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A noção de psicanálise aplicada nos primeiros anos do movimento psicanalítico

La notion de psychanalyse appliquée dans les premières années du mouvement psychanalytique

La noción de psicoanálisis aplicado en los primeros años del movimiento psicoanalítico

Resumo

Levando em conta a inserção da psicanálise no contexto científico da segunda metade do século XIX, o objetivo deste artigo será discutir a noção de psicanálise aplicada sustentada por Freud e seus pares nos primeiros anos do movimento psicanalítico. Para tal serão consultados trabalhos considerados pelo movimento como aplicados, assim como algumas contribuições de caráter metodológico, todos publicados durante este período inicial da história da psicanálise. Cabe ressaltar que, neste artigo, será priorizado o estudo das fontes primárias ligadas ao debate em questão.

Palavras-chave:
psicanálise aplicada; método psicanalítico; história da psicanálise

Résumé

En tenant compte de l'inclusion de la psychanalyse dans le contexte scientifique de la seconde moitié du XIXème siècle, l'objectif de cet article est de discuter la notion de psychanalyse appliquée soutenue par Freud et ses pairs dans les premières années du mouvement psychanalytique. À cette fin, ils seront consultés les travails considérés par le mouvement psychanalytique comme appliqués, ainsi que des contributions de nature méthodologique, tous publiés au cours de cette période initiale de l'histoire de la psychanalyse. On remarque que cet article donnera la priorité à l'étude des sources primaires liées au débat en question.

Mots-clés:
psychanalyse appliquée; méthode psychanalytique; histoire de la psychanalyse

Resumen

Teniendo en cuenta la inserción del psicoanálisis en el contexto científico de la segunda mitad del siglo XIX, este artículo tiene el propósito de discutir la noción de psicoanálisis aplicado iniciada, desde principios del siglo XX, por Freud y sus colegas en los primeros años del movimiento psicoanalítico. Para ello se consultarán los trabajos considerados como aplicados por dicho movimiento y algunos aportes de carácter metodológico, todos publicados durante este período inicial de la historia del psicoanálisis. Este artículo dará prioridad al estudio de las fuentes primarias relacionadas con el debate en cuestión.

Palabras clave:
psicoanálisis aplicado; método psicoanalítico; historia del psicoanálisis

Abstract

Taking into account the introduction of psychoanalysis in the scientific context of the second half of the 19th century, this article aims to discuss the notion of applied psychoanalysis that was supported by Freud and his peers in the first years of the psychoanalytic movement. To do so, some essays that are considered by the movement as applied will be referred to, and so will some contributions of methodological nature, all of them published in this early period of psychoanalysis history. It should be said that, in this article, the study of primary sources in connection with the related discussion will be given priority.

Keywords:
applied psychoanalysis; psychoanalytic method; history of psychoanalysis

Introdução

No campo das ciências naturais, a distinção en tre um saber dito puro, por vezes também chamado de conhecimento básico ou fundamental, e outro dito apli cado não pode ser considerada um detalhe, um capricho. Em primeiro lugar porque não se trata de uma distinção recente na história destas ciências. Em segundo, pelo fato de se tratar de uma distinção que parece orientar todo o ideal moderno de ciência, de acordo com o qual é preciso antes conhecer a natureza, para poder então prevê-la, con trolá-la e agir sobre ela.

Nesse sentido, como argumenta Koyré (1943/1986)Koyré, A. (1986). Galileu e Platão. Lisboa: Gradiva. (Trabalho original publicado em 1943), o cientista moderno representa um salto em relação ao homo faber que, embora fosse capaz de exercer controle sobre a natureza, limitava o seu agir pela técnica. Nesses termos, o cientista moderno - personagem que passaria a se iden tificar com figuras como as de Galileu e Descartes - surge como um teórico, um sujeito mais próximo da filosofia do que dos ofícios, sujeito comprometido com a construção de modelos distantes até certo ponto da experiência cotidiana:

A ciência destes [de Galileu e Descartes] não é de engenheiros ou artesãos, mas de homens cuja obra raramente ultrapassou a ordem da teoria.... Galileu não aprendeu o seu ofício com aqueles que se atarefavam nos arsenais e estaleiros navais de Veneza. Muito pelo contrário: ensinou-lhes o dele (pp. 12-13).

O que expõe Koyré na primeira metade do século XX já se mostrava presente na obra dos grandes arautos da ciência, como Francis Bacon, D'Alembert e Augusto Comte. À sua maneira, cada um destes autores já havia estabelecido uma distinção clara entre os ramos teórico e prático, paralelo do que aqui denominamos puro e apli cado. Comte, por exemplo, baseando-se em seus anteces sores, dirá que todas as realizações humanas são "ou de especulação ou de ação", o que daria base ao âmbito mais geral de sua classificação do conhecimento. Tal classifica ção incluiria, por um lado, o saber teórico considerado mais fundamental e, por outro, o saber prático, necessariamente derivado daquele primeiro (Comte, 1830/1936Comte, A. (1936). Cours de philosophie positive: 1er et 2e leçons. Paris: Librairie Larousse. (Trabalho original apresentado em 1830), p. 55).

No caso particular da medicina científica, que tem na obra do médico francês Claude Bernard (1813-1878) um dos seus principais representantes, podemos observar o mesmo movimento que buscava opor estes saberes de or dens distintas. Como aponta Bernard em sua obra mais co nhecida, Introdução ao estudo da medicina experimental (1865/1966Bernard, C. (1966). Introduction à l'étude de la médecine expérimentale. Paris: Garnier-Flammarion. (Trabalho original publicado em 1865)), é Eugène Chevreul o seu autor de referência em tudo que concerne à "filosofia da ciência experimental" (p. 12). Com base na obra de Chevreul, figura importante no cenário científico francês do século XIX e responsável pela introdução da nomenclatura puro e aplicado, Bernard assumiria a distinção entre conhecimento teórico e aplica do. O primeiro deles seria alcançado pelo estudo experi mental do homem, sendo o segundo o seu desdobramento prático; neste caso, aquele que orientaria o médico em sua prática clínica cotidiana. A propósito dessa nomenclatura, segue a citação de Chevreul (1866)Chrevreul, E. (1866). Introduction à l'histoire des connaissances chimiques. Paris: L. Guérin et Cie.:

As ciências médicas [entendidas como ciências naturais aplicadas] cujo objetivo é curar as doen ças não têm... qualquer característica essencial, pois elas tomam de empréstimo, para atender este objetivo, a totalidade dos conhecimentos que con cernem às ciências naturais puras e às ciências matemáticas.... é impossível não admitir que o conhecimento dos defeitos estruturais dos órgãos humanos e as doenças fazem parte integrante da anatomia e fisiologia, isto é, do domínio da ciência pura. (p. 269, grifo e tradução nossos)

Oriundo do campo médico, o movimento psicana lítico da primeira década do século XX adotou essa mes ma terminologia, que, por sua vez, carregara consigo essa mesma carga semântica estabelecida em diferentes domí nios pelos fundadores da ciência moderna. Não por acaso, Freud e seus colaboradores, certos do pertencimento da re cente ciência psicanalítica ao campo das ciências naturais, nele enquadrariam a pesquisa e a prática da psicanálise. Nesses termos, seriam então definidas na ata de fundação da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) as duas vi cissitudes dessa nova ciência, entendida como: "psicologia pura" e "em sua aplicação à medicina e às humanidades" (Ferenczi & Jung, citado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), p. 641).

Sendo o objetivo deste artigo discutir, com relação à inserção da psicanálise no campo da ciência, o lugar da psicanálise aplicada, e levando em conta as particulari dades que acompanham tal inserção, a questão que nos ocupará será a seguinte: em que sentido a/uma psicanáli se pode ser concebida como uma disciplina ou uma prá tica aplicada? Ou, simplesmente, o que vem a significar aplicação em psicanálise? Restringiremos a discussão, aqui, ao exame da apropriação das categorias de puro e aplicado nos primeiros anos do movimento psicanalítico, privilegiando o que diz respeito à noção de aplicação e focando em publicações realizadas nas duas primeiras décadas do século XX. Com base nisso, buscaremos si tuar o sentido que vem a assumir a relação entre o puro e o aplicado na experiência analítica.

Por fim, cabe lembrar que este trabalho é um estudo de história da psicanálise. Nele privilegiaremos a apresenta ção de um problema, o da aplicação da psicanálise, restrin gindo assim uma possível abordagem crítica dirigida a ele.

O puro e as suas aplicações em psicanálise

Em 1910, em meio ao segundo Congresso Psicanalítico realizado em Nuremberg, Sándor Ferenczi sugere a criação de uma Associação Internacional de Psicanálise, cujo objetivo, conforme seu estatuto, inclui a delimitação que indicamos anteriormente:

O cultivo e a promoção da ciência psicanalítica tal como iniciada por Freud, tanto em sua forma como pura psicologia quanto em sua aplicação à medi cina e às humanidades; assistência mútua entre membros em seus esforços para adquirir e fomentar o conhecimento psicanalítico (Ferenczi & Jung, ci tado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), p. 641, grifo nosso).

Após um discurso proferido a respeito da história do movimento psicanalítico e da necessidade de uma maior união entre os pesquisadores em psicanálise (Ferenczi, 1910/2011dFerenczi, S. (2011d). Sobre a história do movimento psicanalítico. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 1, pp. 167-177). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1910)), o Congresso aceita a sua proposta, dando assim origem à Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Outro sucedâneo deste congresso seria a Revista central de psicanálise [Zentralblatt für Psychoanalyse], editada pelo psicanalista vienense Wilhelm Stekel e diri gida por Freud. Na época, já circulavam dois periódicos nos meios psicanalíticos, o Anuário de pesquisas psicana líticas e psicopatológicas [Jahrbuch für psychoanalytis che und psychopathologische Forschungen], fundado em 1909 por ocasião do primeiro Congresso Psicanalítico, e os Escritos de psicologia aplicada [Schriften zur ange wandten Seelenkunde], que tiveram o seu primeiro volume publicado em 19071 1 Em rigor, essa publicação de frequência anual, e que se estenderia até 1925, não poderia ser classificada enquanto periódico, assim como seria o caso do Anuário. Uma tradução do prospecto dessa coleção se encontra publicada nas obras completas de Freud (1907/1996b) . Os dois primeiros priorizariam as pes quisas de cunho teórico e técnico em psicanálise, enquanto o segundo, junto com a revista Imago, fundada em 1912 e editada por Otto Rank e Hans Sachs, seria destinado à aplicação da psicanálise àquilo que nos objetivos da IPA seria chamado de humanidades [Geisteswissenschaften]. Cabe ressaltar que a revista Imago tinha como subtítulo a seguinte definição: Revista voltada para a aplicação da psicanálise às humanidades.

No Anuário apareceriam trabalhos importantes como: o caso Hans e o Homem dos Ratos, publicados por (Freud 1909/1996eFreud, S. (1996a). A psicoterapia da histeria. Estudo sobre a histéria. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (C. M. Oiticica & V. Ribeiro, trad., Vol 2, pp. 271-316). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1895), 1909/1996fFreud, S. (1996f). Notas sobre um caso de Neurose Obsessiva. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 10, pp. 139-215). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1909)); "Transferência e intro jeção", por Ferenczi (1909/2011c)Ferenczi, S. (2011c). Transferência e introjeção. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 1, pp. 87-123). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1909); e as investigações de Alphonse Maeder (1910)Maeder, A. (1910). Psychologische Untersuchungen an Dementia praecox-Kranken. Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen, 2(1), 185-245. sobre a demência precoce, as quais seriam retomadas por Freud no caso Schreber (1911/1996gFreud, S. (1996g). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides). In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 12, pp. 13-89). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1911)). Tratam-se aqui, portanto, de trabalhos que, em sua maio ria, poderiam ser entendidos como contribuições à psica nálise enquanto psicologia pura. Vale observar que a nota editorial que acompanha o primeiro volume da revista, escrita por Jung sob a orientação de Freud, já sugere uma distinção entre o "desenvolvimento de uma psicologia" e de "sua aplicação às doenças nervosas e mentais" (Jung, 1909/1970Jung, C. G. (1970). Vorbemerkung der Redaktion (1909). Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen, 1 (1)., citado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), pp. 253-234). Quanto à Revista Central, tal periódico, como consta em sua "Apresentação ao leitor" (Stekel, 1911/1964aStekel, W. (1964a). An unsere Leser! Zentralblatt für Psychoanalyse. Medizinische Monatsschrift für Seelenkunde, 1(1). (Trabalho original publicado em 1911)), estaria voltado à publicação de trabalhos mais breves, incluindo contribuições técnicas e comentários mais gerais de caráter introdutório. Freud (1910/1989c)Freud, S. (1989c). Perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 127-136). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), por exemplo, publicaria nessa revista as "Perspectivas futuras da terapêutica psi canalítica", Stekel (1911/1964b)Stekel, W. (1964b). Die psychische Behandlung der Epilepsie. Zentralblatt für Psychoanalyse. Medizinische Monatsschrift für Seelenkunde, 1(5), 220-234. (Trabalho original publicado em 1911) escreveria sobre "O trata mento psíquico da epilepsia" e Isidor Sadger (1911/1964)Sadger, I. (1964). Ist das Asthma bronchiale eine Sexualneurose? Zentralblatt für Psychoanalyse. Medizinische Monatsschrift für Seelenkunde, 1(5), 200- 213. (Trabalho original publicado em 1911), psicanalista vienense, publicaria "Seria a asma bronquial uma neurose sexual?"

Embora a Revista não se limitasse apenas a este tipo de contribuição, todos esses trabalhos poderiam ser pensados como aplicações da psicanálise à medicina, le vando em conta que ainda não se apresentara ocasião de demarcar a extraterritorialidade da clínica psicanalítica com relação à medicina. Por outro lado, as publicações que tiveram lugar nos Escritos de psicologia aplicada e na Imago se centrariam na aplicação da psicanálise aos domínios da literatura, da mitologia, da filologia etc., em trabalhos que nem sempre eram escritos por psicanalistas. Nesses periódicos foram publicados textos como: "Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen" e "Totem e Tabu", por (Freud 1907/1996cFreud, S. (1996c). Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 19-85). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1907), 1913/1996iFreud, S. (1996i). Totem e tabu. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Ó. Carneiro Muniz, trad., Vol. 13, pp. 21-162). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1913)), "Sonho e mito", por Karl Abraham (1909/2000a)Abraham, K. (2000a). Rêve et mythe. In K. Abraham, OEuvres complètes (I. Barande, trad., Vol. 1, 1907-1914, pp. 68-118). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1909) e "O problema de Hamlet e o com plexo de Édipo", por Ernest Jones (1911)Jones, E. (1911). Das problem des hamlet und der Ödipuskomplex. Schriften zur angewandten Seelenkunde, v. X. Leipzig und Wien: Franz Deuticke..

Feito este panorama, concentremo-nos naqueles trabalhos que o movimento psicanalítico passou a chamar de aplicados, seja à medicina, seja às humanidades, a fim de melhor compreender as distinções e as particularidades aí envolvidas.

A psicanálise aplicada à medicina

Ao nos voltarmos para os textos de psicanálise aplicada à medicina, como delimitado no estatuto da IPA, esbarramos, por um lado, em questões ligadas à técnica e, por outro, na possível aplicação da teoria psicanalítica à prática médica. Quando Freud (1895/1996a)Freud, S. (1996a). A psicoterapia da histeria. Estudo sobre a histéria. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (C. M. Oiticica & V. Ribeiro, trad., Vol 2, pp. 271-316). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1895) propõe a asso ciação livre como uma técnica de alcance mais amplo que o inquérito sob hipnose, ou quando Ferenczi (1919/2011e)Ferenczi, S. (2011e) Dificuldades técnicas de uma análise de histeria. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 3, pp. 1-8). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1919) propõe a técnica ativa lado a lado com a escuta psicana lítica tradicional, é difícil saber em que medida houve ou não aplicação de uma teoria pré-concebida à experiência. Levando em conta esses exemplos, talvez possamos dizer que uma inovação técnica não depende necessariamente da existência de um modelo teórico bem definido que lhe anteceda. Inovações como estas podem ser pensadas como estratégias clínicas criadas a partir da própria experiência, sem o aporte de um referencial teórico preestabelecido. Freud (1904/1989a)Freud, S. (1989a). O método psicanalítico de Freud. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (V. Ribeiro, trad., Vol. 7, pp. 233-238). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1904), nesses termos, nota que pode alcançar melhores resultados ao deixar seus pacientes associarem livremente, "mais ou menos como se faz numa conversa a esmo, passando de um assunto a outro" (pp. 234-235). Diante desse fato, a "ampliação da consciência" (p. 234) possibilitada pela hipnose, é então substituída pelas "as sociações dos enfermos" (p. 234) e pelo trabalho analítico a elas dirigido. A partir desse momento, dada a sua maior eficácia, aquilo que até então era uma simples aposta passa a ganhar o estatuto de técnica.

Mas o que definiria a eficácia aqui? No que concer ne à introdução da associação livre como regra fundamen tal, podemos pensar no número de pacientes que a partir do uso dessa técnica tornaram-se acessíveis à análise, pa cientes que por sua vez não eram facilmente - ou de modo algum - hipnotizáveis. Dirigindo nossa atenção ao uso médico de métodos de tratamento hipnótico-sugestivos nas últimas décadas do século XIX, é possível concluir que, de fato, tal procedimento não era efetivo em toda sorte de pa cientes e que a introdução de uma técnica como a da livre associação teria aparecido como uma verdadeira inovação. Pitres e Regis (1897)Pitres, A. & Regis, E. (1897). Séméiologie des obsessions et idées fixes. XII congrès International de Médicine, Moscou (Août 1897). Bordeaux: G. Gounouilhou., por exemplo, em um trabalho de sín tese que visa discutir e reunir tudo o que já havia sido pro blematizado a respeito da clínica das obsessões, concluem que os métodos de sugestão hipnótica não funcionavam nesses pacientes e que era realmente necessário aliá-los a outros para que algum resultado pudesse ser alcançado (pp. 101-102).

Como propõe Ferenczi 1919/2011eFerenczi, S. (2011e) Dificuldades técnicas de uma análise de histeria. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 3, pp. 1-8). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1919), (pp. 2-3), e como também diria Freud 1919/1996nFreud, S. (1996n). Linhas de progresso na terapêutica psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (E. A. Macieira de Souza, trad., Vol. 17, pp. 171-181). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1919), (p. 175), a introdução da técnica ativa pode ser pensada nos mesmos termos, isto é, como uma inovação técnica capaz de melhor instrumenta lizar o analista em sua prática. Nesse caso, ao deslocar a abstinência do analista para o paciente, a eficácia dessa téc nica era demonstrada pelos efeitos da posição ativa sobre transferência, barrando a repetição de uma satisfação ve lada e favorecendo a recordação do material inconsciente.

Este tipo de aprendizado, pela experiência, parece ser o mesmo que vem a ser exposto no conjunto de artigos sobre a técnica, publicado pelo psicanalista vienense entre 1911 e 1914 e que, de forma alguma, constitui um manual técnico no senso próprio do termo. Nem tudo que vem a ser recomendado por Freud nesses breves trabalhos aparenta possuir um correlato metapsicológico ou teórico preciso. Trata-se, por assim dizer, de um conhecimento apreendido empiricamente, ou seja, a partir da lida cotidiana com a clínica das neuroses e psicoses, o que não impede que ele possua uma série de pressupostos implícitos.

Atentando talvez a isso, o psicanalista francês Jacques Lacan 1952/2007Lacan, J. (2007). O mito individual do neurótico. Rio de janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1952), (p. 12) chegou a comparar a prá tica psicanalítica às "artes liberais na idade média", disci plinas que, embora carentes de um rigor científico ainda inexistente, eram capazes de demonstrar uma significativa eficácia prática. Assumindo esse ponto de vista, a psica nálise enquanto técnica poderia ser comparada, a exemplo do que expõe Koyré, ao ofício dos "estaleiros navais de Veneza" citados no início do artigo e, nesse sentido, a uma prática mais própria ao homo faber.

Em contrapartida, há momentos em que a aplicação da teoria à prática é feita de modo explícito e direto. Um exemplo interessante dessa aplicação coincide com a pró pria expansão da psicanálise para fora da Áustria, quando a teoria e o método freudianos começaram a ser aplicados por alguns médicos suíços à clínica das psicoses. Foi por iniciativa de Eugen Bleuler que a psicanálise passou a ser estudada pela equipe da clínica psiquiátrica do Burghölzli, a partir de 1903, composta por clínicos que futuramente ocupariam uma posição de destaque no movimento psica nalítico, como Carl G. Jung, Karl Abraham, Max Eitingon, Alphonse Maeder, Ludwig Binswanger etc.

Em primeiro lugar, observamos a clara influência e mesmo aplicação das teorias de Freud no estudo expe rimental das associações2 2 A escola de Zurique publicou uma série de artigos sobre os fenômenos de associação, os quais foram reunidos nos dois volumes dos Estudos de diagnóstico de associação publicados em 1906 e 1907. Dentre eles vale destacar: "Psicanálise e o experimento de associações" (Jung, 1906), o qual é recebido por Freud com entusiasmo. Carta de Freud a Jung em 11 de abril de 1906 (citado por McGuire, 1974/1976, p. 43). , o qual daria origem à noção de complexo que logo seria absorvida pela psicanálise. Essa tentativa de aplicação, agora dirigida ao contexto das psi coses, constaria igualmente em uma importante publicação de Jung datada de 1907: A psicologia da demência preco ce (1907/1986Jung, C. G. (1986). A psicologia da demência precoce: um ensaio. In C. G. Jung, Obras Completas de C. G. Jung (M. de Sá Cavalcanti, trad., Vol. 3, pp. 1-137). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1907)). Nesse trabalho seminal levado a cabo pelo psiquiatra suíço, as generalizações alcançadas por Freud com base na clínica da histeria e da neurose obsessiva, as sim como as hipóteses psicogênicas associadas à noção de defesa, foram em grande medida aplicadas aos casos de demência precoce estudados no Burghölzli. Tal obra deu início a uma intensa reflexão sobre a psicose desde um ponto de vista psicanalítico, a qual resultaria no trabalho de 1914, responsável pela introdução do "narcisismo" como conceito teórico (Freud, 1914/1996kFreud, S. (1996k). Narcisismo: uma introdução. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 81-108). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914).).

Ainda em relação a esse mesmo tipo de aplicação, podemos lembrar os comentários de Freud a respeito do impacto da psicanálise sobre uma disciplina como a bio logia, campo este que, segundo ele, certamente se bene ficiaria do conhecimento extraído da análise de pacientes neuróticos (Freud, 1913/1996jFreud, S. (1996j). O interesse científico da psicanálise. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Ó. Carneiro Muniz, trad., Vol. 13, pp. 169-191). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1913), pp. 183-4). De acordo com o psicanalista, a descoberta de pulsões sexuais capazes de subverter os imperativos da autoconservação não poderia passar despercebida pelos biólogos. Nesse sentido, a teoria da sexualidade, articulada ao conceito de libido, poderia ser aplicada à biologia e, portanto, à medicina. De forma semelhante, ao reagir ao problema do ensino da psicanáli se nas universidades, Freud argumenta que o saber psica nalítico poderia contribuir para a formação do médico na medida em que seria capaz de adverti-lo em relação à in fluência dos "fatores mentais" sobre as "diferentes funções vitais, bem como nas doenças e no seu tratamento" (Freud, 1919/1996oFreud, S. (1996o). O ensino da psicanálise nas universidades. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (E. A. Macieira de Souza, trad., Vol. 17, pp. 187-189). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1919), p. 187).

Exemplos práticos dessas contribuições podem ser vistos em trabalhos já citados, como o de Maeder sobre a epi lepsia e o de Sadger sobre a asma. Também poderíamos citar aqui (Ferenczi 1908/2011aFerenczi, S. (2011a). Do alcance da ejaculação precoce. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 1, pp. 1-4). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1908), 1908/2011bFerenczi, S. (2011b). Interpretação e tratamento psicanalítico da impotência psicossexual. In S. Ferenczi, Obras Completas (Á. Cabral, trad., Vol. 1, pp. 25-38). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1908)), que aplica as hipó teses freudianas à ejaculação precoce e à impotência sexual, buscando para esses sintomas uma explicação psicológica, e Abraham (1909/2000b)Abraham, K. (2000b). Mariage entre personnes apparentées et psychologie des névroses. In K. Abraham, OEuvres complètes (I. Barande, trad., Vol. 1, 1907-1914, pp. 61- 67). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1909), que estuda o fenômeno dos casa mentos consanguíneos a partir da psicologia das neuroses.

Posto isso, notamos que sob o título de aplicação da psicanálise à medicina é possível pensar em pelo menos duas dimensões de aplicação, a da técnica enquanto aplica ção da psicanálise e a da aplicação propriamente dita da teo ria à prática. Trata-se aqui de uma distinção importante, pois nos alerta sobre a existência de dois diferentes movimentos que, por acaso, se reúnem sob a mesma designação de apli cação. A primeira delas diz respeito ao exercício da psica nálise em si mesmo, marcado pelo uso de uma técnica. A segunda refere-se à aplicação de um conhecimento extraído desse exercício a situações que em princípio poderiam ser pensadas como estrangeiras a psicanálise, como fora o caso da clínica das psicoses na primeira década do século XX.

A psicanálise aplicada às humanidades

"Humanidades" é a expressão escolhida por nós para traduzir o termo alemão Geisteswissenschaften. Tal expressão teve origem no pensamento do filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911) e possui uma longa história no interior da filosofia da ciência alemã. O mesmo termo pode ser igualmente traduzido por ciências humanas ou ciências do espírito, como veio a ser na literatura filosófica e científi ca de língua portuguesa. Levando em conta as finalidades deste artigo, não será o caso entrar neste debate, bastando a nós definir o "campo das humanidades" [Geistesgebiete] como aquele que, segundo o prospecto da revista Imago, compreende: "estética, literatura e história da arte, mito logia, filologia, pedagogia, folclore, criminalística, teoria moral e ciência da religião" (Rank & Sachs, 1912aRank, O. & Sachs, H. (1912a). Prospekt. Imago. Zeitschrift für Anwendung der Psychoanalyse auf die Geisteswissenschaften, 1(1)., pagina ção irregular, tradução nossa).

Como nos mostra Freud em A história do movimen to psicanalítico (1914/1996lFreud, S. (1996l). A história do movimento psicanalítico. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 18-73). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914), pp. 44-5), o "exame analítico de pessoas neuróticas e os sintomas neuróticos de pessoas normais" levaram logo a supor a existência de "condições psicológicas que haveriam de ultrapassar a área do conhe cimento na qual tinham sido descobertas", isto é, ultrapas sar as suas aplicações médicas. Freud atribui esse impulso à expansão das fronteiras da psicanálise aos seus próprios trabalhos iniciais. Nesses termos, cita o livro dos Chistes, publicado em 1905, como o primeiro exemplo de uma "aplicação da modalidade analítica de pensamento aos pro blemas da estética" (Freud, 1914/1996lFreud, S. (1996l). A história do movimento psicanalítico. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 18-73). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914), p. 46). Dois anos mais tarde, no comentário dirigido a uma obra literária, o Gradiva de Jensen, Freud afirmará que as "leis" desco bertas a partir do estudo dos sonhos poderiam ser também usadas para se compreender a "natureza da criação lite rária" (Freud, 1907/1996cFreud, S. (1996c). Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 19-85). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1907), pp. 20-21). A mesma referência a "leis" [Gesetzen], responsáveis por "reger as atividades normais e patológicas" da vida mental do homem, encon tra-se no trabalho publicado em 1910, sobre Leonardo da Vinci (Freud, 1910/1989bFreud, S. (1989b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 59-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), p. 59). Em ambos os casos, como nos parece evidente, o que está em jogo é justamente a con cepção clássica de aplicação, onde um saber "puro" vem a ser "aplicado" em um contexto outro daquele em que foi desenvolvido.

Algo dessa ordem, porém, não poderia ser feito de qualquer jeito, o que Freud defenderá ao longo da sua obra: "Mas teríamos de ser muito cautelosos e não esquecer que, em suma, estamos lidando apenas com analogias e que é perigoso, não somente para os homens mas também para os conceitos, arrancá-los da esfera em que se originaram e se desenvolveram" (Freud, 1930/1996pFreud, S. (1996p). Mal estar na civilização. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 21, pp. 67-150). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1930), p. 146). Quanto a isso, um grande debate a respeito dos critérios envolvi dos na aplicação da psicanálise já tinha lugar na Sociedade Psicológica das Quartas-feiras, grupo formado por Freud, em 1902, com seus primeiros colaboradores vienenses.

Em 1906, nas sessões de 10, 17 e 24 de outubro dedicadas à psicanálise aplicada, Otto Rank propôs uma interpretação psicanalítica de uma série de casos de inces to colhidos da literatura (citado por Nuremberg & Federn, 1962/1976Nuremberg, H. Federn, E. (1976). Les premiers psychanalystes. Minutes de la Société psychanalytique de Viene, Vol. 1, 1906-1908. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1962), pp. 31-56). Tal manuscrito "O drama do incesto e suas complicações" foi muito criticado pelo caráter exa gerado e por vezes impreciso das interpretações propostas, abrindo assim uma discussão sobre o problema da aplicação da psicanálise às humanidades. Adolf Häutler, por exem plo, criticou a pertinência da transposição indiscriminada de conceitos oriundos do campo individual para o campo coletivo. Häutler criticou também a tese segundo a qual a obra de um autor possuiria necessariamente relação com a sua vida pessoal. Alfred Adler, por sua vez, elogiou a iniciativa de Rank, muito embora afirme que as interpreta ções tenham ido longe demais em alguns pontos; excesso que Alfred Meisl chega a considerar um perigo para a re putação da psicanálise. Freud julgaria boas algumas das in terpretações de Rank, acrescentando, a despeito da opinião de Häutler, que, no caso da aplicação da psicanálise a obras literárias, cabe ao pesquisador explorar as relações entre a escolha de um tema e a vida pessoal do escritor.

Como podemos notar com base nesse episódio, o problema da aplicação da psicanálise às humanidades era delicado e o seu exercício exigia certa prudência. Qual se ria a forma mais apropriada de aplicar os conceitos em um contexto extraclínico? Como avaliar os limites de uma in terpretação fora da relação transferencial? As realizações artísticas seriam elas também interpretáveis em termos de sua determinação inconsciente? Tais questões não pare ciam encontrar resposta fácil nessa época.

Em meio a essa atmosfera de dúvidas, observa mos o aparecimento do ensaio de Freud sobre o romance Gradiva: uma fantasia pompeana, escrito por Wilhelm Jensen (1904/1987)Jensen, W. (1987). Uma fantasia pompeiana. Rio de janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1904). Trata-se de um ensaio extremamente claro, cuidadoso e moderado no que diz respeito à aplica ção dos conceitos. Em primeiro lugar, diferentemente de Rank, opta pelo estudo de apenas uma obra, limitando sua análise tão somente às informações contidas no texto, ra zão pela qual não chega a construir hipóteses sobre as pos síveis motivações inconscientes do autor. Freud também não se compromete com a realidade das suas afirmações, restringindo sua análise a um paralelo entre as manifesta ções inconscientes de um personagem e as mesmas forma ções observáveis em sujeitos neuróticos de carne e osso. Em uma carta endereçada a Jung em 26 de maio de 1907, chegaria então a comentar: "nada do que ele diz é verdade, mas acredito que nos habilite a desfrutar de nossas rique zas" (citado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), p. 92). Dessa forma, como podemos concluir, o Gradiva de Freud não faz outra coisa senão ilustrar a partir de um romance ordinário tudo aquilo que já fora descoberto a partir da clínica psicanalíti ca, compondo assim uma obra de divulgação teórica.

Neste mesmo ano, 1907, Max Graf, doutor em le tras, membro da Sociedade das Quartas-feiras e pai do pequeno Hans, retoma o problema da psicanálise aplicada na sessão de 11 de dezembro propondo uma metodologia para o estudo da psicologia dos escritores. Tal intervenção aparece como uma resposta ao trabalho de Isidor Sadger sobre o poeta e romancista suíço Konrad Meyer, o qual fora bastante criticado dentro da Sociedade. Graf afirma que a abordagem psicanalítica do escritor não pode ser confun dida com uma "patografia" semelhante àquelas levadas a cabo por Cesare Lombroso, viés que segundo o autor nor teava o trabalho de Sadger (Graf, citado por Nuremberg & Federn, 1962/1976Nuremberg, H. Federn, E. (1976). Les premiers psychanalystes. Minutes de la Société psychanalytique de Viene, Vol. 1, 1906-1908. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1962), p. 276). Sustentando então um ponto de vista diferente, o homem de letras dirá que, em primeiro lugar, a análise psicológica do artista não poderia estar comprometida com um ideal de saúde psíquica, devendo, além disso, ser empreendida por um sujeito muito sensível às artes. Em segundo lugar, deve o analista priorizar a obra do autor, sem depositar demasiada confiança no relato de terceiros ou mesmo em autobiografias, pois estas estariam marcadas pelo caráter tendencioso e pelos inevitáveis efei tos da resistência. Reportando-se às obras, Graf ainda afir ma que o analista deve partir dos temas que se repetem na obra de um determinado autor, pois são estes retornos que o levarão para o coração do inconsciente.

Mostrando-se simpático às ideias de Graf, Freud afirma, ainda nessa sessão, que o estudo psicanalítico dos escritores criativos deve de fato ultrapassar as "patogra fias", uma vez que priorizam o processo de criação, poden do apreender assim algo de novo. A partir do estudo dessa produção criativa seria então possível chegar a um perfil mais ou menos fiel do escritor e também da arte em ge ral. Avançando em relação ao seu trabalho sobre Gradiva, publicado meses antes, Freud (citado por Nuremberg & Federn, 1962/1976Nuremberg, H. Federn, E. (1976). Les premiers psychanalystes. Minutes de la Société psychanalytique de Viene, Vol. 1, 1906-1908. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1962), p. 282) dá um exemplo desse método cruzando o romance em questão com dois outros escritos por Jensen: O guarda-chuvas vermelho (1892/2011Jensen, W. (2011). L'Ombrelle rouge. Paris: Édition Imago. (Trabalho publicado originalmente em 1892)) e Na casa gótica (1892/1999Jensen, W. (1999). Dans la maison gothique. Paris: Gallimad. (Trabalho publicado originalmente em 1892))3 3 Ambos são também citados por Freud na segunda edição da sua leitura sobre o Gradiva (1912/1996h, p. 87). "Der rote Schirm" e "Im gotische Hause" foram publicados em 1892 e compõem a obra Übermächte. Zwei Novellen. . Cabe lembrar que Freud chegou a trocar cartas com o autor questionando-o a respeito de alguns eventos pessoais, tentando assim apoiar as suas interpretações4 4 Tais cartas foram publicadas em Drei unveröffentlichte Briefe (1929, p. 207), na revista Psychoanalytische Bewegung e não confirmam comple tamente as suposições de Freud. . Um breve trabalho publicado por Otto Rank, O artista (1907Rank, O. (1907). Der Künstler. Wien und Leipzig: Hugo Heller & Cie.), chamaria atenção para os mesmos problemas5 5 A este propósito ver Hitschmann 1911/1913, (p. 145) e Freud 1914/1996l, p. (45). .

Influenciado provavelmente por este debate, Freud afirmaria em um pós-escrito à análise da obra de Jensen, datado de 1912, que a investigação psicanalítica deveria não apenas procurar no trabalho de escritores criativos "uma confirmação das descobertas feitas em seres humanos neu róticos banais", mas também "conhecer o material de lem branças e impressões no qual o autor baseou a obra, e os métodos e processos pelos quais converteu esse material em obra de arte" (Freud, 1912/1996hFreud, S. (1996h). Pós-escrito ao delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 87-88). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1912), p.87). Neste meio tempo, uma série de outros trabalhos foi publicada seguindo esta proposta metodológica (Hitschmann, 1911/1913Hitschmann, E. (1913). Freuds Theories of Neurosis. New York: The Journal of Nervous and Mental Disease Publishing Company. (Trabalho original publicado em 1911), p. 142).

A partir desse momento, passando pela afirmação explícita no pós-escrito do Gradiva, datado de 1912, Freud parece sugerir que o estudo das realizações artísticas, alia das à investigação das lembranças e impressões nas quais o autor se baseou, poderia levar a resultados semelhantes àqueles obtidos pelas pesquisas que tinham lugar na clíni ca. Tal como o fenômeno onírico e os devaneios, a obra de arte poderia ser então estudada enquanto expressão do in consciente, pois ambos estariam fundados no solo comum da fantasia. Um argumento como este já havia sido susten tado poucos dias antes da reunião em que Graf faria a sua comunicação à Sociedade, em 6 de dezembro, na confe rência Escritores criativos e devaneio (Freud, 1908/1996dFreud, S. (1996d). Escritores criativos e devaneio. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 135-143). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1908)), realizada nos salões do editor e livreiro Hugo Heller, que também frequentava a reunião das quartas-feiras.

Sem dúvida, o texto de Leonardo, que conta com o estudo de biografias, de algumas das suas obras e tam bém de lembranças pessoais, inscrevia-se nesse projeto de produzir conhecimento a partir de um contexto extraclí nico. Nesse sentido, a noção clássica de aplicação, antes em vigor, daria lugar a uma forma diferente de aplicação. Agora não era mais o caso de aplicar diretamente a teoria ao objeto de estudo, mas sim de aplicar o método de inves tigação psicanalítico a esse mesmo objeto. Ou seja, a hipó tese do inconsciente deixaria de ser pensada unicamente nos termos de uma teoria a ser aplicada ao campo das hu manidades, passando então a definir o próprio método que sustentaria tal aplicação da psicanálise. A extensão do método a objetos extraclínicos, e não só da teoria, teve as sim a chancela de Freud.

O aparecimento da revista Imago, que ganharia a sua primeira edição em 1912, é a concretização desse projeto. O artigo que abre a revista vem a ser justamente uma espécie de manifesto escrito por Rank e Hans Sachs (1912b)Rank, O. & Sachs, H. (1912b). Entwicklung und Ansprüche der Psychoanalyse. Imago. Zeitschrift für Anwendung der Psychoanalyse auf die Geisteswissenschaften, 1(1), 1-16. em defesa da pertinência do estudo psicanalítico das mais variadas realizações humanas. Partindo do prin cípio de que essas realizações, assim como os sonhos e os devaneios, estariam amparadas pela fantasia, seria justo dirigir-lhes o mesmo estudo sistemático antes dirigido aos sonhos e aos devaneios pelo psicanalista clínico. Um ano mais tarde, Rank e Sachs publicariam um trabalho mais extenso abordando a mesma problemática da aplicação da pesquisa psicanalítica às humanidades: A importância da psicanálise para as humanidades (1913Rank, O. & Sachs, H. (1913). Die Bedeutung der Psychoanalyse für die Geisteswissenschaften. Wiesbaden: J. F. Bergmann.). De início, Freud mostrou-se animado com o potencial do periódico. Sabemos pela correspondência com Jung que o psicanalista ansiava por novas contribuições nessa área já há alguns anos. Em carta datada de 19 de dezembro de 1909, ele afirma: "anseio por mitólogos, linguistas e historiadores da religião; caso não venham em nossa ajuda, teremos de nos arranjar sozi nhos" (Freud, 1909, citado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), p. 330).

Posteriormente, porém, Freud acaba chegando à conclusão de que nem todos os trabalhos publicados sob a égide da psicanálise aplicada eram capazes de seguir o rigor metodológico esperado. Em correspondência com Karl Abraham em 6 de abril de 1914, o psicanalista de Viena questionaria o valor do seu Moisés de Michelangelo, publicado anonimamente no terceiro volume da Imago, e criticaria o caráter diletante de boa parte das obras publi cadas nessa revista: "O Moisés é anônimo em parte por gracejo, em parte por vergonha do amadorismo óbvio e dificilmente evitado nos artigos da Imago e, finalmente, porque minhas dúvidas sobre os achados são mais fortes do que o normal" (Freud, 1914, citado por Faltzeder, 2002Falzeder, E. (2002). The complete correspondence of Sigmund Freud and Karl Abraham: 1907-1925. Londres: Karnac Books., p. 228, tradução nossa). Podemos considerar Abraham aqui como um correspondente privilegiado no que diz respeito ao debate sobre a psicanálise aplicada, uma vez que o seu estudo comparativo entre os sonhos e os mitos (1909a/2000Abraham, K. (2000a). Rêve et mythe. In K. Abraham, OEuvres complètes (I. Barande, trad., Vol. 1, 1907-1914, pp. 68-118). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1909)), assim como os seus ensaios sobre Giovanni Segantini (1911/2000cAbraham, K. (2000c). Giovanni Segantini. Essai psychanalytique. In K. Abraham, OEuvres complètes (I. Barande, trad., Vol. 1, 1907-1914, pp. 161-211). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1911)) e Amenhotep IV (1912/2000dAbraham, K. (2000d). Amenhotep IV (Echnaton). Contribution psychanalytique à l'étude de la personnalité et culte monothéiste d'Aton. In K. Abraham, OEuvres complètes (I. Barande, trad., Vol. 1, 1907-1914, pp. 232- 256). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1912)), fo ram bastante elogiados por Freud e no interior do movi mento psicanalítico.

Ao que tudo indica, a desconfiança dirigida ao valor dos achados nesses estudos aplicados tinha alguma relação com a arbitrariedade envolvida na eleição e na interpreta ção desses mesmos achados. Diferente de uma psicanálise clínica, uma psicanálise aplicada às artes e aos artistas, ainda que contasse com um grande material de consulta, estaria sempre limitada à observação de uma obra muda. Nesse sentido, uma pesquisa dita aplicada, ainda que rigo rosa, poderia facilmente mergulhar em uma cadeia especu lativa sem fim, visto que uma investigação desse tipo não permitiria a mesma interação encontrada na clínica entre um analista e um paciente capazes de falar e escutar.

O Moisés de Michelangelo, apontado por Freud, é de fato um bom exemplo desse mergulho especulativo ao qual nos referimos. Nesse artigo, o autor busca tra duzir em palavras a "intenção do artista" Michelangelo a partir da observação de uma de suas obras, a escultu ra de Moisés (Freud, 1914/1996mFreud, S. (1996m). O Moisés de Michelangelo. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 217- 239). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914), p. 217). O autor inicia com uma revisão da literatura recente que já se ocupava dessa mesma tarefa. Em seguida, propõe um método de observação muito particular, o qual, embora tivesse nas cido no contexto das artes com o objetivo de descobrir falsificações, parecia possuir alguma semelhança com a investigação psicanalítica. Tal método visava justamente os detalhes que passavam despercebidos pelos grandes críticos, como o contorno das unhas, das orelhas etc., ra zão pela qual encontraria paralelo na técnica da psicaná lise, que também privilegiava detalhes da vida psíquica normalmente desprezados. Com esse procedimento em mente, o psicanalista concentra então a sua observação em dois detalhes menores da escultura, "a postura da mão di reita" de Moisés e a "posição das duas tábuas da Lei" (p. 228). Logo em seguida, depois de tecer alguns comentá rios, se questiona: "terão essas minúcias [detalhes da obra] alguma significação na realidade ou estaremos quebrando a cabeça com coisas que não foram de importância para o seu criador?" (Freud, 1914/1996mFreud, S. (1996m). O Moisés de Michelangelo. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 217- 239). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914), p. 229, grifo nosso). Por fim, ao cabo da sua análise e chamando atenção para os esforços de outro intérprete, afirmaria:

Mas, e se ambos nos tivermos extraviado por um caminho errado? Se houvermos tomado de ma neira demasiado séria e profunda uma visão de detalhes que nada são para o artista, detalhes que introduziu de modo inteiramente arbitrário ou por razões puramente formais, sem nenhuma intenção oculta por trás deles? Se houvermos partilhado o destino de tantos intérpretes que pensaram perce ber muito claramente coisas que o artista não pre tendeu, nem consciente, nem inconscientemente? Não posso dizer. (p. 239)

Outro exemplo muito interessante desse perigo es peculativo pode ser encontrado na leitura que Freud faz de Leonardo da Vinci. A respeito dessa investigação, basea da em uma lembrança de infância encontrada no caderno do artista, Freud busca estabelecer, assim como o faria no Moisés, uma ponte entre os "métodos" de exploração da psicanálise pura e aqueles da psicanálise aplicada. Partindo desse princípio, o psicanalista propunha: "Como hoje con tamos nas técnicas da psicanálise com excelentes métodos que nos ajudam a trazer para a superfície esses elementos ocultos, podemos tentar preencher a lacuna que existe na história da vida de Leonardo analisando a sua fantasia in fantil" (Freud, 1910/1989bFreud, S. (1989b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 59-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), p. 79). A análise dessa fantasia seria feita, portanto, da mesma forma que um psicanalista clínico analisaria um sonho ou um lapso, levando em con ta, segundo o protocolo de Graf, informações colhidas das obras do artista e de fontes biográficas diversas.

No entanto, nesse caso, diferente do que ocorreu com Michelangelo, a certeza de tal extravio por um cami nho errado - mencionado na análise de seu compatriota florentino - que faria desmoronar toda uma estrutura ar gumentativa, parece ter se confirmado.

Em seu trabalho, por conta de um mal-entendido que veio se revelar somente décadas mais tarde, Freud apoiou uma parte significativa da sua argumentação no conteúdo de uma lembrança que, a rigor, nunca existiu. Com base em dados biográficos, fornecidos pelo próprio Leonardo, o psicanalista afirmara que, quando criança, o artista fora fustigado na altura dos lábios por um abutre, pássaro este ligado a uma dupla significação. Por um lado, enquanto imagem, vinha representar a mãe na mitologia egípcia; por outro, enquanto animal, povoava o imaginá rio renascentista como uma fêmea reprodutora capaz de procriar sem a ajuda de um macho. Posto isso e conside rando o fato de Leonardo ter sido provavelmente criado apenas pela mãe até os seus 5 anos de idade, Freud infere a existência de uma forte identificação do artista para com esta mãe, o que consequentemente o levaria a uma esco lha de objeto homossexual. Por fim, tal seria o argumento intermediário capaz de confirmar a hipótese proferida no início do artigo, segundo a qual o gênio florentino teria desenvolvido um "poderoso instinto de pesquisa" como resultado de sua homossexualidade sublimada (Freud, 1910/1989bFreud, S. (1989b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 59-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), p. 74).

De acordo com pesquisas desenvolvidas nos anos 1950, porém, chegou-se à conclusão de que o pássaro em questão, presente nos arquivos biográficos de Leonardo a que Freud teve acesso, era um milhafre e não um abutre; revelando, portanto, que o psicanalista e toda a sua constru ção fabulosa em torno de Leonardo fora vítima de um erro de tradução. A tradução alemã dos cadernos de Leonardo a que Freud teve acesso trazia o termo Geier (abutre) como tradução para a palavra italiana Nibbio, a qual vem designar outro pássaro, o milhafre (Freud, 1910/1989bFreud, S. (1989b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 59-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), pp. 76-7n).

No entanto, é notável que, a despeito desse erro, a estrutura especialmente complexa e o encadeamento ló gico do artigo publicado em 1910 permanecem sólidos. A pertinência do argumento, contudo, mostra-se duvidosa, pois um milhafre não é um abutre e, ainda que também pudesse representar a mãe no contexto de uma fantasia infantil, não seria capaz de engendrar toda a simbologia evocada a partir do abutre. Nesse sentido, seria possível supor que, se Freud tivesse atentado para o termo presente no texto de Leonardo em sua versão original, teria che gado a conclusões diferentes. Essas conclusões seriam, no entanto, igualmente válidas, caso o texto apresentasse a mesma coerência, o que poderia nos levar a pensar que o critério de verdade envolvido em uma interpretação feita em pesquisas aplicadas dessa espécie dependeria mais da consistência interna dos argumentos do que da relação da interpretação com o caso concreto.

Se fosse assim, a especulação, desde que bem ar ticulada, não encontraria qualquer entrave, permitindo inclusive a introdução de elementos novos que suposta mente seriam capazes de confirmar os velhos argumen tos. Tomando este artigo como exemplo, podemos atentar para as contribuições posteriores de Oskar Pfister que, em 1913, publicaria um trabalho no qual a obra de Leonardo, ao lado de outros exemplos, é interpretada como uma "criptografia" inconscientemente determinada (Pfister, 1913/1970Pfister, O. (1970). Kryptolalie, Kryptographie und unbewußtes Vexierbild bei Normalen. Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen, 5(1), 117-156. (Trabalho original publicado em 1913), pp. 147-8). Neste texto, ele "confirmaria" a in fluência do abutre a partir da observação do contorno das vestes de Maria na obra A Virgem e o Menino com Santa Ana deixada inacabada pelo artista em 1519, ano de sua morte. Estes contornos seriam os contornos do próprio abutre que teria a sua cauda voltada para os lábios do me nino Jesus, personagem que representaria Leonardo sendo fustigado pela ave.

Ao trabalhar com um personagem histórico, como é o caso de Leonardo da Vinci, esta é uma limitação óbvia. Porém, ainda assim, não deixa de apontar para um obstácu lo que irá perpassar boa parte dos estudos ditos aplicados em psicanálise. Freud claramente tinha consciência disso e, assim como fez em sua análise de Michelangelo, se re trataria na parte final do texto com as seguintes palavras:

Ainda que o material histórico de que dispomos fosse muito abundante e os mecanismos psíquicos pudessem ser usados com a máxima segurança, existem dois pontos importantes onde uma pesqui sa psicanalítica não nos consegue explicar por que razão é tão inevitável que a personagem estudada tenha seguido exatamente essa direção e não outra qualquer... Temos de reconhecer aqui uma mar gem de liberdade que não pode mais ser resolvida pela psicanálise. (Freud, 1910/1989bFreud, S. (1989b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 11, pp. 59-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1910), p. 122)

Não há dúvidas de que essa margem de erro, apon tada pelo psicanalista, também se mostra presente em uma psicanálise clínica. Porém, diferente do que ocorre em uma psicanálise aplicada, a interpretação que tem lugar na clí nica pode ser avaliada por outros critérios e não apenas pela coerência interna do argumento que acompanha a in tervenção. Uma interpretação em análise não está aberta a todos os sentidos, razão pela qual os resultados de uma intervenção não vêm necessariamente atender às expectati vas do analista, salvo os casos em que se opera uma suges tão. O analista não pode guiar suas intervenções seguindo aquilo que se mostra mais conveniente, conveniência que, em pesquisas aplicadas, poderia vir inevitavelmente a guiar o mais idôneo dos analistas.

Nesse sentido, podemos entender que a aplicação da psicanálise como um meio de produzir conhecimen to não pode ser vista como um procedimento indubitá vel, muito embora possa ser realizada de maneira não desavisada. Os detalhes em mármore do Moisés de Michelangelo, ainda que possam revelar algo a respeito do seu criador, são mudos e não se comparam com a vi vacidade de um lapso a que o psicanalista tem acesso na clínica. Contrariamente, o reconhecimento de conceitos psicanalíticos em um contexto aplicado, seja ele uma obra de arte, um mito ou uma biografia, pode ser um instru mento para a transmissão da psicanálise, ilustrando em meio a uma natureza morta aquilo que poderia ser o caso em sujeitos falantes.

Conclusão

Embora seja incontestável a convocação por parte de Freud para que as aplicações da psicanálise viessem a ser expandidas além do seu campo de origem, o mesmo au tor identifica os pontos por onde passaria a questão relativa à autenticação desse procedimento. Em resumo, podemos dizer que os dois problemas fundamentalmente reiterados por ele dizem respeito, por um lado, à questão do rigor e, por outro, à questão do valor.

No que se refere à primeira, fica claro que, ao pen sar no rigor metodológico desses trabalhos, Freud aponta para algo que ultrapassa a mera verificação da consistência teórica dos mesmos, algo que parece não ser acessível se não a partir de uma experiência muito particular. Nesses termos, a aplicação da hipótese do inconsciente, que se encontra no cerne dessa extensão do domínio da psicaná lise ao campo das humanidades, encontraria limitações incontornáveis quando realizada em um contexto em que o sujeito falante dá lugar a um objeto inanimado. Nesses casos, a projeção ocupa o lugar da transferência e o incons ciente dá lugar à resistência, situação que acaba levando o analista ao obscuro campo da interpretação do sentido. É por essa razão que um procedimento como este envolveria sempre os riscos da arbitrariedade, da especulação e do di letantismo, quer dizer, por deixar de colocar o inconsciente verdadeiramente em cena.

De acordo com o procedimento proposto por Graf para a aplicação da psicanálise às obras literárias, o analista deve partir do que se repete na obra de determinado autor, pois será por meio da análise dessa repetição que o intér prete poderá chegar ao inconsciente. De fato, como veio a destacar posteriormente Lacan, é nessa repetição que Freud apoiou a sua certeza a respeito do inconsciente: "a função do retorno, Wiederkehr, é essencial.... a consti tuição mesma do campo do inconsciente se garante pelo Wiederkehr" (Lacan, 1964/1988Lacan, J. (1988). O seminário. Livro XI. Rio de janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964), p. 50). Ele acrescenta, no entanto, que Freud "não teria podido ir avante com essa aposta de certeza se não tivesse sido guiado, como os tex tos nos atestam, por sua autoanálise". Isso poderia ser dito em relação à experiência de Freud com a clínica da histe ria, experiência que levaria o neuropatologista vienense à descoberta da transferência e da repetição que marcaria as formações do inconsciente. Foi, portanto, tomando o in consciente em ato, e não como uma abstração teórica a ser aplicada, que a experiência psicanalítica pôde se organizar. Tal apontamento corrobora a ideia de que o rigor, no que concerne ao inconsciente, vincula-se mais à relação do pes quisador com a experiência analítica do que à dimensão técnica da pesquisa empreendida.

Em vista disso, passando agora para a segunda questão anunciada, o que avaliza os trabalhos de psica nálise aplicada, como constatado, por exemplo, no estudo sobre Gradiva, é seu valor de transmissão. A partir deles o psicanalista pode expor não só a teoria psicanalítica em um contexto fictício, como também ilustrar a dinâmica do trabalho psicanalítico a partir de uma realidade simplifica da. Nunca saberemos se a interpretação dos sonhos e dos delírios de Norbert Hanold é ou não correta. Ainda assim, a exposição desses sonhos e delírios, assim como o traba lho de análise realizado em torno deles, pode se mostrar instrutivo, revelando-se como uma espécie de alegoria do trabalho analítico.

O valor de transmissão desses trabalhos se encon tra, portanto, condicionado ao emissor, quer dizer, à expe riência analítica que o sustenta, mas também ao receptor: a comunidade que virá validar ou não o valor de transmissão da obra em questão. Nesse sentido, se retomamos a última referência feita do texto sobre Leonardo, podemos entender que o encontro com o tal erro de tradução não seria capaz por si só de desqualificar a análise biográfica de Freud, na medida em que o seu valor de transmissão permaneceria inalterado, ainda que o seu valor em termos biográficos esteja de fato comprometido. Além disso, o encontro com uma margem não resolvida pela psicanálise, no lugar de desqualificar sua aplicação, a autentica. Isso porque a ex ploração da hipótese do inconsciente, no sentido estrito ou lato da investigação psicanalítica, conduz justamente a um limite que diz respeito ao real que a distingue de uma de riva especulativa.

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  • 1
    Em rigor, essa publicação de frequência anual, e que se estenderia até 1925, não poderia ser classificada enquanto periódico, assim como seria o caso do Anuário. Uma tradução do prospecto dessa coleção se encontra publicada nas obras completas de Freud (1907/1996b)Freud, S. (1996b). Prospecto para Schriften zur Angewandten Seelenkunde. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 227-227). Rio de Janeiro, SP: Imago. (Trabalho original publicado em 1907)
  • 2
    A escola de Zurique publicou uma série de artigos sobre os fenômenos de associação, os quais foram reunidos nos dois volumes dos Estudos de diagnóstico de associação publicados em 1906 e 1907. Dentre eles vale destacar: "Psicanálise e o experimento de associações" (Jung, 1906Jung, C. G. (1997). Psicanálise e o experimento de associações. Estudos diagnósticos de associações. In C. G. Jung, Obras Completas de C. G. Jung (E. Orth, trad., Vol. 2, pp. 309-332). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1906)), o qual é recebido por Freud com entusiasmo. Carta de Freud a Jung em 11 de abril de 1906 (citado por McGuire, 1974/1976McGuire, W. (1976). Freud/Jung. Correspondência completa. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1974), p. 43).
  • 3
    Ambos são também citados por Freud na segunda edição da sua leitura sobre o Gradiva (1912/1996hFreud, S. (1996h). Pós-escrito ao delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (M. A. M. Rego, trad., Vol. 9, pp. 87-88). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1912), p. 87). "Der rote Schirm" e "Im gotische Hause" foram publicados em 1892 e compõem a obra Übermächte. Zwei Novellen.
  • 4
    Tais cartas foram publicadas em Drei unveröffentlichte Briefe (1929Jensen, W. (1929). Drei unveröffentlichte Briefe. Die psychoanalytische Bewegung, 1(3), 207-211., p. 207), na revista Psychoanalytische Bewegung e não confirmam comple tamente as suposições de Freud.
  • 5
    A este propósito ver Hitschmann 1911/1913Hitschmann, E. (1913). Freuds Theories of Neurosis. New York: The Journal of Nervous and Mental Disease Publishing Company. (Trabalho original publicado em 1911), (p. 145) e Freud 1914/1996lFreud, S. (1996l). A história do movimento psicanalítico. In S. Freud, Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (T. de O. Brito, P. H. Britto & C. M. Oiticica, trad., Vol. 14, pp. 18-73). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914), p. (45).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2014
  • Revisado
    12 Dez 2015
  • Aceito
    06 Mar 2015
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