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ESTUDOS CULTURAIS, PESQUISA QUALITATIVA E MÍDIAS: CRITÉRIOS METODOLÓGICOS PARA ANÁLISE DE DADOS AUDIOVISUAIS

ESTUDIOS CULTURALES, INVESTIGACIÓN CUALITATIVA Y MEDIOS: CRITERIOS METODOLÓGICOS PARA ANÁLISIS DE DOCUMENTACIÓN AUDIOVISUAL

CULTURAL STUDIES, QUALITATIVE RESEARCH AND MEDIA: METHODOLOGICAL CRITERIA FOR AUDIOVISUAL DATA ANALYSIS

Resumo

As mídias modelam a subjetividade. Dada a dificuldade em coligir e analisar dados audiovisuais, o presente estudo tem por objetivo propor critérios metodológicos para realização de pesquisas qualitativas que analisam mídias. A partir dos estudos culturais, são propostos critérios metodológicos para coleta, composição e análise do corpus. Primeiramente, deve-se definir o objeto e as mídias cujos elementos audiovisuais serão transladados. A análise deverá sondar enunciados presentes no corpus à luz de matrizes históricas, sociais e culturais. Os procedimentos sugeridos devem ser adaptados ao objetivo e à natureza de cada estudo a fim de estabelecer seu rigor e enquadre metodológico.

Palavras-chave:
Subjetividade; Indústria cultural; Meios de comunicação de massa; Pesquisa qualitativa.

Resumen

Los medios dan forma a la subjetividad. Dada la dificultad en la recolección y análisis de datos audiovisuales, este estudio tiene como objetivo proponer criterios metodológicos para la realización de investigaciones cualitativas que analicen medios. A partir de los estudios culturales, se proponen criterios metodológicos para la recolección, composición y análisis del corpus. Primero, debes definir el objeto y el medio cuyos elementos audiovisuales serán transferidos. El análisis debe sondear los enunciados presentes en el corpus a la luz de las matrices históricas, sociales y culturales. Los procedimientos sugeridos deben adecuarse a la finalidad y naturaleza de cada estudio para establecer su rigor y marco metodológico.

Palabras clave:
Subjetividad; Industria cultural; Medios de comunicación en masa; Investigación cualitativa

Abstract

Media shapes subjectivity. Given the difficulty in collecting and analyzing audiovisual data, this study aims to propose methodological criteria for conducting qualitative research that analyze media. Based on cultural studies, methodological criteria for the collection, composition and analysis of the corpus are proposed. Firstly, the object and the media whose audiovisual elements will be translated are defined. The analysis should look at statements present in the corpus in the light of historical, social and cultural matrices. The suggested procedures must be adapted to the objective and nature of each study in order to establish its methodological rigour and framework.

Keywords:
Subjectivity; Cultural industry; Mass media; Qualitative research

Introdução

As pesquisas qualitativas constituem campo cercado por complexo conjunto de termos, conceitos e abordagens teóricas com base na utilização de variados tipos de materiais empíricos - entrevistas, observação participante, material audiovisual, dentre outros - capazes de descrever problemas e analisar significados (Denzin & Lincoln, 1994)Denzin, Norman K. & Lincoln, Yvonna S. (1994). Handbook of qualitative research. Sage.. O uso de múltiplas fontes de dados, entrevistas, observações etc., comuns a essas pesquisas, redunda em extenso volume de material nem sempre fácil de ser analisado e interpretado. Em face desse desafio, a partir do referencial dos estudos culturais, o presente estudo tem por objetivo propor critérios metodológicos para realização de pesquisas qualitativas que analisam mídias.

No mundo ocidental, a expansão das mídias e das plataformas digitais têm modificado as relações de sociabilidade no âmbito da família, do parentesco, da escola, dentre outras esferas. Em termos descritivos, as mídias constituem intrincado conjunto de significados, veiculados por imagem, som, texto, uso criativo da câmera, dentre outros recursos, que difundem discursos e práticas e, portanto, modelam a subjetividade, o que justifica a importância de estudá-las no âmbito da Psicologia. O advento de meios digitais para registro, geração e transmissão de som e imagem tornou o sistema cultural mais flexível. Com o avanço tecnológico, há impressionante diversificação de mídias e evidente reordenamento dos esquemas de poder que as sustentam com o surgimento de novas formas de geração, transmissão e circulação de conteúdo, panorama que traz implicações metodológicas para os estudos culturais; trata-se da discussão que o presente estudo pretende envidar.

Estudos culturais: breve panorama

Os estudos culturais, originados na segunda metade do século XX, articularam diferentes perspectivas no campo das ciências humanas e sociais - desde a análise textual, visual e verbal, passando pela história da arte, crítica literária, estudos de gênero, até as teorias da linguagem. Também adotaram contribuições da Escola de Frankfurt, psicanálise, antropologia, estudos feministas, estudos foucaultianos, além de pesquisas sobre cinema, mídia, comunicação e cultura popular.

Atualmente, os estudos culturais podem ser subdivididos conforme tradições fundamentadas nos: (a) referenciais do materialismo cultural propostos por Raymond Williams (1980/2011)Williams, Raymond (2011). Base e superestrutura na teoria da cultura marxista. In Cultura e materialismo (pp. 43-68, André Gleser, trad.). Ed. UNESP.; (b) referenciais dos estudos culturais latino-americanos propostos por Jesús Martín-Barbero (2015)Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ.; (c) referenciais dos estudos culturais pós-coloniais delineados por Stuart Hall (1997Hall, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46., 2016Hall, S. (2016). Cultura e representação (Daniel Miranda & William Oliveira, trads.). Ed. PUC-Rio, Apicuri.), com influências desde o marxismo, em seus primeiros escritos, ao pós-estruturalismo, nos últimos. O presente estudo apoia-se nas duas últimas tradições cuja intrincada genealogia de matrizes teórico-epistemológicas redundou não na permuta do idealismo pelo materialismo conforme acusam seus detratores, mas no denodo de analisar as relações entre aspectos materiais e simbólicos a partir da centralidade do conceito de cultura (Hall, 1997Hall, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46.).

Para além das diferentes tradições inspiradoras, a perenidade dos estudos culturais é fruto do conceito de cultura, não tanto como categoria unívoca, haja vista os diferentes vértices da área, mas como “espécie de síntese de uma história” (Johnson, 2006, p. 20Johnson, Richard (2006). O que é, afinal, estudos culturais. In Tomaz T. Silva (Org.), O que é, afinal, estudos culturais (3a ed., pp. 7-132). Autêntica.) diante do empenho em ampliar sua análise para diversas formas expressivas em vez de restringi-la à alta cultura. Essas asserções, somadas às contribuições de Roland Barthes (1964/2007)Barthes, Roland (2007). Elementos de semiologia (Izidoro Blikstein, trad.). Cultrix. (Original publicado em 1964) e de Michel Foucault (1971/2009)Foucault, Michel (2009). A ordem do discurso (19a ed., Laura F. A. Sampaio, trad.). Loyola. (Original publicado em 1971), levaram Hall a indicar os conceitos linguagem, discurso e cultura como cerne dos estudos culturais. A cultura é composta por variados conjuntos de classificação e por diversas formações discursivas utilizadas pela língua para atribuir significado ao mundo (Hall, 1997Hall, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46.). Cultura pode ser entendida como conjunto de significados compartilhados, produzidos e manejados via linguagem que, por sua vez, “opera como sistema representacional” (Hall, 2016, p. 18Hall, S. (2016). Cultura e representação (Daniel Miranda & William Oliveira, trads.). Ed. PUC-Rio, Apicuri.). A linguagem depende de símbolos e signos utilizados para “representar para outros indivíduos nossos conceitos, ideias e sentimentos” (p. 18). A cultura refere-se também a um “conjunto de práticas” e, nessa acepção, “diz respeito à produção e ao intercâmbio de sentidos - o ‘compartilhamento de significados’ - entre os membros de um grupo ou sociedade” (p. 20). Os significados culturais “organizam e regulam práticas sociais” (p. 20) assim como influenciam comportamentos.

A respeito da produção de significados em toda interpretação, seja do acadêmico, do participante da pesquisa ou do leitor, há brechas e “furos” do qual emergem sentidos e associações diferentes daqueles pretendidos pelo interlocutor. Leitor e autor são elementos fundamentais na produção de sentido, haja vista que o significante ao qual o último atribuiu significado necessariamente precisa ser decodificado/interpretado pelo primeiro. Ainda que seja composta por regras, a linguagem não se resume a seus aspectos formais, visto que o “sentido continua sendo produzido pela linguagem em formas que nunca podem ser previstas de antemão” (Hall, 2016Hall, S. (2016). Cultura e representação (Daniel Miranda & William Oliveira, trads.). Ed. PUC-Rio, Apicuri., p. 64), isto é, o sentido está sempre “aberto” a novas e inusitadas significações.

Ainda que endereçadas ao campo da literatura, as asserções adiante podem ser aplicadas aos estudos culturais: “não há uma receita ou fórmula, nada dado de antemão que assegure um ato interpretativo eficaz ... qualquer metodologia em literatura conterá sempre algo de falho e insuficiente” (Durão, 2015, p. 382Durão, Fabio A. (2015). Reflexões sobre a metodologia de pesquisa nos estudos literários. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, 31(nspe.), 377-390.). O pesquisador deve ser “minucioso” e “estar atento” à potencialidade da linguagem e às disputas discursivas, além disto não deve confundir o objeto analisado com suas impressões pessoais, enquadrando-o, para tanto, na disciplina estudada.

Em face desse desafio, é importante munir-se do arcabouço conceitual próprio dos estudos culturais e delimitar, em meio à diversidade de mídias, o objeto de estudo que deverá ser refratado pelas diretrizes qualitativas e por suas técnicas.

A bricolagem qualitativa

Diante da multiplicidade de estratégias disponíveis à investigação qualitativa, Norman Denzin e Yvonna Lincoln (1994)Denzin, Norman K. & Lincoln, Yvonna S. (1994). Handbook of qualitative research. Sage., em alusão à Claude Lévi-Strauss, alçam o pesquisador qualitativo à condição de bricoleur, que por si mesmo reúne instrumentos e práticas para montar um corpus a fim de solucionar problemas concretos. O antropólogo francês utilizou o termo bricolagem, do francês bricolage, para caracterizar o pensamento mítico do bricoleur, caracterizado pela capacidade de realizar diversificado conjunto de tarefas a partir do que tem à mão, dos meios e instrumentos disponíveis, elementos que virtualmente podem se prestar a diferentes operações sem que inicialmente haja um plano específico.

Em outras palavras, os utensílios e os meios dispostos pelo bricoleur não se definem por concepções e projetos prévios, mas em razão de sua instrumentalidade e possível serventia. Ainda que o pensamento mítico e o científico sejam diferentes, pois o primeiro opera originariamente no âmbito do signo - concreto - e o segundo no âmbito conceitual, o cientista, diante de uma tarefa, “deverá começar inventariando um conjunto predeterminado de conhecimentos teóricos e práticos e de meios técnicos que limitam as soluções possíveis” (Lévi-Strauss, 1962/2008, p. 35Lévi-Strauss, Claude (2008). A ciência do concreto. In O pensamento selvagem (8a ed., Tânia Pellegrini, trad., pp. 15-49). Papirus. (Original publicado em 1962)).

O pesquisador qualitativo, espécie de bricoleur, utiliza instrumentos próprios de sua tradição teórica para organizar estratégias, métodos e materiais empíricos. Esse posicionamento considera a pesquisa como processo interativo composto a partir da história pessoal do pesquisador, de seu gênero, de sua classe e raça, portanto, nela estão inscritas relações de poder e as implicações políticas de seus resultados (Denzin & Lincoln, 1994)Denzin, Norman K. & Lincoln, Yvonna S. (1994). Handbook of qualitative research. Sage.. Apontamentos como os de Lévi-Strauss (1962/2008)Lévi-Strauss, Claude (2008). A ciência do concreto. In O pensamento selvagem (8a ed., Tânia Pellegrini, trad., pp. 15-49). Papirus. (Original publicado em 1962) podem ser inspiradores para os estudos culturais, área que tradicionalmente não se filia a protocolos metodológicos estanques, mas que ao mesmo tempo não deve abdicar dos procedimentos e cuidados metodológicos exigidos em qualquer pesquisa, tema que será abordado adiante. Primeiramente, serão sugeridas técnicas para coleta de material com base em diferentes modalidades de mídias e, na sequência, serão propostos recursos para análise e interpretação do material coligido.

Primeiro passo: as ferramentas do bricoleur para composição do corpus

Antes de esquadrinhar procedimentos e técnicas disponíveis à bricolagem qualitativa, em especial no campo das mídias e dos estudos culturais, destaca-se que método e teoria são “construídos juntos numa investigação, de maneira circular ou recíproca, de forma que um não existe sem o outro, ou de forma que não é possível separá-los, pois um método pressupõe uma questão e uma hipótese ou concepção de realidade” (Furlan, 2017, p. 84Furlan, Reinaldo (2017). Reflexões sobre o método nas ciências humanas: quantitativo ou qualitativo, teorias e ideologias. Psicologia USP, 28(1), 83-92.). A metodologia qualitativa exige, primeiramente, definir a natureza dos dados investigados, de que modo serão descritos e explicados para, na sequência, estabelecer técnicas coerentes para examiná-los. No caso das mídias, em geral, o material coligido será denso, volumoso e complexo, o que exigirá algum tipo de codificação para organizá-lo e controlá-lo (Gibbs, 2009)Gibbs, Graham (2009). Análise de dados qualitativos (R. C. Costa, trad.). Artmed..

As mídias são compostas por material escrito (roteiro/texto), audiovisual, além de efeitos de direção de arte, o que torna complexa sua organização e análise. No caso de telenovelas, séries e filmes, a pesquisa deve privilegiar as falas das personagens? Deve-se levar em conta efeitos de direção de arte? Sonoplastia, trilha sonora e cenário devem constituir elementos da análise? Não há respostas prontas para essas questões; em termos metodológicos, deve-se explicitar qual ou quais componentes audiovisuais serão analisados e justificar de que modo contribuem para análise do objeto. Adiante, serão sugeridos procedimentos/ferramentas para coleta e organização de materiais desta natureza (Figura 1).

Figura 1
As ferramentas do bricoleur - procedimentos para composição do corpus.

Primeira ferramenta: definição do corpus

Primeiramente, deve-se delimitar o problema a ser investigado e estipular o corpus, ou seja, definir qual objeto e quais mídias serão estudadas. Por exemplo, analisar os discursos sobre masculinidade - objeto - em blogs para o público masculino pertencente às classes médias - mídia.

A palavra corpus provém do latim e significa “corpo”. Ainda que em sua origem, nas ciências humanas, essa noção tenha se restringido a textos, hoje, considera-se que a seleção proposital de materiais não se reduz ao gênero textual, sendo ampliada para qualquer obra/material/mídia detentora de “funções simbólicas”, ou seja, textos, imagens, filmes, dentre outros, podem ser objetos de determinado corpus. A organização do corpus presta-se a garantir eficiência e representatividade à temática analisada. A representatividade em pesquisa qualitativa possibilita a descrição de atributos/representações desconhecidas, ao passo que em pesquisa quantitativa possibilita investigar de que modo atributos/representações conhecidos de antemão se distribuem na população segundo classificações estratificadas por sexo, idade, classe social etc. (Bauer & Aarts, 2002)Bauer, Martin W. & Aarts, Bas (2002). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Martin W. Bauer & George Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (2a ed., Pedrinho A. Guareschi, trad., pp. 39-63). Vozes..

O material coligido pode ser arquivado em bases de dados capazes de armazenar e integrar quantidade volumosa de textos que, a partir do recorte do pesquisador, compõem determinado corpus. Atualmente, com as mídias digitais, a clássica separação entre autor/leitor é “substituída por uma relação generalizada, num espaço aberto, constituído de sites que são agenciamentos coletivos” (Maingueneau, 2015, p. 166Maingueneau, Dominique (2015). Discurso e análise do discurso (Sírio Possenti, trad.). Parábola.), capazes de construir uma fugaz rede de imagens que não dispõe de divisões claras e textualmente circunscritas. A partir dessas ressalvas, em termos sintéticos, “um corpus pode ser constituído por um conjunto mais ou menos vasto de textos ou de trechos de textos, até mesmo por um único texto” (p. 39). No presente estudo, a expressão corpus faz referência ao objeto de pesquisa e às suas formas expressivas, visto que um se constrói e se segmenta a partir da linguagem do outro. Delimitado o problema de pesquisa, o objeto, as mídias e o corpus, cabe ao pesquisador definir as técnicas que empregará para coligir o material.

Segunda ferramenta: segmentação do corpus

Ao eleger técnicas e critérios para coletar materiais pertinentes à pesquisa, é preciso considerar que os meios audiovisuais constituem “amálgama complexo de sentidos, imagens, técnicas, composição de cenas, sequência de cenas e muito mais” (Rose, 2002, p. 343Rose, Diana (2002). Análise de imagens em movimento. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (2a ed., Pedrinho A. Guareschi, trad., pp. 343-364). Vozes.), complexidade que deve ser ponderada quando se analisam a estrutura e o conteúdo desses materiais. A análise de mídias exige aquilo que a autora denomina “transladar”, isto é, delimitar critérios para simplificar/transcrever os materiais, sendo que o conteúdo/forma escolhido é tão importante quanto aquele que foi deixado de lado. Para a autora, “nunca haverá uma análise que capte uma verdade única do texto” (p. 344). Por exemplo, ao transcrever programas de televisão, deve-se decidir como serão discriminados os elementos visuais, se as pausas nas falas serão incluídas, além de efeitos sonoros e de iluminação. Logo, “não há um modo de coletar, transcrever e codificar um conjunto de dados que seja ‘verdadeiro’ com referência ao texto original” (p. 344). O importante é que o pesquisador especifique com clareza os procedimentos adotados para translação e simplificação, sendo que o material transladado não representa mera cópia do original, mas a produção de “um novo resultado”, visto que se trata de espécie de “tradução” de uma linguagem para outra, na qual determinada informação é deixada de lado, enquanto outra é acrescida, segundo Diana Rose.

As mídias digitais combinam texto, áudio e vídeo. No caso de filmes, séries e telenovelas, a esses elementos são acrescidas, por exemplo, técnicas de direção e de uso criativo da câmera. Em vez de almejar a “translação perfeita”, é importante que o pesquisador seja o mais claro possível a respeito de quais técnicas empregou para delimitar o corpus, transcrever e analisar o material, a fim de propiciar condições para eventuais questionamentos de sua própria análise (Rose, 2002)Rose, Diana (2002). Análise de imagens em movimento. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (2a ed., Pedrinho A. Guareschi, trad., pp. 343-364). Vozes.. A autora adverte a respeito da complexidade do material televisivo justamente por contemplar aspectos visuais, gestuais e auditivos (fala, música de fundo, sonoplastia, cenografia, figurino, maquiagem), sendo impossível descrevê-los na íntegra. Diante deste desafio, a seguir são sugeridas recomendações técnicas para segmentação do corpus após definição do objeto e das mídias.

Primeira recomendação: Deve-se assegurar que os materiais selecionados sejam homogêneos haja vista que as mídias não devem ser confundidas nem tratadas sem considerar suas especificidades, isto é, imagens devem ser analisadas à parte, assim como transcrições de diálogos demandam procedimentos apropriados de análise. A respeito da importância da homogeneidade, como se trata da construção de um corpus, propõe-se que o pesquisador, diante da heterogeneidade do material que colecionou, analise-o “a partir de um só ponto de vista” (Barthes, 2007, p. 103Barthes, Roland (2007). Elementos de semiologia (Izidoro Blikstein, trad.). Cultrix. (Original publicado em 1964)) e exclua atributos que não interessam à sua pesquisa.

Segunda recomendação: Após análise à parte de cada material estipulado para composição do corpus (áudio, texto, imagem, dentre outros), o amálgama de elementos que compõem o corpus deve ser cuidadosamente articulado com os demais. Por exemplo, no caso de telenovelas, séries e filmes, diante da dificuldade de analisar a coleção de elementos heterogêneos que os compõem (roteiro, imagem, sonoplastia, trilha sonora, enquadramento de câmera, figurino, maquiagem, cenografia, direção de atores, direção de arte, dentre outros), pode-se limitar a análise às narrativas, ou seja, à translação literal dos diálogos e posteriormente articulá-la com elementos da cenografia (imagem) e da trilha sonora (áudio).

Terceira recomendação: Deve-se delimitar o recorte temporal/período abrangido pelo corpus, visto que: “um corpus é uma interseção da história ... o ciclo normal da mudança irá definir o intervalo de tempo dentro do qual um corpus de materiais relevantes e homogêneos deve ser selecionado” (Bauer & Aarts, 2002, p. 56Bauer, Martin W. & Aarts, Bas (2002). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In Martin W. Bauer & George Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (2a ed., Pedrinho A. Guareschi, trad., pp. 39-63). Vozes.). Por mais que o corpus deva ser amplo a fim de escrutinar suas semelhanças e diferenças, deve-se buscar sua saturação, isto é, quando a análise não apresenta novos elementos. “O corpus deve eliminar ao máximo os elementos diacrônicos; deve coincidir com um estado do sistema, um ‘corte’ na história” (Barthes, 2007, p. 105Barthes, Roland (2007). Elementos de semiologia (Izidoro Blikstein, trad.). Cultrix. (Original publicado em 1964)). É preferível um corpus diverso, delimitado pelo tempo e por seus elementos sincrônicos, do que um corpus restrito, diacrônico e de longa extensão temporal. O critério para delimitação temporal varia conforme os objetivos da pesquisa, pode-se considerar, por exemplo, fatos históricos próximos e marcantes relacionados ao objeto.

Quarta recomendação: No caso de telenovelas, filmes, séries, soma-se a análise do andamento da narrativa chamado de tempo diegético. Como muitas vezes se trata de material longo e volumoso, pode-se estipular quais cenas e/ou personagens serão incorporados no corpus. Por exemplo, ao trabalhar com telenovelas, deve-se definir a quantidade de cenas que serão transladadas e a quais momentos da narrativa devem fazer referência.

Nas telenovelas, em geral, as várias personagens tendem a aparecer em cada capítulo em virtude da empatia do público com algumas delas. O andamento da trama, isto é, o tempo de preparo para a urdidura de conflitos e sua resolução, tende a ser mais lento, quando comparado a filmes e séries, excetuando-se o desfecho que, em geral, ocorre no último capítulo de forma mal trabalhada e a contragosto da audiência. Ao longo da trama, a novela tipicamente desfila informações de forma redundante, pois o autor(a) tende a sintetizá-las e a apresentá-las novamente - às vezes por meio de flashback -, além de acrescer novos elementos à história que possibilitam a progressão do enredo. A sensação de que a trama transcorre em ritmo lento, repetitivo e longo compõe parte do gênero da telenovela, o que não impede, nesse ínterim, o acréscimo de novos conflitos e personagens ou a emergência de facetas até então desconhecidas de algumas delas para atrair a atenção do público. Essa característica decorre da própria estrutura do gênero, formado por uma trama principal, a partir da qual tramas secundárias se ramificam e se desenvolvem segundo fases de tensão crescente, alternadas com fases fluentes e fases de redundância (Pallottini, 2012)Pallottini, Renata (2012). Dramaturgia de televisão (2a ed.). Perspectiva..

Após delimitar o corpus e segmentá-lo, deve-se estipular critérios para estabelecer sua mediação com outras fontes, por exemplo, textos de jornais, revistas, blogs e postagens em redes sociais.

Terceira ferramenta: mediação

A fim de contextualizar a recepção do corpus, podem ser feitas buscas em arquivos de jornais, revistas, blogs e redes sociais a respeito de temas relacionados à pesquisa. Esse cuidado é importante para garantir que o objeto não seja concebido isoladamente, mas como mídia em constante mediação com os discursos e as forças sociais presentes na sociedade civil organizada, segundo o conflito e a disputa de interesses econômicos, políticos e culturais, além das intenções de seus autores e equipe de produção. No entanto, esta mediação deve ser parcimoniosa, restrita e norteada pelo objetivo do estudo.

Por exemplo, no caso de pesquisa que investiga formações discursivas sobre docência em telenovelas da década de 1990, pode-se consultar jornais e revistas da época a fim de contextualizar como personagens que exerciam esta profissão eram recebidas pelo público e analisadas por jornalistas e pelos próprios autores(as) da obra. Essa análise poderia incluir cenas do professor Caio Szimanski (Antonio Fagundes), em Rainha da sucata (1990), escrita por Sílvio de Abreu, caricatura do intelectual desajeitado e sem traquejo social, e sua recepção junto ao público a partir de reportagens sobre a telenovela à época de sua produção.

Esta estratégia, além de sondar o conflito entre discursos hegemônicos e subalternos a respeito de determinado objeto, incrementa a qualidade da pesquisa, pois é parte da técnica de triangulação que visa a apresentar “diferentes perspectivas sobre uma questão em estudo” (Flick, 2009, p. 62Flick, Uwe (2009). Qualidade na pesquisa qualitativa (Roberto C. Costa, trad.). Artmed.). O emprego de diferentes métodos ou de dados de diferentes origens possibilita “produzir conhecimento em diferentes níveis” (p. 62). A mediação, conceito proposto por Martín-Barbero (2015)Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ., presta-se a contextualizar o corpus no interior das disputas para definir determinados discursos e práticas como hegemônicos e outros como subalternos. Ao analisar discursos de diferentes fontes sobre o objeto da pesquisa, é possível traçar quais dispositivos estão sendo empregados para referendar ou contestar os enunciados evocados pelo corpus. É importante definir quais fontes serão utilizadas na mediação, por quais motivos, qual o período abrangido pela busca no arquivo, além de estipular como os enunciados provenientes do corpus serão triangulados com aqueles evocados pelos demais meios (jornais, revistas, blogs etc.).

Segundo passo: as ferramentas do bricoleur para análise do corpus

Após coligir o material, organizá-lo e codificá-lo, deve-se estruturar a análise do corpus, segunda etapa desta proposta metodológica (Figura 2).

Figura 2
As ferramentas do bricoleur - procedimentos para análise do corpus

Neste estudo, considera-se que o enunciado evocado pelas mídias, contextualizado segundo matrizes históricas, sociais e culturais, perfaz as formações discursivas a respeito de determinado objeto. A análise de cada um desses elementos será descrita adiante e fundamenta-se no processo de interpretação e superinterpretação.

A interpretação exige que o pesquisador questione e encontre no texto respostas manifestadamente por ele apresentadas, ao passo que a superinterpretação exige que sejam formuladas perguntas que o texto não apresenta diretamente ao leitor, segundo Jonathan Culler (2005)Culler, Jonathan (2005). Em defesa da superinterpretação. In Umberto Eco, Interpretação e superinterpretação (2a ed., Monica Stahel, trad., pp. 129-146). Martins Fontes.. A interpretação se resumiria a evocar a intenção do texto, a superinterpretação questiona como este se relaciona com outras obras, o que ele omite, suprime, reitera ou negligencia. Não se trata de vasculhar a intenção da obra, trata-se de sondar o que ela deixa de lado e o que toma como verdade. Boa parte da crítica literária, para Culler, se restringe a delimitar quais as estruturas e os problemas gerais da literatura, tendo em vista o modo pelo qual a linguística estipula o sistema de normas que possibilita o funcionamento da língua. A superinterpretação, ao contrário, busca articular o texto a aspectos amplos, tais como elementos figurativos, ideológicos, além da própria estrutura da narrativa.

Para elucidar esse raciocínio, destaca-se a importância dos fundamentos desconstrutivistas que evidenciam o quanto o “significado é limitado pelo contexto - uma função de relações internas ou entre os textos - mas o contexto em si é ilimitado: sempre existirão novas possibilidades contextuais a serem apresentadas ... a única coisa que não podemos fazer é estabelecer limites” (Culler, 2005, p. 143Culler, Jonathan (2005). Em defesa da superinterpretação. In Umberto Eco, Interpretação e superinterpretação (2a ed., Monica Stahel, trad., pp. 129-146). Martins Fontes.). Ao longo do procedimento interpretativo, as concepções de sujeito e objeto como entidades fixas e idênticas são questionadas. Além disso, o próprio contexto não é concebido como elemento externo à comunicação. O texto representaria, então, uma espécie de tecido heterogeneamente composto por inúmeros fios que, uma vez entrelaçados, acarretam várias possibilidades interpretativas e de leitura, segundo a autora.

Em síntese, a leitura e a interpretação de uma obra/mídia/corpus dependem de seu contexto, do olhar de quem interpreta e de quem lê, sendo importante esquadrinhar os enunciados do texto, suas afirmações, suas omissões, o que nele “grita” e o que é nele “silenciado”, bem como aspectos que são colocados à margem ou suprimidos do próprio corpo argumentativo. A interpretação é sempre provisória, contingente e refratada pelo modo como o pesquisador estrutura seus elementos à luz do contexto sociocultural e histórico da época e de sua posição de classe, raça, gênero, sexualidade, dentre outras.

Com base nos processos de interpretação e superinterpretação, a seguir serão explicitadas duas ferramentas próprias da bricolagem qualitativa: a análise dos enunciados evocados pelas mídias no contexto das matrizes históricas, sociais e culturais de modo a perfazer formações discursivas, conceito proposto por Foucault.

Quarta ferramenta: enunciados e formações discursivas

A aproximação de teorizações foucaultianas com os estudos culturais deve ser feita com cautela, visto que tanto um quanto o outro estruturam-se como campos heterogêneos que não pretendem constituir modelos teóricos prontos para aplicação (Veiga-Neto, 2000)Veiga-Neto, Alfredo (2000). Michel Foucault e os estudos culturais. In Marisa V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (pp. 37-69). Porto Alegre: Ed. UFRGS.. Essa heterogeneidade ou “dispersão”, expressão de Alfredo Veiga-Neto, pode ser prolífica ao possibilitar escolha acurada de quais conceitos foucaultianos podem ser convenientes para análise dos estudos culturais (Veiga-Neto & Rech, 2014Veiga-Neto, Alfredo & Rech, Tatiana L. (2014). Esquecer Foucault? Pro-Posições, 25(2), 67-82.). Além disso, o intercâmbio conceitual entre os referidos campos deve amparar-se no caráter contingente da história e da constituição do sujeito a partir de relações de saber e relações de poder, fundamentos da teorização foucaultiana (Veiga-Neto, 2000Veiga-Neto, Alfredo (2000). Michel Foucault e os estudos culturais. In Marisa V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (pp. 37-69). Porto Alegre: Ed. UFRGS.).

A partir desses fundamentos, o intercâmbio entre teorizações foucaultianas e estudos culturais pode amparar-se, por exemplo, nas noções de discurso e sujeito do primeiro e nos conceitos de cultura e identidade propostos pelo último. Na constituição fragmentada do sujeito estão imbricadas relações de poder que perfilham determinados significados - em detrimento de outros - e organizam sua identidade. Esses enunciados são fruto de discursos que “se complementam, se completam, se justificam e se impõem a nós como regimes de verdade” (Veiga-Neto, 2000, p. 56Veiga-Neto, Alfredo (2000). Michel Foucault e os estudos culturais. In Marisa V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (pp. 37-69). Porto Alegre: Ed. UFRGS.). Cultura e identidade, conceitos caros aos estudos culturais, compõem-se nesta rede discursiva onde o sujeito ocupa diferentes posições conforme o cruzamento de enunciados e interpelações (Veiga-Neto, 2000Veiga-Neto, Alfredo (2000). Michel Foucault e os estudos culturais. In Marisa V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (pp. 37-69). Porto Alegre: Ed. UFRGS.).

O presente estudo apoia-se nestas teorizações foucaultianas em intercâmbio com as tradições dos estudos culturais latino-americanos e pós-coloniais ao propor passos metodológicos para análise de objetos audiovisuais. As referidas aproximações devem ser feitas com cautela, rigor e pertinência, pois Foucault não se constituiu como autor alinhado à perspectiva dos estudos culturais conforme expõe com precisão Veiga-Neto (2000)Veiga-Neto, Alfredo (2000). Michel Foucault e os estudos culturais. In Marisa V. Costa (Org.), Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (pp. 37-69). Porto Alegre: Ed. UFRGS. e tampouco suas teorizações podem ser utilizadas a prêt-à-porter (Veiga-Neto & Rech, 2014Veiga-Neto, Alfredo & Rech, Tatiana L. (2014). Esquecer Foucault? Pro-Posições, 25(2), 67-82.).

Na proposta metodológica apresentada, a análise dos enunciados e das formações discursivas, além de depender da organização e da codificação do corpus, apoia-se no conceito de discurso, proposto por Foucault. O discurso é composto por segmentos intermitentes, dinâmicos e não uniformes, portanto, não se divide em oposições do tipo discurso dominante versus discurso dominado haja vista que nas formações discursivas se articulam múltiplos elementos e diferentes estratégias. Os discursos estão submetidos ao poder, mas nele não se completam, pois também podem ser utilizados como seu obstáculo e como ponto de resistência (Foucault, 1976/2009Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: a vontade de saber (Maria T. C. Albuquerque & José A. G. Albuquerque, trads., 19a ed.). Graal. (Original publicado em 1976)). O discurso não se restringe à performance verbal, ao que é dito e às afirmações em diferentes domínios que produzem verdades, pois modela o conhecimento institucionalizado e suas práticas (Hall, 1997)Hall, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46.. Assim, tanto a performance verbal (texto escritos, linguagem oral) quanto as práticas (gestos, rituais, atos) circulam discursivamente e produzem posições subjetivas.

A análise firmada pelos estudos culturais deve ir além do texto, pois ainda que a linguagem trate do sujeito, em determinadas ocasiões alguns têm maior reconhecimento/poder para falar em nome de algo em detrimento de outros, segundo Hall. O discurso “define e produz os objetos do nosso conhecimento, governa a forma com que o assunto pode ser significativamente falado e debatido, e também influencia como ideias são postas em prática e usadas para regular a conduta dos outros” (Hall, 2016, p. 80Hall, S. (2016). Cultura e representação (Daniel Miranda & William Oliveira, trads.). Ed. PUC-Rio, Apicuri.). Ao governar os modos de se referir a determinado assunto, o discurso prescreve o estilo de falar e de escrever a respeito dele, assim como suprime, constrange e limita outras formas de abordá-lo, pois não está unificado em um texto, em uma fonte ou em uma enunciação única, muito pelo contrário, se espraia em variados textos e práticas, concatenado ao agenciamento de diferentes dispositivos.

Em A ordem do discurso, Foucault afirma que em qualquer sociedade a produção discursiva é segmentada, controlada e organizada segundo “certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (Foucault, 1971/2009, p. 9)Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: a vontade de saber (Maria T. C. Albuquerque & José A. G. Albuquerque, trads., 19a ed.). Graal. (Original publicado em 1976). Na sociedade ocidental são comuns técnicas de exclusão e de interdição discursiva; certos temas são considerados tabus, outros podem ser tratados apenas em circunstâncias ritualizadas e ainda há aqueles que podem ser legitimamente proferidos apenas por alguns. Em toda sociedade existem narrativas renitentes, pertinazes, repetidas de diferentes formas e diversas vezes por meio de textos, discursos ritualizados, fórmulas, gestos, rituais e roteiros.

Nas palavras de Foucault (1971/2009, p. 22)Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: a vontade de saber (Maria T. C. Albuquerque & José A. G. Albuquerque, trads., 19a ed.). Graal. (Original publicado em 1976), são “coisas ditas uma vez e que se conservam porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza”. São discursos que parecem ter se originado no próprio ato em que são proferidos e que, no entanto, apenas se restringem à remissão de discursos anteriores, além daqueles que retomam, modificam ou abordam o discurso original. Há, de um lado, os “discursos fundamentais ou criadores” e, de outro lado, por mecanismos de deslocamento, aqueles que os “comentam e repetem”. Foucault nomeia como “jogo” essa conjuntura em que discursos ressurgem e reaparecem sem cessar.

Esquadrinhar o jogo discursivo, com base nos mecanismos interpretativos anteriormente descritos, compõe parte dos objetivos dos estudos culturais conforme se depreende de Hall (2016)Hall, S. (2016). Cultura e representação (Daniel Miranda & William Oliveira, trads.). Ed. PUC-Rio, Apicuri., visto que as mídias são constituídas a partir do confronto de enunciados de diferentes ordens. Para Douglas Kellner (2001)Kellner, Douglas (2001). A cultura da mídia - estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno (Ivone C. Benedetti, trad.). EDUSC., aquilo que diverge da norma estabelecida, conhecido como diferença, pode ser rentável, quando enquadrado em certas condições específicas pela cultura da mídia que frequentemente busca novidades com intuito de arregimentar novos estilos de vida.

Por exemplo, na telenovela O outro lado do paraíso (2017-2018), escrita por Walcyr Carrasco, a médica Tônia (Patrícia Elizardo), por ser adepta do veganismo, fazia alusões aos supostos benefícios dessa doutrina à saúde, no entanto, a personagem não apresentava críticas contundentes à exploração animal pela indústria, ainda que atualmente haja argumentos críticos bem fundamentados a respeito desse assunto. Logo, no ambiente ficcional, o caráter contestador do movimento vegano fica desidratado, reduzindo-se a mero estilo de vida ao alcance da mão do espectador como mais uma opção de consumo.

O relevo dado à diferença enquanto signo de contestação aumenta o apelo dos produtos e estilos a serem consumidos, caso suas consequências não sejam colocadas em jogo, além de instituir determinada política de identidade, na qual cada segmento ratifica suas particularidades e interesses de modo pasteurizado, sem qualquer tipo de unidade que evidencie “forças comuns de opressão” (Kellner, 2001Kellner, Douglas (2001). A cultura da mídia - estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno (Ivone C. Benedetti, trad.). EDUSC., p. 61) e conflitos entre discursos de diferentes ordens.

Na presente proposta metodológica, a partir dos passos descritos na etapa de composição do corpus, busca-se escrutinar os enunciados, ou seja, os discursos que despontam do corpus e da mediação, aquilo que cada um desses materiais aborda de modo aparentemente aleatório. Já as formações discursivas correspondem aos discursos e aos seus jogos, contextualizados segundo matrizes históricas, sociais e culturais que segmentam e moldam os enunciados conforme será discutido adiante.

Quinta ferramenta: matrizes históricas, sociais e culturais

No presente estudo, a interpretação das matrizes históricas, sociais e culturais que perfazem formações discursivas alinha-se à tradição dos estudos culturais latino-americanos. Martín-Barbero (2015)Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ. propõe um modelo para estudar a mediação entre comunicação, cultura e política, sintetizado no prefácio à 5ª edição espanhola do livro Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Parte do modelo destaca que é preciso analisar a mediação entre matrizes culturais e formatos industriais, ou seja, explorar de que modo gramáticas discursivas da cultura popular, somadas aos movimentos sociais e discursos subalternos, articulam-se e hibridizam-se com discursos hegemônicos e as formas técnicas/industriais de produção da cultura. As matrizes culturais são mediadas pelas relações de sociabilidade estabelecidas no cotidiano e pela institucionalidade, isto é, interesses contrapostos do Estado, que busca manter a ordem social e a estabilidade das instituições, conflagrados com as forças sociais - “maiorias” e “minorias” - que buscam o reconhecimento de seus direitos e/ou sua estabilidade.

Ainda que analisar esta complexa rede nem sempre seja pertinente ao objetivo de determinado estudo, é preciso ao menos considerar que as formações discursivas são fruto das matrizes mencionadas pelo autor, isto é, da mediação da cultura popular com a chamada indústria cultural ao longo da história, entremeadas pelas relações de sociabilidade, movimentos sociais e pelas instituições do Estado. Considerar as matrizes históricas, sociais e culturais implica analisar o “conflito de interesses em jogo na luta por produzir, acumular ou veicular informações” (Martín-Barbero, 2015Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ., p. 283), ou seja, investigar “as condições sociais de produção do sentido” (p. 283).

As formas industriais da cultura (cinema, televisão, rádio) devem ser entendidas a partir de sua mediação com os elementos da cultura popular, com os pleitos dos movimentos sociais, com as formas de sociabilidade, além das demandas do capital econômico e do Estado, segundo Martín-Barbero (2015)Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ.. As mídias são palco de diferentes formas de conflito no que tange ao consumo e à produção, pois seu conteúdo hibridiza-se com demandas da sociedade civil organizada e dos coletivos, como as mudanças nos padrões de família, das relações de gênero e da sexualidade, por exemplo.

A título de ilustração, a trama de Babilônia (2015), novela escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, foi modificada várias vezes em decorrência da rejeição do público, em especial, de grupos ligados a diferentes denominações evangélicas e de outros segmentos conservadores. Dentre as alterações realizadas na sinopse, Carlos Alberto, personagem do ator Marcos Pasquim, “sairia do armário” em meados da trama para viver um romance com Ivan (Marcello Melo). No entanto, em pesquisa de opinião realizada pela Rede Globo para analisar a recepção da telenovela, entrevistadas declararam-se incomodadas com o fato de Pasquim, típico galã da emissora, de perfil másculo e corpo atlético, ser escalado para interpretar uma personagem gay. Nas palavras de Gilberto Braga, um dos autores de Babilônia: “Para atender a um pedido de um grupo de discussão de São Paulo. Elas tinham tesão pelo Pasquim e lamentaram o fato de ele ser gay na novela. Eu fiquei com pena das mulheres e botei ele para ser hétero” (Bravo, 2015)Bravo, Zean (2015, 31 de maio). Gilberto Braga comenta problemas de Babilônia: o Brasil encaretou. O Globo. Recuperado de https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/gilberto-braga-comenta-problemas-de-babilonia-brasil-encaretou-1-16294452
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. Assim, Marcos Pasquim notabilizou-se por interpretar o primeiro “ex-gay”, ou aquele que foi sem nunca ter sido, da teledramaturgia brasileira. No final da novela, Carlos Alberto, sua personagem, é assassinado por Beatriz (Gloria Pires).

Apesar do embate entre grupos conservadores e progressistas, exemplificado na telenovela Babilônia, a hegemonia do massivo redunda na tendência à formação de público amplo e homogêneo, diante do qual as diferenças são dessensibilizadas e amenizadas, para que não “choquem” os preconceitos da maioria, além de requererem “mínimo esforço decodificador” (Martín-Barbero, 2015, p. 253Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ.). Por outro lado, a despeito da massificação, por corresponder a modelos liberais, a imprensa sempre procurou contemplar diferenças culturais e políticas próprias da sociedade civil assim como o rádio. A televisão destaca-se por ampliar essa tendência, ou seja, por absorver as diferenças “porque é esta sua forma de negá-las: exibindo-as livres de tudo aquilo que as impregna de conflitivo, nenhum outro meio de comunicação tinha permitido o acesso a tanta variedade de experiências humanas, de países, de povos, de situações” (p. 253).

Longe de representar elogio às diferenças, a televisão as controla por meio da aproximação às suas semelhanças tangenciais, isto é, caso o espectador delas se aproxime notará certa similaridade entre ambos, no entanto, ao mesmo tempo resta a sensação de que essas diferenças são exóticas, singulares, como se não “coubessem” em seu mundo. Seja pela familiaridade ou pelo exotismo, o massivo acaba por impedir que as diferenças sejam postas em questão ou que o próprio milagre do desenvolvimento, sinônimo de progresso e futuro, seja interposto por outros modelos de sociedade (Martín-Barbero, 2015)Martín-Barbero, Jesús (2015). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (7a ed., Ronald Polito & Sérgio Alcides, trads.). Ed. UFRJ..

A título de exemplo, no Brasil, com a instalação da ditadura militar (1964-1985), primeiramente, a consolidação da televisão liquidou a hegemonia exercida nas décadas anteriores pelo rádio e, posteriormente, sustentou as políticas culturais criadas no regime de exceção com laivos populistas (Bucci, 2000)Bucci, Eugênio (2000). Antropofagia patriarcal. In A TV aos 50: Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário (pp. 111-132). Ed. Fundação Perseu Abramo.. Atualmente, essas questões abordam, por exemplo, qual a porcentagem de produções estrangeiras que as televisões abertas, caracterizadas na legislação brasileira como concessões públicas, podem reproduzir? Devem os museus estabelecer restrição etária em suas exposições? Os programas de televisão devem enquadrar limites de classificação etária e alertar quando esses apresentam conteúdos relacionados a temas-tabu, como sexo, nudez, suicídio, aborto, violência e uso de substâncias psicoativas? Essas são interpelações frutificadas pelo massivo no Brasil e que podem ser objeto de análise dos estudos culturais a partir da proposta metodológica sugerida no presente estudo.

No conjunto delineado por esses exemplos, em termos políticos, reside o questionamento de qual deveria ser o papel do Estado na regulação ou desregulação da política cultural, assunto que galvaniza o Brasil desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff (2011-2016) culminando com ascensão de governos conservadores que não se resumem à reedição canhestra do ideário do fascismo e do populismo próprio da primeira metade do século XX. O atual populismo utiliza as mídias sociais como modo direto de comunicação com o povo e questiona a presença de veículos intermediários como a imprensa (Schwarcz, 2019)Schwarcz, Lilia M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. Companhia das Letras..

Os estudos culturais latino-americanos, representados por Martín-Barbero, evidenciam o quanto as formas industriais/massivas da cultura hibridizam-se com elementos populares e históricos relacionados às diferenças sociais, étnicas, raciais, dentre outras, no conjunto de interesses econômicos e da política cultural instituída pelo Estado. Assim, esta última abordagem alinha-se com a noção foucaultiana de discurso, resguardados os cuidados teóricos anteriormente expostos, e com elementos dos estudos pós-estruturalistas de Hall, constituindo terreno fértil para análise dos enunciados e das formações discursivas à luz de matrizes históricas, sociais e culturais.

Considerações finais

As relações de sociabilidade e os contornos da subjetividade têm se modificado com o advento das plataformas digitais e das mídias. Nesse intrincado e incerto panorama, marcado por ruptura dos signos que perfizeram a Modernidade, educadores, psicólogos, sociólogos, dentre outros profissionais, têm traçado perspectivas a respeito das funções da escola, da família e da sociedade civil organizada. O presente estudo, a partir do arcabouço dos estudos culturais, definiu passos metodológicos para pesquisas que analisam mídias e material audiovisual. Para tanto, pautou-se na noção de bricolagem, proposta por Lévi-Strauss (1962/2008)Lévi-Strauss, Claude (2008). A ciência do concreto. In O pensamento selvagem (8a ed., Tânia Pellegrini, trad., pp. 15-49). Papirus. (Original publicado em 1962), aplicada ao campo qualitativo por Denzin e Lincoln (1994)Denzin, Norman K. & Lincoln, Yvonna S. (1994). Handbook of qualitative research. Sage..

Os passos metodológicos propostos, ferramentas do bricoleur, consistem no estabelecimento de critérios para coleta de material e composição do corpus em virtude do amálgama de elementos que compõem as mídias: áudio, vídeo, texto, figurino, cenografia, direção de arte, dentre outros. No que tange à coleta de material, deve-se definir o objeto e as mídias cujos elementos audiovisuais deverão ser transladados/transcritos a partir de regras estipuladas pelo pesquisador. A análise dos dados, por sua vez, deverá escrutinar enunciados presentes no corpus à luz de matrizes históricas, sociais e culturais. Os procedimentos sugeridos devem ser adaptados ao objetivo e à natureza de cada estudo a fim de estabelecer o rigor e o enquadre metodológico de pesquisas qualitativas sobre mídias e suas intrincadas ressonâncias subjetivas e sociais.

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  • Financiamento: O presente estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) (Código de Financiamento 001) por meio da concessão de bolsa de doutorado ao primeiro autor sob orientação do segundo autor. Também contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil (CNPq) por meio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) concedida ao segundo autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2020
  • Revisado
    24 Jun 2020
  • Aceito
    27 Jul 2020
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