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“É para o seu bem”: a "violência perfeita" na assistência obstétrica

“It’s for your own good”: “perfect violence” in obstetric care

Resumo

No Brasil, a violência obstétrica vem sendo pesquisada desde os anos 1980. Na década de 90, no entanto, o fenômeno passou a receber maior destaque. A forma de violência analisada neste trabalho refere-se a uma violência velada, chamada de “violência perfeita”. Este ensaio reflete sobre a ocorrência da violência perfeita na obstetrícia, especialmente no que concerne às sutilezas do discurso médico, que pode travestir essa agressão numa forma de cuidado. A violência perfeita pode soar como preocupação da parte do médico com a saúde da gestante, que pode se submeter às recomendações médicas de forma passiva, por acreditar que deve ser o melhor para ela ou para o bebê. Ao praticar a violência perfeita, o obstetra pode interferir no desfecho do parto. A “epidemia” de cesarianas no Brasil tem sido justificada pelos médicos como preferência da mulher, mas pesquisas refutam essa hipótese e provocam a reflexão: quem está de fato escolhendo a modalidade de parto? O presente ensaio nos mostra que observar as sutilezas do discurso médico pode ajudar a responder essa pergunta.

Palavras-Chave:
Violência obstétrica; Discurso; Parto; Cesariana; Relação médico-paciente

Abstract

In Brazil obstetric violence has been researched since the 1980s. However, in the nineties the phenomenon started to have a more prominent position. The form of violence analysed in this study refers to a covert violence, called “perfect violence”. This essay reflects about the occurrence of perfect violence in obstetrics, especially regarding the subtleties of medical discourse, which can disguise this aggression as a form of care. This type of violence may sound as if it was a concern with the patient’s health on behalf of the doctor, but it can make the patient submit herself to the medical recommendations in a passive manner, believing it is the best for her and her baby. In this way, violence is disguised as good practice, allegedly aiming at what is best for the patient. In practicing perfect violence, the doctor can interfere in the delivery outcome. The caesarean “epidemic” in Brazil has been justified by doctors as the woman’s preference, but research undermines this hypothesis and raises the reflection: who is in fact choosing the type of childbirth? This essay shows us that observing the subtleties of medical discourse can help answering this question.

Keywords:
Obstetric violence; Discourse; Childbirth; Caesarean; Doctor-patient relationship

Motivação para a escrita deste ensaio1

Antes de começar as ponderações teóricas, gostaria de apresentar brevemente as experiências que me levaram ao tema abordado neste ensaio. Filha de pai e mãe médicos, cresci imersa na noção de que a cesárea era a evolução do parto. Meu irmão mais novo e eu nascemos por cesárea e me lembro de ouvir desde menina que o parto normal era uma violência contra a mulher. Fui internalizando que, na minha vez, meu filho nasceria da maneira mais segura possível. Quando engravidei, voltei a ser inundada pelas falas dos meus pais afirmando (sem questionar) que eu iria fazer uma cesárea, que não era “louca” de pensar em parto normal. Fiz o pré-natal com a ginecologista que me acompanhou desde a menarca, que por sinal era a mesma médica da minha mãe, da mesma geração que ela. Ao levantar com ela a possibilidade do parto normal, fui alertada sobre meu “útero retrovertido”, uma condição que ela passou a minha vida reprodutiva toda afirmando que dificultaria minhas chances de engravidar, e que agora era mencionada como obstáculo ao parto normal. Timidamente, resolvi discutir a ideia do parto normal com a pediatra, que dessa vez citou a minha pelve pequena e a grande circunferência da cabeça do bebê como impedimentos para o parto vaginal e até mesmo riscos de sofrimento para mim e para o meu filho. No final da gestação, com 39 semanas, minha bolsa rompeu de madrugada. Acordei meu marido e, emocionada, perguntei: “O que vai acontecer agora?” Ele respondeu: “Agora nosso filho vai nascer”. Eu sentia as contrações e estava calma, maravilhada com o que meu corpo era capaz de fazer. As dores vinham, mas eu estava fascinada demais para me preocupar com elas. Fomos para o hospital e, após o exame do toque, a derradeira fala: “Você não tem dilatação. Vamos pra cesárea?”. Consenti. Era o esperado. Apenas mais tarde, depois de estudar psicologia perinatal e me deparar com o conceito de violência perfeita, entendi por que não havia me sentido verdadeiramente cuidada. E são as reflexões que fiz, conciliando a psicologia perinatal com esse conceito emprestado da filosofia, que motivaram este ensaio.

A violência obstétrica

Apesar de a nomenclatura “violência obstétrica” (VO) ser relativamente recente, ela se refere a um problema histórico (DINIZ et al., 2015DINIZ, S. G. et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobe a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Journal of Human Growth and Development, v. 25, n. 3, p. 377-376, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822015000300019&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; MARTINS et al., 2019MARTINS, F. L. et al. Violência obstétrica: uma expressão nova para um problema histórico. Revista Saúde em Foco, n. 11, p. 413-423, 2019. Disponível em: <https://portal.unisepe.com.br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2019/03/034_VIOL%C3%8ANCIA-OBST%C3%89TRICA-Uma-express%C3%A3o-nova-para-um-problema-hist%C3%B3rico.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2021.). No Brasil, o fenômeno começou a ganhar maior atenção na década de 1980, com a mobilização de movimentos ativistas contrários à medicalização do parto e ações do Ministério da Saúde (MS) em defesa da autonomia da mulher e da medicina baseada em evidências (SENA; TESSER, 2017SENA, L. M; TESSER, C. D. Violência obstétrica no Brasil e o ciberativismo de mulheres mães. Interface, Botucatu, v. 21, n. 60, p. 209-220, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832017000100209&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.; OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.).

A VO pode se manifestar de diferentes maneiras: negligência (omissão de atendimento), violência psicológica e verbal (ameaças, humilhação, ironias, coerção, julgamentos, xingamentos, comentários desrespeitosos, culpabilização da mulher), violência moral (associada à conduta profissional, como não reconhecer a mulher como protagonista do parto), violência física (negar alívio da dor, manipular e expor o corpo da mulher excessivamente, litotomia, amniotomia, episiotomia para fins de treino, manobra de Kristeller, enemas, medicalização excessiva), violência institucional (peregrinação por serviços de saúde, ausência de estrutura adequada, proibição de acompanhante, falta de privacidade) e violência sexual (assédio e estupro) (D’OLIVEIRA; DINIZ; SCHRAIBER, 2002D’OLIVEIRA, A.F.P.L.; DINIZ, S.G.; SCHRAIBER, L.B. Violence against women in health-care institutions: an emerging problem. Lancet, [S. l.], v. 329, n. 9318, p. 1681-1685, maio, 2002. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12020546/>. Acesso em: 1 maio 2021.; WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.; SANTOS; SOUZA, 2015SANTOS, R. C. S. dos; SOUZA, N. F. de. Violência institucional obstétrica no Brasil: revisão sistemática. Estação Científica, Macapá, v. 5, n. 1, p. 57-68, jan./jun. 2015. Disponível em: <https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao/article/view/1592>. Acesso em: 30 abr. 2021.; MARTINS; BARROS, 2016MARTINS, A de C.; BARROS, G. M. Parirás na dor? Revisão integrativa da violência obstétrica em unidades públicas brasileiras. Revista Dor, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 215-218, jul./set. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-00132016000300215&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; ZANARDO et al., 2017).

A história por trás do termo “violência obstétrica” está associada a mudanças socioculturais, lutas por direitos e novas formas de compreensão da sexualidade feminina. A associação da palavra “violência” ao qualificador “obstétrica” é significativa, pois demonstra um aumento do foco nas práticas médicas e de demais profissionais de saúde (VELASQUEZ, 2021VELASQUEZ, L. Violência obstétrica em perspectiva histórica (1950-2012). In: TEIXEIRA, L. A. et al. Medicalização do parto: saberes e práticas. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2021. p. 237-267.).

A VO é uma experiência subjetiva e, para melhor compreendê-la, precisamos inseri-la na história. É preciso admitir que a violência na assistência ao nascimento sempre existiu, porém, aspectos hoje considerados violentos podem ter sido entendidos, no passado, como maneiras de ajudar a mulher ou de salvar o bebê (VELASQUEZ, 2021). É importante evitarmos anacronismos quanto à VO, posto que “historicizar o processo e entender o quando e o porquê são essenciais, para não olharmos para o passado com os olhos e ferramentas do presente e julgar ações como violentas onde essa concepção não existia, cometendo assim um erro crucial” (VELASQUEZ, 2021, p. 249).

A violência perfeita

A forma de VO que pretendemos analisar refere-se a uma violência mais velada, em que a vontade do agressor predomina sobre a vontade do agredido de forma tão discreta que, apesar de comum, é de certa forma invisível. Assim, muitas vezes sua ocorrência é ignorada pelas vítimas (SENS; STAMM, 2019aSENS, M. M.; STAMM, A. M. N. de F. A percepção dos médicos sobre as dimensões da violência obstétrica e/ou institucional. Interface, Botucatu, v. 23, 2019a. Disponível em: <https://interface.org.br/publicacoes/a-percepcao-dos-medicos-sobre-as-dimensoes-da-violencia-obstetrica-e-ou-institucional/>. Acesso em: 20 nov. 2019.). Bourdieu (1996 apud PEREIRA, 2004PEREIRA, W. R. Poder, violência e dominação simbólicas nos serviços públicos de saúde. Texto & Contexto – Enfermagem, v. 13, n. 3, p. 391-400, 2004. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/tce/a/bWWN4CkVCPpsjJq9d8j4CHz/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 15 jun. 2021., p. 397) contribui para a definição desse tipo de violência:

[...] é preciso que haja uma incorporação, pela parte dos dominados, das estruturas que os dominantes usam para penetrar no seu inconsciente, pois a submissão, nesse caso, não é um ato consciente ou pensado, ou contra o qual se pode lutar e rejeitar, ela é constitutiva e está incorporada na lógica daqueles que a ela se submetem.

A modalidade de violência que desejamos tornar visível, neste artigo, foi descrita por uma enfermeira em uma pesquisa sobre o discurso envolvendo a VO (OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021., p. 5, grifos nossos):

Quando a gente fala na violência obstétrica, ela existe em todas as instituições, por todos os profissionais, todos os dias, algumas mais explícitas, outras mais maquiadas, a maioria não é denunciada, porque a paciente ou os profissionais não entendem como uma violência, e fica entre os profissionais da instituição, mas é com falas, com atitudes, com condutas...

Por ser tratar de uma agressão sutil, em que vítima e perpetrador podem mal reconhecer o fenômeno, tem sido retratada como uma “violência consentida” (OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; SANTOS; SOUZA, 2015SANTOS, R. C. S. dos; SOUZA, N. F. de. Violência institucional obstétrica no Brasil: revisão sistemática. Estação Científica, Macapá, v. 5, n. 1, p. 57-68, jan./jun. 2015. Disponível em: <https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao/article/view/1592>. Acesso em: 30 abr. 2021.; WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.). A ocorrência dessa violência envolve diferentes percepções por parte da equipe de saúde e da parturiente. A equipe está tão acostumada que passa a encará-la como “parte do protocolo” (AGUIAR; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013AGUIAR, J. M. de; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; SCHRAIBER, L. B. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 11, p. 2287-2296, nov. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2013001100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.; PALHARINI, 2017PALHARINI, L. A. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 49, e174907, dez. 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000100307&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.; WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.). Já a parturiente, que vive um momento de grande intensidade emocional, passa por um processo em que – quando tudo corre bem com ela e o bebê – passado o parto, os maus-tratos são “esquecidos” (OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; SENS; STAMM, 2019aSENS, M. M.; STAMM, A. M. N. de F. A percepção dos médicos sobre as dimensões da violência obstétrica e/ou institucional. Interface, Botucatu, v. 23, 2019a. Disponível em: <https://interface.org.br/publicacoes/a-percepcao-dos-medicos-sobre-as-dimensoes-da-violencia-obstetrica-e-ou-institucional/>. Acesso em: 20 nov. 2019.; WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.).

A ideia de uma violência consentida aproxima-se da noção de “violência perfeita”, elaborada pela filósofa Marilena Chauí ao estudar relações de gênero e violência no Brasil (CHAUÍ, 1985CHAUÍ, M. Participando do debate sobre a mulher e violência. In: CARDOSO, R. (Org). Perspectivas antropológicas da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1985., p. 35):

[...] a violência perfeita é aquela que obtém a interiorização da vontade e da ação alheias pela vontade e pela ação da parte dominada, de modo a fazer com que a perda da autonomia não seja percebida nem reconhecida, mas submersa numa heteronomia que não se percebe como tal. Em outros termos, a violência perfeita é aquela que resulta em alienação, identificação da vontade e da ação de alguém com a vontade e a ação contrária que a dominam.

A pesquisa de Chauí sobre violência se insere em um momento histórico em que o movimento de humanização do parto começa a se consolidar no Brasil, por volta da década de 1980. Nesse período, havia um crescente esforço de pesquisadoras das ciências humanas dedicado a questões femininas, como o estudo da violência contra a mulher e dos direitos reprodutivos.

O movimento de humanização do parto é heterogêneo em sua origem e reivindicações, mas parece trazer consigo uma crítica ao modelo de parto medicalizado e postular que o corpo da mulher está naturalmente preparado para o parto. Sua consolidação no Brasil é relacionada a transformações provocadas no feminismo brasileiro, que passa a atribuir novos sentidos à maternidade. Sob essa ótica, a maternidade se constitui como uma oportunidade de libertação da mulher do controle médico-masculino e de retorno a um lugar de protagonismo, podendo ser compreendida como uma forma de empoderamento, de retorno a um potencial feminino natural e ressacralizado (RUSSO; NUCCI, 2020RUSSO, J. A.; NUCCI, M. F. Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, p. 1-14, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/Interface.180390>. Acesso em: 08 mar. 2022.).

A incorporação da maternidade, por setores do feminismo brasileiro, como forma de empoderamento e de escolha sobre os processos que envolvem o corpo feminino e as formas de parir nos mostram a importância de revisitar leituras como a de Marilena Chauí. Apesar de a violência perfeita ter sido descrita por ela na década de 1980, somente em publicações a partir da virada do século XXI é que essa forma de violência passou a ser correlacionada àquela presente no campo obstétrico (AGUIAR, 2010AGUIAR, J. M. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero (Tese). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; DINIZ; AGUIAR; NIY, 2021DINIZ; C. S. G.; AGUIAR, J. M.; NIY, D. Y. “Medicalização do parto” e “violência obstétrica”: olhares complementares sobre o mesmo fenômeno. In: TEIXEIRA, L. A. et al. Medicalização do parto: saberes e práticas. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2021. p. 268-297.; D’OLIVEIRA, 2000D’OLIVEIRA, A. Violência de gênero, necessidades de saúde e uso de serviços em atenção primária (Tese). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.; SENA, 2016SENA, L. M. “Ameaçada e sem voz, como num campo de concentração.” A medicalização do parto como porta e palco para a violência obstétrica (Tese). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.). Este ensaio reflete sobre a violência perfeita na obstetrícia, especialmente no que concerne às sutilezas do discurso médico, que pode travestir atitudes concebidas como violentas em uma forma de cuidado.

A violência perfeita no discurso médico-obstétrico

A experiência de gestação e parturição da autora principal provocou a sensação incômoda de que havia passado por uma violência e ocasionou a articulação entre duas variáveis que tornaram este ensaio possível: o conceito de “violência perfeita”, da filósofa Marilena Chauí (supracitado), e a matéria da jornalista Vanessa Barbara, publicada na Revista Piauí (BARBARA, 2019BARBARA, V. De cócoras no país da cesárea: como é difícil ter um parto normal no Brasil. Piauí, n. 152, 2019.).

O artigo escrito por Barbara (2019) trata de uma combinação entre seu relato de parto e críticas a respeito do parto no Brasil. A leitura do trecho a seguir concatenou ideias antes desconexas:

[...] Pensei que talvez as minhas chances fossem maiores se eu conversasse com a ginecologista/obstetra que me atendia pelo convênio. Logo nas primeiras consultas, ela disse que, claro, acompanhava partos normais. Com o passar dos meses, porém, o discurso foi sutilmente se transformando. Primeiro, ela afirmou que faria um parto normal se tudo estivesse perfeito no fim da gestação. Depois, diante de algumas perguntas mais específicas, insistiu que ainda era muito cedo para saber. Quando avisei que contrataria uma doula, a Obstetra do Convênio – vamos chamá-la dessa forma – comentou que doulas só eram úteis em partos mais ‘radicais’. Então ela disse que o meu parto poderia ser normal, claro, mas só se as coisas corressem muito bem, ‘porque doze horas de parto ninguém merece, né, Vanessa’ (BARBARA, 2019BARBARA, V. De cócoras no país da cesárea: como é difícil ter um parto normal no Brasil. Piauí, n. 152, 2019., p. 60, grifos nossos).

Continuando a reportagem, a jornalista acrescenta:

Ao repetir que o parto poderá ser normal ‘se tudo estiver perfeito lá no fim da gestação’, médicos como a Obstetra do Convênio invertem a lógica natural das coisas: o parto deveria ser normal a menos que algo dê errado (BARBARA, 2019BARBARA, V. De cócoras no país da cesárea: como é difícil ter um parto normal no Brasil. Piauí, n. 152, 2019., p. 60, grifos no original).

Ao parafrasear a obstetra quanto à gestação “perfeita”, a jornalista destaca uma manifestação comum de violência perfeita: o discurso do risco ao bebê. Devido ao bebê ser “o produto mais importante de um parto”, esse discurso é utilizado, muitas vezes, como ferramenta coercitiva para submeter as gestantes a determinados procedimentos médicos (SENS; STAMM, 2019bSENS, M. M.; STAMM, A. M. N. de F. Percepção dos médicos sobre a violência obstétrica na sutil dimensão da relação humana e médico-paciente. Interface, Botucatu, v. 23, 2019b. Disponível em: <https://interface.org.br/publicacoes/percepcao-dos-medicos-sobre-a-violencia-obstetrica-na-sutil-dimensao-da-relacao-humana-e-medico-paciente/>. Acesso em: 20 nov. 2019.). Assim, a violência é perfeita porque é invisível. Ou quase.

A jornalista foi perspicaz ao reconhecer as sutilezas do discurso de sua médica e procurou outra profissional para assisti-la no parto. Infelizmente, essa não é a realidade para muitas brasileiras, que podem ter sua vontade suprimida e substituída pela determinação médica. É o que se observa no documentário “Violência obstétrica – a voz das brasileiras” (ZORZAM et al., 2012ZORZAM, B. et. al. Violência obstétrica: a voz das brasileiras. Documentário. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eg0uvonF25M>. Acesso em: 20 nov. 2019.
https://www.youtube.com/watch?v=eg0uvonF...
).

Organizado por ciberativistas a partir de uma coletânea de relatos, o documentário revela histórias de VO. Além de experiências explícitas de VO, as participantes também vivenciaram a violência perfeita no discurso médico, como é possível constatar nas seguintes falas (ZORZAM et al., 2012):

A anestesia é para o seu bem. Vai dar tudo certo.

Claro que eu faço parto, mas sempre uso fórceps, tá?

Bom, 40 semanas e o neném não se manifestou, então a gente vai tirar, né?

No Hospital das Clínicas eu espero até 42 semanas. No consultório eu não deixo passar de 40, porque é muito perigoso.

Não se preocupa, NAN é tão bom quanto leite materno.

O bebezinho tá bem agora, mas a gente nunca sabe.

Se você não agendar (a cesárea), eu não me responsabilizo pelo bebê.

Esses comentários demonstram como a violência pode soar como uma preocupação por parte do médico. Através de falas como as duas últimas, o discurso do risco ao bebê contribui para o fenômeno de “esquecimento” da violência experimentada, pois vivências negativas durante o período perinatal são recalcadas diante da satisfação de parir um bebê saudável (OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; SENS, STAMM, 2019b).

Além do discurso do risco, a violência perfeita é tão eficaz que suaviza, aos ouvidos da parturiente, justificativas de procedimentos que beneficiam exclusivamente o médico. É o caso do discurso sobre a episiotomia, apresentada como “um piquezinho” ou do uso de ocitocina sintética, descrita como “um sorinho”.

Outra fala do documentário ilustra com precisão a violência perfeita no discurso médico:

Eu faria isso com a minha filha ou a minha mulher. Não tô falando isso para vender cesárea. O seu bebê não quer morrer, então se você quiser ir para casa, pode ir, pode pensar, mas eu preciso que você confie em mim (ZORZAM et al., 2012).

Esse tipo de narrativa evidencia uma violência simbólica, pois problemas quase insolúveis entre os membros da relação médico-paciente são “resolvidos” através da dominação aceita pela paciente simultaneamente sob a forma de pressão e de obediência (RODRIGUES et al., 2015RODRIGUES, D. P. et al. A peregrinação no período reprodutivo: uma violência no campo obstétrico. Escola Anna Nery, v. 19, n. 4, p. 614-620, 2015. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=127743547013>. Acesso em: 20 nov. 2019.).

Ao estudar violência contra a mulher, Silva e Moreira (2020) adotam a definição da filósofa Hannah Arendt: “a violência nada mais é do que a mais flagrante manifestação do poder” (ARENDT, 2009, p. 22 apud SILVA; MOREIRA, 2020SILVA, G. B. C. da; MOREIRA, D. As duas grandes epidemias vivenciadas em 2020: medidas a serem tomadas para a prevenção e combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. In: JORGE, W. J. (Org). Ciência jurídica: teoria e prática. Maringá, PR: Uniedusul, 2020. Disponível em: <https://www.uniedusul.com.br/wp-content/uploads/2020/12/E-BOOK-CIENCIA-JURIDICA-TEORIA-E-PRATICA.pdf#page=124>. Acesso em: 01 ago. 2021., p. 126). Para os autores, a “violência produz a mais perfeita e imediata obediência e a forma de domínio mais eficaz” (SILVA; MOREIRA, 2020SILVA, G. B. C. da; MOREIRA, D. As duas grandes epidemias vivenciadas em 2020: medidas a serem tomadas para a prevenção e combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. In: JORGE, W. J. (Org). Ciência jurídica: teoria e prática. Maringá, PR: Uniedusul, 2020. Disponível em: <https://www.uniedusul.com.br/wp-content/uploads/2020/12/E-BOOK-CIENCIA-JURIDICA-TEORIA-E-PRATICA.pdf#page=124>. Acesso em: 01 ago. 2021., p. 126).

Contudo, cabe uma ressalva a respeito do adjetivo “perfeita”, pois ao pensarmos na violência como um exercício do poder, lembramos de Foucault (2019), que afirma não existir poder sem resistência. Para ele, poder e resistência são indissociáveis. Na realidade, o autor fala em “resistências”, no plural, pois entende a resistência como uma força pulverizada, móvel, transitória, que percorre o corpo dos indivíduos e ultrapassa estratificações sociais (FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 9. ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Paz e Terra, 2019.). Se onde há violência há poder, e onde há poder há resistência, talvez essa violência não seja tão perfeita quanto inicialmente pensava Chauí.

A violência perfeita do ponto de vista do médico

Os órgãos de classe médicos têm se posicionado de forma a negar a VO como parte intrínseca do modelo médico hegemônico (PALHARINI, 2017PALHARINI, L. A. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 49, e174907, dez. 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000100307&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.). Para essas entidades, a VO surge no máximo como uma falha numa relação particular entre um determinado profissional e uma determinada paciente. O médico é tido como uma espécie de ente transcendental neutro e a-histórico, toda sua atenção visando necessariamente ao bem-estar das pessoas, o que por sua vez justificaria as suas práticas (MOTA; SCHRAIBER, 2014MOTA, A.; SCHRAIBER, L. B. Medicina sob as lentes da História: reflexões teórico-metodológicas. Ciência e Saúde Coletiva, v. 19, n. 4, p. 1085-1094, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/FjQGs6D7THMj8QhmtghKgjh/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 02 abr. 2021.; PALHARINI, 2017PALHARINI, L. A. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 49, e174907, dez. 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000100307&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.).

Se a medicina tem um lugar central em torno do qual giram os demais serviços, o único discurso válido sobre a gestação, o parto e o nascimento é a categórica palavra do médico. Como efeito desse saber, à paciente cabe uma posição passiva na relação com o profissional, ocupando o lugar de objeto.

Embora a maioria dos profissionais associe a VO ao caráter pessoal de quem a comete (AGUIAR; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013AGUIAR, J. M. de; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; SCHRAIBER, L. B. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 11, p. 2287-2296, nov. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2013001100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.), ela só pode ser adequadamente compreendida dentro de uma relação de poder entre o profissional de saúde e a mulher, que é determinada pela estrutura do que podemos chamar de discurso médico.

O sujeito tende a ser excluído na instituição regida pelo saber médico quando reduzido a uma doença ou a um quadro clínico, quando apreendido enquanto generalidade e não considerado em sua subjetividade. Nesse ponto, o saber médico é associado ao saber do mestre – referente àquele que Lacan denominou de o discurso do mestre (LACAN, 1992LACAN, J. O avesso da psicanálise. In: LACAN, J. O seminário 17 de Jacques Lacan: 1969-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.).

O discurso médico, identificado ao que Lacan denomina discurso do mestre, proferido a partir de um lugar em que a vontade de dominação (ainda que inconsciente ou pelo menos inconfessa) está arraigada, tende a silenciar o sujeito. Neste discurso, o detentor do saber é o médico, e o paciente é objeto desse saber. A desvalorização do saber da parturiente sobre o seu corpo é uma consequência necessária dessa relação de poder. Se a medicina de fato se interessa pelo saber da parturiente, o faz com a condescendência de quem dá a esse saber o status de “crença”. Depreende-se daí a indissociabilidade entre violência perfeita e discurso médico.

Há, por outro lado, por parte de alguns profissionais, um crescente reconhecimento de maus-tratos e desrespeitos, mas que ainda assim são vistos como condutas necessárias ao trabalho ou como parte do exercício da autoridade médica (AGUIAR; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013AGUIAR, J. M. de; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; SCHRAIBER, L. B. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 11, p. 2287-2296, nov. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2013001100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.). A própria ideia de uma humanização do parto, que (muito) aos poucos é assimilada à prática obstétrica (DINIZ, 2005DINIZ, C. S. G. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 3, p. 627-637, 2005. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/JQVbGPcVFfy8PdNkYgJ6ssQ/?lang=pt>. Acesso em: 01 ago. 2021.), embora associada à promoção do parto e do nascimento saudáveis e à prevenção da morbimortalidade materna e perinatal (BRASIL, 2005BRASIL. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada – manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.), se mantém na estrutura do discurso médico, visto que impõe sua verdade e é marcada por regras coercitivas. Se por um lado diz apontar para a diversidade, não é capaz de reconhecer a singularidade da mulher, e implica em normatizações, controle dos corpos e métodos disciplinares.

Um evento importante envolvendo o reconhecimento (ou a falta de reconhecimento) da VO foi um despacho produzido pelo Ministério da Saúde, em maio de 2019. No documento, o órgão recomendava a abolição da expressão “violência obstétrica”, alegando não haver consenso quanto ao seu significado, exigindo haver intencionalidade para que um ato seja reconhecido como VO e firmando que o termo “não agrega valor” (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégias. Despacho/Ofício nº 017/19 – JUR/SEC, de 03 de maio de 2019. Disponível em: <https://bit.ly/2YBWx1D>. Acesso em: 22 abr. 2021.
https://bit.ly/2YBWx1D...
, s/p).

Emitido nos primeiros meses do governo Bolsonaro, o despacho teve repercussão na mídia e em diversas entidades, que se manifestaram através de notas de apoio ou de repúdio à decisão. Em nota ao jornal Folha de São Paulo, o Ministério da Saúde procurou esclarecer sua posição e alegou estar embasado em pedidos de instituições médicas e ter seguido orientações destas instituições (CANCIAN, 2019CANCIAN, N. Ministério da Saúde veta termo violência obstétrica. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 maio 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/ministerio-da-saude-veta-uso-do-termo-violencia-obstetrica.shtml>. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
).

Um dos documentos que embasou o despacho foi um parecer produzido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2018, a respeito da “proliferação de leis sobre violência obstétrica” (CFM. 2018, p. 1). No parecer, a expressão é considerada “uma agressão contra a medicina e a especialidade de ginecologia e obstetrícia” (CFM, 2018CFM. Parecer CFM nº 32 de 23 de outubro de 2018. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2018. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/32>. Acesso em: 20 fev. 2021., p. 1). O CFM declarou, ainda, que “a expressão ‘violência obstétrica’ tem produzido grande indignação entre os obstetras, pois seu uso tem se voltado em desfavor da nossa especialidade, impregnada de uma agressividade que beira a histeria, e responsabilizando somente os médicos” (CFM, 2018CFM. Parecer CFM nº 32 de 23 de outubro de 2018. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2018. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/32>. Acesso em: 20 fev. 2021., p. 2, grifos nossos).

O CFM concluiu o parecer atribuindo ao termo “violência obstétrica” um caráter pejorativo e recomendando que seu uso fosse abolido. Indo na contramão de esforços nacionais e internacionais de visibilização e, até mesmo, punição para a prática da VO, cuja vítima é a mulher gestante, parturiente ou puérpera, o CFM sustentou que a expressão VO é, na realidade, “uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia, contra o conhecimento científico e, por conseguinte, contra a mulher na sociedade” (CFM, 2018CFM. Parecer CFM nº 32 de 23 de outubro de 2018. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2018. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/32>. Acesso em: 20 fev. 2021., p. 12, grifos nossos).

Seria a violência perfeita outra forma de vender cesárea?

O Brasil é o segundo país em número de cesarianas no mundo, com a cirurgia correspondendo a 57% dos nascimentos, muito além dos 15% preconizados pela Organização Mundial de Saúde (BATISTA FILHO; RISSIN, 2018BATISTA FILHO, M.; RISSIN, A. A OMS e a epidemia de cesarianas. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 18, n. 1, p. 3-4, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/7DhKbXd9M4VKnzVWnWRP6Jg/?lang=pt>. Acesso em: 18 nov. 2020.). Esse índice elevado de cesáreas no país suscita o questionamento: quem está escolhendo o tipo de parto?

Vários fatores são associados à “epidemia” de cesáreas: novos critérios para definir gestações de risco; uma extensa lista de indicações médicas; novas tecnologias gerando mais diagnósticos; definições de tipos de mulheres e bebês “aptos” para o parto vaginal; a formação médica que prepara os profissionais para lidarem melhor com tecnologias sofisticadas do que com partos “difíceis”; o tempo dispendido no parto normal e na cesárea; a possibilidade de agendamento; o desejo por laqueadura tubária; a visão do parto vaginal como “risco ou falta de opção”; a narrativa de autonomia e/ou preferência da mulher; e, ainda, relatos de experiências traumáticas de parto vaginal (DE MELLO E SOUZA, 1994DE MELLO E SOUZA, C. C-sections as ideal births: the cultural constructions of beneficence and patients’ rights in Brazil. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics, v. 3, n. 3, p. 358-366, 1994. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7994459/>. Acesso em: 14 set. 2020.; OLIVEIRA; PENNA, 2017OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072017000200331&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; PALHARINI, 2017PALHARINI, L. A. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 49, e174907, dez. 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000100307&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.; SENS; STAMM, 2019aSENS, M. M.; STAMM, A. M. N. de F. A percepção dos médicos sobre as dimensões da violência obstétrica e/ou institucional. Interface, Botucatu, v. 23, 2019a. Disponível em: <https://interface.org.br/publicacoes/a-percepcao-dos-medicos-sobre-as-dimensoes-da-violencia-obstetrica-e-ou-institucional/>. Acesso em: 20 nov. 2019.; ZANARDO et al., 2017ZANARDO, G. L. de P. et al. Violência obstétrica no Brasil: uma revisão narrativa. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 29, e155043, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822017000100218&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.).

Alguns estudos apontam que, na perspectiva de parturientes, a escolha da via de nascimento é realizada pelo médico (OLIVEIRA; PENNA, 2018OLIVEIRA, V. J.; PENNA, C. M. de M. Cada parto é uma história: processo de escolha da via de parto. Revista Brasileira de Enfermagem, 71 (supl.3), 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/reben/a/8bjVWVQyjMc5wcy4xHXr9CD/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 31 jul. 2021.; ROCHA; FERREIRA, 2020ROCHA, N. F. F. da; FERREIRA, J. A escolha da vida de parto e a autonomia das mulheres no Brasil: uma revisão integrativa. Saúde Debate, v. 44, n. 125, p. 556-568, abr./jun. 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sdeb/a/gv6DSVLwCqFZvxVDLCKTxhL/?lang=pt>. Acesso em: 31 jul. 2021.). Entre os médicos, a justificativa predominante para a cesárea é a demanda das mulheres por esse tipo de procedimento (FAÚNDES et al., 2004FAÚNDES, A. et al. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Revista de Saúde Pública, v. 38, n. 4, p. 488-494, 2004. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rsp/a/VY5vjKsnbbyxhHTRt46XMGm/?lang=pt>. Acesso em: 25 mar. 2021.; RISCADO; JANNOTTI; BARBOSA, 2016RISCADO, L. C.; JANNOTTI, C. B.; BARBOSA, R. H. S. A decisão pela via de parto no Brasil: temas e tendências na produção de saúde coletiva. Texto e Contexto – Enfermagem, v. 25, n. 1, 2016. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/tce/a/f9Cr3bm5ySPMNGvWZTr4fVs/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 31 jul. 2021.). Porém, Hopkins (2000) refuta esse argumento, demonstrando que, tanto no setor privado quanto no setor público, entre primíparas e multíparas, a maiorias das gestantes desejava um parto vaginal quando entrou no hospital.

Percebe-se, assim, uma divergência entre a expectativa inicial das mulheres e o desfecho do parto, com uma proporção de cesariana muito superior à pretendida inicialmente (HOTIMSKY et al., 2002HOTIMSKY, S. N. et al. O parto como eu vejo... ou como eu o desejo? Expectativas de gestantes, usuárias do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 5, p. 1303-1311, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csp/a/hsgDPkmH7n3d4BHQB69Tk3H/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 02 mar. 2021.). Corroborando esses dados, Riscado, Jannotti e Barbosa (2016) reforçam que a preferência médica pela cesárea acaba, muitas vezes, suprimindo a escolha inicial da gestante. Ou seja, o desejo inicial das mulheres pode não ser o fator determinante para o desfecho do parto.

Apesar de a violência perfeita poder acontecer em qualquer momento do ciclo gravídico-puerperal, o trabalho de parto é a janela de oportunidade em que a persuasão médica pode determinar o curso dos acontecimentos (DE MELLO E SOUZA, 1994DE MELLO E SOUZA, C. C-sections as ideal births: the cultural constructions of beneficence and patients’ rights in Brazil. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics, v. 3, n. 3, p. 358-366, 1994. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7994459/>. Acesso em: 14 set. 2020.; HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.; HOTIMSKY et al., 2002HOTIMSKY, S. N. et al. O parto como eu vejo... ou como eu o desejo? Expectativas de gestantes, usuárias do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 5, p. 1303-1311, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csp/a/hsgDPkmH7n3d4BHQB69Tk3H/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 02 mar. 2021.; RISCADO; JANOTTI; BARBOSA, 2016). Esse momento é decisivo para que a sutil persuasão médica possa estimular a demanda pela cesárea mesmo sem que a parturiente perceba (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.).

A socióloga Kristine Hopkins (2000), em um estudo que se tornou um clássico em sua área, apresenta o caso de três parturientes. Utilizaremos os casos retratados na pesquisa de Hopkins como forma de exemplificar situações que podem ser consideradas manifestações da violência perfeita na assistência perinatal.

No primeiro caso retratado por Hopkins (2000), a paciente estava em trabalho de parto, em um hospital privado, referindo dor durante as contrações. Na perspectiva da socióloga, o médico que assistia essa paciente parecia interpretar suas manifestações de dor como uma forma de pressão. A frase “Eu não aguento mais”, comumente proferida durante o trabalho de parto, parecia ser encarada por ele como um pedido pela cesárea, até que ele rompeu a bolsa amniótica e disse: “Está verde. Mecônio. Mesmo que o bebê esteja bem, é uma indicação para cesárea. Você venceu!”. Hopkins destaca que a palavra “cesárea” não foi pronunciada pela parturiente nem uma vez. Será que alguém vence nessa situação?

O segundo caso envolvia uma parturiente de 36 anos que havia requisitado cesariana devido à “idade avançada”, mas sua médica a assegurou de que a cirurgia não era necessária e confirmou para a pesquisadora, durante o trabalho de parto: “Só porque ela tem 36? Não. Está tudo indo bem. Mas isso não significa que a gente vai esperar até amanhã”. Voltando-se para a paciente a médica enunciou: “Se eu te examinar e a tua dilatação não tiver evoluído depois de toda essa caminhada, então não há motivo para você sofrer”, insinuando a necessidade da cesárea como forma de poupar a paciente do sofrimento do parto vaginal (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.).

Este exemplo demonstra que, apesar de alguns médicos defenderem o parto normal, eles nem sempre esperam a evolução do trabalho de parto. Nesse caso, a médica não explicou a indicação da cesárea, apenas mencionou que a dilatação não estava progredindo. Segundo Hopkins (2000), a paciente aparentava estar infeliz com a decisão de operar, mesmo assim não questionou a médica e acatou sua recomendação, o que pode ser um indicativo da posição de silêncio e submissão diante do poder médico.

O terceiro caso referia-se a uma secundípara, que teve seu primeiro bebê por parto vaginal. Na entrevista com a pesquisadora, ela relatou que durante o pré-natal a obstetra recomendou uma cesárea. Segundo a paciente, a médica disse: “Vou ter que realizar uma cesariana em você. Esse bebê é muito grande. Você sofreria muito se tivesse que passar pelo parto normal”. Porém, após o monitoramento do bebê, a obstetra sugeriu “tentar” o parto normal (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.).

Na data prevista do parto, entretanto, a paciente começou a sentir leves contrações e procurou a médica, que a examinou e disse: “Você está com um centímetro (de dilatação) agora. Vou sugerir que nós façamos uma cesárea. Você quer que eu te opere? Porque é só um centímetro. Você irá sentir dor por não sei quanto tempo”. Nesse caso, a sugestão da médica foi apresentada como uma forma de prevenção das contrações naturais do parto (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.). Os três casos analisados por Hopkins e resgatados por nós podem servir como exemplo do fenômeno que nos dispusemos a investigar: a “violência perfeita” no contexto da assistência obstétrica.

Retomando o exemplo da terceira parturiente observada por Hopkins (2000), a obstetra sugere que a paciente “tente” o parto normal. A expressão “tentar” o parto normal aparenta ser recorrente no discurso médico. Os médicos frequentemente referem-se ao parto normal como algo que se pode “tentar”, enquanto a cesariana é sempre uma possibilidade real se a tentativa de parto vaginal for malsucedida (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.).

O discurso médico parece, gradualmente, transformar o que era para ser exceção em regra, ao apresentar a cesárea como um procedimento seguro e desejável, minimizando seus riscos e supervalorizando os riscos do parto vaginal (SENS; STAMM, 2019aSENS, M. M.; STAMM, A. M. N. de F. A percepção dos médicos sobre as dimensões da violência obstétrica e/ou institucional. Interface, Botucatu, v. 23, 2019a. Disponível em: <https://interface.org.br/publicacoes/a-percepcao-dos-medicos-sobre-as-dimensoes-da-violencia-obstetrica-e-ou-institucional/>. Acesso em: 20 nov. 2019.). A violência perfeita é aquela que pode se travestir de boa prática, pretensamente visando o melhor para a paciente, já que a intenção é conseguir sua “colaboração” (AGUIAR; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013AGUIAR, J. M. de; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; SCHRAIBER, L. B. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 11, p. 2287-2296, nov. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2013001100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.; MARTINS; BARROS, 2016MARTINS, A de C.; BARROS, G. M. Parirás na dor? Revisão integrativa da violência obstétrica em unidades públicas brasileiras. Revista Dor, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 215-218, jul./set. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-00132016000300215&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.). Assim, “onipotentemente, a ciência revoga a sentença ‘parirás com dor’ e traz para si a preocupação humanitária de resolver o ‘problema da parturição’” (FERREIRA; GONÇALVES, 2020FERREIRA, M. S.; GONÇALVES, E. “Parirás com Dor”: a violência obstétrica revisitada. Revista Sociedade e Cultura, v. 23, 2020. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/fcs/article/view/60230>. Acesso em: 01 ago. 2021., s/p). Contudo, “a ideia de que a cesariana é inócua é uma mentira tão abusiva quanto disseminada” (IACONELLI, 2019IACONELLI, V. Vai levar parto normal ou cesárea? Folha de São Paulo, São Paulo, 27 ago. 2019., s/p).

Outro exemplo de como as gestantes podem ser sutilmente persuadidas a optarem pela cesárea, encontra-se na fala extraída do dossiê “Parirás com dor” (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012PARTO DO PRINCÍPIO. Violência obstétrica: “parirás com dor”. Dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres. [S. l.] 2012. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2021.
https://www.senado.gov.br/comissoes/docu...
, p. 118):

É um procedimento seguro, o bebê já está maduro, não tem com o que se preocupar, é muito mais cômodo pra família, mais fácil, melhor para aproveitar a licença-maternidade, você não vai sentir dor e ainda vai continuar apertadinha para seu marido.

A possibilidade de agendamento da cesárea parece ser comum na narrativa médica. Apresentada como forma de respeitar a autonomia da mulher, a expressão “cesárea a pedido” tem sido utilizada em uma tentativa de transferir à mulher a responsabilidade por suas escolhas (PALHARINI, 2017PALHARINI, L. A. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violência obstétrica no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 49, e174907, dez. 2017. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000100307&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.). Porém, nos bastidores de um discurso de pseudo-autonomia da mulher, o poder médico pode acabar direcionando a opção pela cesárea (HOPKINS, 2000HOPKINS, K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine, v. 51, n. 5, p. 725-740, 2000. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10975232/>. Acesso em: 01 jul. 2021.).

As “novas” nomenclaturas do léxico médico também nos parecem ser tentativas de atenuar a cesárea enquanto procedimento cirúrgico:

A própria expressão ‘parto cesáreo’ ou ‘parto cirúrgico’ é um paradoxo criado para naturalizar o que é essencialmente uma cirurgia de extração do feto vivo do útero da mãe. Quando se fala em ‘tipos de parto’, dá-se a impressão de que o bebê pode nascer naturalmente pela vagina ou, digamos, pelo umbigo, sendo apenas uma questão de optar pelo caminho mais curto no Waze (BARBARA, 2019BARBARA, V. De cócoras no país da cesárea: como é difícil ter um parto normal no Brasil. Piauí, n. 152, 2019., p. 60).

A maneira como a violência perfeita se insinua no discurso médico contrasta com a manifestação da violência obstétrica “tradicional”. Inúmeros são os relatos de VO em sua forma escancarada, praticada através de humilhações ou procedimentos invasivos. A própria disseminação de informações sobre a VO, embora extremamente importante, pode ter se convertido em um argumento pró-cesárea.

Nesse contexto, em meados de 2019, a deputada Janaina Paschoal (PSL-SP) aprovou um projeto de lei que dá à gestante a possibilidade de “optar” pela cesariana (PASCHOAL, 2019PASCHOAL, J. Projeto de lei nº. 435/2019. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000262934>. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id...
). Disfarçado sob a retórica feminista de direito à escolha, o projeto busca promover a cesárea a pedido através de premissas controversas e como forma de se precaver da violência obstétrica, sem considerar que o número elevado de cesarianas por si só poderia caracterizar uma nova forma de violência (IACONELLI, 2020IACONELLI, V. Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna. 2. ed. São Paulo: Zagodoni Editora, 2020.). Como alerta a psicóloga e psicanalista Vera Iaconelli (2019, s/p):

A escolha pela cesariana decorre da história da parturição em nosso país. Temos um longo percurso de partos vaginais mal assistidos, por profissionais cuja formação é eminentemente cirúrgica e nada sensível à experiência humana do parto. Mas fugir da má assistência ao parto por meio da cirurgia equivale a fugir do incêndio pulando no precipício.

Cabe frisar que a violência perfeita não diz respeito apenas ao sutil direcionamento do médico em relação ao que Pulhez (2013PULHEZ, M. M. “Parem a violência obstétrica”: a construção das noções de “violência” e “vítima” nas experiências de parto. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 12, n. 35, p. 544-564, 2013. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html>. Acesso em: 08 mar. 2022.) denominou como “desnecesárea”,2 2 “Desnecesárea” é um neologismo cunhado por Pulhez (2013), que aglutina ironicamente as palavras “desnecessária” e “cesárea” (cirurgia cesariana). mas a toda conduta que se propõe a ofertar tecnologias médicas dispensáveis ou obsoletas, como se fossem recursos inofensivos e benéficos à mulher.

Outros aspectos importantes sobre a violência, independentemente do contexto em que ela ocorra, abrangem sua faceta relacional, moral e temporal. Para uma atitude ser considerada violenta, um dos sujeitos envolvidos precisa identificá-la como tal dentro de uma relação. A conversão de uma prática em violência também passa por uma leitura moral de uma das partes a respeito da intenção da outra. Já o aspecto temporal pode ter relação com a emergência de novas sensibilidades, que expandem as etiquetas do que pode ser classificado como violento (CASTRILLO, 2016CASTRILLO, B. Dime quién lo define y te diré si es violento. Reflexiones sobre la violencia obstétrica. Sexualidade, Salud y Sociedad, n, 24, p. 43-68, dez. 2016. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sess/a/jXWfHQCDHrHMGpSqNB93ZPD/abstract/?lang=es>. Acesso em: 06 set. 2022.).

É importante destacar, ainda, o caráter subjetivo da violência obstétrica, “perfeita” ou não, reconhecendo que essa forma de violência pode não ser vivenciada da mesma maneira por todas as mulheres e que alguns procedimentos considerados violentos para umas são demandados por outras (VELASQUEZ, 2021). A utilização (ou não) de analgesia ilustra a subjetividade da VO: negar alívio da dor a uma mulher que solicita anestesia pode ser uma forma de violência, do mesmo modo em que aplicar analgesia em uma mulher que deseja um parto não medicalizado também parece ser uma conduta violenta.

Na tentativa de enriquecer a discussão e como crítica à nossa defesa da conveniência médica da “desnecesárea” e de outros procedimentos utilizados de forma corriqueira na assistência obstétrica, autores como Nakano, Bonan e Teixeira (2015, p. 887) argumentam que estudos que focam as escolhas individuais, seja da mulher, do médico ou de ambos, “minimizam a complexidade do problema”. Esses autores defendem que há uma cultura material em torno do parto e postulam a hipótese de que a cesariana vem sendo normalizada como um novo modo de nascer, tornando o parto vaginal uma exceção.

No grupo de mulheres estudado pelos autores, a cesariana aparece como primeira opção, algo inerente à modernidade, “a via de parto por excelência” (NAKANO, BONAN; TEIXEIRA, 2015NAKANO, A. R; BONAN, C.; TEIXEIRA, L. A. A normalização da cesárea como modo de nascer: cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 25, n. 3, p. 885-904, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000300011>. Acesso em: 08 mar. 2022., p. 894), enquanto o parto vaginal é visto como ultrapassado. Nessa perspectiva, o agendamento da cesárea seria um arranjo conveniente também para a mulher, imersa na lógica da produtividade e da eficiência. Sendo a cesárea um objeto de consumo, a terceirização do nascimento libertaria a mulher da responsabilidade pela parturição, mas sem perder seu protagonismo. Afinal, foi uma escolha (NAKANO, BONAN; TEIXEIRA, 2015).

Anteriormente debatemos a ideia de que a violência perfeita, no contexto obstétrico, pode não ser tão perfeita quanto imaginava Chauí, pois onde há poder, há resistência e há também escolhas. Se no feminismo dos anos 1970 resistir envolvia libertar a mulher da obrigação da maternidade, no movimento de humanização do parto, a resistência parece se deslocar para “como” ter um filho, para libertar a mulher do patriarcado e de prescrições médico-masculinas (RUSSO; NUCCI, 2020RUSSO, J. A.; NUCCI, M. F. Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, p. 1-14, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/Interface.180390>. Acesso em: 08 mar. 2022.).

Ainda que o feminismo de hoje converta a maternidade de obrigação em opção (RUSSO; NUCCI, 2020RUSSO, J. A.; NUCCI, M. F. Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, p. 1-14, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/Interface.180390>. Acesso em: 08 mar. 2022.), há que se pensar no quanto a mulher realmente é livre para fazer escolhas sobre o “como” nascer. “Autonomia” é uma palavra-chave, algo pelo que se luta. Porém, na cultura cesarista em que estamos inseridos, em que a preferência médica muitas vezes se sobressai ao desejo da mulher, o quão livre é essa escolha? Segundo Russo (2019), é preciso que ocorra uma mudança na forma de se perceber o parto vaginal, uma normalização desse evento, para que então se possa falar em preferências e escolhas realmente livres: “até lá, cabe a todos nós, profissionais da Saúde Coletiva, evitar que escolhas aparentemente livres sejam realizadas com uma venda nos olhos” (RUSSO, 2019RUSSO, J. A. A livre escolha pela cesárea é uma escolha livre? Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, 2019. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/controlecancer/resource/pt/biblio-1056937?src=similardocs>. Acesso em: 01 ago. 2021., p. 4).

Considerações finais

A mulher grávida procura um hospital para parir seu bebê, e não para curar uma doença. Contudo, quando adentra uma instituição de saúde, é tratada como uma pessoa que necessita de múltiplas intervenções para que o nascimento ocorra (MARTINS; BARROS, 2016MARTINS, A de C.; BARROS, G. M. Parirás na dor? Revisão integrativa da violência obstétrica em unidades públicas brasileiras. Revista Dor, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 215-218, jul./set. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-00132016000300215&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.) e a tomada de decisões sobre o parto pode ser ofuscada por certas falas e condutas que aparentam zelar por seu interesse.

O trabalho de parto é um período em que a mulher se encontra vulnerável física e emocionalmente. É durante esse momento crítico que o discurso médico pode conduzir a intervenções consideradas obsoletas ou, até mesmo, prejudiciais à mulher. A “desnecesárea” é um exemplo, mas não o único. É preciso reconhecer as sutilezas do discurso médico, que podem acabar por cooptar a vontade da mulher e a induzi-la a procedimentos mais convenientes para o profissional.

Se praticada como um mal necessário para defender o interesse da paciente ou como uma defesa contra seu próprio sofrimento, de modo consciente ou não, o fato que é a violência perfeita é indissociável do discurso médico. Afinal, “a maioria das violências humanas acontece sem que o outro perceba que está cometendo violência” (AMARAL, 2019AMARAL, A. C. Que papéis emocionais nós cumprimos para as mulheres que assistimos? Simpósio Internacional de Assistência ao Parto. São Paulo, 2019.).

A reflexão que propusemos neste ensaio é a de que a violência perfeita é uma forma de violência simbólica e discreta, que se manifesta corriqueiramente no contexto obstétrico, devendo também ser reconhecida como uma forma de violência obstétrica. Essa violência pode ser invisibilizada e perpetuada através de uma “conspiração do silêncio”, por parte da equipe de saúde, que pode entender práticas e falas violentas como parte do protocolo, e silêncio também por parte da mulher/paciente, que pode se calar por medo de expressar a dor associada ao trabalho de parto e sofrer represálias, por encarar a violência como “normal” ou não a reconhecer como tal, ou por não ter mais voz para defender suas escolhas (HOTIMSKY et al., 2002HOTIMSKY, S. N. et al. O parto como eu vejo... ou como eu o desejo? Expectativas de gestantes, usuárias do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 5, p. 1303-1311, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csp/a/hsgDPkmH7n3d4BHQB69Tk3H/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 02 mar. 2021.; PERERA et al., 2018PERERA, D. et al. “When helpers hurt”: women’s and midwives’ stories of obstetric violence in state health institutions, Colombo district, Sri Lanka. BMC Pregnancy and Childbirth, v. 18, n. 1, p. 1-12, 2018. Disponível em: <https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-018-1869-z>. Acesso em: 20 nov. 2019.; WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.).

A visibilização da violência obstétrica, seja em sua manifestação mais explícita ou na forma discreta da violência perfeita, não será possível enquanto a violência continuar sendo defendida como um cuidado necessário (MARTINS; BARROS, 2016MARTINS, A de C.; BARROS, G. M. Parirás na dor? Revisão integrativa da violência obstétrica em unidades públicas brasileiras. Revista Dor, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 215-218, jul./set. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-00132016000300215&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 maio 2021.; PERERA et al., 2018PERERA, D. et al. “When helpers hurt”: women’s and midwives’ stories of obstetric violence in state health institutions, Colombo district, Sri Lanka. BMC Pregnancy and Childbirth, v. 18, n. 1, p. 1-12, 2018. Disponível em: <https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-018-1869-z>. Acesso em: 20 nov. 2019.), for justificada como problema de “índole” ou “falta de caráter” (AGUIAR; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013AGUIAR, J. M. de; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; SCHRAIBER, L. B. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 11, p. 2287-2296, nov. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2013001100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 maio 2021.), em que a vítima permanece silenciosa (WOLFF; WALDOW, 2008WOLFF, L. R.; WALDOW, V. R. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 138-151, jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2021.), e se a mulher não puder ocupar o lugar de sujeito na relação com a equipe médica, o que dá uma dimensão do desafio que temos que enfrentar.

É imprescindível tornar a violência obstétrica no discurso médico visível, audível, para os profissionais que estão passiveis de cometê-la e, sobretudo, para as mulheres que podem vivenciá-la. É necessário que o médico aprenda a questionar seu lugar de detentor do saber, de forma a tornar possível uma escuta atenta da gestante.

Apesar de órgãos representantes da medicina tradicional hegemônica, como o CFM, rechaçarem a expressão “violência obstétrica”, é importante reconhecer que a prática médica é plural. Um exemplo disso é que o próprio movimento de humanização do parto surgiu em um contexto de transformações de dentro da medicina, propostas por obstetras inseridos no movimento da contracultura dos anos 1960/1970, que valorizavam um retorno ao “natural” (RUSSO; NUCCI, 2020RUSSO, J. A.; NUCCI, M. F. Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, p. 1-14, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/Interface.180390>. Acesso em: 08 mar. 2022.).

A violência obstétrica, especialmente em sua manifestação como uma violência perfeita, passa pela subjetividade dos envolvidos. É em função de seu aspecto subjetivo e relacional que algumas mulheres podem compreender certas práticas como violentas, enquanto outras não irão interpretá-las dessa forma. De modo semelhante, para alguns médicos suas condutas podem não lhes parecer violentas, mas sim uma forma de cuidado.

Indicamos que outros estudos sobre a temática da violência perfeita no atendimento obstétrico produzam novos questionamentos e reflexões sobre o cuidado prestado às gestantes, parturientes e puérperas, enfatizando o aspecto relacional dessa forma de violência e os caminhos possíveis para uma relação médico-paciente mais digna e igualitária.

  • 1
    O quadro se refere à experiência pessoal da autora principal deste artigo.
  • 2
    “Desnecesárea” é um neologismo cunhado por Pulhez (2013), que aglutina ironicamente as palavras “desnecessária” e “cesárea” (cirurgia cesariana).

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Editora responsável: Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2021
  • Aceito
    11 Nov 2022
  • Revisado
    06 Set 2022
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