Acessibilidade / Reportar erro

Literacia em saúde nos estudantes do ensino superior: que relações com o uso de redes sociais?

Health literacy in higher education students: What are the relationships with the use of social networks?

Resumo

A literacia em saúde (LS) é hoje uma importante ferramenta na promoção da saúde e prevenção da doença. O presente estudo, exploratório e correlacional, tem como objetivos: caracterizar os estudantes do ensino superior (ES) relativamente aos seus níveis de LS e de LS digital (e-LS); explorar suas relações com a utilização de redes sociais e comportamentos de saúde; explorar possíveis preditores de LS e e-LS. Participaram no estudo 125 estudantes de diversos cursos, que responderam a instrumentos de autorrelato. Os resultados mostraram níveis de LS em geral acima dos encontrados na população portuguesa, mas abaixo dos níveis de LS nas faixas etárias em que se inserem esses estudantes. Do total de participantes, 42,9% apresentam valores inadequados ou problemáticos, o que constitui uma oportunidade estratégica para a promoção da LS no contexto do ES. O nível de escolaridade da mãe e o próprio sofrer de uma doença crônica revelaram-se preditores significativos da e-LS. As tecnologias digitais podem ser utilizadas como um adequado meio de promoção da saúde dos estudantes do ES, sendo fundamental a identificação de outros preditores de LS e e-LS. As universidades devem incluir a LS nos seus currículos, num conceito alargado de promoção da saúde no ES.

Palavras-Chave:
Literacia em saúde; Literacia em saúde digital; Redes sociais; Ensino superior

Abstract

Health literacy (HL) is today an important tool in health promotion and disease prevention. This exploratory and correlational study aims to: characterize Higher Education (HE) students in terms of their HL and digital HS (e-HL) levels; explore their relationships with the use of social networks and health behaviors; and explore possible predictors of HL and e-HL. The study included 125 students from different courses, who responded to self-report instruments (e.g., Health Literacy Survey 16; eHealth Literacy Scale). The results showed HL levels in general above those found in the Portuguese population, but below the HL levels in the age groups in which HE students belong. Of the total number of participants, 42.9% have inadequate or problematic values, which constitutes a strategic opportunity for the promotion of HL in the context of HE. The mother's level of education and the fact that the student suffers from a chronic disease proved to be significant predictors of e-HL. Digital technologies can be used as an adequate means of promoting the health of HE students, and it is essential to identify other predictors of HL and e-HL.

Keywords:
Health literacy; Digital health literacy; Social networks; Higher education

No momento que vivemos enquanto sociedade, progressivamente mais digital e rodeados de informação, a informação sobre saúde está também cada vez mais disponível através de uma multiplicidade de formas e de canais de comunicação. Todavia, a literacia em saúde (LS) – e a literacia em saúde digital (e-LS), mais especificamente – é essencial para que cada indivíduo possa aceder a essa informação, compreendê-la, avaliá-la e aplicá-la de forma adequada às suas necessidades e tendo em vista a melhoria da sua qualidade de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2013), a sociedade do século XXI coloca os indivíduos num paradoxo em relação às escolhas que têm de fazer em relação à sua saúde: exige-se que tomem decisões quanto aos seus estilos de vida e que consigam gerir os desafios pessoais e familiares integrados em ambientes e sistemas de saúde cada vez mais complexos, embora seja cada vez mais difícil navegar nesses sistemas, ao mesmo tempo que os sistemas educativos não promovem o desenvolvimento de competências adequadas para tal. Apesar de diversos estudos indicarem relações significativas entre os níveis de LS e o nível de escolaridade (e.g., ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.), a verdade é que pouco se sabe especificamente acerca da LS dos estudantes do ensino superior (sendo a maioria praticamente “nativos digitais”, i.e., jovens nascidos desde o final dos anos 90 e que cresceram já numa cultura digital), bem como dos potenciais preditores que possam ser futuramente considerados em ações de promoção da LS nesses contextos. Este estudo exploratório pretende, assim, fornecer alguma informação específica sobre este grupo populacional que frequenta um contexto privilegiado para a promoção da saúde, LS e estilos de vida saudáveis.

Literacia em saúde

A LS diz respeito ao conhecimento das pessoas, motivação e competências para aceder, compreender, avaliar e aplicar informações de saúde para fazer julgamentos e tomar decisões no dia a dia em relação a três domínios importantes – cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção de saúde –, de forma a manter ou melhorar a qualidade de vida durante todo o percurso de vida (SØRENSEN et al., 2012SØRENSEN, K. et al. Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, v. 12, p. 80, 2012.). A LS é, assim, considerada uma mais-valia para melhorar a capacitação das pessoas nos referidos domínios. Especificamente, o domínio dos cuidados de saúde da LS remete para as capacidades de aceder à informação sobre questões médicas/clínicas, compreender, interpretar e avaliar informação médica, tomar decisões informadas sobre aquelas questões, e cumprir os conselhos médicos. O domínio da prevenção da doença implica aceder, compreender, dar significado e avaliar informação sobre fatores de risco para a saúde, e tomar decisões informadas sobre os mesmos. Por último, o domínio da promoção da saúde remete para a capacidade de um indivíduo se atualizar regularmente sobre fatores determinantes da saúde (relativos ao ambiente social e físico), de compreender, interpretar e avaliar a informação sobre esses determinantes, e ser capaz de tomar decisões informadas tendo em conta esses determinantes (SØRENSEN et al., 2012SØRENSEN, K. et al. Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, v. 12, p. 80, 2012.).

São vários os determinantes de LS que impactam desde os primeiros estádios do ciclo de vida, desde o nível mais proximal ao mais distal, nomeadamente: o contexto interpessoal, estatuto socioeconômico e nível de educação dos cuidadores, e o ambiente doméstico; o nível de apoio social percebido, as influências da família e dos pares, o ambiente escolar e comunitário e os média; o ambiente social e cultural, as características do sistema de saúde e educação, bem como variáveis políticas e sociais (BRÖDER et al., 2019BRÖDER, J. et al. Child and youth health literacy: A conceptual analysis and proposed target-group-centred definition. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 16, p. 1-17, 2019.). Por seu turno, também um conjunto de implicações individuais e sociais importantes têm sido associadas a elevados níveis de LS, tais como melhor perceção de estado de saúde, custos de saúde mais baixos, utilização menos frequente dos serviços de saúde ou hospitalizações mais curtas (OMS, 2013ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Health literacy: The solid facts. Copenhagen: World Health Organization, 2013.).

Em 2016, foi conduzido um estudo em Portugal que demonstrou que 11% da população portuguesa possuía níveis inadequados de literacia em saúde, 38% possuíam níveis problemáticos e 50% possuíam níveis suficientes ou excelentes (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). Do total da população portuguesa, 45% apresentavam níveis limitados no que diz respeito à literacia sobre os cuidados de saúde, sendo 35% problemáticas e 10% inadequados (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). Semelhante a Portugal, Espanha também apresentava níveis limitados de literacia sobre os cuidados de saúde (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). Em Portugal, os níveis de literacia na prevenção de doenças encontravam-se abaixo da média europeia, dado que cerca de 45,5% da população portuguesa tem níveis inadequados ou problemáticos (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). Finalmente, relativamente à literacia na promoção de saúde, Portugal encontrava-se acima da média europeia, apesar de 51% da população portuguesa apresentar níveis inadequados ou problemáticos (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). As pessoas mais jovens e com maior escolaridade tendiam a apresentar melhores níveis de literacia em saúde (PEDRO; AMARAL; ESCOVAL, 2016PEDRO, A. R.; AMARAL, O.; ESCOVAL, A. Literacia em saúde, dos dados à ação: Tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 34, p. 259-275, 2016.). A população entre os 25 e os 44 anos, tinha maior acesso e facilidade de utilização da internet potenciando uma melhor relação com a saúde e a medicina em geral (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). De forma geral, Portugal encontrava-se com níveis de literacia em saúde abaixo da média europeia (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.).

Em Portugal, apenas identificamos dois estudos exploratórios sobre a LS de estudantes de duas Universidades, sendo que ambos revelaram maioritariamente níveis de LS suficiente e problemático (SANTOS et al., 2018SANTOS, P. et al. Sources of information in health education: A cross-sectional study in Portuguese university students. Australasian Medical Journal, v. 11, n. 6, p. 352-360, 2018.; SOBRAL; CUNHA, 2019SOBRAL, M.; CUNHA, A. I. Health literacy and health attitudes and behaviors in college students: An exploratory study. European Journal of Public Health, v. 29, Supple, p. 10-11, 2019.). Um dos estudos revelou ainda uma relação significativa entre LS e atitudes/comportamentos de saúde, como autocuidado e de segurança rodoviária (SOBRAL; CUNHA, 2019SOBRAL, M.; CUNHA, A. I. Health literacy and health attitudes and behaviors in college students: An exploratory study. European Journal of Public Health, v. 29, Supple, p. 10-11, 2019.). No Brasil, destaca-se o estudo de Quemelo et al. (2017)QUEMELO, P. R. V. et al. Literacia em saúde: Tradução e validação de instrumento para pesquisa em promoção da saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 33, p. 1-15, 2017., que pretendia avaliar as qualidades psicométricas de um questionário sobre LS, também junto de estudantes universitários, embora não sejam discutidos os níveis de LS dos participantes. Uma recente revisão sistemática que incluiu 29 estudos sobre LS em estudantes universitários mostrou que a maior parte relata resultados de LS mais baixos em comparação com as amostras de referência dos respetivos países (KÜHN et al., 2022KÜHN, L. et al. Health literacy among university students: A systematic review of cross-sectional studies. Frontiers in Public Health, v. 9, 680999, 2022.).

Têm sido identificadas relações significativas entre LS e o acesso e utilização da internet (ESTACIO; WHITTLE; PROTHEROE, 2019ESTACIO, E. V.; WHITTLE, R.; PROTHEROE, J. The digital divide: Examining socio-demographic factors associated with health literacy, access and use of internet to seek health information. Journal of Health Psychology, v. 24, p. 1668-1675, 2019.). Efetivamente, com o desenvolvimento das tecnologias, surge um novo desafio no âmbito da saúde – a LS digital ou e-LS – como ferramenta que poderá ter benefícios na promoção da LS. Esta pode ser definida como as competências que permitem à pessoa procurar, encontrar, compreender e avaliar informações de saúde a partir de fontes eletrônicas e aplicar os conhecimentos adquiridos para responder a questões e resolver problemas relacionados com a saúde (NORMAN; SKINNER, 2006aNORMAN, C. D.; SKINNER, H. A. eHealth literacy: Essential skills for consumer health in a networked world. Journal of Medical Internet Research, v. 8, n. 2, p. 1-11, 2006a.). Todavia, a relação entre a utilização da internet e a LS não é linear e deve ser explorada. Por exemplo, o estudo de SANTOS et al. (2018) mostrou que, apesar de a internet ser a maior fonte de informação dos estudantes universitários em temas de saúde, a sua utilização estava ligada a piores níveis de LS.

Jovens adultos e ensino superior

O início da idade adulta é a etapa do desenvolvimento em que o indivíduo vai construindo e explorando sua identidade e as competências enquanto adulto e membro de uma comunidade. É também habitualmente nesta fase que ocorre a entrada no ensino superior, o que implica um conjunto de mudanças e exigências, tanto ao nível acadêmico como pessoal e social, o que acarreta medos e inseguranças relativos à transição e que podem manter-se durante a frequência do ensino superior. Por exemplo, um estudo recente com estudantes universitários portugueses revelou que são muito frequentes preocupações com o desempenho acadêmico e expectativas futuras em relação à sua vida e sucesso profissional, mas também com a gestão do tempo e organização das atividades do dia a dia (REIS; RAMIRO; MATOS, 2019REIS, M.; RAMIRO, L.; MATOS, M. G. DE. Worries, mental and emotional health difficulties of Portuguese university students. Advances in Social Sciences Research Journal, v. 6, n. 7, p. 558-569, 2019.). A família passa a ter menos impacto no estilo de vida e menos controlo sobre o mesmo (sobretudo no que se refere aos alunos deslocados), aumentando sua vulnerabilidade a novas influências e podendo desenvolver hábitos de vida menos saudáveis. Alguns estudos têm identificado, por exemplo, aumento de consumo de álcool (e.g., FOSTER; CARAVELIS; KOPAK, 2014FOSTER, C.; CARAVELIS, C.; KOPAK, A. National College Health Assessment measuring negative alcohol-related consequences among college students. American Journal of Public Health Research, v. 2, n. 1, p. 1-5, 2014.), alimentação menos saudável e diminuição da prática de exercício físico (e.g., ACEIJAS et al., 2017ACEIJAS, C. et al. Determinants of health-related lifestyles among university students. Perspectives in Public Health, v. 137, n. 4, p. 227-236, 2017.), níveis elevados de stress e redução da qualidade e número de horas de sono (e.g., LUND et al., 2010LUND, H. G. et al. Sleep Patterns and Predictors of Disturbed Sleep in a Large Population of College Students. Journal of Adolescent Health, v. 46, n. 2, p. 124-132, 2010.).

O início da idade adulta é, portanto, uma fase fulcral no que diz respeito aos cuidados com a saúde, dado que se começam a fazer escolhas sobre o estilo de vida independentes das influências parentais, sendo essencial um compromisso com um estilo de vida saudável. Estas escolhas podem desencadear uma trajetória com consequências positivas ou negativas, que vão surgindo ao longo da vida. Considerando que investigação longitudinal tem demonstrado que os comportamentos saudáveis diminuem drasticamente durante a transição da adolescência para a idade adulta jovem (FRECH, 2012FRECH, A. Healthy behavior trajectories between adolescence and young adulthood. Advances in Life Course Research, v. 17, n. 2, p. 59-68, 2012.), é fundamental encontrar formas e contextos adequados para a promoção de comportamentos saudáveis, de promoção da saúde e da literacia em saúde nos contextos em que os jovens se encontram (DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE, 2019DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE. Manual de Boas Práticas Literacia em Saúde - Capacitação dos Profissionais de Saúde. Lisboa, Portugal: DGS, 2019.). De facto, os hábitos e comportamentos de saúde que se consolidarem durante a fase dos jovens adultos terão tendência para se manterem ao longo da vida, influenciando o estilo de vida, o bem-estar e o comportamento futuro, o que remete para consequências a longo prazo em termos de proteção da saúde e qualidade de vida.

Redes sociais, e-literacia em saúde e comportamentos saudáveis

As redes sociais têm desempenhado um papel cada vez mais importante no desenvolvimento dos jovens desde muito cedo, sendo reconhecidos tanto os benefícios como os riscos associados (e.g., O’KEEFFE; CLARKE-PEARSON; COUNCIL ON COMMUNICATIONS AND MEDIA, 2011O’KEEFFE, G. S.; CLARKE-PEARSON, K.; COUNCIL ON COMMUNICATIONS AND MEDIA. Clinical report - The impact of social media on children, adolescents, and families. Pediatrics, v. 127, n. 4, p. 800-804, 2011.). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2013), os média sociais têm o potencial de melhorar a capacidade dos utilizadores de obter, processar e compreender as informações e serviços de saúde necessários para tomarem decisões de saúde adequadas. Contudo, apesar desta oportunidade, são apontados também diversos riscos (por oposição aos media convencionais) que se prendem com o alcance muito mais amplo (e mais rápido) das redes sociais e da natureza parcialmente incontrolável e não moderada das suas mensagens, já que praticamente qualquer pessoa pode publicar o que quer (LEVIN-ZAMIR; BERTSCHI, 2019LEVIN-ZAMIR, D.; BERTSCHI, I. Media health literacy, eHealth literacy and health behaviour across the lifespan: Current progress and future challenges. In: OKAN, O. et al. (Eds.). International handbook of health literacy: Research, practice and policy across the lifespan. Bristol: Policy Press, 2019. p. 275-290.; OMS, 2013).

Apesar de não substituírem as práticas presenciais, as redes sociais servem como um complemento que poderá apresentar benefícios importante na LS, se utilizada de forma correta (OMS, 2013). Vários estudos têm vindo a revelar que os mais jovens estão cada vez mais interessados em usar os média sociais, aplicações e dispositivos associados a comportamentos de saúde, como alimentação e atividade física (GOODYEAR; ARMOUR, 2018GOODYEAR, V. A.; ARMOUR, K. M. Young people’s perspectives on and experiences of health-related social media, apps, and wearable health devices. Social Sciences, v. 7, n. 8, 2018.).

Não são conhecidos estudos em Portugal ou no Brasil sobre e-LS de jovens adultos. Todavia, Tomás et al. (2014) analisaram as propriedades psicométricas da versão portuguesa de um questionário de e-LS com recurso a uma amostra de adolescentes, tendo estes apresentado níveis moderados de e-LS. Outro estudo com adolescentes portugueses revelou relações moderadas entre e-LS e comportamentos mais saudáveis, sobretudo no que se refere à alimentação (SOUSA et al., 2019SOUSA, P. et al. The relationship between eHealth literacy and adolescents’ food choices. European Journal of Public Health, v. 29, Supple, p. 32-33, 2019.), indicando a importância de melhorar os programas de promoção da saúde com recurso às tecnologias digitais.

Estudos anteriores mostraram que estudantes universitários de Taiwan com elevada e-LS (sobretudo a componente de literacia crítica) apresentaram melhor estado de saúde (autorrelato), elevado grau de preocupação com a saúde, comportamentos de saúde positivos (e.g., atividade física, hábitos alimentares, sono) e promotores de estilos de vida saudáveis (e.g., gestão de stress, apoio interpessoal) (HSU; CHIANG; YANG, 2014HSU, W.; CHIANG, C.; YANG, S. The effect of individual factors on health behaviors among college students: The mediating effects of eHealth literacy. Journal of Medical Internet Research, v. 16, n. 12, p. e287, 2014.; YANG; LUO; CHIANG, 2017YANG, S. C.; LUO, Y. F.; CHIANG, C. H. The associations among individual factors, ehealth literacy, and health-promoting lifestyles among college students. Journal of Medical Internet Research, v. 19, n. 1, p. e15, 2017.).

Assim, com o presente estudo, de caráter exploratório e correlacional, pretendese: a) caracterizar um grupo de estudantes do Ensino Superior relativamente aos seus níveis de LS e de e- LS; b) explorar as relações entre LS, e-LS, escolaridade, redes sociais e comportamentos e perceção de saúde; e c) explorar possíveis preditores de LS e e-LS, considerando variáveis relativas à escolaridade, doença crônica e utilização das redes sociais.

Métodos

Participantes

Participaram no estudo 125 estudantes do Ensino Superior, com idades entre 18 e 48 anos de idade (M = 21,62, DP = 4,31), maioritariamente do sexo feminino (84%) e solteiros (95,2%). Os alunos frequentam cursos de licenciatura ou mestrado das áreas de Psicologia, Serviço Social, Comunicação e Desporto. A média de entrada no curso de ensino superior que frequentam foi de 14,29 valores (DP = 1,76), numa escala de 0 a 20. A maioria é estudante a tempo inteiro (56,5%) e 22,6% estudante a tempo inteiro com atividade profissional esporádica. Apenas 32% dos estudantes (n = 40) indicaram estar no momento deslocados da sua residência habitual. Do total de participantes, 20 (16%) revelaram ter uma doença crônica diagnosticada, sendo referidas 12 doenças diferentes, com maior destaque para doenças respiratórias (e.g., asma, rinite alérgica).

Procedimento

Para o presente estudo, de caráter transversal, correlacional e exploratório, recorreu-se a uma amostra de conveniência, de duas unidades de ensino superior de Portugal. Após a concordância dos docentes de várias unidades curriculares, os respetivos alunos foram convidados a preencher o protocolo de investigação numa aula (podendo fazê-lo posteriormente, sozinhos), através da plataforma Qualtrics, entre 8 e 19 de outubro de 2019. A participação foi voluntária e ocorreu após a apresentação dos objetivos e do consentimento informado. Após assinalarem o acordo em prosseguir, eram apresentados os diversos instrumentos que compunham o protocolo. O tempo médio de preenchimento foi de 12 minutos. O estudo foi aprovado pelo conselho de direção do centro de investigação ao qual pertencem os autores, que avaliou os aspetos científicos e éticos do mesmo.

Instrumentos

Questionário Geral. Construído especificamente para o presente estudo, incluía questões sobre dados sociodemográficos (e.g., sexo, idade, nível de escolaridade dos pais) e questões relacionadas com a saúde e hábitos de vida (e.g., “Como avalia a sua qualidade de vida?”, “Em que medida considera que tem uma alimentação saudável?”, “Quantas horas em média dorme por noite?”).

Health Literacy Survey-16 (THE HLS-EU CONSORTIUM, 2012THE HLS-EU CONSORTIUM. Measurement of health literacy in Europe: HLS-EU-Q47; HLS-EU-Q16; and HLS-EU-Q86. Health Literacy Project 2009–2012. Disponível em: <http://www.forumitesss.com/wp-content/uploads/2015/02/HLS-EU-Q-tools-and-introduction-2.pdf>.
http://www.forumitesss.com/wp-content/up...
; PEDRO et al., 2023). Corresponde à versão reduzida do HLS-EU-47 (SØRENSEN et al., 2013SØRENSEN, K. et al. Measuring health literacy in populations: illuminating the design and development process of HLS-EU-Q. BMC Public Health, v. 13, n. 1, p. 1-10, 2013.) e é composto por 16 itens (e.g., “Qual o grau de dificuldade que sente a encontrar informação sobre tratamentos de doenças que o preocupam?”) que avaliam a Literacia em Saúde geral, e as suas respetivas dimensões, especificamente Literacia em Cuidados de saúde, Literacia em Prevenção da doença e Literacia em Promoção da saúde. No presente estudo, a escala total (Literacia em Saúde geral) revelou um nível de consistência interna muito adequado (?=.86) e semelhante ao da versão portuguesa utilizada (?=.89), sendo os valores de alfa de Cronbach mais baixos em duas das subescalas (?=.81, ?=.59 e ?=.68; ?=.78, ?=.72 e ?=.70 respetivamente). Tal como na versão longa, os quatro índices calculados são uniformizados numa escala métrica variável entre 0-50, sendo que pontuações entre 0 e 25 correspondem a um nível de LS inadequado, entre 25,01 e 33 a nível problemático, entre 33,01 e 42 a nível suficiente, e entre 42,01 e 50 a nível excelente de LS (PEDROPEDRO, A. R. et al. Portuguese Version of the HLS-EU-Q6 and HLS-EU-Q16 Questionnaire: Psychometric Properties. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 20, 2892, 2023. et al., 2023).

eHealth Literacy Scale (NORMAN; SKINNER, 2006bNORMAN, C. D.; SKINNER, H. A. eHEALS: The eHealth literacy scale. Journal of Medical Internet Research, v. 8, n. 4, p. 1-7, 2006b.; TOMÁS; QUEIRÓS; FERREIRA, 2014TOMÁS, C. C.; QUEIRÓS, P.; FERREIRA, T. Análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação de e-Literacia em Saúde. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 2, p. 19-28, 2014.). Constituída por 10 itens, dos quais oito estão organizados em duas subescalas, especificamente Procura de Informação (e.g., “Sei onde encontrar recursos úteis sobre saúde na internet”) e Utilização de Informação (e.g., “Sinto-me confiante a usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde”), e dois itens adicionais (1-“Até que ponto considera que a internet é útil para o/a ajudar a tomar decisões sobre a sua saúde?”; 2-“Até que ponto considera importante para si poder ter acesso a recursos sobre saúde na internet?”). O estudo psicométrico da versão portuguesa utilizada revelou adequados níveis de consistência interna, o mesmo se verificando na amostra do presente estudo (escala total ?=.87, subescala Procura de Informação ?=.84, subescala Utilização de Informação ?=.75).

Questionário sobre utilização de Redes Sociais (FRANCISCO; MATOS, 2019FRANCISCO, R.; MATOS, B. Questionário sobre utilização de Redes Sociais (versão para investigação). Universidade Católica Portuguesa, 2019.). Constituído por 10 itens, tem como objetivo caracterizar a utilização que o respondente faz das redes sociais, incluindo a diversidade e frequência de redes sociais utilizadas, dimensão das mesmas, finalidades e contextos de utilização. Os itens apresentam diferentes tipos de resposta, incluindo questões com opções de resposta múltipla (e.g., “Quais as redes sociais que utiliza atualmente?”), questões para ordenar as opções de resposta (e.g., “Qual/quais a(s) principal/principais finalidade(s) com que utiliza as redes sociais? Ordene por ordem decrescente de importância”), ou questões respondidas através de escala de Likert (e.g., “Com que frequência utiliza as redes sociais?”, variando as respostas de 1-“Menos de 1 vez por semana” a 5-“Todos os dias da semana”).

Análise de dados

Inicialmente foram realizadas análises de estatística descritiva para as principais variáveis em estudo e variáveis sociodemográficas, nomeadamente através de medidas de tendência central e de dispersão. O one-sample t test foi utilizado para verificar diferenças entre os valores médios encontrados na amostra do presente estudo com os valores de estudos prévios com população portuguesa para as variáveis LS e e-LS. Para verificar a relação entre todas as variáveis em estudo, foram realizadas correlações de Pearson entre as mesmas. A força das correlações foi avaliada segundo a classificação de Cohen (1992)COHEN, J. A power primer. Psychological Bulletin, v. 112, n. 1, p. 155-159, 1992., isto é, uma correlação foi considerada fraca considerando valores inferiores .39, moderada com valores entre .40 e .49, e forte para valores superiores a .50. As análises de regressão linear múltipla permitiram testar os possíveis preditores de LS e de e-LS na amostra em estudo, considerando as variáveis de escolaridade (do próprio e dos pais), doença crônica e utilização de redes sociais.

Todos os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando apresentaram um p-value do teste igual ou inferior a 0.05. Os dados foram analisados com recurso ao software SPSS – Statistical Package for the Social Sciences, versão 26 para Mac.

Resultados

Níveis de literacia em saúde e literacia em saúde digital

A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva relativa às variáveis de literacia em saúde (LS) e de literacia digital em saúde (e-LS), bem como os valores do teste de comparação com amostras populacionais de estudos anteriores em Portugal. Os valores médios de LS geral, bem como das suas dimensões de Cuidados de Saúde e de Promoção da Saúde, revelaram-se significativamente mais elevados do que os valores médios encontrados para a população portuguesa (PEDRO; AMARAL; ESCOVAL, 2016PEDRO, A. R.; AMARAL, O.; ESCOVAL, A. Literacia em saúde, dos dados à ação: Tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 34, p. 259-275, 2016.), sendo exceção apenas a dimensão de Prevenção da Doença, cuja diferença não se revelou estatisticamente significativa.

Tabela 1
Literacia em Saúde (LS) e Literacia em Saúde Digital (e-LS): Estatística descritiva e resultados do one-sample t test (N = 125)

Quanto à e-LS, os valores reportados são moderados, sendo ligeiramente mais elevados na dimensão de Procura de informação do que na Utilização dessa informação. Os dois itens adicionais apresentaram resultados médios a elevados (M = 3,56, DP = 0,87; M = 4,15, DP = 0,73, respetivamente). Os valores médios de e-LS global revelaram-se significativamente abaixo dos valores encontrados em adolescentes portugueses (TOMÁS; QUEIRÓS; FERREIRA, 2014TOMÁS, C. C.; QUEIRÓS, P.; FERREIRA, T. Análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação de e-Literacia em Saúde. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 2, p. 19-28, 2014.).

Considerando os pontos de corte sugeridos para a classificação dos níveis de LS em geral, a maioria dos participantes apresenta nível de LS suficiente (46,4%), seguido de nível problemático (39,3%), excelente (10,7%) e, em menor número, inadequado (3,6%). A Tabela 2 apresenta a distribuição dos participantes pelos diferentes níveis de LS geral e respetivas dimensões.

Tabela 2
Distribuição dos participantes pelos diferentes níveis de Literacia em Saúde e respetivas dimensões

Utilização das redes sociais

Do total dos inquiridos, 96,7% utilizam redes sociais atualmente, sendo que a grande maioria utiliza todos os dias (95,7%), e maioritariamente 1 a 3 horas por dia (51,7%), seguidos de 3 a 6 horas diárias (25,9%). O WhatsApp (87,2%) e o Instagram (86.4%) são as mais utilizadas, seguida do Facebook (72,8%), Youtube (66,4%) e Messenger (60%). As pessoas com quem estão conectados nas redes sociais são, maioritariamente, amigos (80,2%), seguido de desconhecidos (8,6%), e comunicam frequentemente com uma média de 17,53 pessoas (DP = 33,97), variando entre 2 e 300 pessoas.

O principal contexto em que utilizam as redes sociais é a própria casa (69% dos participantes), seguido da universidade (56,9%) e em mobilidade (26,7%). As principais finalidades com que utilizam as redes sociais são comunicar com amigos (50,9%), com familiares (28,4%) e partilhar dados multimédia (24,1%), surgindo a pesquisa sobre questões de saúde/doenças apenas em sétimo lugar na ordenação decrescente de finalidades.

Correlações entre LS, e-LS, comportamentos e perceção de saúde, redes sociais e escolaridade

A Tabela 3 apresenta as correlações entre as principais variáveis em estudo. Destas, há a destacar a correlação forte entre LS e e-LS e moderada com as suas componentes (procura e utilização de informação). A LS geral não apresentou correlações significativas com nenhum dos comportamentos de saúde avaliados, perceção de saúde ou de qualidade de vida. Todavia, a LS de Prevenção da Doença apresentou uma correlação fraca positiva com a perceção de saúde, e a LS de Promoção da Saúde uma correlação fraca positiva com o número de horas de sono. As horas de sono, por sua vez, apresentaram uma correlação fraca negativa com a componente de e-LS da utilização de informação e positiva com a perceção de saúde. Ter uma doença crônica apresentou correlações fracas e positivas com a e-LS global e respetivas componentes, mas as relações com a LS geral (e respetivas dimensões) não foi estatisticamente significativa. O tempo de utilização das redes sociais não se revelou correlacionado com nenhuma das outras variáveis em estudo. Quanto às relações entre a escolaridade e a LS, apenas o nível de escolaridade da mãe se revelou associado de forma estatisticamente significativa com a LS de Promoção da Saúde (correlação fraca e positiva). A média de entrada dos alunos no ensino superior também não se revelou correlacionada com as variáveis de LS ou e-LS.

Tabela 3
Correlações entre as variáveis em estudo (N = 125)

Preditores de LS e e-LS

A Tabela 4 apresenta o resumo dos modelos de regressão linear múltipla para a LS e e-LS, separadamente. Os possíveis preditores incluídos nos modelos referemse a indicadores de escolaridade (média de entrada no Ensino Superior, nível de escolaridade da mãe e do pai), ter diagnóstico de doença crônica e o tempo diário de utilização das redes sociais. O modelo relativo à LS geral não apresentou nenhum preditor estatisticamente significativo. O modelo relativo à e-LS global revelou-se estatisticamente significativo, explicando 9,5% da variância de e-LS, para a qual contribuem o maior nível de escolaridade da mãe e o facto de os estudantes serem portadores de uma doença crônica.

Tabela 4
Resumo da regressão linear múltipla de preditores de LS e e-LS (N = 125)

Discussão

Considerando a enorme escassez de estudos sobre Literacia em Saúde (LS) nos estudantes do Ensino Superior (ES), o presente estudo pretendeu caracterizar um grupo de estudantes do ES relativamente aos seus níveis de LS e de e-Literacia em Saúde (e-LS), explorar as suas relações com a escolaridade, redes sociais e comportamentos e perceção de saúde, bem como procurando identificar possíveis preditores de LS e e-LS.

Apesar de os valores médios de LS na presente amostra terem sido significativamente superiores aos encontrados na população em geral (ao contrário da maior parte dos estudos internacionais; vide KÜHN et al., 2022KÜHN, L. et al. Health literacy among university students: A systematic review of cross-sectional studies. Frontiers in Public Health, v. 9, 680999, 2022.), com exceção da LS em Prevenção da Doença (PEDRO; AMARAL; ESCOVAL, 2016PEDRO, A. R.; AMARAL, O.; ESCOVAL, A. Literacia em saúde, dos dados à ação: Tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 34, p. 259-275, 2016.), a percentagem de estudantes com níveis de LS excelente e suficiente (57,1%) revelou-se abaixo da encontrada na população portuguesa desta faixa etária (15-25 e 26-30 anos) e níveis de escolaridade – secundário e superior (ESPANHA; ÁVILA, 2016ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.). Sendo a amostra do presente estudo bastante reduzida, os resultados poderão não ser de todo representativos da população de estudantes do ES. Todavia, este pode ser um indicador útil da necessidade de investimento na promoção da LS dos jovens adultos, entendendo-se o contexto do Ensino Superior como uma oportunidade estratégica para tal.

No que se refere à e-LS, apesar dos níveis moderados encontrados nesta amostra, estes estão significativamente abaixo dos encontrados numa amostra de adolescentes portugueses (TOMÁS; QUEIRÓS; FERREIRA, 2014TOMÁS, C. C.; QUEIRÓS, P.; FERREIRA, T. Análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação de e-Literacia em Saúde. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 2, p. 19-28, 2014.). Porém, o resultado muito elevado (4,15 numa escala de 1 a 5) relativo à importância que os estudantes do ES dão à possibilidade de terem acesso a recursos sobre saúde na internet, remete para o potencial de promoção da LS junto desta população através da divulgação (e desenvolvimento) de sites e outros recursos com informação fidedigna (e.g., Direção-Geral da Saúde, OMS) e torná-los atrativos para a utilização por parte desta população. Por outro lado, o facto de os participantes com doença crônica diagnosticada apresentarem níveis mais elevados de e-LS poderá ser justificado por uma maior procura de conteúdos relacionados com a sua condição clínica e a correspondente partilha de dados de tráfego pelas pesquisas realizadas. Tal leva a que utilizadores recebam por parte das plataformas digitais (e.g., Google) opções de temas/artigos/notícias de saúde, o que pode contribuir para aumentar desta forma o seu nível de e-LS. Em conjunto, estes resultados remetem para a importância da construção específica de produtos e conteúdos de LS e de e-LS que encontrem temas e oportunidades de intervenção que sejam de interesse para este grupo populacional, implicando um diagnóstico conjunto e detalhado e uma procura dos melhores meios de promoção da e-LS.

Embora o indicador de LS geral não se tenha revelado associado de forma estatisticamente significativa com nenhum dos indicadores de perceção de saúde, qualidade de vida, ou comportamentos positivos de saúde, o que seria expectável de acordo com a literatura (BRÖDER et al., 2019BRÖDER, J. et al. Child and youth health literacy: A conceptual analysis and proposed target-group-centred definition. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 16, p. 1-17, 2019.), a dimensão de LS em Prevenção da doença surgiu relacionada com a uma melhor perceção de saúde e a dimensão de LS em Promoção da saúde com o número de horas de sono por noite. A relação entre Prevenção da doença e uma melhor perceção de saúde está relacionada com a avaliação cognitiva e compreensão pessoal de uma possível condição clínica e as suas possíveis consequências (BROADBENT et al., 2015BROADBENT, E. et al. A systematic review and meta-analysis of the Brief Illness Perception Questionnaire. Psychology and Health, v. 30, n. 11, p. 1361-1385, 2015.). Desta forma, parece claro que uma alta perceção de saúde poderá associar-se de forma direta a uma melhor perceção de capacidade de prevenção da doença. Relativamente à preocupação com um número de horas de sono adequado, este surge na literatura como um importante indicador de saúde (LEVENSON et al., 2016LEVENSON, J. C. et al. Pilot study of a sleep health promotion program for college students. Sleep Health, v. 2, n. 2, p. 167-174, 2016.), o que poderá explicar esta associação.

Também de acordo com estudos anteriores, era esperado que a e-LS estivesse positivamente associada a perceção de melhor estado de saúde e a diversos comportamentos de saúde positivos (e.g., HSU; CHIANG; YANG, 2014HSU, W.; CHIANG, C.; YANG, S. The effect of individual factors on health behaviors among college students: The mediating effects of eHealth literacy. Journal of Medical Internet Research, v. 16, n. 12, p. e287, 2014.; YANG; LUO; CHIANG, 2017YANG, S. C.; LUO, Y. F.; CHIANG, C. H. The associations among individual factors, ehealth literacy, and health-promoting lifestyles among college students. Journal of Medical Internet Research, v. 19, n. 1, p. e15, 2017.). Todavia, tal não se verificou no presente estudo, sendo que a componente de utilização de informação da e-LS apresentou uma correlação negativa (embora fraca) com o número de horas de sono por noite. A não procura por temas de saúde e a ausência de “anúncios” sobre saúde para esta população, como referido acima, através da partilha de dados de tráfego pelas pesquisas realizadas, pode explicar de alguma forma os resultados. Acresce ainda o facto de os temas de saúde habitualmente não se centrarem nesta faixa etária, em que a satisfação com a vida e a perceção de saúde são, em geral, elevadas (ALVES; PRECIOSO; BECOÑA, 2020ALVES, R. F., PRECIOSO, J. A., BECOÑA, E. Well-being and health perception of university students in Portugal: The influence of parental support and love relationship. Health Psychology Report, v. 8, n. 2, p. 145-154, 2022.).

Apesar da elevada utilização de redes sociais indicada pelos participantes no presente estudo – sendo as redes sociais WhatsApp, Instagram e Facebook utilizadas por mais de 70% da amostra –, o tempo de utilização não se revelou associado de forma significativa a nenhum dos indicadores de LS, e-LS ou de comportamentos de saúde. Também o facto de a pesquisa sobre questões de saúde/doenças nas redes sociais ser uma das finalidades menos indicadas pelos participantes, leva-nos a crer que será necessária a produção de mais conteúdos específicos para estas redes, adaptados às necessidades percebidas por esta população e que permitam uma fácil e dinâmica interação com os conteúdos.

Por fim, no que se refere aos possíveis preditores de LS e de e-LS, o modelo testado não se adequou aos dados para a LS, e explicou apenas 9,5% da variância da e-LS. A escassez de informação em saúde, especificamente desenhada para esta população, e a ausência de condições clínicas, bem como a necessidade do desenvolvimento de novas políticas de saúde para este grupo populacional específico, poderá ter impacto determinante nestes resultados.

Limitações e estudos futuros

reduzida dimensão da amostra do presente estudo corresponde a uma das suas principais limitações, pelo que investigações futuras deverão procurar estudar uma maior diversidade de estudantes do ensino superior, quer em termos de áreas científicas, quer de instituições geograficamente localizadas. É igualmente importante explorar outros preditores de Literacia em Saúde e de e-Literacia em Saúde, pelo que o recurso a estudos qualitativos com entrevistas em profundidade (e.g., estudantes com doenças crónicas) poderão ser úteis para identificar possíveis variáveis a ser posteriormente testadas em estudos quantitativos, de larga escala. A atual situação pandémica, e a forte aposta na LS e na e-LS, poder-se-á ter constituído como um importante booster que importará agora avaliar.

Implicações práticas

É cada vez mais premente a utilização de ferramentas digitais para a promoção da literacia em saúde ao longo do percurso de vida, considerando as suas potencialidades e adequação desde o nível individual ao comunitário (COSTA et al., 2019COSTA, A. S. et al. A strategy for the promotion of health literacy in Portugal, centered around the life-course approach: The importance of digital tools. Portuguese Journal of Public Health, p. 1-5, 2019.). Neste sentido, é fundamental identificar áreas prioritárias e implementar ações de intervenção para promoção da LS, e-LS e estilos de vida saudáveis nos estudantes do ensino superior, considerando-se o potencial das redes sociais por eles mais utilizadas. Tal como sugerido por KÜHN et al. (2022), as universidades devem fazer uso dos seus recursos e oferecer cursos de LS aos estudantes, recorrendo às disciplinas disponíveis em cada universidade, nomeadamente das áreas de Medicina e Psicologia.

Conclusão

Considerando que para os níveis de literacia em saúde contribuem não apenas as competências e capacidades do indivíduo, mas também as exigências específicas com que este se confronta e com a complexidade da sua situação ou contexto em que está inserido, é essencial aproveitar a “janela de oportunidade” da permanência no Ensino Superior para otimizar a literacia crítica em saúde dos jovens adultos. Apesar das competências de e-LS estarem relativamente bem desenvolvidas nos estudantes do Ensino Superior, a dificuldade na avaliação da informação parece manter-se como uma das principais dificuldades (FRINGS et al., 2022FRINGS, D. et al. Differences in digital health literacy and future anxiety between health care and other university students in England during the COVID-19 pandemic. BMC Public Health, v. 22, 658, 2022.). A aposta na promoção de ferramentas digitais neste grupo populacional, pode constituir-se como central, numa estreita ligação entre as autoridades de saúde e a academia, encontrando respostas customizadas e co-construídas para a prevenção da doença e promoção da saúde. A integração da LS e da e-LS nos currículos universitários deve também ser considerada, com foco nos cursos da área da saúde, mas também como área transversal do conhecimento, num conceito alargado de promoção da saúde no contexto universitário, reforçando assim as suas competências para satisfazer as complexas exigências da saúde na sociedade moderna.

Referências

  • ACEIJAS, C. et al. Determinants of health-related lifestyles among university students. Perspectives in Public Health, v. 137, n. 4, p. 227-236, 2017.
  • ALVES, R. F., PRECIOSO, J. A., BECOÑA, E. Well-being and health perception of university students in Portugal: The influence of parental support and love relationship. Health Psychology Report, v. 8, n. 2, p. 145-154, 2022.
  • BROADBENT, E. et al. A systematic review and meta-analysis of the Brief Illness Perception Questionnaire. Psychology and Health, v. 30, n. 11, p. 1361-1385, 2015.
  • BRÖDER, J. et al. Child and youth health literacy: A conceptual analysis and proposed target-group-centred definition. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 16, p. 1-17, 2019.
  • COHEN, J. A power primer. Psychological Bulletin, v. 112, n. 1, p. 155-159, 1992.
  • COSTA, A. S. et al. A strategy for the promotion of health literacy in Portugal, centered around the life-course approach: The importance of digital tools. Portuguese Journal of Public Health, p. 1-5, 2019.
  • DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE. Manual de Boas Práticas Literacia em Saúde - Capacitação dos Profissionais de Saúde. Lisboa, Portugal: DGS, 2019.
  • ESPANHA, R.; ÁVILA, P. Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, v. 100, p. 1033-1041, 2016.
  • ESTACIO, E. V.; WHITTLE, R.; PROTHEROE, J. The digital divide: Examining socio-demographic factors associated with health literacy, access and use of internet to seek health information. Journal of Health Psychology, v. 24, p. 1668-1675, 2019.
  • FOSTER, C.; CARAVELIS, C.; KOPAK, A. National College Health Assessment measuring negative alcohol-related consequences among college students. American Journal of Public Health Research, v. 2, n. 1, p. 1-5, 2014.
  • FRANCISCO, R.; MATOS, B. Questionário sobre utilização de Redes Sociais (versão para investigação). Universidade Católica Portuguesa, 2019.
  • FRECH, A. Healthy behavior trajectories between adolescence and young adulthood. Advances in Life Course Research, v. 17, n. 2, p. 59-68, 2012.
  • FRINGS, D. et al. Differences in digital health literacy and future anxiety between health care and other university students in England during the COVID-19 pandemic. BMC Public Health, v. 22, 658, 2022.
  • GOODYEAR, V. A.; ARMOUR, K. M. Young people’s perspectives on and experiences of health-related social media, apps, and wearable health devices. Social Sciences, v. 7, n. 8, 2018.
  • HSU, W.; CHIANG, C.; YANG, S. The effect of individual factors on health behaviors among college students: The mediating effects of eHealth literacy. Journal of Medical Internet Research, v. 16, n. 12, p. e287, 2014.
  • KÜHN, L. et al. Health literacy among university students: A systematic review of cross-sectional studies. Frontiers in Public Health, v. 9, 680999, 2022.
  • LEVENSON, J. C. et al. Pilot study of a sleep health promotion program for college students. Sleep Health, v. 2, n. 2, p. 167-174, 2016.
  • LEVIN-ZAMIR, D.; BERTSCHI, I. Media health literacy, eHealth literacy and health behaviour across the lifespan: Current progress and future challenges. In: OKAN, O. et al. (Eds.). International handbook of health literacy: Research, practice and policy across the lifespan. Bristol: Policy Press, 2019. p. 275-290.
  • LUND, H. G. et al. Sleep Patterns and Predictors of Disturbed Sleep in a Large Population of College Students. Journal of Adolescent Health, v. 46, n. 2, p. 124-132, 2010.
  • NORMAN, C. D.; SKINNER, H. A. eHealth literacy: Essential skills for consumer health in a networked world. Journal of Medical Internet Research, v. 8, n. 2, p. 1-11, 2006a.
  • NORMAN, C. D.; SKINNER, H. A. eHEALS: The eHealth literacy scale. Journal of Medical Internet Research, v. 8, n. 4, p. 1-7, 2006b.
  • O’KEEFFE, G. S.; CLARKE-PEARSON, K.; COUNCIL ON COMMUNICATIONS AND MEDIA. Clinical report - The impact of social media on children, adolescents, and families. Pediatrics, v. 127, n. 4, p. 800-804, 2011.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Health literacy: The solid facts. Copenhagen: World Health Organization, 2013.
  • PEDRO, A. R. et al. Portuguese Version of the HLS-EU-Q6 and HLS-EU-Q16 Questionnaire: Psychometric Properties. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 20, 2892, 2023.
  • PEDRO, A. R.; AMARAL, O.; ESCOVAL, A. Literacia em saúde, dos dados à ação: Tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 34, p. 259-275, 2016.
  • QUEMELO, P. R. V. et al. Literacia em saúde: Tradução e validação de instrumento para pesquisa em promoção da saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 33, p. 1-15, 2017.
  • REIS, M.; RAMIRO, L.; MATOS, M. G. DE. Worries, mental and emotional health difficulties of Portuguese university students. Advances in Social Sciences Research Journal, v. 6, n. 7, p. 558-569, 2019.
  • SANTOS, P. et al. Sources of information in health education: A cross-sectional study in Portuguese university students. Australasian Medical Journal, v. 11, n. 6, p. 352-360, 2018.
  • SOBRAL, M.; CUNHA, A. I. Health literacy and health attitudes and behaviors in college students: An exploratory study. European Journal of Public Health, v. 29, Supple, p. 10-11, 2019.
  • SØRENSEN, K. et al. Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, v. 12, p. 80, 2012.
  • SØRENSEN, K. et al. Measuring health literacy in populations: illuminating the design and development process of HLS-EU-Q. BMC Public Health, v. 13, n. 1, p. 1-10, 2013.
  • SOUSA, P. et al. The relationship between eHealth literacy and adolescents’ food choices. European Journal of Public Health, v. 29, Supple, p. 32-33, 2019.
  • THE HLS-EU CONSORTIUM. Measurement of health literacy in Europe: HLS-EU-Q47; HLS-EU-Q16; and HLS-EU-Q86. Health Literacy Project 2009–2012. Disponível em: <http://www.forumitesss.com/wp-content/uploads/2015/02/HLS-EU-Q-tools-and-introduction-2.pdf>.
    » http://www.forumitesss.com/wp-content/uploads/2015/02/HLS-EU-Q-tools-and-introduction-2.pdf
  • TOMÁS, C. C.; QUEIRÓS, P.; FERREIRA, T. Análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação de e-Literacia em Saúde. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 2, p. 19-28, 2014.
  • YANG, S. C.; LUO, Y. F.; CHIANG, C. H. The associations among individual factors, ehealth literacy, and health-promoting lifestyles among college students. Journal of Medical Internet Research, v. 19, n. 1, p. e15, 2017.
Editor responsável: Rogério Azize

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Aceito
    24 Ago 2022
  • Revisado
    29 Jul 2022
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro - UERJ, Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 6013-E- Maracanã. 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (21) 2334-0504 - ramal 268, Web: https://www.ims.uerj.br/publicacoes/physis/ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: publicacoes@ims.uerj.br