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Clown e o corpo sensível: diálogos com a Educação Física 1 1 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Mônica Silva (Tikinet)

Clown and sensitive body: dialogues with physical education

Miranda, Antônio Carlos Monteiro de.. 2016. Clown e o corpo sensível: diálogos com a Educação Física. Curitiba: Appris

O livro Clown e o corpo sensível: diálogos com a Educação Física (Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris.) é fruto da tese de doutoramento do autor, que se propõe a apresentar as relações entre o clown/palhaço e a Educação Física. O encontro com este livro nos faz considerar a oportunidade de aproximar e compartilhar o conteúdo proposto com mais pessoas. Motivos transbordam com as inquietações provocadas, e talvez coadunem com as necessidades daqueles que estabelecem paralelos com a temática do corpo em suas diferentes expressões.

A cada folha lida inúmeras recordações vinham à cabeça, entre elas o ser e sentir-se criança novamente, e, ainda, o curso de formação de professores de Educação Física, vivido por nós nos anos 1990 e início dos anos 2000. Embora formados em momentos distintos da Educação Física, nenhum dos dois teve a oportunidade de refletir sobre a temática do circo e do clown durante o curso.

Em sua apresentação, Miranda (2016)Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris. nos provoca a pensar em uma figura que está no meio da rua, com roupa colorida, nariz vermelho e um sapato enorme, realizando movimentos peculiares. É neste contexto de rompimento com o cotidiano que somos convidados a embarcar na leitura de seu livro. “O clown é essa figura, capaz de romper com padrões preestabelecidos e já cristalizados, cuja simplicidade não traduz o quão complexo é compô-lo” (p. 7).

O prefácio escrito por Larissa Lara salienta a relação de Miranda com o circo e a commedia dell’arte. Destaca ainda a inspiração, a pantomima e o fazer artístico popular em prol da dimensão educativa do clown como premissas para elaboração do texto.

Tal dimensão educativa é desenvolvida ao compartilhar com o leitor técnicas corporais que identifica como basilares à construção do clown, bem como possibilidades formativas de levar os discentes ao contato com o público, num diálogo que instiga a improvisação e o fazer criativo em uma escola, clube e em espaços da cidade.

(Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 11)

Na construção do texto, o autor apresenta interlocução entre artista, professor e pesquisador.

O ato de brincar na sociedade moderna é tido com menor importância, uma vez que se valoriza o corpo com visão utilitarista, em prol da produtividade. “Romper com esse paradigma é um grande desafio e, muitas vezes, recorrer à arte é um passo para a criação de espaços em que a emancipação do ser humano seja possível” (Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 12).

Em sua vida, Miranda experienciou as artes cênicas e formou seu clown por conta própria, de forma intuitiva, e no curso de Educação Física se identificava mais com as disciplinas que se aproximavam do teatro: “Os choques vieram à tona para a descoberta do clown existente em mim” (Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 19).

Como professor, o desafio foi maior, precisando “analisar como se dá a construção do clown entre estudantes de Educação Física, no sentido de orientar ações pedagógicas no campo da intervenção” (Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 21).

Deste modo, o autor busca responder a partir da pesquisa-ação como o clown é elaborado por acadêmicos de Educação Física e como esse processo pode orientar intervenções pedagógicas. Para Franco (2005)Franco, M. A. S. (2005). Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa. 31(3), 483-502., a pesquisa-ação, de natureza pedagógica, possibilita cientificar as ações relacionadas à prática educativa.

Miranda (2016)Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris. apresenta em seu livro dados de seu estudo, realizado com estudantes de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá. Conforme o autor, escolheu trabalhar o tema pela “dificuldade encontrada por alguns profissionais em trabalhar com o corpo, visando o desenvolvimento de seu potencial artístico, expressivo e sensível” (p. 22). Foram realizados 20 encontros organizados e divididos em três perspectivas: (i) técnicas corporais para formação do ator; (ii) técnicas de construção do clown; e (iii) intervenção do clown na Educação Física. A discussão está pautada nas ciências humanas, dividida em dois capítulos.

O primeiro, intitulado “Do circo ao clown, do clown à Educação Física”, é composto por três seções, nesta ordem: “A construção do circo”, “Commedia dell’arte” e “Comédia erudita”. Apresenta ao leitor de forma clara e detalhada a construção histórica do circo, assim como as nuances pelas quais passaram e ainda passam as atividades circenses.

Independente da região responsável pela gênese circense, pontos como a religião, os combates, os sacrifícios, as festas e a reconciliação com os deuses, tal como eram os objetivos dos jogos de Roma, são fatores que se fazem presentes no desenrolar do processo histórico do circo. (p. 27)

O segundo capítulo, intitulado “Processo de construção do clown na Educação Física: incorporando o riso, a máscara e o figurino”. está organizado em sete seções, a saber: “Arrumando a mala do clown: para quê, como e o que levar?”, “Clown: criação, improviso e construção”, “Reconhecendo os clowns nos campos de intervenção”, “Clown criando”, “Apresenta! Clown”, “Fala Clown” e “Desvendando o clown”.

Propondo apresentar conexões do clown com a Educação Física, neste capítulo Miranda (2016)Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris. valoriza a corporeidade como elemento central da discussão, detalhando procedimentos metodológicos que contribuem para formação de professores de Educação Física. O autor considera um desafio pensar o clown em sua aproximação com esse campo, uma vez que esta proposta é vista como um tanto inovadora. Salienta que alguns autores se dispuseram a pensar sobre o clown, mas estes estudos não estão pautados na dinâmica por ele aventada. Nessa perspectiva, apresenta via pesquisa-ação uma possibilidade didático-pedagógica para formar professores, inserindo os envolvidos em todos os processos e etapas de construção da pesquisa, de modo a promover o envolvimento coletivo na proposta. Assim, evidencia o trato pedagógico na formação de professores, valorizando as atividades circenses.

O autor/professor definiu com os discentes os conteúdos e as vivências a ser realizadas nos encontros. Em nossa análise, estratégias apresentadas no livro podem favorecer a formação de professores e artistas que se interessam pelas manifestações da cultura corporal circense, ou ainda inspirar aqueles que buscam aprimorar seus conhecimentos sobre o corpo e a corporeidade.

O clown é desenvolvido como forma de manifestação artística e conhecimento e, por sua vez, revela inúmeras experiências corporais. Ainda no capítulo dois, o autor descreve cada etapa da pesquisa (cada encontro), sendo estas detalhadas e comentadas didaticamente.

Por fim, Miranda (2016)Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris. apresenta suas considerações finais, encerrando a obra de maneira instigante e provocativa. Aponta a possibilidade de materializar o clown na formação de professores de Educação Física, ampliando conhecimentos, uma vez que este profissional tem o corpo humano como objeto de estudo e intervenção. Deste modo, viabiliza a crítica a um sistema social e ao corpo hegemônico neste.

O clown se constitui por técnicas corporais e as artes cênicas são favorecidas pela sociabilização. A inserção do clown no campo de intervenção possibilita uma proposição que parece se contradizer, mas que na realidade expressa uma verdade possível, inerente ao ser humano. O autor afirma que “trabalhar o clown como parte da formação em Educação Física é contribuir com a formação de conhecimentos na dimensão crítica e inventora” (Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 158).

Na análise do autor, a sociabilização dos alunos pelas experiências circenses oportunizou inúmeras trocas. Evidenciaram-se objetivos em comum, bem como descobertas e vivências – sempre realizadas pelo pesquisador e atores sociais, enfatizando as especificidades da pesquisa-ação. Neste sentido, entendemos que a obra apresentada é um referencial para estudantes e profissionais que pretendem atuar e/ou atuam com a cultura corporal de movimento no cotidiano da prática docente.

No decorrer da obra, Miranda (2016)Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris. enfatiza o clown como algo inacabado, o que sempre possibilitará seu aprimoramento. Deste modo, este processo guarda semelhanças com a formação docente, a qual não se constitui de forma definitiva – ao contrário, se caracteriza por um processo de constituição ao longo da vida pessoal e profissional.

Reconhecer no clown um aliado da formação crítica, potencialmente trabalhado no campo da Educação Física, é ampliar o acesso dos acadêmicos a conhecimentos que façam a diferença em seu processo educacional e que venham a contribuir diretamente com sua atuação nos diferentes campos profissionais.

(Miranda, 2016Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física. Curitiba: Appris., p. 161)

A contemporaneidade apresenta demandas que coadunam com o aprofundamento teórico/prático de diferentes manifestações da cultura corporal de movimento, entre elas as manifestações circenses. Para Lévi-Strauss (2011)Lévi-Strauss, C. (2011). O pensamento selvagem. Campinas: Papirus., uma pessoa sábia considera as relações que se estabelecem entre natureza e cultura, considerando o período histórico, a civilização e os meios materiais.

Neira (2016)Neira, M. G. (2016). Os procedimentos didáticos do currículo cultural da educação física. In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação física cultural: escritas sobre a prática (pp. 17-50). Curitiba: CRV., tomando como referência os estudos culturais para refletir sobre o currículo da Educação Física, afirma que a formação cultural dos alunos é heterogênea. Portanto, é indispensável considerar a multiculturalidade na seleção de conteúdos na prática docente. Assim, é relevante introduzir a cultura corporal circense e o clown na formação docente.

Reconhecer a pluralidade cultural e sua diversidade na escola é aspecto basilar da educação, e inclusão, democracia, formação crítica e promoção da autonomia, lazer e saúde são vistas como relevantes para o desenvolvimento humano.

Nesta perspectiva, a obra resenhada merece espaço para reflexão acadêmica, tendo em vista o cenário educacional contemporâneo. Espera-se que iniciativas como as apresentadas no livro ganhem cada vez mais espaço, valorizando a diversidade cultural na formação docente e na educação.

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    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Mônica Silva (Tikinet)

Referências

  • Franco, M. A. S. (2005). Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa. 31(3), 483-502.
  • Lévi-Strauss, C. (2011). O pensamento selvagem Campinas: Papirus.
  • Miranda, A. C. M. (2016). Clown e o corpo sensível: diálogos com a educação física Curitiba: Appris.
  • Neira, M. G. (2016). Os procedimentos didáticos do currículo cultural da educação física. In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação física cultural: escritas sobre a prática (pp. 17-50). Curitiba: CRV.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Dez 2017
  • Aceito
    20 Fev 2018
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