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Em busca de um padrão mínimo de recursos por aluno no ensino de 1º grau

Reflections about a per pupil costs model in brazilian primary education

Resumos

Este artigo visa aquilatar as reais disponibilidades de recursos públicos por aluno que demanda ao ensino de 1º grau, com base nas receitas tributárias dos três níveis do governo, na arrecadação do salário-educação e nos índices mínimos de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino definidos pela atual Constituição Federal. Em seguida, é analisado o padrão de ensino que este nível de recursos por aluno propiciaria se fosse efetivamente aplicado. Finalmente, são feitas algumas considerações sobre a demanda de recursos para a merenda escolar.


This paper aims to stablish the level of public resources per pupil of brazilian primary school, guaranted by the three government's level and education salary tax, according the Federal Constitution. Next, the kind of instruction these resources may allow is evaluated. Finally, some considerations are made about the costs of school lunch.


Em busca de um padrão mínimo de recursos por aluno no ensino de 1º grau

Reflections about a per pupil costs model in brazilian primary education

José Marcelino de Rezende Pinto

Prof. da FFCLRP-USP

RESUMO

Este artigo visa aquilatar as reais disponibilidades de recursos públicos por aluno que demanda ao ensino de 1º grau, com base nas receitas tributárias dos três níveis do governo, na arrecadação do salário-educação e nos índices mínimos de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino definidos pela atual Constituição Federal. Em seguida, é analisado o padrão de ensino que este nível de recursos por aluno propiciaria se fosse efetivamente aplicado. Finalmente, são feitas algumas considerações sobre a demanda de recursos para a merenda escolar.

ABSTRACT

This paper aims to stablish the level of public resources per pupil of brazilian primary school, guaranted by the three government's level and education salary tax, according the Federal Constitution. Next, the kind of instruction these resources may allow is evaluated. Finally, some considerations are made about the costs of school lunch.

INTRODUÇÃO

Alfabetização e cidadania, duas palavras que se incorporaram definitivamente ao vocabulário educacional brasileiro como duas faces de uma mesma moeda. Uma não viceja na ausência da outra. Por outro lado, segundo o MEC, em 1989 tinha-se o seguinte quadro de indicadores educacionais:

- 17,5 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais;

- 5,0 milhões de crianças na faixa de 7 a 14 anos fora da escola;

- 19,5 milhões de crianças na faixa de 0 a 6 anos fora da pré-escola;

- 12,2 milhões de jovens na faixa de 15 a 19 anos fora do 2º grau.

Total: 54,2 milhões de brasileiros que não têm acesso a um dos direitos mais fundamentais da pessoas humana que é o direito à educação. Este é o tamanho da dívida social brasileira que deve ser resgatada logo sob pena de inviabilização completa da nação.

O objetivo deste artigo é enfocar uma das partes desta dívida, aquela referente ao ensino fundamental e que é dever do Estado garantir a todos os brasileiros conforme determina a Constituição Federal. Visa-se aquilatar o nível de recursos/aluno necessário para garantir um padrão mínimo de qualidade mas sempre tendo como referência as disponibilidades financeiras reais dos três níveis do governo aos quais compete o cumprimento do preceito constitucional, a saber, União, Estados e Municípios. Para não cairmos em discussões de caráter bastante subjetivo sobre qual seja este valor mínimo de recursos, se os US$ 3.500 dos EUA e Canadá, por exemplo, ou os US$ 1.500 da Europa e Japão (UNESCO, 1988), partiremos inicialmente do levantamento dos recursos disponíveis para o ensino fundamental nos termos da legislação em vigor (CF e lei 7.348/85) e com base nos valores obtidos veremos que padrão de ensino estes recursos podem garantir. Uma coisa contudo é certa, este valor não pode estar próximo dos atuais US$ 80/aluno-ano gastos pelo país (Xavier e Marques, 1987).

OS RECURSOS PARA O ENSINO

Em primeiro lugar, examinaremos então a receita líquida de impostos dos três níveis de governo sobre a qual devem incidir os percentuais que, pela Constituição, destinar-se-ão à manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) (Estes índices são de 18% para a União e de 25% para os Estados, DF e Municípios).

Os dados do quadro I indicam primeiramente a queda constante, frente ao PIB, das receitas públicas a partir de 1986. Isto se deveu basicamente a uma certa queda da atividade econômica a partir do plano cruzado "2" mas principalmente devido ao retorno da inflação que corrói sobremaneira as finanças públicas particularmente dos Estados e Municípios que se encontram mais vulneráveis que a União. Assim é que se observa que esta esfera de governo foi a única que conseguiu melhorar o nível de receitas frente a 1986, Um segundo aspecto a se comentar é o baixo valor, frente ao PIB, da carga de impostos no Brasil uma vez que nos países desenvolvidos ela está na faixa de 30% do mesmo contra os 13% apontados no quadro I. É verdade que neste quadro não foram consideradas as contribuições parafiscais (Previdência, FGTS, Salário-Educação, etc) que, no Brasil, assumem valores consideráveis. De qualquer forma, esta baixa carga tributária é um importante fator explicativo do déficit crônico das contas públicas juntamente, é claro, com a má aplicação dos recursos. Assim é que, no orçamento da União de 1989, a receita tributária correspondeu a apenas 16% da receita total contra os 70% de participação das Operações de Crédito o que indica a virtual falência do Estado no Brasil. Para completar a gravidade do quadro, tem-se que 70% dos tributos no Brasil são indiretos, ou seja, são repassados ao preço final dos produtos, onerando de forma mais intensa a população pobre que não recebe como contrapartida qualquer benefício social. Como os principais tributos diretos do país (Imposto de Renda e IPTU) atingem menos de 5% da população, a única forma de aumentar o bolo fiscal será a adoção de uma política de distribuição de rendas aliada, é claro, à caça à sonegação que campeia solta.


Apesar do quadro I não levar em conta os efeitos da reforma tributária efetuada pela Constituição Federal de 1988, pode-se dizer que esta atuou mais no sentido de ampliar as transferências entre os níveis do governo, do que propriamente de aumentar o bolo fiscal (Pinto, 1989). Assim, para a construção do quadro II, a seguir, utilizaremos a média da receita líquida de impostos durante os anos indicada. Em seguida, (2ª linha) utilizando os índices constitucionais obteremos os recursos a serem destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino. Na 3ª linha obteremos os recursos mínimos a serem aplicados no ensino fundamental e erradicação do analfabetismo nos termos do art. 60º das Disposições Transitórias da Constituição Federal que estabelece que pelo menos 50% dos recursos destinados à MDE deverão ter esta finalidade. Por fim, na 4ª linha do quadro II, adotaremos uma situação hipotética na qual a União destinará 50% dos seus gastos com MDE ao ensino fundamental, os Estados, 70% (que foi o índice apresentado pelos Estados da região do Sudeste em 1986) e os Municípios, 90% (supondo que os outros 10% serão aplicados na pré-escola). Como fonte de recursos para o ensino fundamental o quadro II apresenta também o Salário-Educação que é uma contribuição social a ser paga por toda empresa contribuinte do INSS e cuja alíquota atual é de 2,5% da folha de contribuições, (ver sobre esta contribuição, Melchior, 1987; Souza, sd; Velloso, 1985).


De posse dos dados apresentados no Quadro II, vejamos agora os recursos disponíveis por aluno do 1º Grau de ensino. Segundo levantamento do MEC (MEC-SAG, 1990), o Brasil possuia em 1989 27,5 milhões de crianças na faixa de 7 a 14 anos, 82% das quais se encontravam matriculadas no ensino regular de 1º Grau. Como, no referido ano, estimava-se a existência de 4 milhões de crianças matriculadas na rede particular de 1° grau, chega-se a um total de 23,5 milhões de crianças como o alvo básico a ser atendido. É óbvio que este número vale apenas como referência, como uma primeira aproximação, já que a CF determina a obrigatoriedade do estado oferecer o ensino fundamental a todas as pessoas que a ele não tiverem acesso e não apenas àquelas na faixa de 7 a 14 anos. Só a título de exemplo, hoje 5 milhões de matrículas no 1° grau são ocupadas por jovens fora da faixa de 7 a 14 anos devido basicamente à repetência (Fletcher, 1985). Assim, é importante salientar que o problema central do 1° grau hoje não é de falta de vagas que inclusive superam em 110 mil (MEC-SAG, 1990) número de alunos na faixa etária correspondente mas de incapacidade dos sistemas de ensino em promover seus alunos (ver, neste sentido, os trabalhos de Sérgio Costa Ribeiro do LNCC-CNPQ). Este fato coloca sérias dúvidas sobre a premência dos CIACs de Collor. A questão central hoje é investir na qualidade e eficiência da rede já instalada.

Pois bem, tomando por base o número de 23,5 milhões de pessoas como a demanda inicial básica e considerando a hipótese de um montante disponível de recursos públicos da ordem de US$ 6,9 bilhões (4ª linha do quadro II) nós teríamos o equivalente a 294 dólares por estudante. O primeiro fato a se comentar sobre este valor é que, se por um lado ele corresponde a 1/5 dos valores praticados na Europa, ou menos de 1/12 daqueles praticados nos EUA, ele é mais de 3 vezes superior aos US$ 80 gastos efetivamente no Brasil. Este fato demonstra a grande manipulação que ocorre com os recursos para o ensino, envolvendo desde dupla, ou tripla contagem de um mesmo recurso (que entra no orçamento dos três níveis de governo, como por exemplo, salário-educação e as transferências de Tributos), passando pelas perdas no trajeto até a sala de aula e culminando com a absoluta falta de prioridade quanto ao 1º grau. Neste último aspecto basta dizer que os Estados da região NE com menos da metade dos alunos de 2º grau frente ao SE gastavam, em 1986, o mesmo montante de recursos com este grau de ensino e, proporcionalmente, 3 vezes mais com a administração de seus sistemas de ensino (MEC, 1988). Vejamos agora que tipo de ensino este nível de recursos nos propiciaria. Para tanto usaremos como base o salário docente que ele comportaria pagar. Assim, supondo o salário docente como correspondente a 67% do custo-aluno (valor praticado pela rede estadual de São Paulo, no Brasil a média é de 42% o que mostra, mais uma vez, o nível de desperdício - MEC-SAG, 1990) e considerando uma média de 24 alunos/docente (que é a média do Brasil), teríamos um salário anual de (0,67x24x294) US$ 4.728, ou, aproximadamente, um salário mensal médio de 5 Salários Mínimos para uma jornada de 20 horas. Este valor, embora baixo é, por exemplo, quase o dobro do piso inicial da rede pública do Estado de São Paulo. Assim, entendemos que este piso, deveria servir como ponto de partida, como balizamento, ou seja, que nenhum estudante brasileiro do 1º grau de ensino receba do Estado, em qualquer rede, valores inferiores a US$ 255. Que este piso fosse estabelecido por lei, assim como o Salário-Mínimo, corrigido mensalmente, implicando o seu não cumprimento em responsabilização da autoridade competente.

A MERENDA ESCOLAR

Um último ponto a se considerar é a questão da merenda escolar que não entrou no cômputo acima. A se garantir uma refeição básica de qualidade razoável nós teríamos um gasto "per capita" de, pelo menos, US$ 200 ao ano, ou seja, praticamente 80% do total de recursos atualmente disponíveis para o ensino básico. Isto sem falar que pela CF (art. 212, § 4ª), estes recursos não deveriam sair do orçamento educacional o que, inexplicavelmente, não tem sido o entendimento de boa parte dos Tribunais de Conta estaduais. Assim, a sugestão que deixamos é no sentido de se abandonar estas misturas insossas que as crianças detestam e que só alimentam a corrupção e se garantir um café com leite e pão com manteiga e ovo que, se não resolve o problema da fome (que não é tarefa da escola), ao menos ameniza e todo mundo gosta. Esta opção sairia na faixa de US$ 55 por aluno-ano, ou um total de US$ 1,3 bilhões para todo o sistema que poderiam ser facilmente cobertos com os recursos da Seguridade Social, conforme manda a CF.

CONCLUSÃO

Neste ponto finda este breve artigo que teve como finalidade apenas apresentar algumas questões, apontar algumas veredas por onde pode passar a discussão do financiamento do ensino fundamental (sobre a questão de custo-padrão qualidade, ver os trabalhos de Ediruald de Mello e João Monlevade)

Nunca é demais lembrar que nos limitamos a trabalhar neste estudo com os recursos constitucionalmente vinculados à educação, sem avançar na delimitação de fontes adicionais. Contudo, somente em incentivos fiscais, a União deixará de arrecadar US$ 7,4 bilhões de 1991 (FSP, 24/04/91), recursos que, se destinados ao 1º grau nos permitiriam atingir valores superiores a US$ 500 por aluno-ano e que vão engordar os bolsos de empresários que desconhecem o que seja qualificação profissional e que confundem cidadania com defesa de seus interesses particulares, beneficiados por um governo que se elegeu sob a bandeira do fim do protecionismo, governo este que cria um programa de construção de escolas (como se o problema da escola pública no Brasil fosse de falta de vagas) e o coloca sob a responsabilidade do Ministro da Saúde...

Bibliografia:

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PINTO, José Marcelino de Rezende. As implicações Financeiras da Municipalização do Ensino do 1º Grau. Campinas, Faculdade de Educação da UNICAMP, 1989. (dissertação de mestrado)

SOUZA, Alberto Mello e. Transferências Educacionais: Salário-Educação e Fundos de Participação. Brasília, MEC-SEPS, sd. (mimeo)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 1991
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