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Sobre o outro em Leyla, de Feridun Zaimoglu

The other in Leyla, by Feridun Zaimoglu

Resumo

Feridun Zaimoglu é um dos principais autores de língua alemã que introduzem a história e as experiências dos imigrantes e seus antepassados em seus textos literários. O romance Leyla, publicado em 2006, é um exemplo paradigmático disso, pois seu universo ficcional apresenta uma configuração temporal que antecede a chegada da protagonista turca à Alemanha. O presente artigo tem por objetivo discutir o romance em dois aspectos: a gênese da voz em espaços com desequilíbrio de poder e por outro lado a gênese da imagem do outro no universo pessoal dos personagens.

Palavras-chave:
Feridun Zaimoglu; Leyla; voz; imagem

Abstract

Feridun Zaimoglu is one of the most important writers in German language to introduce the history and the experiences of immigrants and their forefathers in their literary texts. The novel Leyla, published in 2006, is a paradigmatic example, since its fictional universe presents a temporal configuration that precedes the arrival of the Turkish immigrant in Germany. This article aims to discuss the novel in two aspects: the genesis of a voice in spaces with power imbalance and, on the other side, the genesis of an image of the other in the characters’ personal universe.

Keywords:
Feridun Zaimoglu; Leyla; voice; image

Introdução

Numa entrevista concedida à revista semanal Der Spiegel em 25 de outubro de 2010, o escritor Feridun Zaimoglu fala da política de integração na Alemanha, de seu passado como filho de imigrantes e da experiência de estranhamento nos diferentes contextos sociais em que circula ou em que viveu, afirmando: "Eu pertencia ao grupo de crianças mudas, com cabelos encaracolados, na sala de aula, naqueles tempos em Munique-Moosach" (Zaimoglu; Dürr; Höbel 2010: 159).2 2 No original: „Ich gehörte zu den stummen Krauskopfkindern im Klassenzimmer, damals in München-Moosach”. Nascido em 1964 na Turquia, Zaimoglu chega à Alemanha um ano depois, levado por seus pais, que deixam seu país em busca de trabalho na Terra Prometida, às margens do Reno, ou melhor, do Isar. A experiência de alteridade representa algo que perpassa a vida da família e, de certo modo, todo o pensamento do escritor.

A década de 1960 é uma época de prosperidade na Alemanha, repentinamente confrontada com a carência de mão-de-obra não especializada. Nesse ensejo, muitos estrangeiros deixam sua terra natal para tentar a grande sorte no país, inicialmente como projeto temporário para juntar dinheiro e voltar logo em seguida a seus países. Muitos, porém, ficaram, construindo nesse novo contexto social não uma pátria com suas conotações nacionalistas, mas uma base existencial, sobre a qual instalam os fundamentos de sua narração de identidade.

Como definir esse novo estrato social? Ausländer (estrangeiros), com todas suas conotações negativas no contexto alemão, Deutschtürken (turco-alemães), enfatizando a contingência de suas essências nacionais em que o fator estrangeiro predomina, ou, como sugere Zaimoglu, Fremddeutsche (traduzido livremente como "alemães de fora"), o que indica a necessidade de acolher o outro no seio do espaço social no qual convivem? A dificuldade inerente a esse posicionamento se reflete nos diversos estudos que se dedicam a essa questão, tentando rotular de alguma forma esse fenômeno social e artístico: "ghetto voices" (Stehle 2012Stehle, Maria. Ghetto Voices in Contemporary German Culture: Textscapes, Filmscapes, Soundscapes. Rochester: Camden House, 2012.), "the postmonolingual condition" (Yildiz 2011Yildiz, Yasemin. Beyond the Mother Tongue: The Postmonolingual Condition. New York: Fordham UP, 2011.), "Kanakster und Deutschländer" (Neubauer 2011Neubauer, Jochen. Türkische Deutsche, Kanakster und Deutschländer: Identitäten und Fremdwahrnehmung in Film und Literatur: Fatih Akin, Thomas Arslan, Emine Sevgi Özdamar Zafer Senocak und Feridun Zaimoglu. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2011.), "Muslim voices" (Matthes 2010Matthes, Frauke. 'Authentic' Muslim Voices? Feridun Zaimoğlu's Schwarze Jungfrauen. In: Preece, Julian; Finlay, Frank; Crowe, Sinead (Org.). Religion and Identity in Germany Today: Doubters, Believers, Seekers in Literature and Film. Oxford: Peter Lang, 2010. p. 199-210.), "vozes da periferia" (Moraldo 2007Moraldo, Sandro. Stimmen vom Rande der Gesellschaft oder Von der linearen Biographie über die Bindestrich-Identität zur Ichsetzung: Feridun Zaimoglus Kampfansage an die multikulturelle Gesellschaft. In: Valentin, Jean-Marie; Pesnel, Stéphane; Boubia, Fawzi; Saveur-Henn, Anne Saint; Trapp, Bernard (Org.). Germanistik im Konflikt der Kulturen. Bern: Peter Lang, 2007. Band VI: Migrations-, Emigrations- und Remigrationskulturen; Multikulturalität in der zeitgenössischen deutschsprachigen Literatur, p. 161-167.) ou a "zona cinza" (Wright 2008Wright, Chantal. Writing in the 'Grey Zone': Exophonic Literature in Contemporary Germany. German as a Foreign Language, n. 3, p. 26-42, 2008.). Com efeito, esses diferentes termos ou rótulos refletem o lugar a eles atribuído no pensamento e no imaginário cultural.

Nesse contexto é imprescindível refletir sobre essas etiquetas e o lugar de reflexão sobre a produção literária de autores com afiliações bi ou multiculturais. Certamente o termo Literatura Chamisso, que tem sido utilizado para denominar o conjunto de autores com afiliações estrangeiras e que escrevem em língua alemã (cf. Heidermann 2016Heidermann, Werner. “Literatura Chamisso”, a literatura alemã proposta por não-alemães. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, p. 604-618, 2016.), é problemático, ainda mais porque poucos críticos vão querer ver autores como Jakob Michael, Reinhold Lenz, Franz Kafka ou Ödön von Horváth incluídos nesse contexto. Aqui poderia se assumir a mesma indignação de Salman Rushdie (Rushdie 1992Rushdie, Salman. ‘Commonwealth Literature’ Does Not Exist. In: Rushdie, Salman. Imaginary Homelands. Essays and Criticism 1981-1991. London: Granta, 1992. p. 57-70.: 61) no contexto da literatura de língua inglesa, expressada no famoso ensaio “‘Commonwealth Literature’ Does Not Exist”. No lugar de enfatizar a nação ou o lugar de nascimento, o critério deveria ser a língua e suas dimensões estéticas. Nesse sentido, certamente é desejável renunciar a etiquetas como literatura de imigrantes, literatura turco-alemã ou às várias outras gavetas utilizadas para chamar a atenção a um pertencimento problemático.

Por outro lado, a prática discursiva da historiografia literária, da canonização, dos estudos literários ou do ensino de literatura (e com isso, dos principais eixos do processo de recepção) vive de seleções. Isso vale tanto para a discussão de literaturas nacionais e mais ainda para contextos que buscam refletir e, em parte, transcender as práticas nacionais de discussão da produção literária como Weltliteratur (Biti 2015Biti, Vladimir. Who Worlds the Literature? Goethe’s Weltliteratur and Globalization. Forum for World Literature Studies, v. 7, p. 364-397, 2015.), World Literatures (Wang 2011Wang, Ning. “Weltliteratur”: from a utopian imagination to diversified forms of world literatures. Neohelicon, v. 38, p. 295-306, 2011.) ou Littérature-Monde (Xavier 2010Xavier, Subha. From Weltliteratur to Littérature-Monde: Lessons from Goethe for the Francophone World. Contemporary French and Francophone Studies, v. 14, p. 57-65, 2010.). No momento de escolher entre Paul Celan e Aras Ören ou entre Ingeborg Bachmann e Aysel Özakin para discutir a poesia de expressão alemã ou para elencar as vozes da poesia universal, muito provavelmente a decisão recairá sobre Celan e Bachmann. Diante desse cenário que impõe seleções - nenhum historiador poderá ler ou mencionar tudo, nenhum estudioso poderá discutir e analisar todo fenômeno literário - é necessário que haja práticas discursivas alternativas. Nesse sentido, a Literatura Chamisso ou todas as outras etiquetas utilizadas para rotular esse conjunto de obras, por mais problemáticas e exclusionistas que sejam, representam uma organização da fala, cujo foco de interesse são as vozes periféricas da literatura de expressão alemã. Esse enfeixamento discursivo cria um espaço muito importante para o processo de obtenção e estabilização de voz, assumindo desse modo uma dimensão política de grande impacto num contexto desigual de poder e de chances de fala. Por mais desejável que seja a superação desses rótulos, há nesse movimento discursivo de dissolução também um risco de dispersão.

Feridun Zaimoglu é um representante da literatura de expressão alemã, mas ele também é um articulador das vozes das inúmeras minorias que compõem as sociedades do mundo de língua alemã. A posição desses atores sociais no imaginário social e na reprodução no universo ficcional comum é decisiva para a distribuição de oportunidades de fala, ou melhor, de articulação de convicções e interpretações pessoais de realidade. Zaimoglu pertence a um grupo de pessoas que vivenciou a experiência do silenciamento, em parte também pela incapacidade de utilizar-se da língua alemã como instrumento de comunicação e representação. Sua obra, portanto, parece retraçar o caminho da obtenção de voz, imbricando na realidade ficcional medos e conflitos, mas também alegrias e vaidades que caracterizam a experiência humana daqueles que talvez ainda não tenham conquistado seu lugar no imaginário oficial do espaço cultural em que vivem. Nisso, a representação do outro e de sua alteridade não se dá no marco da diferença, enfatizando aquilo que separa, mas no princípio da dor e da afirmação existencial, por conseguinte, no interminável ensaio do humano. Nessa visão da dor alheia, surgem as pontes que dão acesso a um futuro comum.

Essa visão de mundo parece representar um elemento que perpassa a obra de Feridun Zaimoglu, já bastante extensa, compreendendo romances, peças teatrais, ensaios. Assim, a questão da negociação de signos identitários se encontra abordada em seu primeiro e possivelmente mais conhecido texto Kanak Sprak, onde experimenta com a linguagem de atores sociais num contexto multicultural, e dá continuidade a essa temática em textos como Liebesmale, scharlachrot, Liebesbrand ou Hinterland, onde a socialização intercultural se encontra atrelada à formação de relacionamentos íntimos. Em seu último romance, Evangelio, com Lutero como protagonista, Zaimoglu se concentra numa das personalidades mais importantes para a formação da identidade cultural de expressão alemã.

O romance Leyla, por sua vez, foi publicado em 2006. O enredo não trata do encontro intercultural em terras alemãs, ele está ambientado na Turquia, retraçando o caminho da jovem Leyla até seu desembarque na estação de trem de Munique. A realidade ficcional, portanto, recria um excerto da realidade extraficcional turca, não do espaço cultural alemão. Logo, parece necessário perguntar por que Zaimoglu opta por narrar um passado que não pertence à maioria nem apresenta uma relevância imediata para os modelos de ação inerentes ao espaço cultural a que narra sua história.

Com efeito, o que se encontra no cerne desse romance é o outro e sua história. Isso não se dá com o objetivo de apresentar o exótico e suscitar calafrios de prazer diante do desconhecido enquanto o leitor permanece em seus aposentos protegidos, mas com o objetivo de indicar que a história do outro representa um aspecto fundamental que tem de ser imaginado, sem o estranhamento exótico que rapidamente legitima o distanciamento. O diálogo com o outro começa com o exercício de imaginação. Imaginar e reconhecer a dor e a história do outro representam um exercício que demanda empenho, um empenho que cansa os dispositivos cognitivos e emocionais. Mas justamente nessa tentativa de reconstruir mentalmente a existência do outro é que este começa a falar, se não por outro motivo, então pelo simples fato de que se lhe conceda a oportunidade de aparecer nesse milagroso mundo da imaginação dentro de um espaço nacional. Até que ponto a voz dessa fala lhe pertence certamente representa outro problema, mas o silêncio perde sua densidade e da inexistência surge, ao menos, um esquema que pode ser transformado num quadro mais complexo.

Ao conhecer a dor do outro e criar laços de empatia, acontece algo que é sumamente importante para o diálogo: os horizontes se aproximam e surge certa disposição para tentar compreender a realidade do outro. Ao criar o universo diegético com o passado da protagonista Leyla, Zaimoglu desvela uma realidade alternativa para dispor seu público leitor a tentar entender a complexidade existencial que se esconde por trás do outro. Nisso se desfaz o princípio da exclusão inscrito na narrativa de "fundo migratório" ou na tentativa de definir o adjetivo "alemão" (Cha 2005Cha, Kyung-Ho.„Made in Germany - Feridun Zaimoglu, Fatih Akin, die Bild-Zeitung und der Streit um das Adjektiv deutsch“. Sprache und Literatur, v. 1, n. 36, p. 78-97, 2005.) ou naquilo que representa uma "cultura orientadora" (Cheesman 2004Cheesman, Tom. Talking 'Kanak': Zaimoğlu contra Leitkultur. New German Critique: An Interdisciplinary Journal of German Studies, n. 92, p. 82-99, 2004.), colocando em primeiro plano o pertencimento a experiências comuns e fomentando desse modo a formação de um fundamento sólido para o diálogo e para a disposição de imergir no horizonte alheio.

Ao final do romance, Leyla chega em Munique. O enredo se concentra, portanto, no passado da primeira geração de imigrantes turcos que chegam à Alemanha, na década de 1960. A pergunta que nos interessa neste contexto reside no modo pelo qual esse passado narrado na realidade ficcional pode representar um conhecimento social importante para imaginar uma sociedade tolerante e fomentar ensaios de diálogo. De certo modo, toda obra literária ficcional representa, entre muitas outras coisas, também um arquivo das experiências de vida de um determinado grupo, servindo de plataforma para reflexões sobre a concretização dos desafios existenciais.

Uma maneira de aproximar-se analiticamente do romance reside no aspecto da experiência cultural e suas implicações para a compreensão, ao menos parcial, do outro. Em sua discussão sobre as formas de cultura atuais, Welsch (1999Welsch, Wolfgang. Transculturality - the Puzzling Form of Culture Today. In: Featherstone, Mike; Lash, Scott (Ed.). Spaces of Culture: City, Nation, World. London: Sage, 1999. p. 194-213.) argumenta que conceitos como interculturalidade e multiculturalidade, por conta de seus pressupostos essencialistas, já não servem para descrever o fenômeno da cultura atual. Em seu lugar, ele introduz o conceito de transculturalidade para dar conta do processo de gênese cultural no além das coordenadas nacionais (Welsch 1999: 4). Importante nessa abordagem teórica é a constatação de que cultura não pode ser vista como essência encapsulada em contêineres nacionais, mas sim como conjuntos de signos em constante processo de negociação e atualização nos diferentes planos de interação humana.

Contudo, vale lembrar que a gênese de cultura não se dá somente num nível transnacional. Em sua discussão sobre o conceito de transculturalidade, Hepp escreve (2009Hepp, Andreas. Transculturality as a Perspective: Researching Media Cultures Comparatively. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research, v. 10, 2009. Não paginado.: [s.p.]): “Isso significa que as fronteiras das condensações culturais, às quais as pessoas pertencem, não necessariamente correspondem às fronteiras nacionais, enquanto ao mesmo tempo territórios ainda têm grande relevância como pontos de referência para a construção da comunidade nacional”.3 3 No original: “This means that the borders of the cultural thickenings people belong to do not necessarily correspond with the territorial borders, while at the same time territories still have a high relevance as a reference point of constructing national community”. Ou seja, o conceito de transculturalidade em sua configuração transnacional descreve um importante fenômeno da gênese de cultura, mas isso não significa que as fronteiras nacionais como coordenadas de produção discursiva de sentido deixaram de ter importância.

Tanto no espaço nacional como transnacional surgem fenômenos culturais que Hepp (2009Hepp, Andreas. Transculturality as a Perspective: Researching Media Cultures Comparatively. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research, v. 10, 2009. Não paginado.: [s.p.]) define como “condensação dos sistemas classificatórios e das formações discursivas, da qual a produção de sentido se vale nas práticas cotidianas”.4 4 No original: “thickening of the classificatory systems and discursive formations on which the production of meaning in everyday practices draws”. Essas condensações culturais contêm interpretações de realidade válidas para um determinado grupo cultural ou para um espaço de interação social, servindo a seus atores sociais como norte em suas ações e tomadas de decisões. O conceito de condensação cultural evita a ideia de essência, sem perder de vista as particularidades locais. Ao mesmo tempo que atores sociais se orientam em filigranas culturais transnacionais, eles também se valem das práticas discursivas ou acionais tipicamente locais, regionais ou nacionais. Portanto, quando atores sociais com socializações culturais diversas se encontram (oriundos tanto de dentro das fronteiras nacionais como de fora destas), eles são confrontados com a tarefa de compreensão das práticas de produção de sentido social e de negociação desses signos, a fim de participar do espaço de vida comum.

Nessa dinâmica da concretização existencial, dois importantes movimentos se firmam: por um lado, a necessidade de solidificar sentidos pessoais na linha teleológica e, com eles, assegurar a dignidade pessoal; por outro lado, a premência de obter poder para, de modo defensivo ou ofensivo, instituir as interpretações pessoais de realidade. A tessitura desigual das malhas de poder enseja, no mais das vezes, que aquele que detém a capacidade melhor desenvolvida de imposição - ou seja, com o maior acúmulo de poder - também defende a convicção de que suas interpretações são definitivamente válidas. Afinal foram elas que o levaram à posição de superioridade. A negociação e posterior tradição de signos culturais são definidas no choque das forças. O que acontece no nível pessoal se repete em outra escala entre os diferentes "espaços" culturais.

O encontro entre atores sociais com socializações culturais diversas se caracteriza pelo embate doloroso - em maior ou menor grau - de diferentes modos de organizar o processo comunicativo, a estratificação do pensamento, a expressão de emoções e a concretização do comportamento acional. A lógica da distribuição de signos de poder difere; distingue-se também o modo como a dignidade pessoal é alcançada e encenada nas interações sociais. Imersos na interpretação de realidade válida no espaço social em que residem, os membros de uma determinada cultura se veem diante de um grande desafio ao depararem-se com o outro: a necessidade de distanciar-se de seu fundamento perceptivo, ou seja, abandonar por momentos sua interpretação de realidade visceralmente importante na asseguração de sentido e poder, a fim de aproximar-se do horizonte alheio com o intuito de divisar, ainda que obtusamente, a estruturação da experiência existencial imanente às interpretações alheias.

Para tal façanha, antes de mais nada, é necessária uma grande porção de generosidade, porquanto também o outro está imerso em sua visão de mundo. Com o fito de garantir a estabilidade do sentido existencial e das malhas de poder, tomam-se decisões, no mais das vezes, em nome do outro, imputando-lhe a incapacidade de avaliar os fenômenos da vida corretamente (Yousefi; Braun 2011Yousefi, Hamid Reza; Braun, Ina. Interkulturaliät. Eine interdisziplinäre Einführung. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2011.: 28). Desse movimento, resulta o desejo de querer convencê-lo, quando não, forçá-lo, a adotar a própria interpretação de realidade, assumindo que tudo que o outro traz em conhecimentos se revela de pouca valia. Para desfazer-se do círculo vicioso inscrito na lógica das narrações de superioridade e de desprezo, o indivíduo desejoso do diálogo tem de ensaiar, antes de mais nada, a difícil tarefa da renúncia, suportando a intensidade desestabilizadora inerente à presença do outro. Nisso, a visão da dor alheia pode servir como um movimento inicial em direção ao universo do desconhecido.

O romance Leyla encena dois importantes aspectos para esse letramento: a expressão de poder materializada no ódio e por outro lado a habilidade de imaginar o outro no marco do questionamento, fundamentando com isso o respeito aos sentidos e à dignidade do outro. O primeiro revela marcas culturais da distribuição de signos de poder. A expressão livre do ódio não é permitida a todo indivíduo. Existem regras tácitas em cada cultura que regulamentam a materialização dessa emoção no espaço social. A não observância é punida por meio de diferentes mecanismos de exclusão. No romance, a expressão do ódio se limita aos círculos familiares. Ali acontece a primeira socialização com as redes de poder.

O segundo aspecto traz à tona elementos da dignidade, revelando a disposição pessoal de enxergar o outro e reconhecer seus sentidos, para desconstruir o valor absoluto do quadro particular e imergir na rede de sentidos do outro. A protagonista Leyla se depara com duas situações nas quais ela exercita essa habilidade, mostrando seu desejo de não obliterar o outro.

Esses dois aspectos da experiência não são os únicos, mas sem dúvida são essenciais para a compreensão da lógica imanente à interpretação de realidade que cada indivíduo traz consigo para o encontro intercultural. Entre poder e imaginação, surge o outro que fala os seus sentidos perpassados de dor.

O ódio e a fala: dimensões do poder

A paz que expira do início do primeiro capítulo contrasta fortemente com a ameaça que se prenuncia com a chegada do pai. São dois mundos dispostos um ao lado do outro, levando uma vida contingente, e que repentinamente irrompem indesejadamente no espaço do outro. Nessa constelação, o poder é desigual e os valores que regem cada espaço são irreconciliavelmente díspares.

Na primeira imagem, aparece a mãe, uma cena terna e meiga, em que esta alimenta a pequena filha Leyla, servindo-lhe pedaços carinhosamente arranjados de pêssego e melão. As recomendações maternas, o desajeitamento da filha, seus pequenos tesouros infantis suscitam a ideia de um espaço ainda sem os arranhões da dor. O cotidiano do amor parece imperar nessas coordenadas, possibilitando a Leyla uma socialização arraigada na convicção de que a presença do outro implica auxílio, ou, ao menos, simpatia. Essa afirmação existencial também é corroborada no interesse que Leyla traz a lume de apropriar-se de seu corpo, descobri-lo na imagem do espelho, refletir sua presença no mundo.

O rosto com sobrancelhas grudadas, o cabelo numa trança grossa. Cinco dedos, uma mão. Dez dedos, duas mãos: eu levantei o pano de pó que minha mãe havia colocado sobre o espelho redondo e me vejo. Meus olhos cravados olham de volta, a superfície prateada embaçada está rachada, mas meu rosto cabe na parte maior do espelho. Eu sou feliz? Minha boca está lá onde Deus a pôs? O rosto é a tenda-palácio da alma. Diz minha mãe. Ela passa óleo de oliva sobre meus lábios e cobre o espelho, de acordo com a lei e a ordem de seu marido (Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 9).5 5 No original: “Das Gesicht mit verklebten Wimpern, die Haare zum dicken Zopf geflochten. Fünf Finger, eine Hand. Zehn Finger, zwei Hände: Ich habe das Putztuch, das meine Mutter über den Rundspiegel gehängt hat, gelüpft und sehe mich. Meine Augen starren zurück, die trübe Silberfläche ist gesprungen, doch mein Gesicht paßt in die größere Spiegelhälfte. Bin ich froh? Ist mein Mund dort, wo Gott ihn hingesetzt hat? Das Gesicht ist die Palastjurte der Seele. Sagt meine Mutter. Sie streicht mir Olivenöl auf die trockenen Lippen und verhängt nach dem Gesetz und dem Befehl ihres Mannes den Spiegel”. Todas as citações seguem o texto original (Zaimoglu 2006). As traduções são do autor deste artigo.

A pergunta acerca da posse do próprio corpo - aparentemente infantil e completamente inocente nesse primeiro encontro com a imagem do si - representa uma questão que acompanhará a protagonista em todo o enredo, no mais das vezes de modo inconsciente e absorto em seu mundo ordenado. Não é em vão que ela contempla suas mãos, o membro que metonimicamente representa a ação (o verbo handeln, ‘agir’, em alemão, etimologicamente remonta ao substantivo Hand, ‘mão’). Ao experimentar o desejo de querer assegurar-se da posse de suas mãos, Leyla se maravilha com a presença do corpo que imerge no consciente, mas também se questiona até que ponto pode utilizar-se dessas mãos, metonimicamente representando também o corpo, de maneira livre, autônoma e imbuída de sentido.

Sem as marcas da dor - ainda a serem instaladas como mecanismos heteronômicos com o fito de paralisar a ação - ela levanta o "pano de pó", o aparato de controle instalado pelo desejo do outro. Nisso, ela experimenta o prazer de vislumbrar seu corpo, ainda como uma superfície inteiramente à sua disposição e passível de realizar os desejos oriundos de seu interior. A voz ainda é sua, o corpo ainda lhe pertence. Este deseja falar. O olhar, que devora a imagem do si, ainda sem tremelicar ao considerar a presença do outro, se mostra livre para explorar a geografia do si, assimilando-a intensamente. Leyla levanta o "pano de pó" e desafia inocentemente as leis inscritas nessa disposição, ensaiando pela primeira vez sua autonomia.

Esse ensaio de autonomia se estende igualmente para a conquista de espaço. O espelho em que Leyla se vê refletida concretiza, de certa forma, uma superfície de ação. Esse espaço está dividido em coordenadas das quais ela pode utilizar-se para finalidades próprias. Para tal, ela precisa agir e conquistar territórios não ocupados. Essa tarefa obviamente implica dificuldades, especialmente porquanto implica infringir uma lei maior cuja não observância pode significar a destruição do próprio corpo. Nesse primeiro momento, Leyla ainda não apresenta medos, por conseguinte ela se apropria da porção maior do espelho, afirmando com isso as necessidades naturais do si.

As perguntas que seguem à conquista do espaço articulam a necessidade de sentido. No espaço conquistado, a fala autônoma se materializa, ainda sem restrições. Nessas manobras iniciais com as ideias que irrompem a partir da visão do corpo no espaço limitado do espelho, a menina Leyla faz seus primeiros experimentos de construção e interpretação de realidade. A felicidade pessoal e a disposição divina representam duas possibilidades de ordenamento teleológico para a realização existencial. O corpo e o espaço conquistados desejam sentido. Este se concretiza na fala, tateando, ainda liberto de imposições, e transparecendo no rosto, ou seja, nas linhas faciais do corpo.

O rosto - o lócus de interseção entre os reflexos do corpo e o diálogo com o espaço - é também o lugar em que o sentido se torna carne. A mãe o compara às tendas das tribos nômades, não a qualquer uma, mas à tenda-palácio, àquela que orienta o todo na busca de novos sentidos, novos espaços, novas modalidades de realizar o corpo. Para tal, precisa conquistar seu modo particular de comunicar suas vontades e necessidades, modelando e adaptando os signos que se formam nessa plataforma de interação. As sobrancelhas grudadas, os olhos cravados, a boca no lugar disposto pela instância divina representam possibilidades de significado cujo potencial comunicativo Leyla ainda tem de aprender a empregar, a fim de garantir seu lugar no mundo, sem demasiadas renúncias.

Contudo, o corpo, o espaço, o sentido e o signo não estão isolados no tempo para que Leyla os concretize a seu bel-prazer como nesse encontro inocente com a imagem refletida pelo espelho. Existe uma força externa disposta a limitar, reduzir ou mesmo destruir a presença desses elementos autônomos, desejosos de liberdade. A mãe, experiente e macerada, se mostra ciosa para com a filha, tentando protegê-la da certeza da dor e do silenciamento. Ela cobre o espelho, iniciando a filha no exercício da renúncia, uma vez que antecipa a iminência da punição em consequência da não observância da lei externa, mais forte. A frase elíptica, sem a indicação de sujeito no original, "diz minha mãe", indica que a voz narrativa autodiegética alimenta, no mínimo, certo ceticismo quanto às interpretações maternas. Leyla precisa percorrer seus próprios caminhos, passando pela linha da dor, para construir sua própria rede de conhecimentos sobre o mundo e a existência.

A força inicial que separa Leyla de sua imersão no mundo da proteção materna e do jogo descomprometido com a imagem do espelho é a presença inexorável do pai. Nesse primeiro momento, ele aparece somente como lei e ordem internalizadas pela mãe, ainda insuficientemente conhecidas por Leyla. Sua presença está marcada pela obediência, arraigada no temor da punição. Com efeito, Leyla terá de aprender que a lei paterna não define somente os desejos pessoais que irrompem do patriarca, ela igualmente impõe sua vontade a toda a família, definindo corpo e espaço, prescrevendo signo e sentido. O pai representa a encarnação da lei, toda realidade é interpretada a partir de suas vísceras.

A cena do espelho representa um primeiro exercício de construção de identidade. Ao divisar sua imagem, Leyla inicia a narração do si, preenchendo-o com o material refletido no espelho. Para Mead (1992Mead, George Herbert. Mind, Self and Society. Chicago; London: University of Chicago Press, 1992.: 174), a identidade resulta, antes de mais nada, da interação com o outro e suas atitudes frente ao corpo que se lança às redes do diálogo: "o eu (I) é a resposta do organismo à atitude dos outros; o si (me) é o conjunto organizado de atitudes dos outros que a gente assume. As atitudes dos outros constituem o 'si' organizado, e reage então frente a isso com um 'eu'". A narração identitária resulta das negociações realizadas com o outro no espaço social. Nisso, há uma dimensão visceral, porquanto o corpo se adapta às demandas articuladas no processo de negociação, e uma dimensão intelectual que organiza as informações produzidas no encontro com o outro. Quando Leyla se defronta com a imagem do espelho, ela se apercebe, num primeiro momento, dum outro que a defronta e a força a reagir. Ela responde visceralmente para adaptar o corpo às demandas do desejo e, somente num segundo momento, ela enfeixa narrativamente as informações que procedem desse embate de realidades, criando a narrativa “Leyla”.

O que diferencia o exercício do espelho da negociação social reside, ao menos, em dois aspectos: a imagem não questiona nem negocia. Ela, até certo ponto, obedece. Na interação social, Leyla precisa mobilizar outras estratégias para conquistar seu lugar e impor sua narrativa. Na esfera familiar, o primeiro espaço da negociação pessoal, a protagonista se depara com dois importantes referenciais. Por um lado, está a mãe que protege e afirma sua narrativa, auxiliando-a com informações para obter êxito nas negociações mais ferrenhas e permitindo que sua voz se concretize. Por outro lado, surge o pai, que em momento algum está disposto a assumir a perspectiva da filha para, ao menos, vislumbrar suas necessidades, silenciando e obliterando-a ininterruptamente A negociação que se dá com ele é especialmente importante, porquanto desafia Leyla em vários aspectos de sua narração identitária.

Na sequência de seus experimentos com o espelho, Leyla se entrega a outro importante ensaio de construção de identidade, a saber, a imersão no mundo lúdico infantil. Entretida e absorta, ela repentinamente tem de abandonar seus meandros narrativos, desenvolvidos inocentemente na brincadeira com o corpo e com a natureza que a envolve, em resposta à irrupção de uma instância externa: a voz da mãe ordenando-lhe que entre imediatamente, não por um capricho autoritário, mas pela iminente chegada do pai, portanto um reflexo de proteção (Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 10). Leyla tem de forçar seu corpo e seu desejo a obedecerem. Embora quisesse permanecer em suas próprias teias narrativas, sua liberdade se vê anulada perante a lei do pai:

Não quero, não quero: mas eu me levanto e corro para dentro, nos braços de Yasmin que limpa minhas mãos com um pano molhado.
O que você é?
Como parede muda.
Você vai abrir sua boca, mesmo se ele lhe fizer uma pergunta?
Não, digo, nunca.
E seus olhos, o que fazem?
Nada, digo, nunca. Não olho para ele, não olho nos olhos dele. Nunca
(Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 10).6 6 No original: “Will nicht, will nicht: aber ich stehe auf und renne hinein, in die Arme Yasmins, die meine Hände mit einem nassen Stofflappen sauberreibt./ Du bist was?/ Wie stumme Wand./ Wirst du deinen Mund aufmachen, auch wenn er dir eine Frage stellt?/ Nein, sage ich, nie./ Und deine Augen, sie machen was?/ Nichts, sage ich, nie. Ich schaue ihn nicht an, ich blicke ihm nicht in die Augen. Nie.”

As perguntas formuladas maquinalmente pela irmã indicam que o conjunto de atos que fundamentam seu comportamento não resulta de um impulso independente, mas está atrelado à antecipação das consequências que podem surgir da não observância de algum aspecto. As necessidades da representação do eu são aniquiladas para darem lugar aos sentidos de um outro que se impõe. Diante do pai, Leyla não pode mais representar a narrativa autônoma "Leyla", em seu lugar, figura o produto desejado pela instância detentora do poder. Ela se transforma numa "parede muda", cuja função é servir ao espaço alheio e de objeto ao corpo do outro. Sem o direito à fala, Leyla não tem a oportunidade de interagir e negociar os signos de sua identidade, nem sequer expor as narrativas a que atribui valor existencial. A fala, como instrumento essencial da construção identitária, é sufocada. Restam o rosto e, em especial, os olhos para emitir signos com a finalidade de impor, negociar ou questionar narrativas. Porém, também estes têm de permanecer fora do foco da visão paterna para obliterar a existência autônoma dos corpos que o envolvem, afirmando desse modo a presença e o poder absolutos da instância paterna.

Na interpretação de realidade que se dá nesse meio, existe uma única instância que organiza as coordenadas de ação, elidindo todos os outros desejos que se manifestam. O espaço é reduzido às coordenadas do patriarca, para saciar exclusivamente as vontades deste. O corpo do outro é domesticado para servir-lhe. Nisso o patriarca ignora todos os impulsos que não partem dele. O sentido teleológico de toda a família está inserido unicamente na interpretação que o pai depreende dos seus desejos. Por fim, os signos sequer se materializam, uma vez que o pai institui uma série de mecanismos que controlam a produção e expressão de qualquer movimento que parta dos membros de sua família.

Esse controle não se limita a regras impostas autoritária e arbitrariamente, estende-se igualmente ao emprego da força bruta:

Ele ocupa todo o umbral, eu me abaixo rapidamente, viro as pantufas, coloco-as na frente de seus pés no chão, para que ele possa colocá-las imediatamente. É a hora de sua loucura, seu punho zune em direção a minha cabeça, enchendo-me de pancadas. A Yasmin ele lança ao interior da casa, um chute é suficiente para fazê-la rodopiar. A calça do pijama está no chão feito o resto da metade de um corpo humano. O cajado da expiação sibila em nossa direção, ele produz um ruído como o de vento intenso. Com o cajado, ele desenha dedos vermelhos em nossa pele. Lhe é indiferente onde ele bate, importante é acertar. Não passou, ainda não passou. Nas minhas costas, minhas irmãs e meus irmãos suspendem a respiração (Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 11).7 7 No original: “Er füllt den Türrahmen, ich beuge mich flink, drehe die Pantoffeln herum, stelle sie vor seine Füße auf den Boden, so daß er gleich hineinschlüpfen kann. Es ist die Stunde seiner Verrücktheit, seine Faust saust auf meinen Kopf, er setzt mir mit Hieben zu. Yasmin schleudert er ins Hausinnere, ein Tritt genügt, um sie zum Wirbeln zu bringen. Die Pyjamahose liegt wie eine Hülle eines halben Menschenkörpers auf dem Boden. Der Sühnestock saust auf uns herab, er macht ein Geräusch wie heftiger Wind. Er zeichnet mit dem Stock rote Finger auf unsere Haut. Es ist ihm egal, wo er zuschlägt, Hauptsache, er trifft. Nicht vorbei, noch nicht vorbei. Hinter meinem Rücken halten meine Schwestern und Brüder den Atem an”.

A cena de violência que caracteriza o primeiro encontro entre pai e família se repete inúmeras vezes no decorrer do enredo. Simbolicamente ele ocupa todo o espaço, certificando-se de não deixar qualquer brecha para que algum membro da família escape sem seu consentimento. Isso implica também que toda a configuração espacial dentro do seio da família está voltada para as vontades e interpretações de realidade do pai. Ou seja, a asserção de qualquer elemento pessoal e, com isso, de marcas da identidade, está vetada, com exceção daquelas que afirmem sua visão de mundo. Os exercícios de formulação do si, que têm lugar primeiramente no espaço protegido da família antes de adentrar os círculos sociais mais complexos e menos desejosos de negociar são sufocados pela violência e ditadura de sentido impostas pela instância inexorável paterna.

O gesto de respeito materializado com a solicitude da filha, ao trazer-lhe um objeto cujo fito é proporcionar o conforto entre as paredes protetoras do lar, não só é ignorado, mas também punido. O sentido inscrito nesse ato de respeito perde seu fundamento, pois o contrato social da família cujo princípio irrevogável consiste na aceitação mútua e na solidariedade, elementos que fora desse espaço têm de ser arduamente conquistados, deixa de funcionar como parâmetro orientador. No lugar do contrato tácito de proteção anímica, encontra-se a lei do mais forte, daquele que detém a possibilidade de prescindir da aceitação alheia ou mesmo do gesto solidário, uma vez que é autossuficiente.

A punição acontece no marco da irracionalidade e absoluta arbitrariedade. Os corpos das filhas representam mero objeto, do qual se utiliza para desfazer-se de seus ímpetos agressivos. Nisso ele elide quaisquer sinais de humanidade que possam transparecer em seus atos. A materialidade corporal de sua prole não lhe inspira respeito, tampouco o faz o imperativo de não ferir a dignidade alheia. As vísceras que adentram a circunferência de sua visão nada mais são que meios, sem legitimidade própria em sua interpretação, para afirmar a exegese de seu mundo particular. Por conseguinte, a superfície do corpo alheio, desprovida de dignidade e autonomia, representa um espaço privado sobre o qual pode despejar seus signos, marcando-a de modo a indicar quem detém a verdade que rege a ação e a produção de sentido no espaço da vida.

De certa forma, o encontro com o outro representa sempre um encontro com um tipo de espelho: seres humanos, frente a frente, tentando entender e dar conta da vida, e, ao fazer isso, ensaiando construções da própria narrativa, esta desejosa e sedenta de sentidos. Quando o pai adentra a casa, ele se olha no espelho - nos olhares e nas reações da família -, contudo, sem divisar no reflexo desses seres a verdadeira imagem que o caracteriza. Ele enxerga o mundo que deseja ver, sem buscar a informação que se encobre nos movimentos da imagem, sem negociar os sentidos que se fragmentam, sem atentar ao outro, como chance. Com efeito, seu comportamento diante do espelho se encontra em oposição direta aos ensaios especulares da criança Leyla. Esta busca imergir no mistério da imagem, aproximando-se do desconhecido com curiosidade; ele o nega, afirmando o conhecimento de que já dispõe.

A imagem do outro: encontros

O prólogo que antecede a narrativa autodiegética desenvolve uma imagem que lembra o dito filosófico de Hobbes acerca do estado natural, em que prevalece a lei do egoísmo, transformando o homem no lobo do homem. O pacto da vida social, em princípio, representa um contrato de aceitação e solidariedade, cuja vigência se inicia no primeiro círculo social, que é a família. Teoricamente, o mais forte prescinde do gozo de sua superioridade para criar um espaço em que rege a paz. Obviamente esse exercício de renúncia implica abrir mão de um grande potencial de prazer, em nome dos outros. Isso se revela especialmente dificultoso, uma vez que o ser humano investe suas energias justamente de modo a obter o máximo de prazer que a experiência existencial tem a oferecer. Por conseguinte, seu aparato cognitivo está direcionado primeiramente a identificar fontes de prazer e evitar o surgimento do desprazer. O grande desafio inscrito nessa lógica reside em distanciar-se dos objetivos fincados no ego, para aproximar-se do horizonte do outro e divisar as necessidades de prazer deste.

A pergunta que o prólogo levanta e acompanha a recepção da trama é a distribuição de papéis no espaço da interação: quem é o lobo de quem? Em parte, essa imagem é contextualizada nas primeiras páginas, identificando o pai, a partir de sua própria perspectiva, como a vítima que se vê rodeada pela matilha dos membros familiares:

Ele (o avô( o colocou na mão de seu filho e disse: Cace o inimigo que se aproximou sorrateiramente de você. A ordem do avô faz parte da lei do lar. Nos três quartos para viver e dormir em nossa casa anda um caçador com o bastão de castigo (Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 13).8 8 No original: “Er (der Großvater( hat ihn seinem Sohn in die Hand gedrückt und gesagt: Jage den Feind, der sich an dich herangepirscht hat. Der Befehl des Großvaters gehört zum Hausgesetz. In den drei Kammern zum Leben und zum Schlafen, in unserem Haus, geht ein Jäger mit dem Strafknüppel herum”.

O "bastão de castigo" serve de símbolo para legitimar seu comportamento. Em sua interpretação de realidade, ou melhor, naquela que herdou de seu pai, ele está rodeado de inimigos cujo objetivo é destruí-lo. Por conseguinte, tem de atacar para defender a integridade de sua existência. Ao lado dessa estilização como vítima que tem de aprender a antecipar o ataque, figura a não menos importante incapacidade de divisar outras interpretações que não a sua e, o que factualmente é ainda mais problemático, sua inabilidade de questionar aquilo que tem como verdades absolutas. As imagens que se formam em sua mente deixaram de ser receptivas, transformando-se num crivo sólido por meio do qual se apropria do mundo e das pessoas.

A crença inabalável de que sua visão representa o melhor caminho para dar conta da experiência da vida o impede de intuir que o outro que o defronta talvez também tenha algo a contribuir para a rede de interpretações. O monopólio da verdade legitima, a partir de sua visão de mundo, o emprego da violência e a anulação do outro. Sua dignidade está em risco, a do outro não existe. Com efeito, a dignidade também representa uma forma de granjear prazer existencial. Contudo, para divisar a necessidade do outro, é imprescindível abandonar, por momentos, a busca fixada do ego. A visão da instância paterna se restringe àquilo que se atém a suas verdades. O resto simplesmente não existe ou lhe é impossível criar em sua imaginação.

Nesse momento inicial que, de certo modo, dispõe o crivo de recepção, surge no leitor certo desconcerto, por um lado, perante os fatos narrados pela voz autodiegética, por outro, a interpretação dos mesmos acontecimentos como vistos pela personagem do pai. Este se crê a vítima entre os lobos e age de acordo com essa convicção. Contudo, a cena de violência que antecede a representação da verdade paterna não deixa dúvidas de que as vítimas são os membros da família, patenteando o pai como o verdadeiro lobo que não hesita em escarnificar o mais fraco. O elemento central nessa disposição de fatos emerge da dificultosa tarefa de interpretar o mundo e criar verdades. Até que ponto o sujeito da ação está disposto a rever sua narração pessoal de identidade, verdade e realidade? Até que ponto a imaginação ainda se mostra capaz de idear o outro?

A alusão aos lobos volta no final do romance, quando Leyla, sua mãe e seu filho chegam à estação central de Munique, a primeira parada na Alemanha, antes de seguirem viagem a Berlim:

Estamos prontos? diz meu marido.
Sim, digo e pego a alça da mala com firmeza, podemos seguir viagem.
Quero amar este país, porque ele quer fazer falta.
Afagarei o lobo e talvez ele não morderá a mão que desliza sobre o pelo de suas costas
(Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 525).9 9 No original: “Sind wir soweit? sagt mein Mann./ Ja, sage ich und umfasse fest den Koffergriff, wir können weiterfahren./ Ich will dieses Land lieben, weil es vermißt werden will./ Ich werde den Wolf streicheln und er wird vielleicht die Hand nicht beißen, die ihm über das Rückenfell fährt.”

Nessa passagem, o lobo já não se refere ao pai. Este está morto e enterrado, no país que deixaram há três dias. Entre outros aspectos, esse novo lobo representa também o desconhecido que está por vir, encarnado no outro que se materializa no novo país como parceiro de interações. A firmeza com que pega suas coisas e afirma o desejo de aproximar-se do novo mostra o quão Leyla está disposta a superar as dificuldades que estão no caminho. Contudo, ela tem de convencer-se e amealhar energia para acreditar. Nisso, paira certa desconfiança que a deixa defensiva. Ela está disposta a amar e afagar, mas não sem antecipar a possibilidade do ferimento oriundo do lado oposto.

O comportamento de Leyla apresenta um elemento fundamental para todo início de diálogo: a tentativa, por mais ingênua e simplista que seja, de adentrar o horizonte da dor e da necessidade alheias, iniciando o extenuante trabalho de imaginar o desejo inscrito no outro. Sua argumentação se mostra reveladora de sua concepção de mundo. Seu desejo de amar esse novo espaço social - não uma nação com sua representação de poder e desprezo - não está fincado primeiramente num desejo egoísta - igualmente compreensível e legítimo - de busca por dignidade e um futuro melhor, mas no exercício de antecipação da necessidade alheia. A despeito da fadiga decorrente dos três dias de viagem de Istambul a Munique e do medo perante o desconhecido, Leyla logra distanciar-se de suas premências pessoais, estas impositivas e obscurantes, para imaginar o desejo do outro. Nisso, ela reconhece a legitimidade do espaço que se desvela, do corpo que busca dignidade, do sentido inscrito no desejo alheio. Leyla procura ler o signo estranho com os olhos desse outro, antes de defini-lo com seu parâmetro de interpretação de realidade. Com isso, ela não oblitera a identidade do outro, mas a recebe com flexibilidade e generosidade.

Suportar a visão do outro em toda sua alteridade representa um ato de coragem e, sobretudo, de profundo respeito pelo humano. Definitivamente é mais fácil esquivar-se dessa visão, construindo um espaço em consonância com o conhecido, ou olhar para o outro pelo crivo do desprezo, tentando anular a presença visceral alheia. Nesse sentido, a personagem Leyla dispõe de conhecimentos de mundo que, até certo ponto, a privilegiam para a difícil tarefa da comunicação intercultural.

Antes de seus exercícios visuais no seio da própria família e de sua chegada à Alemanha, Leyla tem a oportunidade de acompanhar sua melhor amiga ao interior do país, lugar em que vive a família dessa colega de aula. O mundo que se desvela diante de seu foco de percepção é um espaço de signos desconhecidos, de pessoas cuja interpretação de realidade não compartilha. Também ela experimenta nos primeiros momentos o desejo de aniquilar o outro com imagens e conceitos imbuídos de desprezo, ao imaginar, por exemplo, que não tardará que essas pessoas a sequestrem e a vendam num mercado de escravos (zaimoglu 2006: 222), ou seja, que essas pessoas não se utilizam de um referencial moral e de valores que se aproximem do seu.

Existe certo gozo em imaginar o outro desse modo, porquanto essa linha de pensamento corrobora a própria superioridade, dividindo o espaço da existência em pares dicotômicos. Leyla, porém, não se deixa levar por essa onda de prazer que, ao espalhar-se pelas vísceras, anuvia a capacidade de discernimento. Ela se distancia de seu impulso primordial e encara o outro. Nesse momento de autorrefreamento, ela divisa que a face do outro não indica hostilidade, mas prazer: "Eu junto toda a coragem e olho nos rostos das mulheres, mas descubro somente alegria, uma jovem mulher até mesmo me acena com a cabeça"10 10 No original: "Ich nehme mir allen Mut zusammen und schaue jetzt in die Gesichter der Frauen und entdecke aber nur Freude, eine junge Frau nicht mir sogar zu". (Zaimoglu 2006Zaimoglu, Feridun. Leyla. Köln: Kiepenhauer & Witsch, 2006.: 222). Com isso, a superfície de representação do outro deixa de ser um espaço que tem de ser fertilizado com os próprios signos, reconhecendo-lhe sua autonomia e legitimidade na produção de sentidos. No rosto do outro, Leyla enxerga algo que não havia em sua interpretação de mundo até aquele momento e o acolhe, sem impulsos de negação ou ímpetos de obliteração.

Nesse mesmo encontro, Leyla exercita seu potencial de empatia e reorganização de sua concepção de realidade. Existe uma diferença marcante na coloração da pele entre ela e as pessoas da região da qual origina sua amiga. Esta inclusive é muito mais escura que Leyla. As mulheres que auxiliam na recepção das amigas se espantam com a palidez das convidadas e imaginam que possam estar doentes. Leyla reage com uma frase inocente, mas impensada, indicando que elas que são demasiado escuras, chamando a atenção para a semelhança da amiga e das pessoas da região aos africanos que conhece de seu livro de escola (zaimoglu 2006: 226). Leyla se utiliza do referencial de sentidos de que dispõe, de modo jocoso e ingênuo, mas restringindo seu foco de percepção àquilo que existe em seu mundo. O processo de comunicação poderia terminar aqui. Leyla, contudo, se esforça em ler os signos do outro e se apercebe que algo não está bem: "Eu cometi um erro horrível, mesmo sem saber no que ele exatamente consiste" (zaimoglu 2006: 226).11 11 No original: "Ich habe einen schrecklichen Fehler begangen, auch wenn ich nicht weiß, worin er genau besteht". Com essa leitura de signos, Leyla emerge da disposição de seu mundo, a fim de compreender o crivo de percepção do outro. A imaginação se instaura, cria, estende. Nisso, ela atribui igual importância à necessidade da pessoa que a defronta, suportando a dor e o desconforto diante das duas visões de mundo que ainda não confluíram. O atrito que surge nesse confronto não é agradável, mas ele abre o caminho para um alargamento do horizonte. Leyla desconfia de si, e dessa desconfiança brota o princípio do diálogo.

Ao chegar à Alemanha, a protagonista traz consigo esses valiosos conhecimentos de vida. Ao ver os nativos alemães transitando no interior da estação central de Munique, a estrangeira se utiliza dessa experiência de vida para aproximar-se do outro cujo horizonte desconhece: "Eu reparo nas mulheres que transitam sem companhia masculina no grande saguão da estação de trem, elas andam em saltos altos, como se conhecessem exatamente seu objetivo" (zaimoglu 2006: 524).12 12 No original: "Mir fallen die Frauen auf, die ohne männliche Begleitung in der großen Bahnhofshalle unterwegs sind, sie schreiten auf hohen Absätzen voran, als kennten sie ihr Ziel genau". A partir de sua socialização, seria imaginável que experimentasse desprezo por mulheres cujo comportamento absolutamente não condiz com as normas de que dispõe para concretizar suas ações. Seu primeiro olhar, contudo, não é o olhar do desprezo ou da anulação, ele revela interesse em conhecer o que se esconde por trás dessa nova rede de signos. Leyla suporta as realidades em choque e traz a lume um comportamento desejoso do diálogo com o outro.

Considerações finais

A ficção do passado de Leyla, dessa estrangeira que vai para ficar na Alemanha, faz parte de um novo imaginário nacional. Este precisa de tempo e de vozes para ser construído. Feridun Zaimoglu pertence ao grupo daqueles que procuram construir uma voz própria, deixando o silêncio no passado: "Eu pertencia ao grupo de crianças mudas, com cabelos encaracolados, na sala de aula, naqueles tempos em Munique-Moosach". O verbo principal está no pretérito. O processo de obtenção de voz se dá também com a introdução do outro no imaginário literário nacional, transformando em ficções as experiências que o caracterizam. Essas novas ficções no velho espaço social produzem um conjunto de imagens, cuja finalidade é também alcançar um lugar no imaginário ficcional desse espaço cultural. Nisso, ficcionalizar o passado de uma minoria representa uma afirmação política. O outro já não é estrangeiro, ele faz parte desse espaço social e, nessa posição, tem o direito de introduzir seu passado, suas alegrias e suas dores no imaginário nacional, ou melhor, no arquivo de experiências compartilhadas.

Ver e ser visto não representa somente uma questão de vaidade pessoal, a visão encerra também o problema muito mais complexo da dignidade pessoal. Quem não é visto no espaço social não existe, e quem não existe não tem uma identidade fundamentada no princípio da dignidade. Zaimoglu encena essa dinâmica do olhar, mostrando diferentes modos de apropriar-se visualmente do mundo. No acolhimento ou na obliteração do outro, surgem as redes culturais que determinam as interpretações de realidade.

As experiências da protagonista Leyla representam um importante conhecimento social para a complexa interação no plano social. A disposição de poder e a possibilidade de fala no microcosmo da família valem igualmente para o macrocosmo do diálogo entre atores sociais com socializações culturais diversas. As duas modalidades que fundamentam a existência familiar caracterizam também o encontro das culturas: a busca curiosa e acolhedora do diálogo com o espelho da pequena Leyla, interessada na imagem que a defronta, ou a imposição de signos e a obliteração do outro, respaldadas pelo desequilíbrio de forças, pela desigualdade no capital de poder. A capacidade de dialogar com o outro começa na família e se inicia com o desenvolvimento da habilidade de imaginar o horizonte de expectativas do outro.

Justamente essa ficcionalização da habilidade de imergir no horizonte alheio - imbuído de dor, desejoso de respeito, esperançado de sentido - representa um conhecimento inscrito no arquivo literário que pode servir de inspiração para treinar a complexa atividade de imaginação e comunicação. Ao imaginar-se o outro, como exercício de compreensão, é possível conceder-lhe uma voz que começa a falar no horizonte de comportamento e de ação, na construção de emoções e de pontes comunicativas. No distanciamento do imperativo egoísta, muitas vezes absoluto, de maximizar o próprio prazer para imaginar o dispositivo de interpretação do outro, surge a visão do alheio, mais alargada, menos contaminada pelos brados do eu. Nisso, olhar para o fundo da sala de aula na periferia de Munique ou olhar para frente e ver o outro, sem obliterá-lo com os próprios signos ou excluí-lo do imaginário cultural, representa uma competência-chave imprescindível para qualquer diálogo.

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    » http://magazin.spiegel.de/EpubDelivery/spiegel/pdf/74735328
  • 2
    No original: „Ich gehörte zu den stummen Krauskopfkindern im Klassenzimmer, damals in München-Moosach”.
  • 3
    No original: “This means that the borders of the cultural thickenings people belong to do not necessarily correspond with the territorial borders, while at the same time territories still have a high relevance as a reference point of constructing national community”.
  • 4
    No original: “thickening of the classificatory systems and discursive formations on which the production of meaning in everyday practices draws”.
  • 5
    No original: “Das Gesicht mit verklebten Wimpern, die Haare zum dicken Zopf geflochten. Fünf Finger, eine Hand. Zehn Finger, zwei Hände: Ich habe das Putztuch, das meine Mutter über den Rundspiegel gehängt hat, gelüpft und sehe mich. Meine Augen starren zurück, die trübe Silberfläche ist gesprungen, doch mein Gesicht paßt in die größere Spiegelhälfte. Bin ich froh? Ist mein Mund dort, wo Gott ihn hingesetzt hat? Das Gesicht ist die Palastjurte der Seele. Sagt meine Mutter. Sie streicht mir Olivenöl auf die trockenen Lippen und verhängt nach dem Gesetz und dem Befehl ihres Mannes den Spiegel”. Todas as citações seguem o texto original (Zaimoglu 2006). As traduções são do autor deste artigo.
  • 6
    No original: “Will nicht, will nicht: aber ich stehe auf und renne hinein, in die Arme Yasmins, die meine Hände mit einem nassen Stofflappen sauberreibt./ Du bist was?/ Wie stumme Wand./ Wirst du deinen Mund aufmachen, auch wenn er dir eine Frage stellt?/ Nein, sage ich, nie./ Und deine Augen, sie machen was?/ Nichts, sage ich, nie. Ich schaue ihn nicht an, ich blicke ihm nicht in die Augen. Nie.”
  • 7
    No original: “Er füllt den Türrahmen, ich beuge mich flink, drehe die Pantoffeln herum, stelle sie vor seine Füße auf den Boden, so daß er gleich hineinschlüpfen kann. Es ist die Stunde seiner Verrücktheit, seine Faust saust auf meinen Kopf, er setzt mir mit Hieben zu. Yasmin schleudert er ins Hausinnere, ein Tritt genügt, um sie zum Wirbeln zu bringen. Die Pyjamahose liegt wie eine Hülle eines halben Menschenkörpers auf dem Boden. Der Sühnestock saust auf uns herab, er macht ein Geräusch wie heftiger Wind. Er zeichnet mit dem Stock rote Finger auf unsere Haut. Es ist ihm egal, wo er zuschlägt, Hauptsache, er trifft. Nicht vorbei, noch nicht vorbei. Hinter meinem Rücken halten meine Schwestern und Brüder den Atem an”.
  • 8
    No original: “Er (der Großvater( hat ihn seinem Sohn in die Hand gedrückt und gesagt: Jage den Feind, der sich an dich herangepirscht hat. Der Befehl des Großvaters gehört zum Hausgesetz. In den drei Kammern zum Leben und zum Schlafen, in unserem Haus, geht ein Jäger mit dem Strafknüppel herum”.
  • 9
    No original: “Sind wir soweit? sagt mein Mann./ Ja, sage ich und umfasse fest den Koffergriff, wir können weiterfahren./ Ich will dieses Land lieben, weil es vermißt werden will./ Ich werde den Wolf streicheln und er wird vielleicht die Hand nicht beißen, die ihm über das Rückenfell fährt.”
  • 10
    No original: "Ich nehme mir allen Mut zusammen und schaue jetzt in die Gesichter der Frauen und entdecke aber nur Freude, eine junge Frau nicht mir sogar zu".
  • 11
    No original: "Ich habe einen schrecklichen Fehler begangen, auch wenn ich nicht weiß, worin er genau besteht".
  • 12
    No original: "Mir fallen die Frauen auf, die ohne männliche Begleitung in der großen Bahnhofshalle unterwegs sind, sie schreiten auf hohen Absätzen voran, als kennten sie ihr Ziel genau".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2017
  • Aceito
    05 Jan 2018
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