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Relembrando Carolina Bori

Relembrando Carolina Bori

Maria do Carmo Guedes1 1 Bori, C.M. "Fatores responsáveis pela 'evasão' da escola primária: uma pesquisa na cidade de Rio Claro". Revista de Psicologia Normal e Patológica. v. XV, n. 3 / 4, 1969, p. 239- .

PUC - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria do Carmo Guedes Rua: Geórgia, 419 Brooklin São Paulo - SP, CEP 04559-010 E-mail: mcguedes@pucsp.br

Falar sobre Carolina Bori, é uma tarefa não muito fácil porque é preciso escolher um foco, tanto há o que dizer sobre esta Emérita Professora. O destaque que escolhemos para este texto está diretamente inspirado no nome deste periódico: paideia (cultura), nome que lembra a luta da filosofia para estabelecer a existência dos valores supremos que deveriam constituir a meta do ideal da vida do homem e da educação na cultura grega.

Ao falar desta luta, Jaeger (1944) a chama de "esplêndida". E é assim mesmo que penso a luta de Carolina Bori em defesa da formação de pessoal para a pesquisa e o ensino da ciência em todas as áreas e para a promoção e difusão do conhecimento científico no Brasil - condições para desenvolvimento autônomo do país.

Foi assim que se dedicou ao ensino universitário. Na Psicologia, defendeu a pesquisa rigorosa, orientando pessoal das mais diversas abordagens, porque o que importava era que fossem bons pesquisadores: só assim teríamos bons professores na área. E ao longo de seus quase sessenta anos de vida profissional, nunca deixou de dar aula. Também nunca rejeitou apoio a quem quer quisesse aprender com ela sobre programação de ensino. Na Física, na Química, na Enfermagem, na Engenharia... todas as áreas mereciam sua atenção: porque em todas é preciso ter bons professores, e a sua área podia contribuir para isso. Sua atuação exemplar em todas essas tarefas foi deixando muitos multiplicadores, hoje pesquisadores e professores nas mais diversas áreas e nas mais importantes instituições do país. Prova disso é possível ver claramente em depoimentos publicados em Matos, M.A. (Ed.). Psicologia USP, v. 9, n. 1, 1998.

Não satisfeita, dedicou-se também a outros níveis de ensino. Ao início da década de 1960, já analisava "fatores responsáveis pela 'evasão' da escola primária"1, e já com aquele rigor que será cobrado de seus orientandos e alunos: em que área se insere o tema?; que dificuldades é preciso considerar?; com que definição trabalhar e por que? e onde levantar informações? Carolina Bori prefere conhecer então as crianças e seus pais. E em seu último projeto no Nupes (2002-2004) - sobre o problema do negro na Universidade -, conseguiu incluir, entre muitas diferentes atividades, a realização de um curso (apenas o primeiro, insiste) para professoras interessadas em saber como lidar com episódios de discriminação em sala de aula, que acontecem desde o pré-primário2 2 Em entrevista a Maria Amélia Matos, em vídeo gravado em julho de 2004 (Conversando com Carolina Bori. ABPMC). .

Na Estação Ciência, que dirigiu entre 1990 e 1994, criou o Projeto "Escola em extensão" - que envolveu professores da rede pública de ensino. E no IBECC desde 1984, é lembrada, entre outras, por sua contribuição especial ao professor secundário: criou um grupo de apoio ao professor, com uma publicação regular com notícias e resumos de artigos sobre descobertas científicas as mais recentes e enviando fotocópias ao professor que solicitava.

Mas Carolina Bori dedicou-se ainda ao ensino técnico, produzindo e promovendo a produção de material instrucional para docentes e dirigentes dessa área na década de 1970, no Cenafor, onde também deixou ex-alunos e colaboradores atuando ainda por muito tempo.

No que se refere à promoção da pesquisa científica na área de psicologia, além de professora e orientadora, criou e participou da criação de diferentes unidades acadêmicas em pelo menos quatro universidades. Participou ainda da criação de laboratórios e cursos e de sociedades científicas, locais e nacionais, tendo ocupado cargos os mais variados em suas diretorias e presidido algumas das mais importantes do país.

Também aqui, no entanto, sua atuação não ficava só na Psicologia. Maior prova está na aclamação como Presidente de honra da SBPC em 1989, a mais abrangente associação de pesquisadores do país, na qual sempre batalhou bravamente pela ciência brasileira. Seu período como Presidente dessa importante Sociedade científica (na qual exerceu cargos em diretoria desde 1973) coincidiu com momentos os mais difíceis para a sociedade brasileira, momentos que ela enfrentou bravamente mas também com serenidade, como o atestam seus colegas3 3 Ver Matos, M.A. (Ed.), conforme nota 1. ou nós todos que participamos das Reuniões anuais que organizou e dirigiu. Influiu decisivamente na definição de projetos e programas oficiais e não oficiais em defesa da educação, do ensino e da escola pública. Criou e dirigiu laboratórios para ensino e pesquisa e dirigiu projetos e instituições que estão entre os mais importantes do país na área da ciência e educação. E incentivou jovens pesquisadores, trabalhando incansavelmente na definição e atribuição de bolsas e prêmios.

Finalmente, cabe ainda lembrar sua atuação direta na difusão de conhecimento científico. Com participação ativa na criação de periódicos e de programas de rádio e na promoção de eventos que trataram do tema, contribuiu provavelmente para levar informação científica mais longe do que qualquer pesquisador acadêmico neste país.

Para completar, volto à paideia - que pretendia responder à pergunta de Sócrates: é realmente possível a educação num sentido distinto do técnico? Olhando hoje para o conjunto da obra de Carolina Bori tenho certeza que foi o que ela fez, todo o tempo, em todo os lugares em que atuou.

Sempre me impressionou que, na defesa da importância do conhecimento científico como condição de desenvolvimento e autonomia do país, trabalhasse todo o tempo em tantas frentes. Por que tantas? Por que tais atividades e não outras? E como dava conta de tudo?

Penso hoje que Carolina Bori dava conta porque sabia bem o que deveria fazer, onde estivesse. Dava conta porque "tudo" se resumia a um só projeto: criar ou oferecer condições para criação de espaços e programas de promoção da cultura científica.

São Paulo, 4 de dezembro de 2004

Recebido para publicação em 30/05/2005 e aceito em 24/06/2005.

  • Endereço para correspondência:
    Maria do Carmo Guedes
    Rua: Geórgia, 419 Brooklin
    São Paulo - SP, CEP 04559-010
    E-mail:
  • 1
    Bori, C.M. "Fatores responsáveis pela 'evasão' da escola primária: uma pesquisa na cidade de Rio Claro". Revista de Psicologia Normal e Patológica. v. XV, n. 3 / 4, 1969, p. 239- .
  • 2
    Em entrevista a Maria Amélia Matos, em vídeo gravado em julho de 2004 (Conversando com Carolina Bori. ABPMC).
  • 3
    Ver Matos, M.A. (Ed.), conforme nota 1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2005
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