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A participação da mulher na difusão da psicanálise no Brasil no período de 1930 a 1950

Female participation in psychoanalysis dissemination from 1930 to 1950 in Brazil

La participación de las mujeres en la difusión del psicoanálisis en Brasil de 1930 a 1950

La participation des femmes dans la diffusion de la psychanalyse au Brésil de 1930 à 1950

Resumo

Partindo da premissa de que, nos primeiros anos de difusão da psicanálise no Brasil, a participação feminina teve importante destaque tanto na introdução quanto na expansão das ideias freudianas no país, este estudo se propõe a delinear o papel de protagonismo assumido pelas mulheres junto ao movimento psicanalítico brasileiro. Para dar visibilidade a esse pioneirismo, o estudo foi organizado em três momentos. Inicialmente, serão apresentadas considerações gerais sobre o contexto da participação da mulher na sociedade brasileira durante a primeira metade do século XX e os primeiros movimentos de emancipação feminina. Na sequência, será abordado o modo como a psicanálise, entendida neste período histórico como movimento inovador e disruptivo, proporcionou espaço fecundo de interlocução para se pensar a expansão das conquistas das mulheres na esfera pública e social. Por fim, essas hipóteses serão articuladas por meio do esboço biográfico de duas destacadas pioneiras da psicanálise no Brasil: Virgínia Leone Bicudo e Marialzira Perestrello.

Palavras-chave:
história da psicanálise brasileira; mulher; Virgínia Bicudo; Marialzira Perestrello; difusão da psicanálise

Abstract

Based on the assumption that women played a major role during the first years of psychoanalysis dissemination in Brazil both in introducing and expanding Freudian ideas in the country, this study outlines women’s participation in the Brazilian psychoanalytic movement. To give visibility to this pioneering spirit, we divided the text in three moments. First, we contextualize women’s participation in Brazilian society during the first half of the 20th century and the first emancipatory movements. We then discuss how psychoanalysis, understood as an innovative and disruptive movement, provided a fertile space of interlocution for exploring the expansion of women’s participation in the public and social sphere. Finally, we articulate these hypotheses by means of the biographical outline of two outstanding pioneers of psychoanalysis in Brazil: Virgínia Bicudo and Marialzira Perestrello.

Keywords:
history of Brazilian psychoanalysis; woman; Virgínia Bicudo; Marialzira Perestrello; dissemination of psychoanalysis

Resumen

Partiendo de la premisa de que, en los primeros años de difusión del psicoanálisis en Brasil, la participación femenina tuvo un importante papel tanto en la introducción como en la expansión de las ideas freudianas en el país, este estudio pretende esbozar el protagonismo de las mujeres en el movimiento psicoanalítico brasileño. Para dar visibilidad a este pionero, el estudio se organizó en tres momentos. Inicialmente, se presentarán consideraciones generales sobre el contexto de la participación de las mujeres en la sociedad brasileña durante la primera mitad del siglo XX y los primeros movimientos por la emancipación de la mujer. A continuación, se abordará el modo en que el psicoanálisis proporcionó un espacio fértil de interlocución para pensar la expansión de las conquistas femeninas en la esfera pública y social. Finalmente, estas hipótesis se articularán a través de la semblanza de dos destacadas pioneras del psicoanálisis en Brasil: Virgínia Leone Bicudo y Marialzira Perestrello.

Palabras clave:
historia del psicoanálisis brasileño; mujer; Virgínia Bicudo; Marialzira Perestrello; difusión del psicoanálisis

Résumé

Fondé sur l’hypothèse que les femmes ont joué un rôle majeure dans les premières années de diffusion de la psychanalyse au Brésil dans l’introduction et l’expansion des idées freudiennes dans le pays, cette étude souligne leur participation prépondérant dans le mouvement psychanalytique brésilien. Pour donner de la visibilité à cet esprit pionnier, on a organisé l’étude en trois moments. Tout d’abord on contextualise la participation des femmes à la société brésilienne pendant la première moitié du XXe siècle et les premiers mouvements émancipatoires. Ensuite, on aborde la manière dont la psychanalyse, comprise comme un mouvement novateur et perturbateur, a fourni un espace d’interlocution fertile pour réfléchir à l’expansion des conquêtes des femmes dans la sphère publique et sociale. Enfin, ont articulera ces hypothèses par le biais de l’esquisse biographique de deux remarquables pionniers de la psychanalyse au Brésil: Virgínia Bicudo et Marialzira Perestrello.

Mots-clés:
histoire de la psychanalyse brésilienne; femme; Virgínia Bicudo; Marialzira Perestrello; diffusion de la psychanalyse

Emancipação da mulher e psicanálise: um encontro possível

Durante as primeiras décadas do século XX vicejaram no Brasil diversas ideias inovadoras, que indicavam que um processo de transformação social e cultural estava em marcha em diferentes setores da vida nacional. Ventos inovadores arrebatavam a República Velha, tendo como pano de fundo o impulso do processo de industrialização que se iniciava, capaz de promover transformações em uma sociedade essencialmente agrária e com seu legado aristocrático, rumo à urbanização acelerada e ao projeto de modernização burguesa. Ao discutir as mudanças ocorridas na cidade de São Paulo durante a décadas de 1920, Nicolau Sevcenko (1992Sevcenko, N. (1992). Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, SP: Companhia das Letras .) constata a efervescência que corrobora o raciocínio ora enunciado: “Esta cidade que brotou súbita e inexplicavelmente, como um colossal cogumelo depois da chuva, era um enigma para seus próprios habitantes, perplexos, tentando entendê-lo como podiam, enquanto lutavam para não serem devorados” (p. 31).

O anseio por transformações políticas, sociais e culturais, cujo epicentro foi a cidade de São Paulo, por certo não se restringiu à capital paulista, de tal maneira que o raciocínio tecido por Sevcenko (1992Sevcenko, N. (1992). Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, SP: Companhia das Letras .) pode ser entendido como elemento paradigmático que englobou diversos centros urbanos do país nesse período.

O final da primeira Guerra trouxe, portanto, um quadro histórico absolutamente diferente em vários níveis de atividade social e humana: a industrialização se acelerou, ainda que não em graus e em qualidade tecnológica só conhecidos após a Segunda Guerra Mundial; a legitimidade do sistema político, dominado pelos Partidos Republicanos (PRs) dos latifundiários cafeeiros e criadores, foi questionada; uma profunda alteração cultural e ideológica ocorreu entre as elites intelectuais. (Lobo, 1994Lobo, R. (1994). As mudanças históricas e a chegada da psicanálise no Brasil. In L. Nosek, C. A. N. B. Bruno, P. Montagna, R. Lobo, & R. Y. Sagawa (Orgs.), Álbum de família: imagens, fontes e ideias da psicanálise em São Paulo (pp. 49-55). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo., p. 50)

O panorama social e político da primeira quadra do século XX expôs um descompasso entre o ritmo frenético de atividade econômica inaugurada pela industrialização nascente, no coração de um capitalismo periférico que se se insinuava já exigindo maior fôlego para se expandir, e a estrutura do poder da velha aristocracia do café, ciosa de seus privilégios sedimentados por uma estrutura agrária concentradora de terra e renda.

Um paradoxo do período foi a combinação de racionalismo crescente e voraz importação de novos modelos e novas ideias, vindas sobretudo da Europa. Os mais esclarecidos queriam saber de tudo o que se passava lá fora, “não para copiar”, mas para “entender a realidade nacional”. O advento da psicanálise foi um dos efeitos secundários desta mutação nacional: a modernização burguesa propiciou o aparecimento de projetos iluministas, como a criação da USP, no início dos anos 30, e mesmo a chegada “das coisas freudianas”, como disse Mário de Andrade. (Lobo, 1994Lobo, R. (1994). As mudanças históricas e a chegada da psicanálise no Brasil. In L. Nosek, C. A. N. B. Bruno, P. Montagna, R. Lobo, & R. Y. Sagawa (Orgs.), Álbum de família: imagens, fontes e ideias da psicanálise em São Paulo (pp. 49-55). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo., p. 50)

A reverberação desse processo de urbanização e industrialização foi sentida em várias direções, criando um cenário favorável à ebulição de diferentes movimentos sociais e culturais, entre os quais destacam-se a Semana de Arte Moderna de 1922, o movimento feminista e a própria psicanálise.

Ao discutirem a condição feminina nos primeiros anos do período republicano, Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998Maluf, M. & Mott, M. L. (1998). Recônditos do mundo feminino. In N. Sevcenko (Org.), História da vida privada no Brasil (Vol. 3, pp. 367-421). São Paulo, SP: Companhia das Letras.) destacam a condição de ostracismo vivida pela mulher na primeira metade do século XX, então confinada à vida doméstica em detrimento de uma participação mais efetiva na vida social e no mercado de trabalho. No entanto, os ventos de modernidade que começavam a soprar abriam novas possibilidades para a assimilação da mulher na vida social, ao menos para aquelas mais ousadas que souberam valer-se das pequenas brechas entreabertas pelas transformações em marcha para conquistarem espaços fora do âmbito doméstico. É claro que este processo embrionário de emancipação feminina não se fez sem a manifestação de fortes resistências na estrutura de poder patriarcal dominante.

As mudanças no comportamento feminino ocorridas ao longo das três primeiras décadas deste século incomodaram conservadores, deixaram perplexos os desavisados, estimularam debates entre os mais progressistas. Afinal, era muito recente a presença das moças das camadas médias e altas, as chamadas de “boa família”, que se aventuravam sozinhas pelas ruas da cidade para abastecer a casa ou para tudo que se fizesse necessário. Dada a ênfase com que os contemporâneos interpretaram tais mudanças, parecia ter soado um alarme. (Maluf & Mott, 1998Maluf, M. & Mott, M. L. (1998). Recônditos do mundo feminino. In N. Sevcenko (Org.), História da vida privada no Brasil (Vol. 3, pp. 367-421). São Paulo, SP: Companhia das Letras., p. 368)

Partindo dessas iniciativas pessoais que esboçavam possíveis caminhos de emancipação feminina, porém circunscritas a círculos sociais restritos, ações mais estruturadas começam a tomar corpo com o intuito de garantir à mulher um novo lugar no mundo que ressurgia após a experiência devastadora da Primeira Guerra Mundial. Provavelmente, a proposta mais efetiva nesta direção pode ser encontrada no movimento sufragista, que tomou corpo e ganhou consistência durante a década de 1920 e que no Brasil teve como figura emblemática Bertha Lutz1 1 Bertha Lutz (1894-1976), bióloga licenciada pela Universidade de Sorbonne, atuou como docente e pesquisadora do Museu Nacional, foi fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino e participou ativamente da luta pelo voto feminino. Vale lembrar que as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar apenas em 1932, por meio do Decreto nº 21.076 assinado pelo presidente Getúlio Vargas. .

Nas palavras de Bandeira e Melo (2010Bandeira, L., & Melo, H. P. (2010). Tempos e memórias do feminismo no Brasil. Brasília, DF: Secretaria de Política para as Mulheres.), “Bertha Lutz soube aproveitar com maestria da conjuntura conturbada da década de 1920” (p. 16). Naquela década foi fundado o Partido Comunista Brasileiro, São Paulo surpreendeu o país com a Semana de Arte Moderna, o país foi sacudido por revoltas militares e pela ousadia da Coluna Prestes que rasgou o território brasileiro entre 1924 e 1927, enquanto se intensificava a presença, nas cidades brasileiras, das camadas médias. Esse contexto de intensa ebulição social propiciou as condições objetivas para a organização dos movimentos de mulheres, como a fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), também no emblemático ano de 1922. Na gênese da FBPF estava Bertha Lutz, influenciada por sua participação recente na Conferência Pan-Americana das Mulheres, realizada nos Estados Unidos. Em sua cruzada de uma década pelo voto feminino, Bertha foi incansável em suas negociações em busca de apoio ao pleito pelo reconhecimento do direito feminino ao voto (Bandeira & Melo, 2010Bandeira, L., & Melo, H. P. (2010). Tempos e memórias do feminismo no Brasil. Brasília, DF: Secretaria de Política para as Mulheres.).

Gilberto Rocha (1989Rocha, G. S. (1989). Introdução ao nascimento da psicanálise no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.) salienta que o papel da mulher na sociedade urbana nas primeiras décadas do século XX começou a assumir contornos próprios, muito mais nítidos do que em períodos anteriores, uma vez que a mulher deixava de ser vista como uma extensão do homem, para assumir uma identidade própria, reivindicando o reconhecimento de seus direitos por ter seu espaço próprio no mundo laboral. Ao apontar os fundamentos deste fenômeno social, o autor sublinha o entrecruzamento dos primórdios da luta pela emancipação feminina com o florescimento das ideias psicanalíticas no país.

As primeiras publicações sobre Psicanálise que surgiram no país, nas décadas de vinte e trinta, aparecem na mesma ocasião em que várias transformações na vida urbana, cultural e política se articulam. As mulheres iniciavam uma reorganização no seu papel social: começando a fumar (coisa até então de homem ou de “mulher fácil”), a usar batom e dirigir carros e a assumir, fora de casa, um papel social (a mulher começa a “trabalhar fora de casa”). . . . A sexualidade sofria uma reformulação em seus parâmetros. No teatro as mulheres começavam a mostrar-se despidas; nos discursos médicos também se capta uma mudança em relação à sexualidade. (Rocha, 1989Rocha, G. S. (1989). Introdução ao nascimento da psicanálise no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 62)

Para entendermos a proximidade entre o movimento de emancipação feminina e o surgimento da psicanálise no Brasil, é importante destacarmos dois fatores que permitem sustentar essa ideia, um inerente à teoria psicanalítica, e outro relativo à inserção particular da psicanálise no país.

O primeiro fator diz respeito a teorizações da psicanálise sobre a sexualidade. Para Zaretsky (2006Zaretsky, E. (2006). Segredos da alma: uma história sociocultural da psicanálise (M. Rosas, trad.). São Paulo, SP: Cultrix.), “apesar de suas atitudes convencionais, Freud sem querer precipitou o desmoronamento da ordem do gênero vigente no século XIX” (p. 50). Isso porque as descobertas neste campo exerceram influência marcante sobre o entendimento do papel da mulher e da sexualidade feminina na ordem das relações sociais vigentes até então. As formulações freudianas sobre a sexualidade promoveram um afrouxamento da relação entre sexualidade e genitalidade, que anteriormente foram tomadas como sinônimos, além de ampliar o entendimento a respeito da bissexualidade, o que colocava em xeque a dicotomia que tornava tão acentuada as diferenças entre homens e mulheres. Essas ideias iriam reverberar em várias direções, sendo talvez a mais impactante o fato de contribuírem para desfazer a conexão entre sexualidade e procriação, consagrada pela religião como um dogma, que pesava de forma muito mais contundente sobre as mulheres. Essa nova compreensão possibilitou que as mulheres passassem a reivindicar o direito de ocuparem espaços tradicionalmente reservados aos homens pelo sistema hierárquico patriarcal.

O segundo fator abarca as peculiaridades do processo de difusão da psicanálise no país. Ao serem introduzidas no Brasil a partir da década de 1920, as ideias freudianas não foram tomadas inicialmente como um recurso terapêutico destinado ao tratamento das doenças mentais, mas sim como um modelo teórico apto a ser aplicado junto a diferentes áreas do conhecimento, como educação, direito, literatura, entre outras (Abrão, 2001Abrão, J. L. F. (2001). A história da psicanálise de crianças no Brasil. São Paulo, SP: Escuta.; Oliveira, 2006Oliveira, C. L. M. V. (2006). História da psicanálise: São Paulo (1920-1969). São Paulo, SP: Escuta .; Sagawa, 1996Sagawa, R. (1996). A construção local da psicanálise. Marília, SP: Editora Interior/Psicanálise.). Considerando essa peculiaridade que marca a origem da difusão das ideias psicanalíticas no Brasil, a psicanálise passou a circular em meios culturais diversos com um conjunto inovador de ideias que influenciaram a mentalidade e moldaram a conduta de toda uma geração que teve acesso a esse pensamento. Nesse cenário, a psicanálise sustentou e forneceu substrato conceitual aos movimentos de emancipação da mulher emergentes no país a partir da profícua década de 1920.

Como ficou demonstrado, as condições que possibilitaram à mulher conquistar a emancipação do mundo masculino e encontrar espaço crescente no mercado profissional estavam postas desde o final da década de 1920, de tal modo que esse “novo lugar” reivindicado veio paulatinamente a ser ocupado por algumas personalidades dotadas de iniciativa pessoal, espírito pioneiro, ousadia e, sobretudo, brilhantismo intelectual. Particularmente no meio psicanalítico essa conjugação de fatores mostrou-se bastante favorável, especialmente entre os pioneiros do movimento psicanalítico que introduziram as ideias freudianas e deram início ao processo de formação psicanalítica no Brasil durante as décadas de 1930 a 1950. Nesse período inaugural, muitas mulheres se destacaram e assumiram posição de liderança em uma proporção bastante expressiva, quando comparadas a outras áreas da atuação profissional no mesmo período.

Em defesa deste raciocínio cabe mencionar que a primeira analista habilitada pela International Psychoanalytic Association (IPA) a exercer função didática no Brasil foi Adelheid Koch2 2 Adelheid Lucy Koch (1896-1980), de origem judia, nasceu em Berlim, onde se formou em medicina. Após ter sido analisada por Otto Fenichel, integrou a Sociedade Psicanalítica de Berlim. Em decorrência da diáspora judaica provocada pela perseguição nazista, emigrou para o Brasil em 1936 (Roudinesco & Plon, 1998). , que se radicou no país em 1936 e deu início, no ano seguinte, à análise de um grupo de interessados na psicanálise que, posteriormente, constituiriam a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Para além desta singularidade, um breve escrutínio nos registros de criação das Sociedades de Psicanálise surgidas no Brasil durante as primeiras décadas do século XX evidencia que a presença feminina foi expressiva, tanto no momento da fundação quanto nas etapas iniciais de sua estruturação. Na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, além de Adelheid Koch, destacaram-se Virgínia Leone Bicudo, Lygia Alcântara do Amaral e Judith Andreucci. No caso da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, segunda instituição a ser criada no Brasil, figuram entre os fundadores: Anna Katrin Kemper, Inaura Carneiro Leão Vetter, Noemy da Silveira Rudolfer, Zenaira Aranha e Inês Besouchet. Por sua vez, na história da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro figuram os nomes de Marialzira Perestrello, Inaura Vaz Carneiro Leão e Zenaira Aranha.

Dentre as mulheres que se destacaram como pioneiras da história do movimento psicanalítico no país, merecem maior atenção duas figuras emblemáticas da psicanálise brasileira por combinarem uma posição de vanguarda frente ao papel da mulher na sociedade de sua época e uma atuação marcante no meio psicanalítico. Esse papel fundamental na consolidação dos pilares institucionais da psicanálise pode ser aferido pela influência que essas pioneiras tiveram na formação de outros psicanalistas, pela extensa e relevante produção teórica da qual foram signatárias e pelos cargos de liderança que ocuparam junto às instituições psicanalíticas do país.

Virgínia Leone Bicudo

Virgínia Bicudo nasceu na cidade de São Paulo em 21 de novembro de 1910, filha de uma imigrante italiana que havia vindo para o Brasil ainda na infância e de um descendente de escravizado, que galgou melhores condições sociais por intermédio de seu pendor intelectual, que lhe possibilitou tornar-se funcionário dos correios. Como primogênita da família Bicudo, Virgínia foi fortemente investida pelas representações e desejos familiares de mobilidade social, de tal forma que suas habilidades intelectuais foram fortemente fomentadas desde a infância.

A despeito de sua origem humilde, Virginia Bicudo buscou nos estudos um caminho fecundo para granjear melhores condições sociais e superar adversidades. Em 1930 formou-se professora pela Escola Normal da Capital, futura Escola Caetano de Campos3 3 A “famosa escola da praça”, como era conhecida a Escola Normal da Capital, fundada em 1846, tinha como fundamento a difusão das ideias liberais, pautada na secularização do ensino público, que ganhou maior expressão após a Proclamação da República, em 1889. Na década de 1930 essa instituição foi transformada em Instituto Pedagógico, assumindo o caráter de curso superior, posteriormente, com a criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934, o Instituto Pedagógico foi encampado por esta Universidade, dando origem à Faculdade de Educação. . Sua passagem por esta escola tradicional da capital paulista é bastante significativa, tanto pelo que representou essa instituição de ensino, simbolizando o mais elevado grau de qualidade, inovação e competência na educação paulistana do início do século XX, quanto pelo significado pessoal que a conquista de tal espaço proporcionava, auferindo prestígio e reconhecimento social à filha de uma família inter-racial. Por outro lado, ao conviver nessa escola frequentada pelos filhos da elite paulistana, Virgínia Bicudo foi confrontada pelo preconceito racial.

Diz que quando foi para essa Escola da praça ficou muito feliz: começou a ter as oportunidades de estudo que as moças de uma classe social mais elevada tinham, com as quais veio a trabalhar depois e se desenvolver. Numa entrevista anterior (Mautner, 2000Mautner, A. V. (2000). Crônicas científicas. São Paulo, SP: Escuta ) ela conta que “para não ser rejeitada tirava nota boa na escola. Desde muito cedo, desenvolvi aptidões para evitar a rejeição. Você precisa tirar nota boa, ter bom comportamento e boa aplicação, para evitar ser prejudicada e dominada pela expectativa da rejeição, diziam meus pais. Por que essa expectativa? Por causa da cor da pele. Só pode ter sido por isso. Eu não tive na minha experiência outro motivo. Meu pai era preto, minha mãe italiana, branca”. (Haudenschild, 2004Haudenschild, T. R. L. (2004). Modernismo, mulher e psicanálise. In In memoriam: Virgínia Leone Bicudo, Yutaka Kubo e Adelheid Kock (pp. 63-71). São Paulo, SP: Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo., pp. 66-67)

O enfrentamento dessa realidade levou Virgínia Bicudo a encontrar respostas em várias direções, como constatam Maria Helena Teperman e Sonia Knofp (2011Teperman, M. H. I., & Knopf, S. (2011). Virgínia Bicudo: uma história da psicanálise brasileira. Jornal de Psicanálise, 44(80), 65-77.):

Mas uma inquietação permanente, uma busca de alguma coisa a mais, que a acompanhou vida afora, vai levá-la em outra direção. É ela mesma quem relata, muitos anos mais tarde, em depoimento ao Projeto Memória: “Eu tinha sofrimento, tinha dor e queria saber o que causava tanto sofrimento. Eu colocava que eram condições exteriores. Então pensei que, estudando Sociologia, iria me esclarecer…”. (p. 67)

Sem se deixar abater pelo preconceito racial, em 1932 Virgínia Bicudo formou-se educadora sanitária pela Escola de Higiene e Saúde Pública do Estado de São Paulo e, em 1936, ingressou na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Segundo ela, se a origem do preconceito era social, deveria procurar na sociologia formas de aplacar seu sofrimento em decorrência da discriminação racial. Dois são os principais legados desse período: foi nesse contexto que descobriu a psicanálise, por intermédio das aulas de psicologia social ministradas por Noemy Silveira e, em 1945, defendeu sua dissertação de mestrado intitulada “Identidade racial de pretos e mulatos em São Paulo” (Bicudo, 1945).

A descoberta da psicanálise proporcionou a Virgínia Bicudo não apenas um caminho profissional, mas também uma nova experiência de vida. Em entrevista concedida em 1994 ao jornal Folha de S.Paulo, o contexto dessa aproximação foi rememorado.

No segundo ano do curso, com a professora Noemy Silveira, tive contato com a psicologia social. Comecei a ler e ali encontrei a psicologia do inconsciente de Sigmund Freud. Aí disse: “É isso que estou procurando”. . . . Saí por São Paulo correndo, perguntando sobre onde poderia encontrar curso de psicanálise. Aí me disseram que a resposta estava em Durval Marcondes, psiquiatra. Eu o procurei e perguntei sobre o curso. Ai ele falou: “A senhora já pediu permissão a seu pai, para ver se ele deixa a senhora fazer esse curso?”. . . . Precisava de permissão, e o Durval falava que precisava disso porque era um curso que iria lidar com sexualidade, e havia muito preconceito. Quando ele pediu essa permissão eu não falei nada para ele, e disse: “Está bem, na próxima sessão eu trago a permissão de meu pai”. Mas meu pai já tinha morrido. Voltei, e na outra sessão afirmei: “Meu pai disse que posso fazer o curso, me deu permissão”. Foi assim que comecei a entrar na linha de Durval Marcondes. (Bicudo, 1994a, p. 6)

Quando procurou Durval Marcondes, Virgínia Bicudo contava 25 anos. Apesar de bastante jovem, já havia conquistado sua independência financeira - tendo em vista que, desde 1933, atuava como professora primária, e plena autonomia sobre sua vida, além do que tinha uma personalidade inquieta e determinada, condições que, combinadas, a capacitavam a tomar iniciativas consideradas ousadas para a época e correr os riscos que delas decorriam.

Entre estas iniciativas, Virgínia Bicudo passou a compor um pequeno grupo de profissionais, capitaneados por Adelheid Koch, que buscavam implementar a formação analítica dentro dos moldes preconizados pela IPA, à semelhança do que ocorria na Europa. Assim, Durval Marcondes, Flávio Dias, Darcy de Mendonça Uchoa e Virgínia Bicudo iniciaram análise com Adelheid Koch em novembro de 1937 (Sagawa, 2002). Virgínia Bicudo foi a primeira mulher a ser habilitada como psicanalista no país4 4 Virgínia Bicudo é considerada a primeira analista mulher a obter a habilitação pela IPA na América Latina, quando a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo obteve o reconhecimento provisório em 1944, tendo em vista que Adelheid Koch já havia obtido sua habilitação como psicanalista quando chegou ao Brasil em 1936. . Três elementos a distinguem de seus colegas de divã: uma condição econômica menos abastada, o fato de não possuir formação médica e sua condição de mulher em um grupo predominantemente masculino.

A partir de 1938 Virgínia Bicudo passou a atuar junto à Clínica de Orientação Infantil da Seção de Higiene Mental Escolar do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, que havia sido idealizada por Durval Marcondes com a finalidade de oferecer “atendimento ao escolar deficitário” por intermédio de psicodiagnóstico e orientação de pais e professores, aliando princípios da higiene mental da criança à psicanálise. Paralelamente a essa atividade, Virgínia iniciou atendimento clínico em consultório particular, o que lhe permitiu custear sua análise didática com Adelheid Koch.

Segundo Abrão (2010Abrão, J. L. F. (2010). Virgínia Bicudo: a trajetória de uma psicanalista brasileira. São Paulo, SP: Arte & Ciência.), gradativamente, Virgínia Bicudo foi assumindo posição de liderança no trabalho que executava junto à Clínica de Orientação Infantil, sobretudo no que concerne à orientação de pais fundamentada em princípios psicanalíticos, constituindo uma forma de aplicação da psicanálise à educação infantil, que se tornou bastante popular e teve grande aceitação no Brasil durante as décadas de 1940 e 1950. Assim, as ações da Clínica de Orientação Infantil ultrapassaram suas fronteiras, conquistando espaço em diferentes veículos de comunicação e assumindo forte dimensão social por intermédio de artigos divulgados no jornal Folha da Manhã, precursor da Folha de S.Paulo, e da apresentação de um programa popular na Rádio Excelsior.

“Nosso Mundo Mental” foi o nome de batismo de um programa da Rádio Excelsior, colocado ao ar em 1950 sob criação de Virgínia Bicudo. “Fiz programa de rádio. Os artistas representavam falando e eu interpretava. Foi um grande sucesso em São Paulo. Todo mundo ouvia” (Entrevista em 28 de outubro de 1982). Com título homônimo foi criada uma seção fixa no Jornal Folha da Manhã, que saía aos domingos ocupando uma página inteira. Virgínia Bicudo dava conferências no auditório da Folha, que ficava lotado com 300 pessoas E, por fim, Virgínia relatou que “depois reuni isso num livro e publiquei. Esgotou! Que interesse havia! E ainda há”. . . . “Foi um sucesso tão grande que, na Câmara de Vereadores, um deles tomou a palavra e mandou colocar na minha ficha um elogio. Eu estava justamente aplicando a psicanálise aos problemas da criança”. (Sagawa, 1994Sagawa, R. (1996). A construção local da psicanálise. Marília, SP: Editora Interior/Psicanálise., p. 21)

Essas ações de difusão do conhecimento psicanalítico junto à opinião pública, lideradas com brilhantismo e entusiasmo por Virgínia Bicudo, reverberaram em duas direções opostas. Por um lado, sedimentou uma importante dimensão social da psicanálise, na medida em que as ideias freudianas eram aplicadas em ações que ultrapassavam os limites estritos da clínica e beneficiavam um maior número de pessoas, conferindo legitimidade e reconhecimento social à psicanálise. Por outro lado, promoveu forte resistência do meio médico, que considerava irregular a prática da psicanálise por não médicos. Em verdade, como destaca Mantagna (1994Montagna, P. (1994). Psicanálise e psiquiatria, São Paulo. In L. Nosek (Org.), Álbum de família: imagens, fontes e ideias da psicanálise em São Paulo (pp. 29-38). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo .), embora as acusações recaíssem sobre a prática da psicanálise leiga, o que verdadeiramente estava em jogo era um confronto entre a psiquiatria acadêmica, liderada por Antônio Carlos Pacheco e Silva, e a psicanálise, comandada por Durval Marcondes, que em São Paulo tomaram caminhos divergentes.

O ápice desta disputa, que teve seu epicentro em torno de Virgínia Bicudo, ocorreu em 1954 durante o I Congresso Latino-Americano de Saúde Mental. Nessa ocasião, durante a apresentação dos trabalhos da Clínica de Orientação Infantil do Serviço de Higiene Mental Escolar, em que Virgínia assumiu papel proeminente, um grupo de médicos se insurgiu e começou a acusá-la de charlatanismo. Esse fato lamentável assumiu uma feição bastante traumática para Virgínia Bicudo, promovendo o recrudescimento das vivências de preconceito e rejeição social a que ela havia sido submetida durante a infância por ser uma mulher racializada5 5 Do ponto de vista legal, as questões relativas às acusações de charlatanismo não tiveram maiores consequências, e a questão foi formalmente resolvida quando do reconhecimento legal da profissão de psicólogo no país, em 1962. .

Alguém que foi alvo de um quinhão maior de preconceitos que a maioria das pessoas que conheci. Paradoxalmente, pareceu-me quase desprovida deles. Como ela mesma dizia de si mesma, com uma sinceridade desconcertante: “Desde pequena fui vista como uma negrinha pobre. Quando cresci meu crime foi ser uma mulher emancipada”. (Sandler, 2004Sandler, P. C. (2004). Tia Virgínia e o desenvolvimento: algumas memórias para o futuro. In In memoriam: Virgínia Leone Bicudo, Yutaka Kubo e Adelheid Kock (pp. 28-43). São Paulo, SP: Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo ., p. 29)

Perante tais adversidades, Virgínia Bicudo, valendo-se mais uma vez do intelecto como refúgio para as aflições da alma, decidiu afastar-se do Brasil rumo a um período propedêutico na Sociedade Britânica de Psicanálise, que se estenderia de 1955 a 19596 6 Nesse interim, em 1958, Annita de Castilho Marcondes Cabral, juntamente com Durval Marcondes, Cícero Cristiano de Souza e Aníbal Silveira, criaram o Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP). Durval Marcondes, a convite de Annita, coordenou o Curso de Especialização, marcando de forma emblemática o percurso da Psicologia no Brasil. O Curso abriu portas para o estabelecimento do Departamento de Psicologia, que seria precursor do Instituto de Psicologia da USP, onde a Clínica Psicológica do Departamento de Psicologia Clínica leva o nome de Durval Marcondes em homenagem ao seu pioneirismo. . Para viabilizar economicamente essa iniciativa, conseguiu um afastamento remunerado do Governo do Estado de São Paulo. Nesse período foi analisada por Frank Philips, fez supervisão com Melanie Klein e frequentou diversos seminários clínicos e teóricos na Sociedade Britânica de Psicanálise e na Clínica Tavistock.

De regresso ao Brasil, Virgínia Bicudo passou a desfrutar de grande prestígio, dada a solidez de sua formação na Inglaterra e da mística de ter sido supervisionada por Melanie Klein, cujos reflexos reverberaram tanto na clínica particular, com forte demanda para análise didática e supervisão, quanto no âmbito institucional, visto que assumiu a diretoria do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, cargo que ocuparia de 1963 a 1973.

A partir da década de 1960, Virgínia Bicudo passou a promover a difusão da psicanálise no Brasil não mais com ênfase nas ações de abrangência social, como havia realizado anteriormente. Seu foco a partir desse período foi direcionado para a transmissão da psicanálise, com destaque para a formação de novos profissionais, mediante duas ações inovadoras. A criação de dois veículos de comunicação destinados a transmitir a produção psicanalítica nacional: o Jornal de Psicanálise, criado em 1966, originalmente voltado para a divulgação dos trabalhos escritos pelos candidatos do Instituto de Psicanálise, e a Revista Brasileira de Psicanálise, fundada um ano depois, em 1967. Em outra direção, Virgínia Bicudo capitaneou mais uma iniciativa ousada, ao iniciar, na década de 1970, a análise de um grupo de aspirantes à formação psicanalítica em Brasília. Desta iniciativa resultou a criação da Sociedade de Psicanálise de Brasília.

Os registros históricos fixaram Virginia como uma das responsáveis pela criação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), que foi o principal centro de formação de psicanalistas àquela época. Na condição de disciplina científica, a psicanálise foi fortemente influenciada, em seu processo de implantação e desenvolvimento no país pelas ações políticas, didáticas e administrativas de Virgínia Bicudo, sobretudo por suas iniciativas de promover sua dimensão social e expandir a formação psicanalítica no país.

Educadora sanitária, visitadora psiquiátrica, cientista social, professora universitária, psicanalista, divulgadora científica, protagonista de diversas iniciativas no plano da institucionalização da psicanálise no Brasil, eis o mundo diverso em que Bicudo transitou. Considero, a partir das marcas de sua trajetória, que Virginia Bicudo concebe o conflito como parte constitutiva da vida social. Um dos casos exemplares desta visão encontra-se na sua dissertação de mestrado Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo defendida na ELSP em 1945. Os achados sociológicos de Virgínia Bicudo interpelam visões tradicionais dos anos 1940 e 1950, que concebem a existência de harmonia racial e interpretam o preconceito de cor como subsumido ao de classe. Nesse sentido, o trabalho pioneiro de Bicudo ao lado das pesquisas realizadas por Oracy Nogueira revela o protagonismo e a atualidade dos estudos sobre as relações raciais no Brasil realizados pela Escola Livre de Sociologia e Política. (Maio, 2010Maio, M. C. (2010). Educação sanitária, estudos de atitudes raciais e psicanálise na trajetória de Virgínia Leone Bicudo. Cadernos Pagu, 35, 309-355., p. 311)

Em síntese, pode-se afirmar que a relação entre a psicanálise e a vida de Virgínia Bicudo comporta diferentes dimensões, de modo tal que se pode considerar que uma é constitutiva da outra: enquanto representante da atmosfera de modernização tardia da sociedade brasileira, a psicanálise influenciou a formação da mulher Virgínia Bicudo em um momento histórico marcado pela busca da emancipação feminina; como processo terapêutico, a psicanálise proporcionou à Virgínia Bicudo a elaboração de angústias decorrentes do preconceito racial e de gênero que teve de enfrentar durante toda a vida. Assim, é possível conjecturar que essas marcas biográficas podem ter contribuído para lapidar sua personalidade afeita ao desafio e à busca destemida da verdade.

Marialzira Perestrello

Marialzira Perestrello nasceu no Rio de Janeiro em 5 de março de 1916, em uma família marcada por fortes referências culturais. Seu pai foi o consagrado jurista Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, que ganhou notoriedade na primeira metade do século XX tanto no meio jurídico quanto diplomático, tendo inclusive ocupado a Cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras dada a expressividade de sua obra jurídica. Por seu turno, sua mãe, Maria Beatriz Cavalcanti Pontes de Miranda, era dotada de personalidade forte e ideias inovadoras para a época, marcadas por um forte ativismo feminista. Foi filiada ao Partido Comunista Brasileiro e atuou em movimentos sufragistas na década de 1930, em defesa dos direitos da mulher. Foi integrante da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada por Bertha Lutz, e costumava dizer que suas quatro filhas deveriam estudar para que pudessem se casar por amor e não por necessidade de garantir amparo financeiro.

Em meio a essa atmosfera familiar e cultural, a vida intelectual de Marialzira Perestrello sempre foi muito estimulada. A título autobiográfico, anos mais tarde ela descreveria esse período efervescente de sua formação intelectual, referindo-se a si própria na terceira pessoa:

Marialzira, durante a infância e juventude, viu sua casa frequentada por intelectuais, artistas, escritores e cientistas. Homens e mulheres ilustres. A admiração e amizade pessoal de seu pai por grandes médicos - como Oswaldo Cruz, Juliano Moreira, Carlos Chagas, Manoel de Abreu, Arthur Neiva e outros - muito influíram na escolha da carreira médica. Mocinha ainda, orientada por seus pais, leu escritores de Portugal, entrou em contato com literatura francesa, assim como com Platão, e autores alemães, através de uma edição bilíngue para o francês. (Perestrello, 1987Perestrello, M. (1987). História da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro: suas origens e fundação. Rio de Janeiro, RJ: Imago.a, p. 98)

Entre os 12 e 16 anos, Marialzira Perestrello frequentou o Colégio Notre Dame de Sion em Petrópolis, colégio interno cujas aulas eram ministradas integralmente em francês. Posteriormente, ingressou na Faculdade Nacional de Medicina7 7 A Faculdade Nacional de Medicina foi fundada em 1808 pelo Príncipe Regente D. João, com a vinda da Família Real portuguesa, sob a denominação de Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia. Instalada inicialmente no Hospital Militar do Morro do Castelo, em 1918 foi transferida para um prédio próprio localizado na Praia Vermelha e, em 1937, com a criação da Universidade do Brasil, teve sua denominação redefinida como Faculdade Nacional de Medicina. Atualmente, é denominada Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. , onde se formou em 1939. Além da forte influência familiar, que a conduziu ao curso de medicina em uma época na qual este raramente era frequentado por mulheres, deve-se destacar que, a partir da década de 1930, a carreira médica, em franca ascensão no país, passou a despertar o interesse da classe média.

Seu primeiro contato com a psicanálise ocorreu ainda nos anos de faculdade, não por influência de seus professores, mas por intermédio de seu pai.

O primeiro contato que eu tive com a psicanálise foi quando eu estava na faculdade ainda, o meu pai me deu um livro de Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Eu lembro que na época eu achei muito dócil [o livro]. Eu havia estudado em colégio de freira, você imagina, ler aquele livro não foi fácil, mas eu me interessei bastante (Depoimento de 13 jun. 2012).

Ainda na Faculdade de Medicina ela acabaria reencontrando seu amigo de infância Danilo Perestrello, com quem veio a se casar em janeiro de 1941, em uma cerimônia exclusivamente civil por escolha dos nubentes, padrão pouco habitual para as famílias de classe média e alta da época, que valorizavam os ritos religiosos. A opção por cursar a faculdade de medicina e a de se casar podem ser interpretadas como uma certa continuidade da submissão ao patriarcado, com a relação de poder deslocando-se da figura do pai para o esposo e da família para o discurso médico.

O contato mais efetivo com a psicanálise data da década de 1940. Os apontamentos históricos de Marialzira Perestrello (1987Perestrello, M. (1987). História da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro: suas origens e fundação. Rio de Janeiro, RJ: Imago.) informam que, desde o início da década de 1940, um grupo de psiquiatras vinculados ao Serviço Nacional de Doenças Mentais buscavam promover o estudo da psicanálise e fazer gestões junto a psicanalistas estrangeiros para que um analista didata viesse a instalar-se no Rio de Janeiro, com o propósito de coordenar a formação de futuros psicanalistas. Para tanto fundaram, em 1944, o Centro de Estudos Juliano Moreira. Dadas as dificuldades de atrair um analista didata para a então capital federal, Danilo Perestrello, Marialzira Perestrello e Walderedo Ismael de Oliveira dirigiram-se, no final de 1946, para a Argentina, indo juntar-se ao psiquiatra carioca Alcyon Bahia que lá se encontrava, com o propósito de cumprirem o treinamento psicanalítico junto à Associação Psicanalítica Argentina, retornando em fevereiro de 1949. O contexto da permanência do casal Perestrello em Buenos Aires é narrado pelo filho Sigmund Perestrello.

Eles optaram por fazer a formação psicanalítica, que no Brasil ainda estava incipiente, em Buenos Aires. Lá eles ficaram três anos fazendo análises pessoais seis vezes por semana, inclusive aos sábados. Fizeram, digamos assim, uma análise intensiva. Sem retaguarda financeira, ou seja, os dois, de certa maneira tiveram a boa vontade dos didatas de lá, de financiarem esse período. Depois, durante alguns anos eles ficaram pagando esses analistas por todo esse tempo que eles lá ficaram. Depois eles voltaram muitas vezes à Argentina para fazerem reanálises, depois de analistas formados e de serem didatas aqui. Minha mãe fez análise com Pichon-Rivière e a reanálise com Marie Langer. Nesta época meu pai e ela trabalharam na clínica que o Pichon-Rivière tinha, Clínica das Mercedes, que era um lugar de uma psiquiatria muito mais arejada, muito mais dinâmica. . . . Até pouco tempo atrás ela ainda ia para Buenos Aires, no congresso que teve em 1991 ela voltou lá, foi homenageada. O presidente da IPA na época, Horácio Etchegoyen, tinha sido calouro dela na formação psicanalítica, ele mencionou isso na homenagem (Depoimento de 10 ago. 2015).

A rotina de Marialzira Perestrello em Buenos Aires foi organizada de tal forma que, pela manhã, frequentava o Hospício de Las Mercedes e o Serviço de Psiquiatria de la Edad Juvenil, tornando-se uma das responsáveis pelo Departamento Infantil. No período da tarde realizava sua análise didática com Enrique Pichon-Rivière, analista de grande proeminência na psicanálise argentina, e supervisão clínica com Angel Garma e Celes Cárcano. Finalmente, no período noturno, frequentava os seminários teóricos oferecidas pela Associação Psicanalítica Argentina.

Sua habilitação como psicanalista ocorreu um pouco mais tarde, em 1952, quando apresentou o segundo relatório clínico à Associação Psicanalítica Argentina. Desse modo, Marialzira Perestrelllo tornou-se a primeira mulher psicanalista habilitada pela IPA no Rio de Janeiro. Ainda que Iracy Doyle (1911-1956) tenha se submetido à análise didática em Nova Iorque de forma concomitante à Marialzira Perestrello em Buenos Aires, a primeira não se filiou à IPA. Não se trata aqui de prestar tributo à IPA, mas sim de reconhecer que essa vinculação teve o condão de proporcionar à Marialzira condições de influenciar a formação de futuras gerações de psicanalisas.

Pouco tempo depois de seu regresso, Marialzira Perestrello passou a atuar na Clínica de Orientação Infantil do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, criada por iniciativa de Maurício Campos de Medeiros, catedrático de psiquiatria desta Universidade, onde permaneceu de 1953 a 1955, introduzindo as ideias psicanalíticas nesta instituição por intermédio da avaliação psicológica de crianças e orientação de pais.

Um fato emblemático das questões de gênero que atravessavam as relações sociais na década de 1950 pode ser visto na identificação da mulher com as questões ligadas à educação infantil. Embora Marialzira Perestrello não tivesse a intenção de atuar como psicanalista de crianças, em muitas situações ela se viu colocada neste lugar pelo fato de ser mulher, uma marca biográfica narrada por ela em depoimento concedido em 1997.

Eu nunca fui psicanalista de crianças, eu trabalhei na área infantil, mas sem querer ser psicanalista de crianças. Eu só analisei duas menininhas pequenas, isso pela orientação que eu recebi na Argentina. Arminda Aberastury achava que todo analista de adulto deveria ter uma experiência em análise infantil, ao menos uma criança, porque o inconsciente está ali, à flor da pele. Então, quando eu cheguei no Rio de Janeiro, me telefonavam e aí vinha o preconceito de homem e mulher. Pensavam, psicanalista de adultos era meu marido, psicanalista de crianças, a mulher. (Abrão, 2001Abrão, J. L. F. (2001). A história da psicanálise de crianças no Brasil. São Paulo, SP: Escuta., p. 162)

Outra ação pioneira empreendida por Marialzira Perestrello foi a participação na fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, que teve seu reconhecimento provisório pela IPA em 1957 e, dois anos depois, em 1959, o reconhecimento definitivo. Este fato, para além de uma formalidade, representa a conquista de um grupo que buscava promover a formação de psicanalistas na capital do país, como meio de garantir a expansão da psicanálise no Brasil.

Durante as décadas de 1960 e 1970 observa-se um forte arrefecimento das iniciativas profissionais de Marialzira Perestrello que marcaram seu pioneirismo na psicanálise carioca. Essa transformação parece ter ocorrido em função de que as responsabilidades inerentes ao cuidado familiar, que recaíram majoritariamente sobre ela no período do adoecimento de seu marido, limitavam em certa medida sua disponibilidade em investir em sua produção intelectual. Foi justamente nesse período que Marialzira Perestrello descobriu sua vocação para a poesia, passando a escrever, com forte tom autobiográfico, de forma ininterrupta até o final de sua vida.8 8 Marialzira Perestrello deixou uma extensa obra poética, tendo publicado os seguintes livros de poemas: Há um quadrado no céu que não viram (1972), Nosso canto a nosso jeito (1975), Ruas caladas (1978), Mãos dadas (1989), A música persiste… (1995), Tudo é presente (2001), Caminhos da vida (2003), Pedaços de vida (2006), A barca branca (2007), Cantos da varanda (2009) e Mar e memórias (2012).

Uma mudança de perspectiva começa a ser percebida a partir de meados da década de 1980, quando Marialzira Perestrello contava, aproximadamente, 70 anos, e fica particularmente notória após a morte de seu marido, ocorrida em 1989. Nesse período sua produção psicanalítica começa a adensar-se e a ganhar um contorno muito bem delimitado, definindo temas de interesse de ampla repercussão no meio científico, que podem ser classificados em quatro vertentes principais: 1) História da psicanálise no Brasil, 2) Relação entre psicanálise, arte e literatura, 3) A vida de Freud, com ênfase em sua formação cultural e 4) Da criatividade e do envelhecer.

Ao completar 80 anos, Marialzira Perestrello não mais aceitava receber novos pacientes em análise didática, tendo em vista sua idade avançada, preferindo canalizar sua energia e ânsia de viver criativamente para as atividades intelectuais, as quais foram, ao longo de toda sua vida, importante elemento mediador de suas experiências emocionais. Manteve-se ativa e vivaz até poucos meses antes de sua morte, ocorrida em 27 de janeiro de 2015, aos 99 anos. Ao que parece, sempre desejou viver intensamente, ainda que o organismo, já desgastado, não correspondesse a essa expectativa. Todavia, sua admirável vivacidade mental compensava o crepúsculo do corpo.

Considerações finais

A psicanálise representou, nas primeiras décadas do século XX, um importante instrumento de modernização cultural que, juntamente com outras iniciativas no campo social e científico do país, compôs o substrato necessário para a transição do provincianismo agrário dominado pela oligarquia rural rumo à industrialização e ao acelerado processo de urbanização. Foi neste contexto que os movimentos precursores da emancipação da mulher começaram a se consolidar, movidos por diversas influências, entre as quais a psicanálise.

As mulheres assumiram protagonismo na difusão da psicanálise no contexto brasileiro, tanto do ponto de vista da prática clínica quanto da construção do conhecimento científico e divulgação das ideias. Durante o processo de institucionalização do movimento psicanalítico no Brasil, que tomou forma a partir da década de 1950, as mulheres tiverem participação de destaque na criação das Sociedades de Psicanálise, assumindo posições de liderança ou atuando na formação de novos psicanalistas. Virgínia Bicudo e Marialzira Perestrello, resguardadas as diferenças e peculiaridades de seus percursos profissionais e origem familiar, assumem proeminência na medida em que podem ser tomadas como elementos emblemáticos deste fenômeno de maior projeção da mulher no contexto da prática psicanalítica.

É importante destacar que, embora essas duas pioneiras da psicanálise no Brasil não tenham integrado diretamente as fileiras dos movimentos feministas voltados à militância política, com a finalidade de promover ações específicas para a transformação da realidade social vivida pela mulher no início do século XX, suas iniciativas enquanto mulheres independentes e profissionais autônomas as colocam em uma posição de vanguarda na sociedade da época, desbravando fronteiras e ocupando espaços até então pouco acessíveis para o gênero feminino. Dessa maneira, ao assumirem um papel de liderança, romperam estereótipos e preconceitos de classe e de gênero e, na medida em que suas ações na condição de psicanalistas pioneiras ganharam abrangência social, contribuíram para a disseminação do papel de maior protagonismo que seria assumido gradualmente pelas mulheres durante a primeira metade do século XX.

Virginia e Marialzira construíram suas carreiras e trajetórias profissionais sob circunstâncias históricas que impunham a condição de subalternização da mulher, mas não se resignaram a desempenhar os papeis tradicionais designados por uma estrutura patriarcal ordenada por e para os homens. Suas biografias são exemplares sob diversos aspectos, especialmente por terem rompido barreiras e conquistado relevância em um mundo dominado pelo poder masculino. Foram desbravadoras em campos do conhecimento - medicina, psicanálise - generificados e verticalizados. Foram inovadoras e protagonistas da alvorada de uma nova era, que ajudaram a sedimentar e para a qual ofereceram inestimável contribuição. O legado deixado por essas duas mestras reflete as inquietações históricas daquele período de formação da sociedade brasileira e a luta pela conquista da identidade do profissional psi e da instituição psicanalítica, pari passu com a construção da psicologia brasileira.

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  • 1
    Bertha Lutz (1894-1976), bióloga licenciada pela Universidade de Sorbonne, atuou como docente e pesquisadora do Museu Nacional, foi fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino e participou ativamente da luta pelo voto feminino. Vale lembrar que as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar apenas em 1932, por meio do Decreto nº 21.076 assinado pelo presidente Getúlio Vargas.
  • 2
    Adelheid Lucy Koch (1896-1980), de origem judia, nasceu em Berlim, onde se formou em medicina. Após ter sido analisada por Otto Fenichel, integrou a Sociedade Psicanalítica de Berlim. Em decorrência da diáspora judaica provocada pela perseguição nazista, emigrou para o Brasil em 1936 (Roudinesco & Plon, 1998Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise (V. Ribeiro & L. Magalhães, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar.).
  • 3
    A “famosa escola da praça”, como era conhecida a Escola Normal da Capital, fundada em 1846, tinha como fundamento a difusão das ideias liberais, pautada na secularização do ensino público, que ganhou maior expressão após a Proclamação da República, em 1889. Na década de 1930 essa instituição foi transformada em Instituto Pedagógico, assumindo o caráter de curso superior, posteriormente, com a criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934, o Instituto Pedagógico foi encampado por esta Universidade, dando origem à Faculdade de Educação.
  • 4
    Virgínia Bicudo é considerada a primeira analista mulher a obter a habilitação pela IPA na América Latina, quando a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo obteve o reconhecimento provisório em 1944, tendo em vista que Adelheid Koch já havia obtido sua habilitação como psicanalista quando chegou ao Brasil em 1936.
  • 5
    Do ponto de vista legal, as questões relativas às acusações de charlatanismo não tiveram maiores consequências, e a questão foi formalmente resolvida quando do reconhecimento legal da profissão de psicólogo no país, em 1962.
  • 6
    Nesse interim, em 1958, Annita de Castilho Marcondes Cabral, juntamente com Durval Marcondes, Cícero Cristiano de Souza e Aníbal Silveira, criaram o Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP). Durval Marcondes, a convite de Annita, coordenou o Curso de Especialização, marcando de forma emblemática o percurso da Psicologia no Brasil. O Curso abriu portas para o estabelecimento do Departamento de Psicologia, que seria precursor do Instituto de Psicologia da USP, onde a Clínica Psicológica do Departamento de Psicologia Clínica leva o nome de Durval Marcondes em homenagem ao seu pioneirismo.
  • 7
    A Faculdade Nacional de Medicina foi fundada em 1808 pelo Príncipe Regente D. João, com a vinda da Família Real portuguesa, sob a denominação de Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia. Instalada inicialmente no Hospital Militar do Morro do Castelo, em 1918 foi transferida para um prédio próprio localizado na Praia Vermelha e, em 1937, com a criação da Universidade do Brasil, teve sua denominação redefinida como Faculdade Nacional de Medicina. Atualmente, é denominada Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 8
    Marialzira Perestrello deixou uma extensa obra poética, tendo publicado os seguintes livros de poemas: Há um quadrado no céu que não viram (1972), Nosso canto a nosso jeito (1975), Ruas caladas (1978), Mãos dadas (1989), A música persiste… (1995), Tudo é presente (2001), Caminhos da vida (2003), Pedaços de vida (2006), A barca branca (2007), Cantos da varanda (2009) e Mar e memórias (2012).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2023
  • Aceito
    19 Abr 2023
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