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A BARREIRA LINGUÍSTICA COMO PARTE DAS POLÍTICAS EDITORIAIS DE DIVERSIDADE E INCLUSÃO

LA BARRERA LINGUÍSTICA COMO PARTE DE LAS POLÍTICAS EDITORIALES DE DIVERSIDAD E INCLUSIÓN

Na publicação científica, assim como na sociedade em geral, o papel do viés intencional e não intencional tem merecido crescente atenção. Preconceitos baseados em etnia, gênero, religião, deficiência, educação, ambiente institucional, status de carreira, orientação sexual, idioma etc. têm sido uma preocupação para os editores científicos. Esse viés pode se manifestar em diversas etapas do processo editorial, mas os momentos da submissão e da revisão por pares são particularmente sensíveis. A valorização da diversidade, equidade e inclusão (DEI) tem sido essencial para promover ações equitativas garantindo diversidade em várias áreas, inclusive geográfica, linguística e cultural. Essas condições favorecem a inclusão de novas perspectivas no campo de estudo representadas por essa diversidade.

A American Psychological Association (APA, 2021American Psychological Association (2021). Inclusive language guidelines. Disponível em: https://www.apa.org/about/apa/equity-diversity-inclusion/language-guidelines.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.
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) produziu um documento didático sobre linguagem inclusiva para promoção de DEI. Entre muitos termos, descreve opressão (relacionada ao poder e privilégio usados para dominar o outro, mantendo a desigualdade) e privilégio (não ocorre por mérito, mas pela inserção em um sistema que normaliza o fato, garantindo, a alguns, poder, tais como direitos, benefícios, oportunidades etc.).

No Brasil, a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) também tem tomado a iniciativa para a sensibilização dos editores científicos para os princípios Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade (DEIA,). A ABEC Brasil criou uma webpage para apresentação de diretrizes e tem promovido encontros científicos sobre esse tema (https://www.abecbrasil.org.br/novo/espaco-deia/).

O documento “Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos na Coleção SciELO Brasil” inclui, em sua última versão, recentemente publicada, a promoção dos Princípios DEIA ao longo do processo de pesquisa e de sua comunicação. Além de reiterar o compromisso do SciELO Brasil para com esses princípios e recomendar que os periódicos os adotem, agora é obrigatório que incluam uma “explicitação de promoção de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade na gestão e operação” (SciELO Brasil, 2022SciELO Brasil (2022). Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos na Coleção SciELO Brasil. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/20200500-Criterios-SciELO-Brasil.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.
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, p. 16), e considera a diversidade, a equidade e a inclusão na composição do corpo de editores(as) na avaliação do periódico. Esse documento salienta que o multilinguismo é uma expressão de diversidade e inclusão. Embora esteja ativamente promovendo eventos voltados para esse tema, as dificuldades para a implantação dessas diretrizes não são mencionadas nesse texto.

Embora muito esteja sendo discutido e ações estejam sendo iniciadas, como mostram as diretrizes mencionadas, não há um aprofundamento na questão da relação do pesquisador brasileiro não anglófono com textos e palestras em inglês. O tema possui relevância, dado que a qualidade científica de um artigo depende de uma prévia revisão bibliográfica, incluindo citações recentes em revistas indexadas nas melhores bases de dados, geralmente publicadas em inglês. Apesar de todo o empenho da equipe editorial da Revista Brasileira de Psicodrama para aumentar a qualidade e a diversidade das referências, observa-se a predominância de citações de autores nacionais ou estrangeiros traduzidos para o português.

A adoção do inglês como o idioma da ciência poderia resolver a limitação para o compartilhamento do conhecimento científico imposta pela diversidade de linguagens. Porém essa decisão levaria à exclusão de uma parcela considerável do conhecimento científico. Uma pesquisa no Google Scholar em 16 idiomas identificou que 35,6% dos 75.513 documentos científicos sobre conservação da biodiversidade publicados em 2014 não estavam em inglês. A ausência dessa porcentagem considerável de estudos pode causar vieses na área de estudo ou tornar as atualizações indisponíveis em línguas locais, dificultando o acesso aos profissionais interessados que não dominam o inglês (Amano et al., 2016Amano, T., González-Varo, J. P. & Sutherland, W. J. (2016). Languages are still a major barrier to global science. PLoS Biology, 14(12), e2000933. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.2000933
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).

Bibliodiversidade refere-se à inclusão de diferentes sistemas, tópicos de pesquisa, publicações e linguagens como forma de atender às necessidades e diversidade de comunidades de pesquisa (Kittinger & Vandega, 2020Kittinger, A. & Vandegrift, M. (2020). A response to the call for bibliodiversity: Language, translation, and communicated scholarship. Triangle Open Scholarship. https://doi.org/10.21428/3d640a4a.48ea4b20
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). Ambos, o multilinguismo e a bibliodiversidade, atendem essas necessidades locais, porém a publicação dos artigos em inglês e português significa um aumento considerável no custo para muitas instituições, inclusive para a Federação Brasileira de Psicodrama, responsável pela Revista Brasileira de Psicodrama.

A pesquisa científica é colaborativa e internacional e, como tal, deveria ser multilíngue. Uma alternativa que vem crescendo é o multilinguismo, caracterizado pela publicação em vários idiomas, valorizando os locais e/ou nacionais, um fator importante para facilitar o aproveitamento de resultados de pesquisas realizadas em seus locais de origem (Shearer et al., 2020Shearer, K., Chan, L., Kuchma, I. & Mounier, P. (2020). Fostering bibliodiversity in scholarly communications: A call for action. Zenodo. https://doi.org/10.5281/zenodo.3752923
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) e manter vivas as pesquisas localmente relevantes. Comunicar no idioma nativo cria impacto e interação com a sociedade, para além da academia (Foro Latinoamericano sobre Evaluación Científica, 2021Foro Latinoamericano sobre Evaluación Científica (2021). FOLEC 2021: Hacia la transformación de los sistemas de evaluación en América Latina y el Caribe. Herramientas para promover nuevas políticas evaluativas. Herramienta 2: Para promover la bibliodiversidad y defender el multilinguismo. Disponível em: CLACSO – Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. https://www.clacso.org/herramienta-2-para-promover-la-bibliodiversidad-y-defender-el-multilinguismo/. Acesso em: 22 nov. 2022.
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). Os periódicos da coleção SciELO, por exemplo, podem publicar todos os artigos em único idioma, todos os artigos simultaneamente em mais de um idioma, alguns artigos em um idioma e outros em outro idioma e ainda outros simultaneamente em mais de um idioma. Os idiomas mais utilizados são inglês, português e espanhol ( SciELO Brasil, 2022SciELO Brasil (2022). Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos na Coleção SciELO Brasil. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/20200500-Criterios-SciELO-Brasil.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.
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).

O Observatório Latinoamericano de Indicadores de Avaliação (OLIVA) busca aumentar a visibilidade e a valorização da produção científica indexada na América Latina e no Caribe. Um estudo com 1.720 revistas científicas indexadas no SciELO e/ou na Redalyc, sendo metade delas das Ciências Sociais e Humanidades, observou o surgimento de publicação em vários idiomas, característica do multilinguismo e um aumento das que publicam seus artigos em inglês (sobretudo periódicos brasileiros). No entanto, diferente das principais bases de dados internacionais onde o inglês é predominante, no conjunto OLIVA há uma grande diversidade linguística. Predominam o espanhol e o português, com apenas 23,9% dos artigos redigidos em inglês (Beigel et al., 2022Beigel, F., Packer, A. L., Gallardo, O. & Salatino, M. (2022). OLIVA: The scientific production indexed in Latin America and the Caribbean. Disciplinary diversity, institutional collaboration, and multilingualism in SciELO and Redalyc (1995-2018). SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.4637
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). O mesmo estudo salienta, ainda, que algumas publicações estão deixando de publicar em português, para publicar somente em inglês, o que significa uma perda para o multilinguismo.

Além disso, apenas parte do problema é atendida com o multilinguismo, pois a troca de experiências com outras culturas e a revisão de artigos publicados nas principais bases de dados continua exigindo um interesse pela leitura (ou pela tradução) de artigos majoritariamente redigidos em inglês.

No Brasil, as universidades estão trabalhando ativamente pela internacionalização da educação superior e a mobilidade de seus alunos e pesquisadores. Trata-se de uma política de inclusão em outras culturas, visando a produção de conhecimentos mais relevantes e a preparação dos alunos para lidar com um mundo cada vez mais volátil, complexo e incerto. Uma metanálise de abordagens críticas à internacionalização identificou ansiedades subjacentes que dificultam essa iniciativa (Stein, 2017Stein, S. (2017). Internationalization for an uncertain future: Tensions, paradoxes, and possibilities. Review of Higher Education, 41(1), 3–32. https://doi.org/10.1353/rhe.2017.0031
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). Com os dados levantados, Stein (2017)Stein, S. (2017). Internationalization for an uncertain future: Tensions, paradoxes, and possibilities. Review of Higher Education, 41(1), 3–32. https://doi.org/10.1353/rhe.2017.0031
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avaliou que educadores e pesquisadores têm questionado a internacionalização, porém usando métodos inadequados, o que tende a estreitar a apreensão dos fatores que dificultam esse processo. O conceito de internacionalização nasceu no chamado Norte Global e foi evoluindo, respondendo a diferentes necessidades e se adaptando às novas realidades (de Haan, 2014de Haan, H. (2014). Internationalization: Interpretations Among Dutch Practitioners. Journal of Studies in International Education, 18(3), 241–260. https://doi.org/10.1177/1028315313496571
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). Porém, o significado e as implicações da internacionalização diferem dependendo da geografia (EVALUATE Project, 2022EVALUATE Project (2022). Harnessing the power of evaluation to build better international strategic partnerships between universities. Disponível em: https://www.ed.ac.uk/sites/default/files/atoms/files/evaluate_handbook_final.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.
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).

Alunos de psicologia podem se beneficiar da internacionalização pelo acesso a novas práticas e tratamentos desenvolvidos em diferentes culturas e regiões do mundo. Podem aumentar sua sensibilidade e consciência cultural ao refletirem sobre fatores contextuais que limitam a aplicabilidade de determinadas teorias e intervenções, dependendo da população atendida (Balva et al., 2022Balva, D., Page, D. T., Collardeau, F., Gómez Henao J. A. & Flores-Camacho A. L. (2022). International capacity building in psychological science: Reflections on student involvement and endeavors. Trends in Psychology. https://doi.org/10.1007/s43076-022-00168-5
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).

A experiência de mobilidade tem um papel fundamental no desenvolvimento de capacidades pessoais, interculturais e profissionais no âmbito acadêmico-científico. Não obstante o domínio insuficiente de outros idiomas é um dos principais desafios na experiência de mobilidade internacional. Para alunos e pesquisadores brasileiros no exterior, a língua é percebida como um obstáculo, gerando dificuldades acadêmicas (Oliveira & Freitas, 2017Oliveira, A. L. & Freitas, M. E. (2017). Relações interculturais na vida universitária: Experiências de mobilidade internacional de docentes e discentes. Revista Brasileira de Educação, 22(70), 774–801. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227039
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).

Algumas evidências da influência de outros fatores, além da dificuldade com o inglês, podem ser observadas em eventos internacionais em que as trocas profissionais com colegas que falam outros idiomas têm sido um enorme desafio. O constrangimento e o distanciamento da fala em inglês dificultam a compreensão do momento, mesmo havendo tradução, caracterizando uma dificuldade em lidar com a diversidade, a ausência de equidade e a exclusão de muitos colegas.

O objetivo desse editorial é refletir sobre a inclusão da barreira linguística, decorrente do domínio insuficiente do inglês, como um dos fatores responsáveis pela dificuldade em desenvolver equidade, e inclusão no cenário internacional dos autores psicodramatistas brasileiros.

A BARREIRA LINGUÍSTICA NO BRASIL

O Índice de Proficiência em Inglês da Education First (2022)Education First (2022). English Proficiency Index: A Ranking of 111 Countries and Regions by English Skills. Disponível em: https://www.ef.com/assetscdn/WIBIwq6RdJvcD9bc8RMd/cefcom-epi-site/reports/2022/ef-epi-2022-english.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.
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mostra que o Brasil se encontra na 58ª posição, de um total de 111 países, considerado de proficiência moderada. No âmbito latinoamericano, o Brasil se encontra na 12ª posição, entre os 20 países da região.

A desvantagem linguística de pesquisadores brasileiros que não dominam o inglês foi identificada na tese de doutorado de Sonia Maria Ramos de Vasconcelos (2008)Vasconcelos, S. M. R. (2008) Ciência no Brasil: uma Abordagem Cienciométrica e Lingüística. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Rio de Janeiro.. Observou-se uma correlação estatística entre a produtividade do pesquisador e sua proficiência no inglês escrito. Concluiu-se que a habilidade em comunicação desses pesquisadores traz maior visibilidade para a ciência brasileira no cenário internacional (Vasconcelos, 2008Vasconcelos, S. M. R. (2008) Ciência no Brasil: uma Abordagem Cienciométrica e Lingüística. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Rio de Janeiro.). Outros fatores contribuem para o agravamento desse quadro, como a falta de conhecimento e treinamento para a redação científica, pouco domínio da linguagem científica, ausência de criatividade e ousadia para produzir contribuições originais, assim como um planejamento e metodologia insuficientes (Marques, 2009Marques, F. (2009). A barreira do idioma: Estudo sugere correlação entre produtividade dos pesquisadores e sua competência em escrever em inglês. Disponível em: Revista Pesquisa Fapesp. https://revistapesquisa.fapesp.br/a-barreira-do-idioma. Acesso em: 22 nov. 2022.
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).

O Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) foi criado em 2011 com o objetivo de promover, entre outros, a formação acadêmica no exterior e a internacionalização da ciência brasileira, através do intercâmbio e da mobilidade dos alunos de graduação. Para suprir a carência de bolsistas que apresentavam domínio insuficiente de um segundo idioma foi criado, em 2012, o Programa Idiomas sem Fronteiras (ISF), com o objetivo de promover uma política linguística nas universidades e auxiliar estudantes de nível superior a terem acesso aos programas de mobilidade ofertados pelo Governo Federal. De 2014 a 2018, um total de 1.496 professores (1.140 de inglês) participaram do programa e 364.519 vagas foram ofertadas (337.317 de inglês). Infelizmente, o programa foi descontinuado em 2019. Um estudo realizado com 1.283 bolsistas do CsF que realizaram parte da graduação em instituições dos Estados Unidos entre 2012 e 2015 mostrou que 40,8% deles declararam ter feito curso de inglês no exterior para “aprimorar a proficiência linguística” (Borges, 2018, p. 134, citado por Borges, 2022Borges, R. A. (2022). (Des)colonialidade linguística e interculturalidade nas duas principais rotas da mobilidade estudantil brasileira. Comunicação e Sociedade, 41, 189–208. https://doi.org/10.17231/comsoc.41(2022).3718
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).

Apesar de programas de capacitação para a escrita e para a avaliação científica que vêm sendo promovidos pela ABEC Brasil, embora sejam propostas válidas, eles são insuficientes para aumentar o apoio e a adesão às propostas para leitura e publicação dos textos em inglês.

Não obstante a internacionalização crescente da pesquisa brasileira e os incentivos para a colaboração internacional, regional ou global, fato é que pouco se faz para apoiar os alunos de pós-graduação nos desafios linguísticos. Alguns programas exigem um certificado de proficiência em inglês como condição para a obtenção do mestrado e de um segundo idioma estrangeiro para obtenção do doutorado. Daí surgem as assimetrias: aqueles que tiveram ou têm a possibilidade de desenvolver essas capacidades têm mais possibilidades de interlocução fora de seu âmbito de origem, enquanto aqueles que não falam outros idiomas acabam ficando simbolicamente ou de fato excluídos do diálogo mais amplo.

O aprendizado de uma segunda língua é importante não somente no momento de publicar um artigo científico. Para desenvolver parcerias, para que a pesquisa tenha impacto global, é preciso entender o que acontece e está sendo produzido em outros lugares do mundo. Sem uma segunda língua, isso não é possível, e se o financiamento for usado somente para traduzir artigos, nunca haverá crescimento.

EVIDÊNCIAS DE BARREIRA LINGUÍSTICA EM EVENTOS INTERNACIONAIS

Nos eventos internacionais de psicodrama, os grandes grupos, principalmente quando ocorrem em vários dias durante congressos com profissionais que trabalham com grupos, facilitam o aparecimento de estados coconscientes e coinconscientes, que são estados mentais ativados pelo compartilhamento de experiências, pensamentos, sensações entre os participantes (Fleury & Knobel, 2018Fleury H. J. & Knobel, A. M. (2018). The concept of the co-unconscious in Moreno’s psychodrama. In E. Hopper & H. Weinberg (Orgs.), The social unconscious in persons, groups and societies: Mainly Theory (pp. 23-24). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780429483233
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; Knobel, 2011Knobel, A. M. (2011). Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(2), 139–152.). Em eventos internacionais promovidos pela International Association for Group Psychotherapy and Group Processes (IAGP), é do conhecimento de todos que o valor da taxa de inscrição é menor para os participantes de países em desenvolvimento. Além da diferença econômica, o idioma oficial é o inglês, o que garante maior facilidade de expressão, comunicação e influência aos que dominam o idioma. Os coordenadores desses grupos relatam indivíduos ou grupos que dispensam a tradução quando, na realidade, precisam dela, críticas e ataques ao trabalho dos tradutores informais e desconforto com relação à comunicação. “Apesar da boa vontade de todos, acordos tácitos não explicitados procuram minimizar essa assimetria de acesso às informações, seja pela vergonha dos que não sabem, seja pela incompreensão existencial dos que sabem” (Knobel, 2011Knobel, A. M. (2011). Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(2), 139–152., p. 11).

Em 2006, São Paulo sediou o 16º Congresso Internacional da IAGP, com 1.300 inscrições e participantes de 45 países. O objetivo era construir pontes e diálogos entre a comunidade global de intervenções em grupo, expresso no tema “Grupos – Conectando Indivíduos, Comunidades e Culturas”. Todas as manhãs, as atividades científicas começavam com um Pequeno Grupo, que fornecia um espaço para os participantes compartilharem suas experiências diárias no congresso e fazerem contato com colegas de todo o mundo. Os Grandes Grupos concluíram todos os dias oferecendo uma oportunidade de conhecer outras culturas, comunidades e subgrupos e explorar conflitos sociais e possíveis diálogos.

Apesar do sucesso do programa científico e da satisfação dos participantes, a barreira linguística foi uma das principais preocupações dos organizadores. Soluções práticas como tradução simultânea para as palestras e tradução sequencial por voluntários em outras palestras ajudaram muito, mas a conclusão final dos coordenadores do Programa Científico foi que a barreira linguística é muito maior e tem fontes mais profundas que tocam questões de prioridades, privilégios, superioridades e inferioridades. Observou-se também que os profissionais latino-americanos nos Grandes Grupos pareciam abordar colegas de outras culturas com hesitação e pouca autoconfiança, o que pode ter contribuído para essa dificuldade (Weinberg & Fleury, 2006Weinberg, H. & Fleury, H. J. (2007). Globeletter, International Association for Group Psychotherapy and Group Processes (IAGP).).

Após esse evento, a revista científica da IAGP, Forum, publicou alguns artigos que tentaram aprofundar a compreensão de algumas dificuldades enfrentadas pelos organizadores e pelos apresentadores.

Nos Pequenos Grupos, a linguagem foi um desafio para todos. Um dos relatos foi a reação de uma participante brasileira que, ao entrar na sala e perceber que o grupo falaria em inglês e português, pareceu ofendida e deixou a sala, o que gerou desconforto aos demais membros do grupo (Howard & Russo, 2007Howard, T. S. & Russo, L. (2007). Small groups in São Paulo: A cultural clash? Forum, 2, 65–77.).

Reflexões posteriores ao Grande Grupo Analítico, dirigido pelo austríaco Felix de Mendelssohn (Mendelssohn et al., 2007Mendelssohn, F., Castanho, P. G., Howard, T. S., Burmeister, J., Hopper, E. & Emilio, S. (2007). Multiple reflections on the analytic group in São Paulo. Forum, 2, 43–64.), identificam elementos relacionados à história da Instituição IAGP, às consequências do processo de colonização dos países do Hemisfério Sul por países do Hemisfério Norte e evidências importantes da influência de conteúdos emocionais nas questões compreendidas como barreiras linguísticas.

Solange Emilio, uma das duas psicólogas brasileiras convidadas para traduzir voluntariamente as três sessões diárias dos Grandes Grupos Analíticos, sentiu nos dois primeiros dias que alguns afetos que deveriam ser dirigidos ao coordenador, vinham em direção às tradutoras, especialmente para ela que traduzia para o inglês. Observou que, embora não tenham uma natureza passiva, as duas brasileiras se deixaram dominar na situação (Mendelssohn et al., 2007Mendelssohn, F., Castanho, P. G., Howard, T. S., Burmeister, J., Hopper, E. & Emilio, S. (2007). Multiple reflections on the analytic group in São Paulo. Forum, 2, 43–64.).

Essas experiências refletem um desconforto frente à barreira linguística, que pode ter semelhanças com a pouca leitura, citação e publicação por autores brasileiros de conteúdo que não esteja em português. Provavelmente envolve fatores emocionais e sociais que precisam ser mais bem estudados.

CONCLUSÃO: A LÍNGUA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO

O uso do inglês como idioma global da ciência tem sido útil para a transmissão e o intercâmbio de ideias, porém tem dificultado o acesso a esse conhecimento por grande parte dos pesquisadores brasileiros. Inversamente, dificulta o acesso de pesquisadores não lusófonos ao que é produzido no Brasil. Dessa forma, a comunicação científica publicada em um único idioma fragiliza a construção de conhecimento pela impossibilidade de trocas.

Na publicação científica, o multilinguismo pode ser uma solução, mas publicar em vários idiomas acarreta custos que tendem a inviabilizar a manutenção da revista científica. Uma alternativa aos altos custos de tradução pode ser vista em revistas que publicam os artigos nos idiomas em que são submetidos, português, espanhol ou inglês.

Para alinhar os objetivos de internacionalização da ciência brasileira e de colaboração internacional, seria necessário mais investimento por parte das associações e sociedades científicas, das agências governamentais, dos programas de pós-graduação etc., para que suas revistas publiquem em ambas as línguas, português e inglês. Isso certamente melhoraria a interlocução e o intercâmbio com autores cujo idioma não é o português.

O Foro Latinoamericano sobre Evaluación Científica (FOLEC), uma iniciativa do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), coloca que os sistemas de avaliação dos países de nossa região devem não só recompensar a produção científica em inglês per se, mas também favorecer o multilinguismo, promovendo as línguas oficiais como o espanhol ou o português (Foro Latinoamericano sobre Evaluación Científica, 2021Foro Latinoamericano sobre Evaluación Científica (2021). FOLEC 2021: Hacia la transformación de los sistemas de evaluación en América Latina y el Caribe. Herramientas para promover nuevas políticas evaluativas. Herramienta 2: Para promover la bibliodiversidad y defender el multilinguismo. Disponível em: CLACSO – Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. https://www.clacso.org/herramienta-2-para-promover-la-bibliodiversidad-y-defender-el-multilinguismo/. Acesso em: 22 nov. 2022.
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). Entretanto as agências financiadoras têm um papel fundamental nessa questão, na medida em que não valorizam as publicações em língua local.

Em outras modalidades de trocas científicas, como congressos internacionais, muitos fatores envolvidos no distanciamento de atividades em inglês, assim como queixas importantes da tradução, assemelham-se à dificuldade com textos em inglês. Trata-se de uma área bastante sensível que demanda novos estudos para uma melhor compreensão dos fatores envolvidos. Com a crescente internacionalização do psicodrama brasileiro, torna-se mandatório um aprofundamento sobre a questão coletiva de desenvolver modos cooperativos para uma comunicação que atenda aos princípios de diversidade, equidade e inclusão.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022
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