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Oswaldo Di Loreto: originalidade e avanços na pesquisa da mente humana

EDITORIAL

Oswaldo Di Loreto: originalidade e avanços na pesquisa da mente humana

Como tem sido o objetivo dos Editoriais da revista Psicologia em Estudo trazer breves reflexões ao leitor, com vista a aguçar seu interesse em adentrar no conteúdo que vem a seguir, em sequência ao editorial do número passado - no qual se teceram críticas e reflexões ao produtivismo quantitativo imposto à ciência atual - propõe-se aqui uma homenagem a um pensador que, na contramão de tal engrenagem produtivista, deixou um legado de qualidade e aprofundamento científico na área de psicoterapia infantil. Entende-se que para tal empreita, nada mais correto do que abrir espaço no presente editorial para ex-alunos e companheiros de trabalho de Oswaldo Dante Milton di Loreto.

Assim, o editorial deste número traz uma homenagem a esse pensador, médico psiquiatra pela Universidade de São Paulo e um dos pioneiros da psicoterapia infantil no Brasil. Mais de 50 anos de sua vida profissional foram dedicados ao estudo da mente de crianças. Recebeu o título de Notório Saber do Instituto de Psicologia da USP. Escritor tardio, iniciou seus escritos aos 68 anos e publicou três livros preciosos, além de vários artigos neste periódico científico. Seus escritos, em linguagem coloquial, revelam tom agradável de conversa, trazem exemplos da vida cotidiana, sem abandonar o rigor conceitual. Foi um estudioso da psicanálise, especialmente de Melanie Klein, e um teorizador da clínica, acrescentando, propondo novos conceitos e inovando sobre vários temas.

Trabalhou com cerca de 30.000 casos de crianças de classes sociais diferentes e em situações inusitadas. Nomeou sua metodologia como Teoria da Prática, evidenciando a importância do método: "Corrigindo a metodologia o conhecimento psicológico vem em decorrência", dizia ele.

Na Teoria da Patogênese dos Vínculos, exposta em seu livro intitulado Origem e modo de construção das moléstias da mente (psicopatogênese): a psicopatogênese que pode estar contida nas relações familiares, de 2004, explicou a origem e o modo de construção da mente relacionando-os aos vínculos estabelecidos nas relações familiares. Para ele a patogênese se dá, especialmente, a partir dos conflitos humanos estáveis, instalados e repetidos automaticamente na rede das relações familiares. Não raro a comunicação vai se dar por vias reflexas, ou seja, um dos pais faz refletir-se no filho a imagem que tem do outro, de tal maneira que impossibilita a criança de conhecê-lo por si mesma e estabelecer relação direta.

O insigne psicanalista identificou uma doença mental ainda não descrita e denominou-a de distúrbio esquizomaníaco. Descreveu sua etiopatogenia, patologia, epidemiologia e indicação de tratamentos. São pacientes que diferem tanto dos quadros neuróticos quanto dos psicóticos. Talvez sejam borderline, oscilando entre a psicose e a normalidade. Basicamente, têm suas mentes perturbadas na qualidade da potência.

Por mais de 30 anos Di Loreto trabalhou com um grupo de estudos denominado GEPPPI (Grupo de Estudos de Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapia da Infância). Foram centenas de alunos espalhados "pelos Brasis", de Norte a Sul. Muitas horas de voo, disposição, paciência e lealdade à sua paixão pela compreensão da mente humana. Solidário às angústias de jovens profissionais, ocupava-se ouvindo casos trazidos pelos alunos: esse era o material de trabalho para horas de conversa. A sua proposta era que se construísse a ferramenta do pensar clínico recuperando-se o sentido de técnicas aprendidas mecanicamente e vitalizando-se teorias. Ao final das jornadas, a vivência de que o conhecimento sobre o paciente é construído com muito trabalho, estudo e tolerância.

Di Loreto era pouco afeto ao acúmulo de bens, poder e prestígio: "Nível zero de frescura", como gostava de brincar. Defensor incondicional da ética e das boas condições de trabalho, "pechinchar, só em favor dos pacientes". Estimulava a criação de novos grupos de estudo, dirigidos pelos gepppianos.

Seu último trabalho foi a Conferência "O mico-leão-dourado, o boto-cor-de-rosa e a psicoterapia", no encerramento do IV CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia, organizado pelo Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, em maio de 2009. Di Loreto contagiou o público, emocionou, inspirando temas para pesquisas. Falou da época em que Freud desenvolveu a psicanálise a partir de mentes reprimidas potencializadoras de neuroses. Comparou-a com a formação da mente em tempos de neoliberalismo, baseado na cultura do consumo, na falta de intimidade nas relações e na inexistência de introspecção, contribuindo para a formação de mentes vazias e expulsivas, sem "encucações". Provocou os participantes a encontrarem novas ferramentas de trabalho para alcançar essas mentes.

Di Loreto faleceu no dia 30 de julho deste ano aos exatos 80 anos. Deixou contribuição teórica original à psicologia e à psicanálise, importantes inovações e significativos avanços, movimentando descobertas e abrindo caminhos para aprimorar a pesquisa da mente em construção.

Edilene de Lima

Psicóloga clínica, especialista pelo GEPPI, e-mail: edilene.li@bol.com.br

Noeli Sanchez Lisboa

Psicóloga clínica, especialista pelo GEPPI, e-mail: noleisanchez@hotmail.com

Silvana Tuleski

Editora

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2009
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