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NEGOCIANDO RISCO E DESEJO: ESTRATÉGIAS DE ECONOMIA ERÓTICA NO USO DE PRESERVATIVOS

NEGOCIANDO RIESGO Y DESEO: ESTRATEGIAS DE ECONOMÍA ERÓTICA EN EL USO DEL CONDÓN

RESUMO.

O objetivo do estudo é analisar, com base na da vivência de homens que fazem sexo com homens, quais são os aspectos que influenciam na decisão de usar ou não o preservativo. Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter exploratório com 20 homens, atendidos por um Centro de Testagem e Aconselhamento em Porto Alegre. O material foi produzido a partir de entrevistas analisadas sob a perspectiva da análise discursiva. A análise indica que a gestão de risco, do uso e não uso do preservativo, se dá em um contexto de negociação - nem sempre explícita - no qual o valor atribuído ao sexo, ao outro e a si mesmo na cena erótica interfere na decisão do uso do preservativo. Essas negociações e o valor atribuído ao outro e a si operam e se produzem também a partir de marcadores sociais, numa lógica econômica, ainda que não monetária. Neste contexto, a beleza, a aparência, o não ter ‘cara de DST (doenças sexualmente transmissíveis)’, bem como determinadas práticas sexuais e padrões heteronormativos surgem na cena homoerótica, muitas vezes reproduzindo relações de poderes e influenciando na gestão de risco e uso do preservativo. Construir espaços de reflexão sobre a erótica como algo da dimensão não apenas privada, mas também pública e reprodutora de relações de poder, pode ser uma oportunidade de politização da erótica e reflexão sobre a gestão de risco e cuidado.

Palavras-chave:
Homens; preservativos; HIV

RESUMEN.

El objetivo de este estudio ha sido analizar, a partir de la experiencia de los hombres que hacen sexo con hombres, cuáles son los aspectos que influyen en la decisión de usar o no usar el preservativo. Este es un estudio cualitativo exploratorio con 20 hombres, usuarios de un Centro de Pruebas y Asesoramiento en Porto Alegre. Las entrevistas realizadas fueron analizadas desde la perspectiva del análisis discursivo. El análisis indica que la gestión del riesgo, el uso y la no utilización del preservativo, se lleva a cabo en un contexto de negociación - no siempre explícito - en el que el valor atribuido al sexo, al otro y a uno mismo en la escena erótica interfiere en la decisión de usar o no el preservativo. Estas negociaciones y el valor atribuido al otro y a uno mismo, operan y también a partir de marcadores sociales, en una lógica económica, aunque no monetaria. En este contexto, la belleza, la apariencia, no tener una ‘cara de ETS (Enfermedades de Transmisión Sexual)’, así como ciertas prácticas sexuales y patrones heteronormativos aparecen en la escena homoerótica, a menudo reproduciendo relaciones de poder e influyendo en la gestión y en el uso del preservativo. Construir espacios para la reflexión sobre la erótica como algo que no solo es privado, sino también público y que reproduce relaciones de poder, puede ser una oportunidad para politizar la erótica y reflexionar sobre la gestión de riesgos y cuidados.

Palabras clave:
Hombres; condones; VIH

ABSTRACT.

This study aims to analyze, based on the experiences of men who have sex with men, what aspects influenced the use and non-use of condoms. This investigation is a qualitative, exploratory study with 20 men assisted by the Testing and Counseling Center (Centro de Testagem e Aconselhamento - CTA) in Porto Alegre. The data were produced from interviews analyzed from the perspective of discursive analysis. The findings indicate that risk management concerning the use and non-use of condoms occurs in a context of negotiation - not always explicit - in which the value attributed to sex to the other and oneself in the erotic scene interferes with the decision of condom use. These negotiations and the value attributed to the other and oneself also operate and are produced from social markers, in an economic logic, albeit non-monetary. In this context, beauty, appearance, not having an ‘STD (sexually transmitted disease) face’, as well as certain sexual practices and heteronormative patterns arise in the homoerotic scene, often reproducing power relations and influencing risk management and condom use. Building spaces for reflection on erotica as both private and public and reproductive of power relations can be an opportunity for the erotica politicization and reflection on risk and care management.

Keywords:
Men; condoms; HIV

Introdução

O relatório da UNAIDS apresentou que em 2019 ocorreram 1,7 milhão de novas infecções pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), dessas 47% afetaram as populações-chaves e seus parceiros (UNAIDS, 2020UNAIDS. (2020). Seizing the moment: Tackling entrenched inequalities to end epidemics. Switzerland, CHE: UNAIDS .). O uso do termo populações-chaves remete ao grau de vulnerabilidade social que determinadas pessoas se encontram. Logo, não se refere a uma condição única, mas a uma associação de fatores que implicam em menor acesso aos serviços de saúde, discriminação, falta de recursos materiais e de conhecimento que viabilizem uma condição de saúde plena (UNAIDS, 2014UNAIDS. (2014). The gap report. Switzerland, CHE: UNAIDS.).

Mundialmente, o risco de infecção pelo HIV é 27 vezes maior entre homens que fazem sexo com homens (HSH) (UNAIDS, 2018UNAIDS. (2018). Miles to go: Closing gaps, breaking barriers, righting injustices. Switzerland, CHE: UNAIDS .). Apesar dos novos dispositivos tecnológicos que são disponibilizados como forma de prevenir a infecção por HIV (como é o caso da profilaxia pós-exposição sexual (PEP) e da profilaxia pré-exposição sexual (PREP)), o uso de preservativo continua sendo uma medida preventiva de fácil acesso, sem contraindicação e de baixo custo (Grangeiro, Ferraz, Calazans, Zucchi, & Diaz-Bermúdez, 2015Grangeiro, A., Ferraz, D., Calazans, G., Zucchi, E. M., & Diaz-Bermúdez, X. P.(2015). O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia, 18 Suppl 1, 43-62.). Nessa direção, busca-se compreender os fatores que favorecem ou dificultam a adesão ao uso continuado de preservativos para que a orientação de prevenção combinada possa apresentar maior consistência, tanto entre a equipe de profissionais quanto entre os usuários dos serviços de saúde.

De acordo com Rios, Albuquerque, Santana, Pereira e Oliveira Júnior (2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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), os esforços para o enfrentamento da epidemia de HIV/Aids têm envolvido a sociedade civil e, até há pouco, os governos em ações comunitárias de prevenção para os HSH e de desestigmatização das homossexualidades na sociedade; distribuição gratuita de preservativos; acesso à testagem para a população em geral e da terapia antirretroviral para as pessoas vivendo com HIV e Aids (PVHA). Tais esforços, são mais do que necessários, quando se observam os dados epidemiológicos apresentados pelos mesmos autores: prevalência de HIV estimada para a população em geral (13 a 49 anos) é de 0,6% (0,8% para homens). Entretanto, há indícios de que nas capitais brasileiras a prevalência para HSH varia entre 5,2% (Recife) e 23,4% (Brasília), com média de 14,2% - duas e três vezes maior que a estimada para, respectivamente, mulheres trabalhadoras do sexo e usuárias de drogas (Rios et al., 2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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).

Nesse panorama, os homens praticantes de intercurso anal receptivo desprotegido (IARD) são sujeitos a maior risco de infecção que os que realizam intercurso anal insertivo desprotegido (IAID), aproximadamente o dobro (Rios et al., 2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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). Ao pensarmos sobre os aspectos que balizam as práticas sexuais, muitas vezes o discurso sanitário se centra na discussão do acesso à informação sobre as formas de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Entretanto, ainda que fundamental, a informação é apenas um dos elementos que compõe a interação social e sexual das pessoas. E as formas como reconhecemos nosso corpo estão atravessados por um conjunto de agenciamentos coletivos relacionados com a maneira que concebemos a sexualidade a partir de determinadas normativas. Louro (2018Louro, G. L. (2018). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, MG: autentica.), por exemplo, escreve sobre as pedagogias da sexualidade e como de algum modo somos educados, ensinados a viver a sexualidade a partir do que é considerado, ‘normal’, ‘natural’.

A sexualidade também pode figurar como importante marcador social - que compreende o conceito de marcador como forma de categorização identitária que remete a possibilidades ou limitações de força nas relações sociais (Brah, 2005Brah, A. (2005).Cartographies of diaspora: Contesting identities. London, UK: Routledge.). Na distribuição de poder no tecido social, a sexualidade se intersecciona com outros marcadores sociais como classe, raça/etnia, gênero, idade e território. As posições sexuais também geram identificações sociais. Mesmo que os dados de pesquisa indiquem que haja muita fluidez entre identificações e práticas sexuais (ativos x passivos), tais identidades informam sobre dinâmicas de gênero nos relacionamentos sexuais e afetivos.

Em muitas das pesquisas analisadas por Rios et al. (2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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), os ‘ativos’ são representados como mais masculinos, e os ‘passivos’, como mais femininos, estereótipos mais enfatizados em algumas comunidades do que em outras, mas presentes em vários contextos, além de outros atravessamentos raça e idade (homens negros como predominantemente ativos, e asiáticos, como predominantemente passivos; jovens identificados como passivos e homens maduros, como ativos, por exemplo). Na análise de Rios et al. (2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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), evidencia-se que aspectos pessoais e cognitivos (uso de drogas, saber sobre as hierarquias de risco, por exemplo), categorias sociais (raça/etnia e idade), estereótipos de gênero, com implicações de poder, mediariam posições sexuais e modos de proteção em diversos contextos pelo mundo.

Segundo Bensusan (2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.), os modos de viver a sexualidade e o desejo, quando desconsiderados do campo político, passam a ter seu reconhecimento restrito à vida privada dos sujeitos. Isto é, os elementos da sexualidade deixam de ser uma problemática política, cujas características podem ser pensadas e problematizadas tendo em consideração as construções sociais de permissão e valorização das relações, e recaem para um olhar de privacidade individual. Em contrapartida, quando a sexualidade é reconhecida como sendo da esfera pública, ela se torna objeto político de atenção e cuidado (Bensusan, 2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.).

Seffner e Parker (2016Seffner, F., & Parker, R. (2016). Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids.Interface-Comunicação, Saúde, Educação,20(57), 293-304. https://dx.doi.org//10.1590/1807-57622015.0459
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), ao analisarem as estratégias de prevenção relacionadas ao HIV no Brasil, destacam que a vulnerabilização de determinados corpos em relação a outros ocorre quando existe a valorização e precarização de marcadores sociais mediante relações de poder. Nesse sentido, a infecção por HIV em determinadas condições sociais, especialmente quando se trata de relações homoafetivas, pode ser socialmente considerada como consequência de uma relação ilegítima, constituindo-se como uma punição para os sujeitos. Uma vez que essa compreensão embase o olhar coletivo sobre a questão, o exercício da sexualidade também irá reverberar sobre a visão pública e na geração de políticas sobre o tema.

Souza Neto e Rios (2015Souza Neto, E. N., & Rios, L. F. (2015). Apontamentos para uma economia política do cu entre trabalhadores sexuais.Psicologia & Sociedade,27 (3), 579-586.) consideram que o desejo sexual é construído dentro de um tecido social hierárquico e nele as relações de poder estão colocadas. Assim são identificadas características valorativas nas relações entre homens que estão relacionadas à virilidade, classe, feminilidades e masculinidades, posições sexuais (como ativa e passiva) e corpo (Souza Neto & Rios, 2015Souza Neto, E. N., & Rios, L. F. (2015). Apontamentos para uma economia política do cu entre trabalhadores sexuais.Psicologia & Sociedade,27 (3), 579-586.). Além disso, ‘estar apaixonado’ e a garantia do uso de antirretrovirais para tratamento contínuo do HIV, poderiam também ser moedas de negociação (Antunes & Paiva, 2013Antunes, M. C., & Paiva, V. S. F. (2013). Territórios do desejo e vulnerabilidade ao HIV entre homens que fazem sexo com homens: desafios para a prevenção. Temas em Psicologia, 21(3), 1125-1143. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.3-EE17PT) caracterizando-se em uma espécie de economia erótica.

A concepção da performatividade, conceito central da teoria de Judith Butler, pressupõe a ausência de um ‘eu’ anterior à ação em análise, ou seja, é a própria ação que constitui uma ideia de ‘eu’ para cada cena discutida. Nesse sentido, entende-se o sujeito como performado em práticas de si relativas a um regime discursivo, relacionando-se a este por meio de reiterações, tensionamentos ou subversões, sempre interiores a ele (Maracci- Cardoso, Paz, Rocha, & Pizzinato, 2019Maracci-Cardoso, J. G., Paz, B. M., Rocha, K. B., & Pizzinato, A. (2019). Imagem, corpo e linguagem em usos do aplicativo Grindr. Psicologia USP, 30, e180160. https://doi.org//10.1590/0103-6564e180160
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). O sujeito funda-se, assim, pela resposta aos discursos que o interpelam, reorganizando-os em sua ação performativa, sua agência. O ‘eu’, para Butler (2015Butler, J. (2015).Relatar a si mesmo: crítica da violência ética(R. Bettoni, trad.). São Paulo, SP: Autêntica. Trabalho original publicado em 2005.), excede à narração do próprio sujeito, visto que sua origem jamais será plenamente explicada.

Sendo assim, é a partir dos discursos interpelados ao sujeito, dentro do tecido social e das suas performatividades na cena erótica, que se identifica o estabelecimento do que denominamos de economia erótica. Essa se constitui em um contexto de negociação relativo ao valor atribuído ao sexo, ao outro e a si mesmo a partir de marcadores sociais.

Para compreensão de como se organizam as negociações quanto ao uso ou não de preservativos entre homens que fazem sexo com homens (HSH), como se instauram as relações de autonomia e escolha diante dessas relações, é preciso identificar suas características e especificidades (Antunes & Paiva, 2013Antunes, M. C., & Paiva, V. S. F. (2013). Territórios do desejo e vulnerabilidade ao HIV entre homens que fazem sexo com homens: desafios para a prevenção. Temas em Psicologia, 21(3), 1125-1143. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.3-EE17PT). Assim, para além dos anseios prescritivos da saúde, é preciso conhecer as questões que estão presentes dentro do contexto erótico e que interferem na gestão dos riscos em não usar preservativos (Carvalho, Both, Alnoch, Conz, & Rocha, 2016Carvalho, F. T., Both, N. S., Alnoch, E. M., Conz, J., & Rocha, K. B. (2016). Counselling in STD/HIV/AIDS in the context of rapid test: Perception of users and health professionals at a counselling and testing centre in Porto Alegre. Journal of Health Psychology, 21, 379-389. https://doi.org/10.1177/1359105316628741
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). Entende-se gestão de risco como sendo estratégias que partem da autonomia e protagonismo das pessoas em fazerem escolhas, de acordo com seu interesse em proteger-se e através das informações que são acessadas (Leite, Murray, & Lenz, 2015Leite, G. S., Murray, L., & Lenz, F. (2015). O Par e o Ímpar: o potencial de gestão de risco para a prevenção de DST/HIV/AIDS em contextos de prostituição.Revista Brasileira de Epidemiologia,18(Suppl.1), 7-25. https://dx.doi.org//10.1590/1809-4503201500050003
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).

A partir do anteriormente exposto, o presente estudo se justifica pela importância de buscar compreender como a gestão de risco de HIV, relacionada ao uso de preservativo, acontece nas relações entre HSH. O objetivo do estudo é analisar como acontece a gestão de risco relacionada ao uso ou não de preservativo, a partir das vivências desses homens, considerando que os diferentes marcadores sociais e as relações de poder influenciam nesse processo decisório.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e analítico, baseada na tese de doutorado Exposição ao risco de infecção por HIV/Aids: fatores associados à intenção de não usar preservativo em homens que fazem sexo com homens, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (CAPES) e pelo Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS). A pesquisa considerou os aspectos éticos exigidos pela resolução 466/2012. O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (n° do parecer: 1.892.233) e pela Instituição participante. Todos participantes assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram nesse estudo 20 homens adultos, atendidos por um Centro de Testagem e Aconselhamento, localizado em Porto Alegre. Para definição do tamanho da amostra foi utilizado o critério de saturação de dados (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27. http://dx.doi.org//10.1590/S0102-311X2008000100003
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). Os participantes foram convidados pela equipe de aconselhadores do serviço à medida que procuravam o serviço para realização do teste rápido para o HIV e outras ISTs.

A maioria dos participantes era homens brancos, com média de idade de 28 anos, solteiros e exerciam atividades de nível médio como vendedor, auxiliar administrativo, recepcionista, vigilante, estudante, técnico de farmácia, entre outras ocupações. A metade dos participantes tinha mais de 12 anos de estudo e a outra metade entre oito e 12 anos de estudo, o que caracteriza a amostra com bom nível de escolaridade. Todos os participantes foram identificados por P1, P2 e, assim consecutivamente, para que estivesse assegurado seu anonimato nesta pesquisa.

A coleta de dados ocorreu em um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), mediante entrevista semiestruturada sobre os aspectos que influenciavam o uso e não uso de preservativos. As entrevistas foram feitas por uma doutoranda em psicologia após os participantes realizarem o aconselhamento pré-teste rápido de HIV com a equipe do CTA. As entrevistas transcorreram em média entre 30 a 40 minutos, no período em que os usuários aguardavam o resultado do exame e o aconselhamento pós-teste, nos meses de novembro de 2016 a janeiro de 2017, todas sendo gravadas e transcritas posteriormente.

O material produzido, a partir das entrevistas semiestruturadas, foi analisado sob a perspectiva da análise discursiva de Van Dijk (2008Van Dijk, T. A. (2008). Discurso e poder. São Paulo, SP: Contexto.), considerando as dimensões envolvidas na gestão da prática de sexo seguro associadas às relações de poder na negociação para o uso do preservativo. Neste sentido, operou-se com a criação do eixo que analisou as articulações discursivas sobre o uso de preservativos nas relações sexuais com a atualização acerca dos critérios estabelecidos para o sexo seguro e inseguro.

Resultados e discussão

O eixo que conduz a análise foi construído como os participantes discorreram nas entrevistas sobre os fatores que influenciavam no processo de avaliação e na decisão do uso de preservativos nas relações sexuais. A partir desta análise, considerou-se o eixo economia erótica que estabelece um contexto de negociação relativo ao valor atribuído ao sexo, ao outro e a si mesmo na cena erótica.

Economia erótica: o valor do outro e de si como fator decisório no uso de preservativos

Os participantes ao serem questionados sobre quais fatores que influenciariam o uso ou não uso de preservativos, passaram a descrever quais características dos parceiros e da cena erótica que eram determinantes neste processo decisório. Nessa caracterização, as pedagogias da sexualidade (Louro, 2018Louro, G. L. (2018). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, MG: autentica.) mostram presentes na construção no modo como o desejo é naturalizado na socialização dos corpos. A própria tesão, ou falta dela, pode ter efeitos no uso do preservativo, assim como refere um dos participantes: “Boy chato, sem pegada, facilita o uso da camisinha […] Muita tesão, vai sexo sem camisinha” (P7). O que demonstra a presença de processos que podem ser nominados como não racionalizados, ou seja, automatizados em relação ao não uso de preservativos (Bensusan, 2004Bensusan, H. (2004). Observações sobre a libido colonizada: tentando pensar ao largo do patriarcado.Estudos Feministas,12(1), 131-155. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100007).

Assim, há uma classificação econômica do grau de atratividade e interesse entre parceiros que irão modular a flexibilidade e disponibilidade em acatar nas relações sexuais as solicitações para não uso do preservativo. O ‘boy chato’, distante do padrão atribuído a parceiros idealizados, corresponde a um termo êmico no cenário homoerótico compartilhado. Designações desta natureza são mencionadas ao longo das entrevistas e ao mesmo tempo que descrevem os sujeitos, elas também delineiam atributos de classificação hierárquica e valorativa de modos de vida. É como observamos na fala, a seguir:

Eu já fiz sexo sem preservativo e às vezes desempenho um papel na hora da decisão que é identificar se a pessoa tem cara de quem tem ou não DST, e isso é uma coisa que obviamente não existe. Mas no fim das contas se for alguém que não sai com muita gente ou que estava em um relacionamento há muito tempo, penso que provavelmente não se expôs a muita coisa (P6).

A expressão a ‘Cara de DST’ é a configuração explícita do processo de triagem e das relações que se estabelecem entre as pessoas, atribuindo graus de negociação sobre quais práticas são performadas no campo sexual e, a partir disso, identificar o potencial de risco que o outro o expõe. Bensusan (2004Bensusan, H. (2004). Observações sobre a libido colonizada: tentando pensar ao largo do patriarcado.Estudos Feministas,12(1), 131-155. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100007) menciona que o desejável se articula através de características que erotizam e estabelecem relações de poder, estando presentes o desejo de dominar e submeter, configurando o regime do desejo.

A questão da boa aparência é um fator de impacto sobre o processo decisório em relação ao uso de preservativo. Se é bonito, não apresenta risco. Nesta direção, um participante refere: “Se o Brad Pitt chegasse e dissesse: ‘eu quero fazer sexo sem camisinha’, eu já considero diferente. É engraçado isso, porque a pessoa bonita não tem Aids” (P14). Mesmo tendo crítica sobre essa avaliação, o participante P6 identifica esta dinâmica: “Se for alguém que tem uma cara do tipo o padrão da novela e tal, você não vai achar que ele tem DST, né? Então, acaba que isso influencia no uso e no não uso” (P6). Estar bem cotado na economia erótica facilita no encontro de alguém para fazer sexo sem preservativo. Assim, corpos mais afins aos ideais de beleza (corpo jovem, musculado) reiterariam a presunção de saúde. A figura corporal musculosa e de baixo percentual de gordura tem um índice significativo de atração, tornando-se objeto de desejo e, a hipervalorização dessa imagem, toma proporções e sentidos consideráveis tanto para os jovens em geral quanto para os jovens homossexuais (Cunha & Gomes, 2016Cunha, R. B. B., & Gomes, R. (2016). Sentidos atribuídos aos cuidados de saúde e à prevenção de DST/Aids em específico por jovens gays. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 26(3), 807-828. https://doi.org//10.1590/s0103-73312016000300006
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).

As entrevistas também evidenciam que a beleza se intersecciona com outros marcadores sociais, como a classe social, ‘a boa roupa’, ‘a boa cútis’, ‘a juventude’. Nesse sentido, a ideia de beleza e de classe social podem aparecer relacionadas, uma vez que há suposição de maior cuidado e melhores acessos a partir de aspectos materiais associados à aparência. Nesta direção os participantes referem:

Olho para a aparência da pessoa, uma boa roupa, uma boa cútis: ‘não, não tem nada’. E não é o que realmente condiz com a vida hoje em dia (P9).

Se a pessoa é feia, é óbvio que eu vou usar camisinha. É terrível, mas é verdade. Sou um pouco preconceituoso na verdade (P13).

Em relação ao poder de escolha, o P14, na sua narrativa, refere que o fato de ser branco, universitário, já ter morado fora do país e ser bonito, confere-lhe maior poder e maior autonomia nas decisões. Ele menciona: “Se eu quiser fazer sexo sem preservativo não é tão difícil, sabe?” Nesse sentido, pode-se identificar que os atributos protetivos percebidos em relação ao HIV nas relações entre HSH estão fortemente atravessados por questões referentes ao corpo idealizado, que associam aspectos de beleza e imputação de saúde. Essa dinâmica acaba por integrar uma economia erótica que constitui e afeta as relações entre as pessoas, de forma a não se restringir ao campo de relações privadas: quão mais próximo do corpo musculado idealizado, dos marcadores de poder econômico, maiores são as condições de impor sua vontade para o uso ou não uso de preservativos.

No dizer de Cunha e Gomes (2016Cunha, R. B. B., & Gomes, R. (2016). Sentidos atribuídos aos cuidados de saúde e à prevenção de DST/Aids em específico por jovens gays. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 26(3), 807-828. https://doi.org//10.1590/s0103-73312016000300006
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), as ideias que reforçam o corpo masculino como musculoso, poderiam ser compreendidas como uma performatividade, uma vez que evocam a intenção de produzir determinados efeitos, como o de ter atenção de outros homens, que se sentem atraídos pela musculosidade como signo do masculino. De acordo com Maracci-Cardoso et al. (2019Maracci-Cardoso, J. G., Paz, B. M., Rocha, K. B., & Pizzinato, A. (2019). Imagem, corpo e linguagem em usos do aplicativo Grindr. Psicologia USP, 30, e180160. https://doi.org//10.1590/0103-6564e180160
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), a teoria da performatividade, proposta por Butler, opõe-se aos dualismos que privilegiam a sociedade em detrimento do indivíduo ou vice-versa; a autora propõe uma noção de sujeito baseada no próprio fazer, em ações performativas interiores à normatividade, mas que a podem reorganizar em manifestações de si (Butler, 2015). Assim, a performatividade engloba diferentes produções do gênero e da sexualidade, bem como de outros marcadores sociais em diálogos e tensionamentos com a cultura. Refere-se a uma resposta a discursos prévios e interpeladores, também abalados e, possivelmente, modificados à medida que se os tensiona frente à multiplicidade das formas de produzir a si mesmo (Maracci-Cardoso et al, 2019Maracci-Cardoso, J. G., Paz, B. M., Rocha, K. B., & Pizzinato, A. (2019). Imagem, corpo e linguagem em usos do aplicativo Grindr. Psicologia USP, 30, e180160. https://doi.org//10.1590/0103-6564e180160
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).

A noção de risco associada ao não uso de preservativo também aparece vinculada à representação de promiscuidade atribuída ao outro, como menciona P11: “Quando o cara pede para ejacular na boca, eu acho que ele é um promíscuo, e acho que ele é uma lata de lixo”. Essa fala ilustra que determinadas ‘performances’ no ato sexual podem ser associadas a um valor que vai além da cena erótica específica e passa a qualificar hierarquicamente os sujeitos envolvidos. É o que Bensusan (2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.) menciona acontecer quando há uma despersonalização do outro na cena erótica, em que a semelhança do que a pedagogia pornográfica ensina - separa-se o ato sexual da pessoa do outro - evidencia-se o corpo que socialmente aprende a desejar, sem rosto, assujeitado. Essa erotização de determinados corpos também disciplinariza os desejos e constrói possibilidades políticas de valoração das existências, que simbolizam poder e atribuição hierarquizada do valor dos outros e de si.

Essa avaliação do outro também vai interferir no investimento e disponibilidade em tornar-se ou apresentar-se como alguém com maior valor para o parceiro, é o que vemos na fala do participante a seguir:

Quando tenho parceiro mais fixo, eu compro o preservativo. Aí eu escolho o preservativo que eu gosto. Porque eu tenho um apego maior à pessoa. É que pega mal-usar preservativo do SUS, porque já pensa que o cara é putanheiro, que transa com muitas pessoas. Só que todo mundo transa com muitas pessoas, mas não pega bem (P13).

Aqui novamente aparece o marcador social de classe, que está associado ao uso de preservativos do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto prática de menor valor. Dentro do cenário das entrevistas ser usuário do SUS é um indicador de pertencimento à uma classe social específica, por ainda associar-se à ‘saúde para os pobres’ (Martins et al., 2011Martins, P. C., Cotta, R. M. M., Mendes, F. F., Priore, S. E., Franceschini, S. C. C., Cazal, M. M., & Batista, R. S. (2011). De quem é o SUS? Sobre as representações sociais dos usuários do Programa Saúde da Família.Ciência & Saúde Coletiva, 16(3), 1933-1942). Usar esse tipo de preservativo depõe de forma negativa duplamente, uma vez que pode ser associado tanto à falta de recursos financeiros, como à promiscuidade ao utilizar o termo ‘putanheiro’. Elencar maior ou menor valor para os parceiros, gera nas relações situações de triagem em que são atribuídos graus de risco para relações sexuais, o que irá modular o uso e não uso de preservativos, associados a uma dinâmica de valoração e descarte do outro.

Formatos de acordos relacionais sexuais e afetivos associados ao modelo patriarcal heteronormativo, sobrevalorizam a manutenção de parceiros sexuais fixos e/ou exclusivos, operando como mais um fator de valoração das relações que, amparado no discurso sanitário, corrobora com marcadores que objetivam tornar a homossexualidade ‘aceitável’ (Oliveira, 2013Oliveira, J. M. (2013). Cidadania sexual sob suspeita: uma meditação sobre as fundações homonormativas e neoliberais de uma cidadania de “consolação”. Psicologia & Sociedade, 25(1), 68-78). Assim, a fidelidade e promiscuidade são tomadas, respectivamente, como fatores protetivos e de exposição, sendo que a responsabilização pelo risco de ser infectado pelo HIV recai primeiramente sobre o parceiro.

Nesse sentido, o desejo de vivenciar uma relação romântica nestes moldes com um parceiro, também pode aparecer associado à ideia de liberdade em poder transar sem camisinha:

Meu sonho é poder ter um parceiro e de trazer aqui, testar e depois de 30 dias fazer de novo o teste e ficar sem camisinha (P11).

Sem camisinha é só com o amor da vida (P14).

Sabe eu quero um parceiro maravilhoso, lindo, gostoso, que eu possa fazer sexo sem camisinha (P19).

Assim ter uma relação estável na perspectiva dos participantes também estabelece maior grau de segurança, aumentando a disponibilidade para o sexo sem preservativo (Antunes & Paiva, 2013Antunes, M. C., & Paiva, V. S. F. (2013). Territórios do desejo e vulnerabilidade ao HIV entre homens que fazem sexo com homens: desafios para a prevenção. Temas em Psicologia, 21(3), 1125-1143. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.3-EE17PT), o que caracteriza uma ‘homonormatividade’. Essa associação entre a vida erótica homossexual ao ideal de relação romântica nos moldes heteronormativos e patriarcais pode, no contexto brasileiro, ser ilustrada pelo uso do termo homoafetividade - introduzido como opção para deslocamento na associação da homossexualidade com um desejo erótico acentuado, para um campo mais afetivo e, portanto, tolerável à heteronorma. As consequências do uso desse termo pode subordinar a legitimidade dos direitos sexuais a um enquadramento institucionalizado familiar e conjugal, voltado ao afeto e amor romântico, consolidando hierarquias sexuais (Costa et al., 2017Costa, A. B., Catelan, R. F., Araujo, C. L., Silva, J. P., Koller, S. H., & Nardi, H. C. (2017). Efeito de configuração no apoio ao casamento de pessoas do mesmo sexo em universitários brasileiros.Psico (Porto Alegre),48(2), 99-108. http://dx.doi.org//10.15448/1980-8623.2017.2.24421
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). Nesse sentido, as formas de manifestação social da homonormatividade, segundo Rosenfeld (2009Rosenfeld, D. (2009). Heteronormativity and homonormativity as practical and moral resources: The case of lesbian and gay elders. Gender & Society, 23, 617-638.), ocorrem através do silêncio sobre as sexualidades ou da ação neoliberal, através da inclusão nas instituições e valores heterossexuais. Ser especial para o outro significa que o outro vai ‘fazer só contigo’.

Tu acabas fazendo sem preservativo, porque tu acreditas que aquela pessoa faça sem só contigo. Talvez pode não acontecer, mas na tua cabeça tu acaba fazendo só com aquela pessoa (P15).

Sem preservativo só se tivesse numa relação conjugal estável, com muita confiança na pessoa. Alguém que valha a pena, daí sim (P19).

Para muitos participantes, uma relação romântica com um parceiro fixo o tornaria especial para o outro, o que se desdobraria numa relação de fidelidade e exclusividade. No âmbito do relacionamento fixo e do espírito romântico, o apaixonar-se cria a percepção e uma responsabilidade pelo parceiro, dando sensação de confiança mútua que passa a justificar o não uso de preservativos:

Eu me apaixono, acho que é o amor da minha vida, sabe, a gente vai ficar junto até o final. Daí sinto uma grande responsabilidade de não ser o causador de doenças(P14).

É por confiança mútua mesmo. Não víamos o risco de precisar usar, mais isso mesmo (P16).

É importante pensar como muitas vezes esse critério de exclusividade e fidelidade ao mesmo tempo que prenuncia para o participante uma possibilidade de maior liberdade para o sexo sem preservativo, pode se transformar no contexto da convivência em maior exposição ao HIV. Isso porque foi comum mencionarem que depois de se estabelecer uma relação sem preservativos é muito mais difícil introduzir o uso posteriormente. Qualquer mudança de procedimento ou sugestão de autocuidado poderia produzir diferentes instabilidades e conflitos que são difíceis de administrar e justificar para o parceiro. Essa realidade também pode estar presente entre os relacionamentos heterossexuais e que explicitam o quanto se estabelecem relações assimétricas de poder e controle entre os indivíduos e as instituições que querem preservar, de forma que as negociações sobre sexo seguro fiquem silenciadas, mesmo que impliquem no aumento da vulnerabilidade de si mesmo e do outro.

Essa aproximação à heteronormatividade transcende a política social dos corpos e exerce forte papel na economia erótica, no campo do desejo. Para alguns participantes compreende-se que um homem heterossexual pode ser altamente valorizado, especialmente quando se trata de um homem casado.

Homem casado, eu acho que isso me dá uma segurança maior. Teoricamente quem tem uma família, na vida paralela vai ter um cuidado muito maior, porque tem família, esposa, enfim. Eu imagino que não vá se expor tanto e correr tanto risco assim (P18).

Há uma caracterização do homem casado como alguém que irá desenvolver relações homoeróticas com menos frequência e, consequentemente, confiabilidade, pelo que representaria os riscos para sua vida conjugal e familiar. Na análise de alguns participantes, o homem casado seria mais prudente na escolha de suas relações, pois estaria sob risco de rompimento da construção da própria identidade sustentada socialmente. Além disso, o ideal de virilidade e masculinidade associados à performatividade heterossexual têm valoração distintiva (Hamann, Pizzinato, Rocha, & Hennigen, 2020Hamann, C., Pizzinato, A., Rocha, K. B., & Hennigen, I. (2020). Marcadores de diferença e produção de si na prostituição entre homens. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro ), (34), 68-89. https://doi.org//10.1590/1984-6487.sess.2020.34.05.a
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). Nas relações fisicas no mercado sexual, por exemplo, a própria relação com as sexualidades (ocupar espaços ‘fora do meio’, performar um corpo ‘malandro’), são indícios de um ethos heterossexual não tão dependente da enunciação física, mas altamente valorizados e erotizados (Hamann et al., 2020).

Em um campo relacional de socialização pública, relativamente recente, cabe pensar como outras relações entre indivíduos podem ser validadas e beneficiadas por vantagens sociais que até o momento somente são atribuídas às relações de casamento e de parentesco (Foucault, 2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária (Coleção Ditos & Escritos, V).). Nesse sentido, as idealizações sobre determinados contextos relacionais acabam criando percepções negativas e baixas expectativas sobre a qualidade de vida e o valor que podem ser atribuídos à própria existência e a dos outros. Portanto, a maior ou menor valorização do outro diz respeito a uma oferta de interesses que consolidam relações baseadas em desejos balanceados por características e condições que apresentam maior valor para o estabelecimento das relações (Souza Neto & Rios, 2015Souza Neto, E. N., & Rios, L. F. (2015). Apontamentos para uma economia política do cu entre trabalhadores sexuais.Psicologia & Sociedade,27 (3), 579-586.). Assim, o desejo apresenta, portanto, características privadas, mas também públicas e que estão relacionadas com os marcadores sociais (Bensusan, 2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.).

Outro elemento que parece influenciar na gestão de risco é a familiaridade e convívio social, isto é, no caso de conhecer o parceiro já de outros contextos sociais ou mesmo pela continuidade da convivência, o que permite com que assumam o risco como identificamos nas falas:

Eu tenho a ilusão de que conhecendo as pessoas por mais tempo, tu consegues ter uma ideia de como a pessoa é, se a pessoa corre riscos ou não, se ela se expõe ou não […] Enfim, é minha maneira de fazer uma seleção. Espero um tempo de relacionamento para iniciar sexo sem preservativo (P18).

O risco é medido pela existência de um relacionamento, com um acompanhamento das formas de agir e de pensar do outro. A confiança em conhecidos, de quem se conhecem os hábitos, produziria uma suposição sorológica negativa (Cunha & Gomes, 2016Cunha, R. B. B., & Gomes, R. (2016). Sentidos atribuídos aos cuidados de saúde e à prevenção de DST/Aids em específico por jovens gays. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 26(3), 807-828. https://doi.org//10.1590/s0103-73312016000300006
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). Dessa forma, a confiabilidade é reforçada quando o relacionamento passa a se configurar como ‘fixo’, sendo uma das estratégias preventivas utilizadas. Alguns participantes mencionam que uma leitura atitudinal do parceiro, nos primeiros encontros, sinaliza o grau de risco que o sexo sem preservativo pode apresentar para eles, o resultado desta leitura pode levar à total disponibilidade em fazer sexo sem preservativo, ou ainda resultar na decisão em descartar a relação, como disse P13: “Se o parceiro pede para não usar no primeiro encontro, eu não faço sexo e até broxo. Não consigo”.

Um aspecto importante diz respeito às interpretações que envolvem a negociação para o uso do preservativo. O fato de propor a um parceiro sexual o uso do preservativo pode representar um questionamento à saúde do outro e, desse modo, produzir uma situação não desejada no encontro sexual, como menciona P6: “Para aquela pessoa é possível que ela já se sinta um pouco, tipo, a palavra não é inferiorizada, mas talvez eu esteja colocando ou questionando a saúde dela e isso eu acho que é ruim”.

Nesse sentido, aparece uma hesitação quanto aos efeitos da proposição ao parceiro para o uso do preservativo diante do temor que esta proposição passe a configurar uma manifestação de desconfiança e/ou diminuição do outro. Para evitar esta situação, uma estratégia utilizada por alguns participantes, quando há disponibilidade em fazer sexo sem preservativo, é o questionamento ao parceiro sobre a última vez que realizou o teste rápido ou mesmo falar para o parceiro sexual a regularidade com que o próprio participante se submete à testagem para identificação de infecções sexualmente transmissíveis, no sentido de oportunizar como contrapartida a informação do parceiro sobre sua sorologia. O controle sorológico aparece como uma das formas de cuidado e de segurança para realização de sexo sem preservativo (Platteau et al., 2018Platteau, T., Lankveld, J., Apers, L., Fransen, K., Rockstroh, J., & Florence, E. (2018), HIV testing for key populations in Europe: A decade of technological innovation and patient empowerment complement the role of health care professionals. HIV Medicine, 19, 71-76. doi:/10.1111/hiv.12601
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).

Quando debatem as práticas sexuais desprotegidas, Rios et al. (2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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) trazem dados de sua pesquisa em que os participantes argumentam que em situações de muita excitação e ausência de camisinha, os elementos estéticos, o conhecimento e a posição sexual criam disposição para sexo desprotegido. Na comunidade gay, a categoria passivo assume o duplo sentido de gostar da prática de intercurso anal receptivo (IAR) de ser homem feminino, e é recorrentemente utilizada para se referir de forma negativa a alguém. Logo, também as identidades de gênero são hierarquizadas e, portanto, seriam sujeitos que gerariam mais temor à infecção (Rios et al., 2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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).

Assim, a repetição do teste anti-HIV, antes apresentado nos estudos somente como uma forma de indicação recorrente de exposição, passa a também ter caráter preventivo, sendo inclusive recomendado como uma das ações preventivas de realização periódica e indicador de cuidado atual dos indivíduos (Redoschi, Zucchi, Barros, & Paiva, 2017Redoschi, B. R. L., Zucchi, E. M., Barros, C. R. S., & Paiva, V. S. F. (2017). Uso rotineiro do teste anti-HIV entre homens que fazem sexo com homens: do risco à prevenção.Cadernos de Saúde Pública , 33(4), e00014716. https://dx.doi.org//10.1590/0102-311x00014716
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). A possibilidade de combinar diferentes métodos preventivos permite maior autonomia dos indivíduos diante da diversidade de situações e percepções que as pessoas têm a respeito dos riscos e das formas de proteção (Grangeiro et al., 2015Grangeiro, A., Ferraz, D., Calazans, G., Zucchi, E. M., & Diaz-Bermúdez, X. P.(2015). O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia, 18 Suppl 1, 43-62.). Na pesquisa de Rios et al. (2019Rios, L. F., Albuquerque, A. P., Santana, W. J., Pereira, A. F., & Oliveira Júnior, C. J. (2019). Posições sexuais, estilos corporais e risco para o HIV entre homens que fazem sexo com homens no Recife (Brasil). Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 973-982. https://doi.org//10.1590/1413-81232018243.34092016
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), os participantes que se expunham a riscos, movidos pelo medo da infecção, esperavam findar o período da janela imunológica para buscar certo alívio com o teste, que figura como tentativa de reparação, mesmo sem eficácia preventiva individual. Porém, conforme o referido pelo P6 uma negociação mais direta sobre os riscos pode ser entendida como algo que pode ‘inferiorizar’ o outro.

Nessa direção, os participantes também referiram a autoestima e o humor situacional, como estando relacionados com a gestão de risco e uso de preservativo. Um dos participantes refere que diante da depressão, autoestima baixa e sentimento de inferioridade, transar com muitas pessoas pode ser uma forma “[...] de sentir o ego inflado” (P6). Assim, o sexo em si pode ser considerado uma estratégia para sentir-se valorizado. Conforme menciona o P14: “[...] meio que um vício sabe, quando vi que o resto da minha vida não dava certo, pelo menos eu conseguia controlar o quanto eu ia transar”. A identificação de carência afetiva evidencia aumento do risco em não avaliar as consequências das ações, conforme menciona P11: “[...] se a gente vai numa festa e a gente está bem atendido sexualmente, tu não te lança na primeira”. De forma complementar, a segurança do outro, a persuasão e o sentimento de inferioridade tornam a pessoa mais suscetível ao não uso de preservativo:

Tem pessoas que eu acho que elas são bem seguras assim, mesmo que em linhas teóricas elas tenham tido mais parceiros, mas elas ficam seguras. E daí meio que te convencem que tu está errado, que é só uma preocupação (P14).

Desse modo, o sentimento de inferioridade aparece associado ao estigma social imposto através de um conjunto de experiências de rejeição, agressão, violência, que se expressam por meio de ações negativas motivadas pela orientação sexual e incrementado pela (auto)avaliação de menor valor na economia erótica. E esse processo de precarização e desvalorização das pessoas pode gerar situações de vulnerabilidade (Seffner & Parker, 2016Seffner, F., & Parker, R. (2016). Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids.Interface-Comunicação, Saúde, Educação,20(57), 293-304. https://dx.doi.org//10.1590/1807-57622015.0459
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), é o que pode ser observado na seguinte fala:

Geralmente os mais exigentes são esses bonitões que ficam nas danceterias GLS, eles sabem que eles têm um poder de sedução, por terem corpo malhado, por serem grandões e tal. Quando eles pegam as bichinhas feinhas, que até às quatro horas da manhã não pegaram ninguém, eles podem exigir o que eles quiserem. Eu vejo que os meus amigos mais feinhos foram os primeiros que pegaram HIV, os gordinhos, pela questão deles se sentirem inferiores e tal. Se a pessoa for mais bonita e exigir que seja sem preservativo, eles fazem sem, só para não perder a oportunidade, tem aquela baixa estima. Tem amigos meus bem bonitões, que se cuidam muito e não ficam com qualquer um, conseguem escolher deixar mais seleta a coisa (P10).

Para Butler (2015Butler, J. (2015).Relatar a si mesmo: crítica da violência ética(R. Bettoni, trad.). São Paulo, SP: Autêntica. Trabalho original publicado em 2005.), o ‘eu’ não se origina em um indivíduo por si, mas nas relações de interpelação e resposta que este estabelece com o outro. Assim, o processo de absorver atitudes sociais negativas e assimilá-las como parte da identidade pessoal, associando-as à vergonha, evitação e comportamentos autodestrutivos podem levar ao encobrimento da identidade sexual na tentativa de esconder a sexualidade diante do receio de punição e rejeição (Meyer, 2003Meyer, I. H. (2003). Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: conceptual issues and research evidence.Psychological Bulletin,129(5), 674-697. http://doi.org//10.1037/0033-2909.129.5.674
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). A vergonha em relação a uma identidade estigmatizada e o medo de experienciar o estigma social podem contribuir não só para o encobrimento da identidade sexual, como também para inibição do exercício de uma sexualidade prazerosa.

Nesse mesmo panorama de influência social, a aceitação da orientação homossexual pela família aumenta a segurança e as condições de exteriorização dos desejos. Esse fator aparece como encorajador para criação de uma resistência ao sexo inseguro e negociação do uso de preservativos. O P14 comenta:

Uma vez que meu pai biológico aceitou que eu era gay, foi assim mais para a frente. Então ele conversa sobre essas coisas de uma forma positiva assim, sabe. Ele diz que é importante usar camisinha, ele me faz querer usar camisinha […] Uma situação familiar boa te faz não querer tanto esses comportamentos que podem te colocar em risco (P14).

Na direção contrária, a falta de apoio e aceitação familiar pode dificultar que as pessoas assumam suas preferências sexuais e tornar-se um fator claro de sofrimento.

Se eu pudesse eu faria sexo com mulheres, se eu pudesse eu não seria gay. Não consigo mudar isso. O que eu faço é reduzir sexo com homem. Às vezes faço uma vez por mês. Já pensei em tomar viagra e sair transando com as mulheres, já tentei transar com mulher, mas não tenho ereção. Prefiro a felicidade da minha família à minha. Ninguém sabe na minha família, no trabalho, que sou gay. Tenho um tio que é e revelou, alguns entendem e outros não, isso não é o que eu quero (P4).

Nesse trecho da fala do P4, deparamo-nos com o conflito em relação ao medo da rejeição em mostrar como são suas relações e seu desejo. O participante ainda lembra de algumas relações sexuais que teve de forma mais impulsiva com outros homens, especialmente na juventude, e que aconteciam após momentos de grande tensão entre ceder ou não aos desejos que tentava resistir. Comenta que após o ato sexual, sentia-se culpado e envergonhado. Como a aceitação social é escassa e, especialmente, condicionada para os homossexuais (Bensusan, 2004Bensusan, H. (2004). Observações sobre a libido colonizada: tentando pensar ao largo do patriarcado.Estudos Feministas,12(1), 131-155. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100007), a vergonha toma espaço configurando hierarquias e atributos que afetam a autoestima. Manter sigilo sobre a sexualidade, manter-se ‘fora do meio’ é valorizado também no próprio campo de negociações homoeróticas e cria a percepção de que o privado, o que está dentro e o próprio sujeito pode permanecer controlado, mais aferrado aos ideais da masculinidade heteronormativa, enquanto uma vida mais aberta incrementaria respostas hostilizadoras de todas as frentes (Miller, 1988Miller, D. A. (1988).The novel and the police. Berkeley, CA: University of California Press.). No entanto, quando a autoaceitação é baixa e os recursos de negociação não são exercitados, há maior possibilidade de exposição a riscos e aumento de vulnerabilidade dos indivíduos.

O contexto histórico social parece ser outro fator predisponente ao estabelecimento de estratégias preventivas. É o que comenta P19 ao falar que ter nascido numa geração que acompanhou a geração anterior que não tinha a noção do que era a aids e que “[...] transavam sem camisinha e morriam disso” (P19), faz com que a pessoa esteja mais atenta às questões preventivas. Assim, o marcador idade parece estar relacionado à gestão de risco. A constituição dos sujeitos sempre se configura nas experiências materiais e qualitativas que foram articuladas dentro de condições históricas e existenciais concretas (Brah, 2005Brah, A. (2005).Cartographies of diaspora: Contesting identities. London, UK: Routledge.).

Os desejos fazem parte de uma construção social, são constituídos da confluência da comunidade, da subjetividade e do ambiente onde vivemos (Bensusan, 2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.). Logo, é importante pensar como o regime de escassez erótica pode transformar o desejo em posse, reiterando relações de dominação e subordinação, numa tentativa de estabelecer garantias de segurança e prazer pleno pelo exercício de poder que o valor na economia erótica possibilita. É preciso considerar o desejo como um bem abundante (Bensusan, 2006Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.), constituindo espaços afetivos em que não preponderem relações de propriedade e dominação, e sim espaços nos quais a erótica possa ser problematizada como um território também político.

Considerações finais

O presente estudo analisou que a gestão de risco relativa ao uso de preservativo está relacionada a uma economia erótica, na qual marcadores sociais interseccionados estabelecem relações de poder que incidem sobre a gestão de riscos. Assim, a economia erótica, que descreve o valor do outro e os fatores relacionados à constituição da gestão de risco no uso de preservativos, interfere no grau de negociação entre parceiros sobre quais práticas serão performadas no ato sexual. Vê-se que a simples transposição de um modelo heteronormativo para as relações sexuais entre homens pode também configurar em relações assimétricas de poder, comuns às relações heterossexuais.

Assim sendo, a implicação desta pesquisa está em apresentar essa economia erótica para que se possa pensar nos atravessamentos das relações de poder na gestão de riscos. É preciso destacar a importância das negociações sobre sexo seguro, a partir do estabelecimento da comunicação entre parceiros que venham buscar a construção de relações mais simétricas e de discussões políticas no campo privado. Nesse sentido, cabe retomarmos a importância dos direitos humanos e sexuais, com respeito à diversidade, tendo em conta a relevância dos mesmos para o estabelecimento de maior equilíbrio na economia erótica.

Há que considerar que este estudo ocorreu em um contexto de realização do teste anti-HIV, o que pode ter contribuído para o processo de análise das questões relacionadas ao não uso de preservativos. Cabe pensar futuros estudos de intervenção que considerem as práticas sexuais e as novas tecnologias de prevenção, de forma que estimulem espaços para expressão, transformação criativa e autonomia para o desenvolvimento de estratégias de prevenção para exercício pleno da sexualidade de cada um.

Referências

  • Antunes, M. C., & Paiva, V. S. F. (2013). Territórios do desejo e vulnerabilidade ao HIV entre homens que fazem sexo com homens: desafios para a prevenção. Temas em Psicologia, 21(3), 1125-1143. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.3-EE17PT
  • Bensusan, H. (2004). Observações sobre a libido colonizada: tentando pensar ao largo do patriarcado.Estudos Feministas,12(1), 131-155. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100007
  • Bensusan, H. (2006). Observações sobre a política dos desejos: tentando pensar ao largo dos instintos compulsórios.Estudos Feministas, 14(2), 445-479.
  • Brah, A. (2005).Cartographies of diaspora: Contesting identities London, UK: Routledge.
  • Butler, J. (2015).Relatar a si mesmo: crítica da violência ética(R. Bettoni, trad.). São Paulo, SP: Autêntica. Trabalho original publicado em 2005.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Dez 2020
  • Aceito
    21 Fev 2022
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