projeto, o de Química Eletroanalítica, não previsto no planejamento inicial, foi anexado ao Programa em 1973, com o apoio direto da FAPESP que custeou a estada do responsável brasileiro, Eduardo de Almeida Neves, no laboratório do Prof. Fred Anson, em Caltech, por um período de 18 meses. Abriu-se, dessa forma, um canal de intercâmbio entre os grupos dos dois cientistas com estudos que incluíram cronocoulometria e voltametria cíclica e que deram ensejo a estágio em Caltech do antigo bolsista Ivano R. Gutz, cuja carreira como professor do Instituto foi altamente produtiva. Os benefícios dessa cooperação estenderam-se a outros docentes, entre os quais Roberto Tokoro, Elisabeth de Oliveira e Lúcio Angnes.

Na condução dos seis projetos empenharam-se, ao todo, 9 professores Seniors e 10 Fellows. 45 pós-graduandos vincularam-se diretamente ao Programa, número abaixo da expectativa, atribuído à dificuldade de recrutamento e seleção de bons candidatos. Note-se, porém, que um terço dos admitidos não eram provenientes do estado de São Paulo. E ainda, como já se disse, houve participação indireta de vários elementos, na maioria dos casos. Ademais, grupos não ligados ao Programa contribuíram para agilizar as atividades das novas equipes, quer com contatos pessoais, quer com disponibilidade de equipamento e espaço. Houve, pois, vantagens recíprocas que pesaram na formação de um ambiente propício à investigação.

Não deixa de ser interessante, e constitui fator positivo, o fato de três Fellows terem permanecido e se radicado no Brasil, pois apesar das limitações do nosso meio em comparação com as condições existentes no país de origem, encontraram atrativos e estímulo para dar seqüência às suas carreiras científicas. Referimo-nos a Frank Quina, já mencionado, professor do Instituto, bem como a Timothy Brocksom e Edward Dockal, ambos da Universidade Federal de São Carlos.

Não pode deixar de ser assinalada a importância da cooperação da FAPESP não apenas por ter custeado a estada de Eduardo Neves em Caltech, mas também e principalmente por ter contemplado com bolsas a grande maioria dos pós-graduandos e, ainda, assegurado a continuidade das pesquisas mediante auxílio financeiro aos novos grupos que se formaram.

As dificuldades encontradas para o desenvolvimento de cada projeto e apontadas por todos os participantes, referem-se principalmente ao tempo necessário para a obtenção de equipamentos e produtos químicos em virtude das restrições da legislação em vigor na época e ao excesso de burocracia.

Nesse sentido, foi muito louvável a cooperação prestada pela embaixada brasileira em Washington e pela Força Aérea Brasileira que, em atenção a pedido do CNPq, facilitaram a remessa para o Brasil de compras feitas diretamente nos Estados Unidos e, em particular, o transporte de reagentes indispensáveis para o trabalho do dia-a-dia. Tal providência beneficiou tanto os grupos de São Paulo quanto os do Rio de Janeiro e, na verdade, constituiu um esforço digno de menção por ter ocorrido em época de grande rigidez dos órgãos governamentais.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao apreciar de maneira global o desempenho do programa em ambos os centros, cumpre lembrar que a decisão do CNPq de atribuir prioridade especial à área de química, foi motivada pela firme convicção da necessidade de elevar o nível da pesquisa química no país, a qual se encontrava, na época, de maneira geral, em patamar inferior à de outros setores básicos, como os de física, matemática e biologia. Conseqüentemente, teve-se por meta atuar de maneira a promover e impulsionar atividades que pudessem formar base sólida e garantir continuidade.

O êxito do programa, nesse sentido, num balanço geral, é inconteste, mas não se pode deixar de assinalar que também outras fontes contribuíram de forma relevante, e às vezes fundamental, no processo de consolidação de alguns núcleos de pesquisa, bem como considerar a importância do inter-relacionamento que se estabeleceu com alguns grupos já constituídos e ativos.

Não há dúvida de que o formato adotado foi determinante para o sucesso. Com efeito, o ponto alto foi o papel desempenhado pelos professores Seniors que, com grande desprendimento, empenharam-se pessoalmente na orientação e acompanhamento dos trabalhos em todas as fases. A atuação dos Fellows também foi marcante e decisiva na implantação de algumas linhas de pesquisa, bem como na formação de pós-graduandos, mas se em determinados projetos a participação do jovem cientista estrangeiro foi essencial e se considerou necessária a sua substituição, em seqüência, por outro colega ao término de sua permanência, em outros casos, a presença do Fellow pôde ser dispensada sem prejuízo do bom andamento dos trabalhos. Essa flexibilidade constituiu importante fator para alcançar os objetivos propostos.

Pode parecer modesto o número de mestres e doutores formados a partir de pós-graduandos diretamente vinculados ao programa, mas não se pode esquecer que, na época, era ainda difícil atrair bons elementos em número apreciável para estudos de nível elevado. Houve, porém, um efeito multiplicador pelo aproveitamento por outras instituições de jovens formados direta ou indiretamente no âmbito do programa.

Na verdade, realizaram-se pesquisas em campos pouco explorados no país e novas linhas se desenvolveram, propiciando a valorização dos recursos humanos existentes em uma ação catalítica que levou, em pouco tempo, a um salto de qualidade com sensível aumento de produção em nível de excelência, contribuindo assim para a maior presença nos cenários nacional e internacional de vários grupos locais.

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    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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