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“NEM SEMPRE FUNCIONA, MAS AJUDA”: PERCEPÇÕES PARENTAIS SOBRE A EXPOSIÇÃO DO BEBÊ ÀS TELAS

RESUMO.

Frente ao número crescente de crianças menores de dois anos expostas às telas, preocupações com o desenvolvimento dos bebês têm emergido e sido foco de discussões acadêmicas e clínicas. Para buscar compreender as razões que levam os pais a disponibilizarem as mídias digitais aos bebês, entrevistas foram conduzidas com mães e pais de crianças com idades entre dez e 17 meses, domiciliados na região metropolitana de Porto Alegre, Brasil. Apesar das orientações das sociedades de pediatria, verifica-se discrepância entre a divulgação deste conteúdo e o acesso a ele. Os pais, por desconhecimento e também por necessidade, disponibilizam diferentes mídias ao bebê, que é percebida em diversas situações como positiva e facilitadora nos cuidados com a criança; os pais alegam que o acesso precoce pelo bebê é importante para aprimorar a destreza cognitiva e capaz de gerar interação familiar. Por outro lado, apresentam preocupações diante do uso de telas em detrimento de outras formas de brincar. Evidencia-se que os pais precisam de orientações e suporte, assim como os profissionais devem considerar as necessidades das famílias ao elaborar diretrizes a fim de orientá-los.

Palavras-chave:
Bebês; exposição às telas; parentalidade

RESUMEN

Frente al creciente número de niños menores de dos años expuestos a las pantallas, preocupaciones sobre el desarrollo de los bebés han sido el foco de discusiones académicas y clínicas. Para comprender porque madres y padres exponen a sus hijos a tecnologías digitales se han realizado entrevistas en profundidad con madres y padres de bebés con edades entre 10 y 17 meses, domiciliadas en la región metropolitana de Porto Alegre, Brasil. A pesar de las pautas recomendadas por las sociedades pediátricas sobre al acceso a las pantallas, los padres muestran discrepancia acerca de las mismas. Los progenitores, debido tanto a la falta de conciencia, como a la necesidad comparten sus dispositivos con los bebés. Los padres afirman estar preocupados por el futuro de los niños y perciben el acceso temprano a la tecnología como una herramienta importante para mejorar las habilidades cognitivas y fortalecer los lazos familiares. También señalaron que las potencialidades en el uso para generar interacciones familiares, destacando la supervisión de los padres. Por otro lado, los padres manifiestan preocupación ante el uso de la tecnología a expensas de otras formas de juego. Los progenitores necesitan orientación y apoyo, al igual que los profesionales deben considerar las necesidades de las familias al formular recomendaciones.

Palabras clave:
Bebés; exposición a pantallas; parentalidad

ABSTRACT.

Considering the large number of children under the age of two that are constantly exposed to digital screens, concerns about child development have been emerging and becoming the focus of academic and clinical discussions. In order to understand the reasons why parents expose their infants to digital technologies, we conducted in-depth interviews with mothers and fathers of infants aged between 10 and 17 months living in the metropolitan region of Porto Alegre, Brazil. Despite the guidelines of local pediatric societies, our data points to divergences between what is recommended by the board of pediatrics and the patterns of screen exposure documented in our study. Parents, out of unawareness and/or urgent need, introduce their babies to digital technologies. Parents claimed to be concerned with the future of children and perceived early access to digital technology as an important tool to improve cognitive skills and to strength family bonds. Conversely, parents had concerns in face of technology at the expense of other forms of play. Our findings highlight that parents need additional guidance and support, while professionals should weight needs and daily challenges experienced by families when formulating guidelines.

Keywords:
Toddlers; screen exposure; parenting

Introdução

As mídias digitais, designadas para entreter e informar jovens adultos, têm ganhado novos adeptos. Na última década se evidenciou aumento exponencial da exposição de bebês aos dispositivos tecnológicos, acarretando questionamentos acerca das possíveis repercussões na saúde da criança, bem como nas interações estabelecidas entre a criança e seus cuidadores. A exposição das crianças às mídias digitais nos primeiros dois anos de vida, hoje, é realizada pelos próprios pais e/ou cuidadores do bebê, que por diferentes razões disponibilizam à criança uma tela animada - do próprio smartphone ou da televisão, a qual pode ser acessada a qualquer hora e lugar, proporcionando entretenimento ilimitado a partir de um simples comando do usuário (Kabali et al., 2015Kabali, H. K., Irigoyen, M. M., Nunez-Davis, R., Budacki, J. G., Mohanty, S. H., Leister, K. P., & Bonner, R. L. (2015). Exposure and use of mobile media devices by young children. Pediatrics, 136(6), 1044-1050.). Ademais, há evidências na literatura que sugerem que os pais introduzem as mídias digitais no cotidiano do bebê nos primeiros seis meses de vida (Kabali et al., 2015; Kiliç et al., 2019Kılıç, A. O., Sari, E., Yucel, H., Oguz, M. M, Polat, E., Acoglu, E. A, & Senel, S. (2019). Exposure to and use of mobile devices in children aged 1-60 months. European Journal of Pediatrics, 178(2), 221-227.), assim como apontam que as mesmas são cedidas ao bebê por uma necessidade parental (Radesky et al., 2016Radesky, J. S., Kistin, C., Eisenberg, S., Gross, J., Block, G., Zuckerman, B., & Silverstein, M. (2016). Parent perspectives on their mobile technology use: the excitement and exhaustion of parenting while conected. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(9), 694-701.; Mallmann & Frizzo, 2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.), uma vez que elas atuam como auxiliares nos cuidados com a criança, sendo percebidas pelos pais como uma espécie de babá tecnológica (Plowman & McPake, 2013Plowman, L., & McPake, J. (2013). Seven myths about young children and technology. Childhood Education, 89(1), 27-33.). Além da disponibilização de smartphones, a exposição dos bebês à tela da televisão já é um fato há muito tempo conhecido, mas que aumentou nos últimos anos pela diversidade de conteúdo infantil disponibilizado nas emissoras de televisão fechada e, mais recentemente, na programação via streaming.

Frente à ascensão das mídias digitais e do acesso cada vez mais cedo das crianças aos diferentes dispositivos, sociedades de pediatria do mundo vem se pronunciando a fim de alertar pais e profissionais frente aos possíveis riscos da exposição do bebê às telas ao longo dos primeiros dois anos de vida (American Academy of Pediatrics [AAP], 2016American Academy of Pediatrics [AAP]. Council on Communications and Media. (2016). Media and young minds. Pediatrics, 138(5), e20162591.; World Health Organization [WHO], 2019World Health Organization [WHO]. (2019). Recuperado de: https://www.who.int/news-room/detail/24-04-2019-to-grow-up-healthy-children-need-to-sit-less-and-play-more
https://www.who.int/news-room/detail/24-...
). Entretanto, referente às orientações, alguns aspectos se mostram frágeis, apontando para a necessidade de considerar a realidade das famílias, em seus diferentes contextos, ao estruturá-las. A Associação Americana de Pediatria (AAP) contraindica a exposição às mídias digitais até os 18 meses de vida da criança (AAP, 2016American Academy of Pediatrics [AAP]. Council on Communications and Media. (2016). Media and young minds. Pediatrics, 138(5), e20162591.). No Brasil, seguindo uma linha muito similar à americana, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) orienta que seja evitada a exposição passiva às telas por crianças menores de dois anos, especialmente durante as refeições e nas horas que antecedem o sono (Sociedade Brasileira de Pediatria [SBP], 2019Sociedade Brasileira de Pediatria [SBP]. (2019). Recuperado de:http://www.sbp.com.br/
http://www.sbp.com.br/...
). Já o Royal College of Paediatrics and Child Health [RCPCH] (2019Royal College of Paediatrics and Child Health[RCPCH]. (2019). The health impacts of screen time: a guide for clinicians and parents. Recuperado de:https://www.rcpch.ac.uk/sites/default/files/2018-12/rcpch_screen_time_guide_-_final.pdf
https://www.rcpch.ac.uk/sites/default/fi...
), do Reino Unido, recomenda que as famílias manejem o tempo de tela dos filhos, considerando as necessidades de cada criança - indicação que parece menos impositiva e mais fácil de ser colocada em prática. Ademais, as orientações da instituição britânica se baseiam na ausência de evidências científicas acerca dos possíveis efeitos tóxicos das telas à saúde das crianças, que ainda são incipientes, ressaltando a necessidade de novos estudos que explorem o uso das novas mídias, uma vez que grande parte dos estudos tem explorado a exposição à televisão.

Para compreender este fenômeno contemporâneo, a literatura tem buscado investigar possíveis repercussões da exposição precoce do bebê às telas na sua saúde, conforme destacou as revisões conduzidas por Coyne et al. (2017Coyne, S. M., Radesky, J., Collier, K. M., Gentile, D. A., Linder, J. R., Nathanson, A. I., … Rogers, J. (2017). Parenting and digital media. Pediatrics, (140), s112-s116.) e por Stiglic e Viner (2019Stiglic, N., & Viner, R. M. (2019). Effects of screentime on the health and well-being of children and adolescents: a systematic review of reviews. BMJ Open, 9, e23191.), em que destacaram que estudos publicados na última década apontaram para associações entre o uso excessivo de mídias digitais na primeira infância e incidência de obesidade. Atrasos na linguagem, assim como impactos no desenvolvimento cognitivo e motor também foram reportados (Lin, Cherng, & Chen 2017Lin, L. Y., Cherng, R. J., & Chen, Y. J. (2017) Effect of touch screen tablet use on fine motor development of young children. Physical & Occupational Therapy In Pediatrics , 37(5),457-467.), destacando-se dificuldades de aprendizagem e maior incidência de problemas de visão, uma vez que a criança, através da imagem, é convocada a interagir com o dispositivo. A criança, especialmente o bebê, tende a apresentar muitos dos mesmos sintomas associados ao uso de telas que são observados na população adulta, já que as demandas das telas excedem às suas habilidades visuais (Kozeis, 2009Kozeis, N. (2009). Impact of computer use on children's vision.Hippokratia, 13(4), 230-231.). Outros aspectos negativos, associados à exposição precoce de mídias eletrônicas destacados em estudos realizados na última década, foram os efeitos na regulação do ciclo sono-vigília e a exposição a conteúdos inadequados para a faixa etária da criança (Radesky, Silverstein, Zuckerman, & Christakis, 2014Radesky, J., Silverstein, M., Zuckerman, B., & Christakis, D. A. (2014). Infant self-regulation and early Childhood Media Exposure. Pediatrics, (133), 1172-1178.; Vijakkhana, Wilaisakditipakorn, Ruedeekhajorn, Pruksananonda, & Chonchaiya, 2014Vijakkhana, N., Wilaisakditipakorn, T., Ruedeekhajorn, K., Pruksananonda, C., Chonchaiya, W. (2014). Evening media exposure reduces night-time sleep. Acta Paediatrica, 104(3).).

Por outro lado, potencialidades do uso das telas por crianças pequenas também têm sido reportadas. As mídias digitais não apenas possibilitam o acesso a uma diversidade de aplicativos, como também permitem a realização de chamadas de vídeo (Anderson & Hanson, 2013Anderson, D. R., & Hanson, K. G. (2013). What researchers have learned about toddlers and television. Zero to three, 33(4), 4-10.), favorecendo a conexão do bebê com os familiares que vivem em locais distantes, como os avós, mostrando-se indispensáveis em situações em que há a presença de uma barreira geográfica. Richert, Robb, Fender e Wartella (2010Richert, R. A., Robb, M. R., Fender, J. G., & Wartella, E. (2010). Word learning from baby vídeos. Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine, 164(5), 432-437.), que investigaram a efetividade de mídias como DVDs na aprendizagem de vocabulário em crianças com idade entre 12 e 25 meses, apontaram também que, a partir dos seis meses de vida, o bebê já é capaz de reconhecer imagens do seu mundo real em telas, permitindo o contato da criança com familiares.

Apesar do que a literatura vem apontando, evidencia-se a escassez de estudos que explorem o uso que bebês têm feito das telas no Brasil (Mallmann & Frizzo, 2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.), justificando-se assim a importância desta pesquisa, cujo objetivo é compreender as razões que levam mães e pais a disponibilizarem ou não as tecnologias digitais ao bebê ao longo dos dois primeiros anos de vida. Ademais, não foram encontrados estudos na literatura brasileira sobre o fenômeno que contaram com a participação dos pais. Compreender a percepção de mães e pais é fundamental para poder assisti-los, garantindo suporte e informações acessíveis a diferentes populações. Também é importante no sentido de oferecer subsídios para a prática clínica de psicólogos, pediatras e demais profissionais da saúde que possuem compromisso com o desenvolvimento infantil e o bem-estar das famílias. Da mesma forma, ao tomar conhecimento da real demanda das famílias da realidade brasileira, torna-se possível repensar as diretrizes voltadas para esse público, adequando-as às suas necessidades.

Método

Delineamento e participantes

Este estudo, de natureza qualitativa, possui caráter exploratório, descritivo e transversal, cujos participantes, selecionados por conveniência, compreendem cinco casais [5 mães (M=32,2 anos) e cinco pais (M=35,8 anos)], residentes na região Metropolitana de Porto Alegre, RS, Brasil (Figura 1). O número de participantes foi definido a priori e é adequado para estudos desta natureza, tendo em vista que esse tipo de estudo não pretende fazer generalizações. Os critérios de inclusão estabelecidos foram: (a) pais maiores de 18 anos; (b) posse e utilização de dispositivo móvel com acesso à internet; e (c) casal que tenha um bebê com idade entre seis e 18 meses. Os critérios de exclusão foram (a) o casal ter mais de um filho; (b) a família ser monoparental; (c) o bebê ser diagnosticado com doença crônica ou outra condição de saúde que possa afetar a interação. A idade do bebê foi estabelecida com base nas janelas do desenvolvimento de Brazelton (1994Brazelton, T. B. (1994). Momentos decisivos do desenvolvimento infantil. São Paulo, SP: Martins Fontes.). Crianças nessa faixa etária são mais dependentes dos pais, necessitando de supervisão e cuidados específicos. Durante esse período, o bebê também se encontra em processo de aquisição de linguagem e desenvolvimento das suas habilidades sensório-motoras, requerendo assim maior disponibilidade e responsividade por parte de seus cuidadores. Alinhado a isso e a fim de restringir o estudo ao uso de telas por bebês de seis a 18 meses, elegeram-se famílias com apenas um filho. Optou-se por ouvir mães e pais, considerando o baixo número de estudos que incluem a perspectiva paterna, assim como a possibilidade de explorar possíveis acordos entre o casal diante da disponibilização de telas ao bebê, o que justifica a não inclusão de famílias monoparentais neste estudo.

Figura 1
Participantes da pesquisa.

Procedimentos de coleta de dados e instrumentos

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS), submetido sob o CAAE nº 03834818.4.0000.5344, o estudo foi divulgado nas redes sociais, como facebook, instagram e também compartilhamento em grupos de whatsapp, compreendendo um período de cinco meses (janeiro a maio de 2019). As famílias que demonstraram interesse em participar do estudo foram contatadas e, neste momento, foi agendada uma visita nas residências das famílias, onde dúvidas foram esclarecidas. Mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais, a coleta de dados foi iniciada e teve duração de dois meses. Durante este período foram realizados entre dois e três encontros com as famílias. No primeiro encontro, o casal respondeu conjuntamente o ‘Questionário de Dados sociodemográficos e da família’, que abordou questões de caráter sociodemográfico e outras informações da família, incluindo dados referentes às tecnologias digitais utilizadas. Ademais, neste dia um dos pais respondeu à ‘Entrevista semiestruturada sobre o uso das tecnologias digitais’, que abordou o uso pessoal das tecnologias digitais, além de questões referentes à rotina familiar. No segundo encontro, a entrevista foi realizada com o outro genitor. Em algumas famílias foi necessário um terceiro encontro para a finalização das entrevistas. A condução das entrevistas, separadamente, oportunizou um momento de escuta individualizada e reduzir possíveis sugestionabilidades do(a) companheiro(a).

Procedimentos de análise dos dados

Na presente pesquisa, o procedimento de análise de dados escolhido foi a análise temática, de Braun e Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.). A análise temática configura-se como um método analítico utilizado pelas pesquisas na área da psicologia que se mostra adequado para explorar padrões que emergem em narrativas. Durante a análise dos dados foram priorizados todos os procedimentos de análise propostos pelas autoras. Inicialmente as entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. A transcrição das mesmas resultou em um arquivo de 251 páginas (9,2 horas de gravação, ou 552 minutos). Durante a transcrição, notas foram realizadas e na sequência todas as transcrições foram conferidas com o áudio original, por um segundo juiz. Após a leitura na íntegra das entrevistas transcritas, códigos foram definidos, os quais foram reunidos por similaridade, dando origem a três grandes temas e seus respectivos subtemas, conforme consta na Figura 2.

Figura
2. Temas e subtemas.

Resultados

1.Informações

Dos cinco casais entrevistados, apenas um casal relatou que recebeu informações da pediatra, salientando que a médica orientou reduzir o tempo de tela da criança. Os demais afirmaram que não receberam orientações de pediatra ou de outro profissional da saúde responsável pelos cuidados do bebê sobre a exposição precoce às tecnologias. As informações que acessaram referente à exposição foram encontradas na internet, em sites de notícias e blogs voltados para pais. Os pais (Mãe A, Mãe B, Pai B, Mãe C, Pai C e Mãe D) destacaram que é necessário discernimento para tomar as decisões do que é adequado ou não ao bebê, uma vez que não há muito material disponível, conforme o relato do Pai C: “A gente leu um pouco quando a gente começou a deixar ela olhar tv. Tem algumas informações, mas talvez elas não cheguem nos pais como deveria”. A mãe B complementa: “[...] a gente tem que dar uma filtrada e ver o que é melhor pra gente”.

Alguns pais (mães e pais) referiram que a decisão de expor ou não o bebê às telas, assim como o controle do tempo de exposição e tipo de exposição são consensuais entre o casal, e embasam-se em crenças individuais sobre o impacto das tecnologias na sua vida e na do bebê. Valores familiares, assim como relato de outros pais, que compartilham com eles suas experiências e práticas também foram referidos como fatores que influenciam nas decisões, como destacam a mãe C (que disponibiliza) e o pai B (que evita a disponibilização): “ Por convívio com outros bebês a gente fica sabendo como acontece na família com outros bebês, mas não algum tipo de orientação de pediatra mesmo” (Mãe C, bebê 12 meses).

A decisão foi nossa [...] na nossa família a criação foi diferente, tem a nossa cultura. Então tinha que ser os horários certos, tá na mesa, então a gente carrega um pouco disso. Então a gente pensa que é a melhor forma de educar ele (Pai B, bebê 11 meses).

2. Razões para não disponibilizar

Todos os pais e mães, participantes do estudo, já disponibilizaram algum tipo de mídia digital ao bebê, com exceção do casal B, que reportou não ter disponibilizado ainda o smartphone. O relato da mãe expressa o que o casal pensa a respeito: “A gente assim é totalmente contra né. É igual chocolate, enquanto tu puder evitar tu vai evitar, embora tu saiba que um dia ele vá comer [...] Eu vou tentar criar ele o mínimo possível com tecnologias” (Mãe B, bebê 11 meses).

Embora saibam que em algum momento disponibilizarão os dispositivos móveis à criança, o casal que é favorável à não disponibilização acredita ser melhor postergá-la pelo receio que possui de como será a reação da criança frente aos dispositivos com telas sensíveis ao toque: “Como eu não sei qual vai ser a reação com o celular, porque ele vai encostar, ele vai mexer, vai mudar de tela e tudo mais, então eu não sei como vai ser, por isso melhor evitar” (Pai B, bebê 11 meses).

Por outro lado, estes pais parecem não se importar em permitir que o bebê assista à televisão: “O máximo que ele tem contato é tv, a gente coloca nos desenhinhos quando ele tá aqui” (Pai B, bebê 11 meses). Diante destes relatos, compreende-se que os smartphones são considerados pelas mães e pelos pais como os vilões pois, na percepção deles, estão associados a comportamentos de adição, conforme o Pai B pontua ao longo do trecho extraído da entrevista:

Pesquisadora: Tu comentou que não deixa ele mexer no telefone, mas mencionou que ele pode assistir à tv. Tem alguma diferença entre os dois para que ele possa interagir com uma tecnologia e com a outra não? Gostaria de poder entender. Pai B: Acho que tem diferença sim. O telefone tem a coisa do vício.

Apesar de alguns pais e mães terem reportado recorrer às telas nos momentos de refeição (Mãe D, Pai C), a maioria dos participantes apresentou opinião contrária à disponibilização de telas nestes momentos, conforme apontado pela Mãe B: “Uma coisa que a gente cuida muito é não, não colocar nada eletrônico. A hora de comer é a hora de comer”. Algumas mães (Mãe B, Mãe C e Mãe D) revelaram que, na tentativa de evitar recorrer aos recursos tecnológicos buscam outras alternativas de entretenimento infantil como, por exemplo: conversar com o bebê quando ele estiver agitado, dar colo, levá-lo para interagir com animais, oferecer algum brinquedo, conforme aponta a Mãe B:

A gente fala mais forte com ele assim, não gritar [...] e ele já entende isso. Então ele se situa assim. A gente ou pega ele pra dormir, se tá muito brabo pega no colo e vai mostrar os cachorros. Ele esquece e daqui um pouco se entrega. A gente faz o máximo pra não fazer as vontades dele (Mãe B, bebê 11 meses).

Diferente da Mãe B, que mostra ter atitudes um pouco mais impositivas diante do comportamento resistente da criança, a Mãe C revela ter um entendimento de que o bebê possui necessidades e desejos, e que entende que o papel dos pais, a partir de um exercício parental de compreensão dos estados mentais da criança, é decifrar o que pode ou não agradar o bebê em circunstâncias pontuais, conforme é evidenciado no seguinte trecho:

O que faz ela comer é deixar ela comer sozinha. Ou as vezes a gente dá uma colher na mão dela, ver o que ela curte, aí ela vai se distraindo e vai indo. Essa é a nossa tecnologia. A gente tem que buscar entender o que eles gostam, né?

3. Razões para disponibilizar

3.1 Tecnologia para aliviar os pais

Os participantes, principalmente as mães, têm referido que disponibilizam as tecnologias digitais à criança como meio de facilitar a realização de suas tarefas domésticas, como também para poderem fazer outras atividades que não envolvam o bebê, como apontou a Mãe D:

[...] tem momentos que a gente, por exemplo, com ele, que a gente precisa fazer alguma coisa, ah...agora eu tenho que ir lá lavar a louça [...] e eu não tenho o que fazer com ele porque, porque o que ele tá fazendo já perdeu a graça. Tu liga o desenho pra ele e pronto, ele tá salvo, sabe?

Da mesma forma que referiram ser a forma encontrada para aliviarem-se das demandas excessivas do exercício da parentalidade, o que também foi mais prevalente entre as mães: “Tem casa que eles deixam a criança com o celular, tipo me deixa um pouco assim, sabe? Que nem às vezes a gente deixa ela ali com o celular pra poder descansar um pouco, né?” (Mãe E, bebê 13 meses).

Além das mães, alguns pais também trouxeram referências de que a disponibilização das telas ao bebê possibilita que o casal tenha alguns minutos de ‘paz’, principalmente quando estão fora de casa, como, por exemplo, em um restaurante:

[...] mexer no celular é uma tendência que a gente vê direto, até amigos assim [...] eu acho que se tu vai no restaurante tu nem deveria levar junto o celular, mas é tudo pra tu ter paz. Tu quer sentar, jantar tranquilo, pra isso a tecnologia ajuda muito (Pai A, bebê 17 meses).

A disponibilização é justificada em razão da dificuldade que possuem em tolerar as frustrações da criança, como também uma alternativa perante a falta de recursos, ou então quando outras possibilidades de entretenimento foram esgotadas e mostram-se fracassadas, apresentam os seguintes relatos: “Eu não acho que seja uma coisa ruim, se usar com consciência acho que é uma coisa a favor hoje, pra quando eu não tenho nenhuma outra coisa para oferecer pra ele sabe? Mas são momentos poucos” (Mãe D, bebê 10 meses). Uma das mães, que se posiciona contra a disponibilização de tecnologias digitais móveis aos bebês, acredita que pais utilizam as tecnologias para suprir uma necessidade deles e não da criança, conforme o seguinte trecho aponta:

Essa coisa do cansaço que esgota os pais, eles acabam indo pelo caminho mais fácil. Quando chegam em casa de noite ao invés de se sentar, dar atenção e conversar, não [...] dão o celular porque eles querem paz e as crianças também vão ficar esperneando e chorando se não ganharem celular (Mãe B, bebê 11 meses).

Mães e pais relataram que as mídias digitais são recursos úteis, principalmente para pais de ‘primeira viagem’, que, por vezes, se sentem inseguros e desamparados frente como proceder com o bebê e também diante das tecnologias: “Talvez tá errado, eu não sei, mas ele gosta de ver a galinha pintadinha [...] e como a gente é marinheiro de primeira viagem, né, ajuda. Vou te dizer que não é a solução, que nem sempre funciona, mas ajuda. Ajuda muito” (Pai D, bebê 10 meses).

3.2 Tecnologia para acalmar e distrair

As mães têm relatado que as tecnologias digitais são um recurso alternativo quando o bebê está muito resistente e, conforme elas, ‘enjoadinho’. Referem que decidem disponibilizar vídeos interativos apenas após inúmeras tentativas frustradas de acalmar a criança sem o uso de qualquer recurso tecnológico, e quando já é visível um esgotamento físico e emocional, tanto materno quanto da criança, conforme ilustram as seguintes vinhetas:

Uma vez eu dizia que nove e meia ela tinha que dormir, aí era uma brigaiada, ficava sacudindo igual ela até umas 10. Aí quer saber? Então fica até umas 10, olhando Tv e eu também fico deitada e as duas ficam se divertindo. Pra que ficar brigando, né? Ligo a tv ou dou o tablet pra ela olhar umas fotos, ela se acalma e depois dorme (Mãe A, bebê 17 meses).

Da mesma forma que as mães apontaram lançar mão destes recursos quando as crianças se encontram mais resistentes, os pais também apontaram o comportamento da criança como uma razão para ceder o telefone móvel, associado também com a dificuldade parental de lidar com a criança, conforme apontado no trecho a seguir:

Nos primeiros dias a gente não conseguia acalmar ela, acho que porque ela já tava com o problema do leite e a gente ainda não sabia, né? Aí a mulher e eu (silencio) a gente ficou noites sem dormir, a guria só chorava, gritava assim, desesperada sabe? Era o dia todo, a noite toda. Só o desenho ajudava. Aí a gente ligava um filmezinho no celular pra ela ver e pra gente ter um sossego (Pai E, bebê 13 meses).

Das famílias participantes, dois casais (Casal C e D) referiram que disponibilizam a tecnologia ao bebê quando ele está doente e precisa ser distraído, seja para fazer algum procedimento ou para ser medicado, conforme ilustra a fala deste pai: “A gente liga o filmezinho, naqueles 5 segundos. Até porque como é novo o negócio, a gente liga o filmezinho e ele fica interessado e daí a gente consegue dar o remédio. Nenhuma vez ele colocou o remédio pra fora” (Pai B, bebê 11 meses).

Diante de atividades que expõem a criança a um nível maior de estresse, a disponibilização dos recursos tecnológicos também foi mencionada. Um dos pais ressaltou que disponibilizou vídeos no seu próprio celular para o bebê durante o momento em que efetuavam o corte de cabelo: “A gente liga a galinha pintadinha, é uma estratégia. Aí ele vai olhando onde ela tá, ele vira. Isso são 5 minutos, aí ele tá pronto. Terminou o corte de cabelo, guardo o celular e deu” (Pai B, bebê 11 meses).

Com a finalidade de acalmar o bebê, alguns casais referiram fazer uso de aplicativos ou a disponibilização de vídeos infantis musicais. A Mãe C relatou que faz uso de aplicativos de música para proporcionar um ambiente de tranquilidade durante o banho da criança, para promover relaxamento: “Às vezes no banho dela a gente também coloca música, músicas mais calmas assim, para relaxar. Coloco no Youtube ou no Spotify” (Mãe C, bebê 12 meses).

3.3 Tecnologia para estimular

A tecnologia também tem sido utilizada como um recurso para ensinar o bebê a ampliar seu repertório de habilidades cognitivas e motoras. Tanto as mães como os pais têm referido a utilização de aplicativos voltados para o bebê, que oferecem uma diversidade de atividades para serem realizadas com a criança com o intuito de acelerar a aprendizagem, seja de vocabulário ou ainda do cumprimento dos marcos referenciais motores, conforme expressa o trecho a seguir:

Uso um aplicativo para estimular ela. Ele te dá, conforme a idade dela e é bem específico pra cada bebê. Ele vai fazendo mensalmente algumas perguntas e daí direcionado a isso ele vai te dando as atividades para desenvolver alguma coisa. Aí tinha atividades bem simples, tipo, pega um brinquedo e coloca na frente dela e chacoalha. Trabalha com sons [...] desde pequenininha são vários estímulos (Mãe C, bebê 12 meses).

Os vídeos infantis também foram mencionados como uma forma de estimular a criança, uma vez que, na percepção dos pais eles são educativos. O trecho extraído da entrevista com a Mãe A expõe esse entendimento:

Eles aprendem muito. E é muito estímulo, né? [...] Tem a galinha, daí a gente nem precisa cantar, é só colocar os vídeos. Tem os desenhos e aquelas musiquinhas tradicionais que a gente cantava. E tem todo o desenho que acompanha, a dinamicidade das coisas. A galinha pintadinha muda o tempo inteiro a imagem, é pra fixar as crianças mesmo. As cores, o movimento, as formas, impressionante? É tudo preparado pra eles, é um mundo de bebês (Mãe A, bebê 17 meses).

A tecnologia enquanto favorecedora do aprendizado é percebida por mães e pais como uma ferramenta capaz de preparar o bebê para o futuro, evidenciando-se que a criança precisa atingir expectativas e demandas dos adultos:

Eu até acho que hoje a tecnologia é feita para isso, vai evoluindo, e com isso as crianças vão evoluindo, porque a Galinha Pintadinha ensina o que: cores, números, letras, tudo. Tudo, tudo. Ele deve saber mais hoje do que eu sabia na minha primeira série (Pai D, bebê 10 meses).

Por outro lado, diante da infinidade de aplicativos desenvolvidos para os bebês que, na visão dos participantes, estimulam a criança e facilitam a tarefa parental de brincar com ela, alguns pais mostraram-se preocupados com a priorização dos recursos tecnológicos em detrimento de outras atividades, como o brincar tradicional, conforme aponta a Mãe C:

A gente tem um medo muito grande que ela se prenda muito a uma tecnologia e não dê tanto valor pra outras coisas, que é um medo que a gente tem hoje em dia, porque a gente vê muita criança ah, como dizia, ah eles já nascem sabendo mexer no celular, mas não é assim [...] tem que dar uma segurada e deixar eles menos possível em contato (Mãe C, bebê 12 meses).

3.4 Tecnologia para favorecer interação familiar

Com menor frequência emergiu nas entrevistas o uso das tecnologias digitais com a finalidade de proporcionar interação familiar. Três casais apontaram que o uso das tecnologias junto ao bebê facilita a comunicação com o pai/mãe, avós ou tios que estão distantes naquele instante. A tecnologia, neste caso, aproxima e permite interação, conforme sugere o relato da Mãe C, ao referir-se do uso para a criança poder comunicar-se com o pai: “Às vezes meu marido tá trabalhando e eu tô com ela e quero mandar um vídeo pra ele, então a gente grava vídeozinho e vamos mandar para o papai, vamos falar com o papai, ou pra minha mãe também” (Mãe C, bebê 12 meses).

O casal D mostra-se consciente diante dos limites do uso e sugere que o uso eventual se configura como facilitador da comunicação entre a criança e seus familiares:

Eu acho positivo, claro que tem que ter um certo limite. Eu não posso deixar ele pendurado o dia inteiro fazendo esse tipo de coisa, né? Mas como a gente fala muito pouco com meus cunhados, isso é umas duas vezes na semana só, e é bom. Ele vê os primos, ele reconhece!

Com a intenção de gerar entretenimento e interação da tríade mãe-pai-bebê, o Pai C mencionou o engajamento do casal frente à exposição do bebê às telas: “A gente usa esses recursos algumas vezes, tipo, vamos ver uma musiquinha, vamos interagir com a musiquinha, vamos! Mas tudo a gente participa junto, tudo” (Pai C, bebê 12 meses). Complementando o que foi apontado pelo pai, a Mãe C destaca que a tecnologia pode ser uma alternativa criativa e integrativa, capaz de gerar divertimento, fantasia e fortalecer laços a partir da interação, assim como salienta a relevância de estar junto do bebê mediando o uso da tecnologia:

A tecnologia te dá até uma alternativa mais criativa do que tu tá só no brinquedo, então é uma atividade a mais que tu agrega. Até o próprio desenho, a gente assiste junto. E a gente vai comentando, a gente é comentarista de desenho também (risos) tipo, olha lá a galinha, olha o que eles estão fazendo (Mãe C, bebê 12 meses).

Contrapondo o que foi dito pelo casal C, o Pai A referiu o uso familiar como sendo o momento do dia em que todos estão conectados a algum dispositivo, entretanto não houve menção à integração da família diante das telas, conforme o seguinte trecho: “[...] tem hora que tá todo mundo junto na sala, cada um no seu celular e a televisão rodando pra ela, e cada um mexendo no seu aparelho, juntos, mas cada um vendo as suas coisas”.

Discussão

Os pais (pais e mães), em sua maioria, destacaram que as decisões diante da disponibilização ou não das tecnologias ao bebê parte de um consenso do casal e a busca por informações na internet foi justificada por curiosidade e pela ausência de orientações do médico do bebê. Com exceção de um casal, os demais casais referiram não ter recebido orientações de pediatra. Entretanto, sabe-se que frente ao aumento da exposição de crianças pequenas às telas nos últimos anos, sociedades de pediatria do mundo têm se manifestado e elaborado manuais de orientação, a exemplo da Academia Americana de Pediatria, através do Conselho de Comunicação e Mídia (AAP, 2016American Academy of Pediatrics [AAP]. Council on Communications and Media. (2016). Media and young minds. Pediatrics, 138(5), e20162591.) e da Sociedade Brasileira de Pediatria [SBP] (2019Sociedade Brasileira de Pediatria [SBP]. (2019). Recuperado de:http://www.sbp.com.br/
http://www.sbp.com.br/...
).

Segundo o manual brasileiro (SBP, 2019Sociedade Brasileira de Pediatria [SBP]. (2019). Recuperado de:http://www.sbp.com.br/
http://www.sbp.com.br/...
), crianças de até dois anos não devem ser expostas às mídias eletrônicas. A partir dos dois anos de idade, a SBP orienta limitar o tempo de exposição às telas ao máximo de 1 hora/dia, sempre sob a supervisão dos pais e/ou cuidadores. As recomendações hoje são que, a partir desta idade, pais atuem como mediadores, promovendo o entendimento infantil acerca do conteúdo que está sendo reproduzido nas telas, o que foi mencionado por um dos casais como uma prática. Também no Brasil, a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul aprovou um projeto de lei (440/2019) que estabelece a obrigatoriedade da etiqueta de advertência para uso moderado de telas por crianças de até dez anos em dispositivos móveis, evidenciando-se que medidas de proteção estão sendo tomadas com o intuito de garantir que as informações cheguem até as famílias, contrariando o que foi exposto pelos pais e apontando para a necessidade de tornar as orientações existentes acessíveis para famílias de diferentes condições socioeconômicas, como também disseminá-las entre os profissionais da saúde que trabalham com famílias e bebês. Da mesma forma que apontado neste estudo, há evidências na literatura de que as recomendações das sociedades de pediatria não têm se mostrado tão eficazes, havendo a necessidade de considerar as particularidades das famílias (Brown & Smolenaers, 2018Brown, A., & Smolenaers, E. (2018). Parents’ interpretations of screen time recommendations for children younger than 2 years.Journal of Family Issues,39(2), 406-429.; Vittrup, Snider, Rose, & Rippy, 2016Vittrup, B., Snider, S., Rose, K. K., & Rippy, J. (2016). Parental perceptions of the role of media and technology in their young children's lives. Journal of Early Childhood Research, 14(1), 43-54.).

A televisão foi referida como o recurso mais recorrido por mães e pais, uma vez que ela traz a garantia do que já sabe, considerando que é um recurso utilizado por famílias há mais de quatro décadas, e inclusive fez parte da infância destes pais, diferentemente do celular, que surgiu há menos tempo. E hoje, com sua face multitasking, com fluxo de mídia, ou seja, televisão ininterrupta (streaming), continua sendo vista pelos pais como um passatempo educativo e seguro para a criança pequena, tal e qual era percebida nas décadas de 80 e 90, como Brazelton (1994Brazelton, T. B. (1994). Momentos decisivos do desenvolvimento infantil. São Paulo, SP: Martins Fontes.) apontava em seus estudos.

Segundo Byeon e Hong (2015Byeon, H., & Hong, S. (2015). Relationship between television viewing and language delay in toddlers: evidence from a Korea National Cross-Sectional Survey. PLoS ONE, 10(3), e0120663.), em estudo conduzido na Coreia do Sul, que investigou relações entre exposição precoce de bebês à televisão e atrasos na linguagem, apontou para associações positivas entre prejuízos na linguagem e excesso de tempo de tela. No caso dos bebês sul coreanos, que estão expostos às telas por períodos iguais ou superiores a 02 horas, foram identificados atrasos na linguagem.

Também referente ao tempo excessivo de exposição, em estudo realizado por Skaug, Englund e Wichstrøm (2018Skaug, S., Englund, K. T., & Wichstrøm, L. (2018). Young children's television viewing and the quality of their interactions with parents: A prospective community study.Scandinavian Journal of Psychology, 59, 503-510.), a exposição excessiva à televisão nos primeiros anos de vida da criança repercute nas interações sociais com seus pais e seus pares, o que pode ser evidenciado pelo menor envolvimento com os pais em brincadeiras. Ademais, os pesquisadores destacam que o tempo de tela reduz o tempo da criança engajar-se em outras atividades capazes de favorecer os laços sociais, o que é corroborado pela preocupação dos pais participantes do presente estudo de que as tecnologias, quando usadas demasiadamente, se sobreponham a outros modos de brincar e explorar o mundo. Essa preocupação parental com o uso excessivo das tecnologias em detrimento de outras formas de brincar, foi também salientada por mães no estudo de Mallmann e Frizzo, (2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.). Considerando que o brincar configura-se como elemento estruturante para a criança, capaz de inseri-la no mundo cultural e simbólico, bem como contribuir com sua constituição subjetiva (Winnicott, 2007Winnicott, D. W. (2007). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS: Artmed. Original published in 1983.), mães e pais acreditam que crianças muito envolvidas com as tecnologias poderiam ter seu desenvolvimento prejudicado, já que outras explorações seriam inibidas, assim como prejudicaria a criatividade.

Embora seja aconselhado não expor bebês menores de dois anos às telas, diante dos relatos das mães e dos pais participantes do estudo, a necessidade parental parece ser a raiz principal da disponibilização dos dispositivos ao bebê, o que é também sugerido por Mallmann e Frizzo, (2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.). Uma vez que a tela ocupa a criança, é permitido que eles não tenham que se ocupar dela, logo, ceder as telas à criança é uma alternativa que os pais encontram para conquistarem um tempo livre e poderem fugir, por alguns momentos, da rotina e das demandas extasiantes da própria parentalidade (Radesky et al., 2016Radesky, J. S., Kistin, C., Eisenberg, S., Gross, J., Block, G., Zuckerman, B., & Silverstein, M. (2016). Parent perspectives on their mobile technology use: the excitement and exhaustion of parenting while conected. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(9), 694-701.). Por outro lado, é necessário também considerar as demandas destas famílias, bem como a rede de apoio que possuem, sendo que alguns pais, em determinadas circunstâncias, podem não ter outro recurso para lançar mão. Outro aspecto a ser destacado é o papel que as diferentes tecnologias desempenham nas rotinas das famílias e na vida destes pais, o que pode ser pensado à luz de uma perspectiva materialista (Barad, 2003Barad, K. (2003). Posthumanist performativity: toward an understanding of how matter comes to matter. Journal of Women in Culture and Society, 28(3), 801-831.). Atualmente, diante da onipresença das diferentes mídias, não há dissociação entre humano e não humano, sendo, portanto, as mídias digitais, participantes ativas das diferentes interações sociais, o que rompe com a perspectiva antropocêntrica e possibilita transcender nas discussões sobre os fenômenos que englobam a presença das tecnologias nas relações humanas, incluindo as relações pais-crianças.

Atualmente, as mídias digitais, enquanto extensão do corpo dos adultos, revelam-se como auxiliares dos pais durante os cuidados com a criança, entretendo-a e permitindo que eles possam se ausentar da função parental (Radesky et al., 2016Radesky, J. S., Kistin, C., Eisenberg, S., Gross, J., Block, G., Zuckerman, B., & Silverstein, M. (2016). Parent perspectives on their mobile technology use: the excitement and exhaustion of parenting while conected. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(9), 694-701.; Mallmann & Frizzo, 2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.). Ademais, crianças de temperamento mais difícil, caracterizado por alta impulsividade, dificuldade para adaptar-se às novas situações e afetos negativos, podem evocar nos pais uma parentalidade mais inconsistente, o que pode fazer com que esses pais busquem nas tecnologias digitais uma forma de lidar com a dificuldade de envolverem-se com os próprios filhos, como apontado também nos resultados apontados por Johnson e Hetlein (2019Johnson, D., & Hetlein, K. (2019). Parents’ perceptions of smartphone use and parenting practices. The Qualitative Report, 24(6), 1423-1441.) e Radesky et al. (2014). Conforme Radesky et al. (2014), os pais ao tentarem acalmar com telas os bebês mais agitados, podem minimizar as interações pai-bebê que poderiam reverberar de modo mais positivo no desenvolvimento infantil. Na intenção de acalmá-los, através das mídias, os pais contribuem para que dificuldades regulatórias sejam potencializadas, induzindo ao maior uso de mídias, de modo que o comportamento da criança e o uso de mídias influenciam-se mutuamente.

As reflexões que emergiram nas narrativas sinalizam que mães e pais necessitam de suporte, e diante disso pode-se questionar: - Que cuidados pode oferecer aquele que precisa ser também cuidado? As tecnologias exercem o papel de babá digital, já que mães e pais, por vezes, carecem de recursos psíquicos para darem conta de todas as demandas e exigências do novo grande desafio de suas vidas: a parentalidade (Radesky et al., 2016Radesky, J. S., Kistin, C., Eisenberg, S., Gross, J., Block, G., Zuckerman, B., & Silverstein, M. (2016). Parent perspectives on their mobile technology use: the excitement and exhaustion of parenting while conected. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(9), 694-701.; Davis-Kean & Tang, 2015Davis-Kean, P. E., & Tang, S. (2015). Parenting with digital devices. Emerging Trends in the Social and Behavioral Sciences: An Interdisciplinary, Searchable, and Linkable Resource, 1-12.). Evidenciou-se uma queixa maior das mães diante das exigências e dos desafios da maternidade. As demandas da maternidade, especialmente nos casos de mães primíparas, somada à rotina de trabalho e às atividades relacionadas ao lar e à família, as quais são desempenhadas, na grande maioria das vezes, pelas próprias mulheres, acaba gerando sobrecarga, que afeta a qualidade dos cuidados maternos prestados à criança (McDaniel, Coyne, & Holmes, 2012McDaniel, B. T., Coyne, S. M., & Holmes, E. K. (2012). New mothers and media use: associations between blogging, social networking, and maternal well-being. Maternal and Child Health Journal, 16, 1509-1517.; Newsham, Drouin, & McDaniel, 2020Newsham, G., Drouin, M., & McDaniel, B. T. (2020). Problematic phone use, depression, and technology interference among mothers.Psychology of Popular Media, 9(2), 117-124.). Majoritariamente também as mães relataram recorrer a aplicativos voltados para o bebê, os quais, apesar de serem percebidos como uma das potencialidades das novas tecnologias ao oferecerem atividades e informações acerca do momento do desenvolvimento do bebê, também corresponde à necessidade dos adultos de estimular o bebê, garantindo que ele se desenvolva e aprenda coisas novas (Brown & Smolenaers, 2018Brown, A., & Smolenaers, E. (2018). Parents’ interpretations of screen time recommendations for children younger than 2 years.Journal of Family Issues,39(2), 406-429.; Plowman & McPake, 2013Plowman, L., & McPake, J. (2013). Seven myths about young children and technology. Childhood Education, 89(1), 27-33.; Poveda et al., 2020Poveda, D., Matsumoto, M., Sundin, E., Sandberg, H., Aliagas, C., & Gillen, J. (2020). Space and practices: Engagement of children under 3 with tablets and televisions in homes in Spain, Sweden and England. Journal of Early Childhood Literacy, 20(3), 500-523.).

Nos momentos em que a criança se encontra cansada, doente ou necessita ser exposta à alguma situação específica que se configure como um estressor, a tecnologia é recorrida por sua versatilidade e eficácia, uma vez que, na opinião da maioria dos pais, muitos dos problemas se resolvem quando há este recurso em jogo. Nestes casos específicos, mães e pais salientam que buscam nos dispositivos uma forma de acalmar e distrair o bebê, destacando que o uso é eventual e pontual, não acarretando maiores danos ao desenvolvimento da criança. Duas famílias reportaram recorrer aos dispositivos para entreter o bebê no momento de medicar a criança, o que consiste em uma prática já utilizada em hospitais pediátricos do mundo para entreter crianças em ambiente hospitalar e facilitar a realização de procedimentos cirúrgicos. Lee et al. (2012Lee, J., Lee, J., Lim, H., Son, J. S., Lee, J. R., Kim, D. C., & Ko, S. (2012). Cartoon distraction alleviates anxiety in children during induction of anesthesia. Anesthesia & Analgesia, 115(5), 1168-1173) reportam o uso de dispositivos eletrônicos no ambiente hospitalar para entreter a criança com desenhos animados, a fim de aliviar a ansiedade infantil durante indução à anestesia, por exemplo. Weekly, Walker, Beck, Akers e Weaver (2018Weekly, T., Walker, N., Beck, J., Akers, S., & Weaver, M. (2018). A review of apps for calming, relaxation, and mindfulness interventions for pediatric palliative care patients.Children (Basel, Switzerland) ,5(2), 16.), a partir de um olhar paliativista, reportaram os benefícios do uso de aplicativos nos cuidados paliativos com crianças pequenas, destacando aplicativos para acalmar e relaxar. Os achados da literatura ratificam que diante das ofertas de aplicativos voltados para a criança, a tecnologia pode ser usada como uma ferramenta em favor de mães, de pais e do bebê, minimizando o sofrimento da criança e dos próprios pais em momentos delicados e difíceis para a família.

Em outras situações em que o bebê se encontra insatisfeito ou fazendo o que mães e pais do estudo nomearam como ‘enjoadinha’, os dispositivos também são recorridos, de acordo com o que foi reportado pelos participantes, como também em estudos conduzidos por Radesky et al. (2014Radesky, J., Silverstein, M., Zuckerman, B., & Christakis, D. A. (2014). Infant self-regulation and early Childhood Media Exposure. Pediatrics, (133), 1172-1178.) e Mallmann e Frizzo (2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.). A maioria dos casais referiu disponibilizar vídeos no próprio telefone ou na televisão em situações em que o bebê se mostrava resistente, como durante momentos de refeições, o que também tem sido evidenciado na literatura como uma prática parental recorrente, conforme destacado na revisão conduzida por Coyne et al. (2017Coyne, S. M., Radesky, J., Collier, K. M., Gentile, D. A., Linder, J. R., Nathanson, A. I., … Rogers, J. (2017). Parenting and digital media. Pediatrics, (140), s112-s116.). Apesar das recomendações de se evitar expor o bebê às tecnologias neste horário, alguns pais (mães e pais) trouxeram evidências de que a prática é esporádica, e justifica-se pela ausência de alternativas ou esgotamento das mesmas.

Outra função encontrada para as tecnologias, foi auxiliar os pais na hora do sono do bebê, especialmente quando ele se encontra muito agitado e resistente, o que é um relato parental comum encontrado também em outros estudos (Radesky et al., 2014Radesky, J., Silverstein, M., Zuckerman, B., & Christakis, D. A. (2014). Infant self-regulation and early Childhood Media Exposure. Pediatrics, (133), 1172-1178.; Coyne et al., 2017Coyne, S. M., Radesky, J., Collier, K. M., Gentile, D. A., Linder, J. R., Nathanson, A. I., … Rogers, J. (2017). Parenting and digital media. Pediatrics, (140), s112-s116.). Diante dos relatos dos participantes, que se revelam usuais também em outras culturas, algumas pesquisas buscaram explorar os efeitos da exposição do bebê às telas nas horas que antecedem o sono, evidenciando prejuízos (Vijakkhana et al., 2014Vijakkhana, N., Wilaisakditipakorn, T., Ruedeekhajorn, K., Pruksananonda, C., Chonchaiya, W. (2014). Evening media exposure reduces night-time sleep. Acta Paediatrica, 104(3).). Conforme os pesquisadores apontam, as telas, quando utilizadas em excesso pelo bebê, apresentam-se como inibidores do desenvolvimento infantil, impactando negativamente na qualidade do sono, na regulação do ciclo sono-vigília e na maturação neurológica, uma vez que o sono, enquanto uma das atividades principais da criança nos primeiros anos de vida desempenha papel fundamental no desenvolvimento neurológico e cognitivo infantil, como também é essencial para a plasticidade sináptica, sendo, por isso, necessário atentar para a sua qualidade. Entre outros prejuízos de ordem fisiológica evidenciados, destacam-se os prejuízos na visão (Kozeis, 2009Kozeis, N. (2009). Impact of computer use on children's vision.Hippokratia, 13(4), 230-231.; Coyne et al., 2017).

Mães e pais, preocupados com o futuro dos bebês, especialmente no que se refere ao sucesso profissional de seus filhos, acreditam que disponibilizar as tecnologias é uma forma de estimular o desenvolvimento cognitivo da criança, facilitando seu processo de aprendizagem, repercutindo positivamente nas suas conquistas futuras, corroborando o que foi ratificado em outros estudos. Segundo Plowman e McPake (2013Plowman, L., & McPake, J. (2013). Seven myths about young children and technology. Childhood Education, 89(1), 27-33.), muitos pais oferecem a tecnologia às crianças desde cedo como uma tentativa de garantir que habilidades cognitivas parentais que não obtiveram tanto êxito sejam superadas pelo bebê, garantindo à criança um futuro promissor no mundo do trabalho. Para Poveda et al. (2020Poveda, D., Matsumoto, M., Sundin, E., Sandberg, H., Aliagas, C., & Gillen, J. (2020). Space and practices: Engagement of children under 3 with tablets and televisions in homes in Spain, Sweden and England. Journal of Early Childhood Literacy, 20(3), 500-523.), em estudo conduzido na Espanha, que incluiu em sua investigação a perspectiva dos pais diante do uso de televisão e tablets por crianças menores de três anos, o acesso do bebê às tecnologias é importante para o desenvolvimento de novas habilidades na infância, promovendo um conhecimento instrumental capaz de reverberar positivamente no desempenho cognitivo, especialmente nas etapas futuras do desenvolvimento da criança. Mallmann e Frizzo (2019Mallmann, M. Y., & Frizzo, G. B. (2019). O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar, (7), 26-46.), em estudo que explora o uso de tecnologias digitais por mães com seus bebês, também reportaram que mães usam estes recursos como um meio de proporcionar novas aprendizagens ao bebê.

Por fim, foi também reportado pelos casais participantes a disponibilização das telas com a intenção de proporcionar interação familiar, salientando-se o uso de aplicativos de vídeo, capazes de reduzir fronteiras geográficas e aproximar a criança de familiares que vivem distante, o que é frequentemente reportado em outros estudos que exploraram o tema, além de não contraindicado pelas sociedades de pediatria (AAP, 2016; Coyne et al., 2017Coyne, S. M., Radesky, J., Collier, K. M., Gentile, D. A., Linder, J. R., Nathanson, A. I., … Rogers, J. (2017). Parenting and digital media. Pediatrics, (140), s112-s116.). Ainda com a intenção de propiciar entretenimento familiar, um casal referiu que narra para a criança o conteúdo que está sendo transmitido nos vídeos infantis, assim como fazem uso de vídeos musicais interativos, que geram diversão e estimulam a criança, denotando o conhecimento de que, conforme salientado por Davis-Kean e Tang (2015Davis-Kean, P. E., & Tang, S. (2015). Parenting with digital devices. Emerging Trends in the Social and Behavioral Sciences: An Interdisciplinary, Searchable, and Linkable Resource, 1-12.), a criança, simbolicamente imatura e com habilidades de atenção em desenvolvimento, pode apresentar dificuldade em processar as imagens, não sendo capaz de aprender a partir delas sem a mediação de um adulto.

Considerações finais

Diante do que foi evidenciado neste estudo, percebe-se que a disponibilização das mídias digitais ao bebê advém de uma demanda do adulto, e não da criança. Mães e pais referiram que recorrem às telas com o intuito de aliviarem-se, seja de tensões emocionais como também da função parental, uma vez que o bebê diante delas assume uma postura passiva, permitindo que eles realizem suas atividades com tranquilidade, da mesma forma que possam se ausentar por um tempo da dedicação exclusiva ao bebê, que para alguns pais pode ser desgastante, principalmente quando não podem contar com uma rede de apoio. Diante disso pode-se apontar para uma diferença de gênero, uma vez que as mães relataram maiores queixas de sobrecarga, especialmente ligadas às demandas de trabalho, da casa e da família, o que impele à maior disponibilização de telas ao bebê.

Frente a eventos estressores para a criança, como hospitalização ou diante de outra enfermidade que desestabilize emocionalmente o bebê, a disponibilização é notada pelos pais como positiva e percebida como uma prática aceitável. Mães e pais também apontaram que o uso das mídias digitais, quando voltada para beneficiar a família, é positiva, possibilitando que a criança interaja com familiares que vivem distantes a partir das interações por vídeochamadas, assim como o uso de aplicativos e vídeos voltados para estimulação cognitiva e motora, que diante da supervisão parental podem trazer benefícios para a criança e para a família.

Apesar das sociedades de pediatria do mundo disseminarem medidas de proteger a criança dos riscos da exposição às telas, os apontamentos das mães e pais revelam inconsistências na divulgação destas diretrizes. Ademais, poucos pais apresentaram conhecimento acerca das recomendações, assim como das possíveis repercussões da exposição nos primeiros meses de vida no desenvolvimento infantil. Dessa forma, a disponibilização equivocada, como nos momentos que antecedem o sono ou durante as refeições, assim como excesso de tela, podem estar associados ao menor conhecimento acerca das possíveis repercussões no desenvolvimento infantil. Por outro lado, esses dados salientam a necessidade de ouvir mães e pais e compreender as razões que os levam a recorrer a tais recursos, permitindo que, a partir de suas demandas e realidades, as diretrizes sejam repensadas e adequadas às diferentes necessidades. O estudo ainda oferece subsídios para embasar a prática clínica de psicólogos e pediatras, os quais podem acolher e orientar essas famílias. Sugerem-se novos estudos que investiguem associações entre a disponibilização precoce das telas ao bebê com variáveis sociodemográficas, como escolaridade e condição socioeconômica dos pais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Aceito
    20 Ago 2021
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