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Avaliação agronômica de um biossólido industrial para a cultura do milho

Agronomic assessment of an industrial biosolid for corn crop

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade agronômica de um biossólido industrial para a cultura do milho. O experimento foi realizado no campo, em um Cambissolo distrófico, nos anos agrícolas 1999/2000 e 2000/2001. A aplicação de 0, 6, 12, 18 e 24 Mg ha-1 de biossólido base seca, suplementado com K2O nos dois anos e 30% do P2O5 recomendado no segundo ano, foi comparada à adubação mineral completa. O biossólido melhorou a fertilidade do solo, o estado nutricional e a produtividade do milho, que apresentou resposta quadrática às doses aplicadas, atingindo a máxima de 9.992 kg ha-1 de grãos com 22,5 Mg ha-1 de biossólido, superando em 21% a adubação mineral e em 74% o controle. Mesmo na maior dose aplicada, os teores de nutrientes, Na e metais pesados no biossólido não causaram fitotoxicidade. A equivalência em produtividade à adubação mineral (7.895 kg ha-1) foi obtida com 10 Mg ha-1 de biossólido. Com base na equivalência ao NPK, o valor do biossólido foi estimado em R$ 43,70 Mg-1 base seca e R$ 8,74 Mg-1 base úmida. Considerando-se o custo de transporte, a aplicação deste biossólido é economicamente viável numa distância de até 66 km da fonte geradora.

lodo de esgoto; resíduo industrial; reciclagem agrícola; fertilidade do solo; nutrição do milho; valoração de resíduos


The objective of this work was to evaluate the agronomic feasibility of an industrial biosolid for corn. The experiment was carried out on a dystrophic Cambisol in two cropping seasons, 1999/2000 and 2000/2001. The application of 0, 6, 12, 18 and 24 Mg ha-1 of biosolid dry matter basis, supplemented with K2O in both trials and with 1/3 of the recommended P2O5 rate in the second trial was compared to the complete mineral fertilization. Biosolid application enhanced soil fertility, crop nutrition and grain productivity. Yield response to doses was quadratic, and reached the maximum of 9,992 kg ha-1 with 22.5 Mg ha-1 of biosolid, 21% higher than the complete mineral fertilization and 74% higher than the control with no fertilizer added. Even in the largest biosolid dose, no symptom of nutrients, sodium or heavy metals toxicity was found. The equivalence in productivity to the mineral fertilization (7,895 kg ha-1) was attained with 10 Mg ha-1 of biosolid. Based on this equivalence to NPK, the biosolid fertilizer value was estimated in R$ 43.70 per Mg for dry residue and in R$ 8.74 per Mg for wet material. Considering transportation costs, biosolid application in corn crop is economically feasible on a distance comprising 66 km from the generating source.

sewage sludge; industrial residue; agricultural recycling; soil fertility; corn nutrition; residue economic value


SOLOS

Avaliação agronômica de um biossólido industrial para a cultura do milho

Agronomic assessment of an industrial biosolid for corn crop

Isabel Cristina de Barros Trannin; José Oswaldo Siqueira; Fátima Maria de Souza Moreira

Universidade Federal de Lavras, Dep. de Ciência do Solo, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras, MG. E-mail: itrannin@ufla.br, siqueira@ufla.br, fmoreira@ufla.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade agronômica de um biossólido industrial para a cultura do milho. O experimento foi realizado no campo, em um Cambissolo distrófico, nos anos agrícolas 1999/2000 e 2000/2001. A aplicação de 0, 6, 12, 18 e 24 Mg ha-1 de biossólido base seca, suplementado com K2O nos dois anos e 30% do P2O5 recomendado no segundo ano, foi comparada à adubação mineral completa. O biossólido melhorou a fertilidade do solo, o estado nutricional e a produtividade do milho, que apresentou resposta quadrática às doses aplicadas, atingindo a máxima de 9.992 kg ha-1 de grãos com 22,5 Mg ha-1 de biossólido, superando em 21% a adubação mineral e em 74% o controle. Mesmo na maior dose aplicada, os teores de nutrientes, Na e metais pesados no biossólido não causaram fitotoxicidade. A equivalência em produtividade à adubação mineral (7.895 kg ha-1) foi obtida com 10 Mg ha-1 de biossólido. Com base na equivalência ao NPK, o valor do biossólido foi estimado em R$ 43,70 Mg-1 base seca e R$ 8,74 Mg-1 base úmida. Considerando-se o custo de transporte, a aplicação deste biossólido é economicamente viável numa distância de até 66 km da fonte geradora.

Termos para indexação: lodo de esgoto, resíduo industrial, reciclagem agrícola, fertilidade do solo, nutrição do milho, valoração de resíduos.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the agronomic feasibility of an industrial biosolid for corn. The experiment was carried out on a dystrophic Cambisol in two cropping seasons, 1999/2000 and 2000/2001. The application of 0, 6, 12, 18 and 24 Mg ha-1 of biosolid dry matter basis, supplemented with K2O in both trials and with 1/3 of the recommended P2O5 rate in the second trial was compared to the complete mineral fertilization. Biosolid application enhanced soil fertility, crop nutrition and grain productivity. Yield response to doses was quadratic, and reached the maximum of 9,992 kg ha-1 with 22.5 Mg ha-1 of biosolid, 21% higher than the complete mineral fertilization and 74% higher than the control with no fertilizer added. Even in the largest biosolid dose, no symptom of nutrients, sodium or heavy metals toxicity was found. The equivalence in productivity to the mineral fertilization (7,895 kg ha-1) was attained with 10 Mg ha-1 of biosolid. Based on this equivalence to NPK, the biosolid fertilizer value was estimated in R$ 43.70 per Mg for dry residue and in R$ 8.74 per Mg for wet material. Considering transportation costs, biosolid application in corn crop is economically feasible on a distance comprising 66 km from the generating source.

Index terms: sewage sludge, industrial residue, agricultural recycling, soil fertility, corn nutrition, residue economic value.

Introdução

A reciclagem agrícola dos lodos de esgoto ou biossólidos destaca-se, tanto como forma de reduzir a pressão sobre a exploração dos recursos naturais, como por evitar opções de destino final que envolvem custos mais elevados e com maior impacto no meio ambiente e na população, como a incineração e a disposição em aterros sanitários (Andreoli et al., 1999). Por serem, geralmente, ricos em matéria orgânica e nutrientes, os biosólidos apresentam grande potencial de uso como fertilizantes e condicionadores do solo e, quando atendem aos requisitos necessários quanto à concentração de metais pesados e patógenos, podem substituir parcial ou totalmente os fertilizantes minerais (Silva et al., 2002a).

Segundo Raij (1998), os benefícios da aplicação do biossólido podem se equiparar ou superar os alcançados com a adubação mineral, principalmente em relação à produtividade e economia com fertilizantes, sobretudo, nitrogenados. No entanto, devido ao seu alto teor de umidade, são necessárias aplicações de grandes quantidades para atingir a equivalência nutricional dos fertilizantes minerais. Conseqüentemente, o custo com transporte e distribuição no solo torna-se o fator mais limitante para viabilizar economicamente a reciclagem agrícola desses resíduos. Mesmo assim, a aplicação de biossólidos tem sido recomendada em culturas perenes e anuais, cujas partes comestíveis não entram em contato com o resíduo, e em pastagens e reflorestamentos (Andreoli et al., 1999; Bettiol & Camargo, 2000).

Embora já existam evidências do aumento na produtividade de diferentes culturas, entre elas o milho, com a aplicação de biossólidos urbanos (Biscaia & Miranda, 1996; Silva et al., 2002a), estudos sobre a viabilidade de uso agrícola de biossólidos de origem industrial são poucos e desenvolvidos com resíduos diversificados, como os de curtume e de carboníferos (Konrad & Castilhos, 2002; Ferreira et al., 2003). No entanto, como os biossólidos industriais são diversos, com características que variam de acordo com a matéria-prima utilizada, o processo industrial empregado e o sistema de tratamento aplicado (Ferreira et al., 1999), são necessárias pesquisas de avaliação agronômica para definição de taxas de aplicação, viabilidade técnica e segurança ambiental específicas para cada resíduo.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade agronômica de um biossólido industrial para a cultura do milho.

Material e Métodos

O estudo constou de dois experimentos realizado no campo, nos anos agrícolas 1999/2000 e 2000/2001, em área de Cambissolo distrófico sob vegetação de Brachiaria sp. nos últimos dez anos, próxima à empresa Rhodia-ster S.A. em Poços de Caldas, MG. A área foi arada, gradeada e recebeu 2,5 Mg ha-1 de calcário dolomítico. Aos 30 dias após a calagem, amostras da camada de 0–20 cm foram analisadas química e fisicamente, apresentando pH em água (1:2,5), 6,3; P, 2 mg dm-3; K, 117 mg dm-3; SO4, 31 mg dm-3; Ca, 4,2 cmolc dm-3; Mg, 1,7 cmolc dm-3; Cu, 0,7 mg dm-3; Mn, 6 mg dm-3; Zn, 0,4 mg dm-3; Fe, 23 mg dm-3; Na, 7,4 mg dm-3; Pb, 1,3 mg dm-3; Cd, 0,1 mg dm-3; Al, 0 cmolc dm-3; H+Al, 3,6 cmolc dm-3; V, 63%; e C orgânico, 25 g kg-1. A composição granulométrica foi de 80, 270 e 650 g kg-1 de areia, silte e argila, respectivamente.

Aplicou-se, por dois anos consecutivos, o biossólido de indústria de fibras e resinas PET (polietileno tereftalato), obtido do leito de secagem da ETE da Rhodia-ster S.A., classificado como "Classe II - resíduo não inerte" de acordo com Eaton et al. (1995). Os dois lotes utilizados nas duas aplicações foram analisados conforme os autores citados e apresentaram, respectivamente, pH em CaCl2 0,01 mol L-1, 7,3 e 6,6; C/N, 7 e 8; teores totais em base seca, em g kg-1: MO total, 780 e 755; MO compostável, 560 e 638; C total, 433 e 419; C orgânico, 311 e 355; resíduo mineral, 220 e 245; N, 64 e 54; P2O5, 47 e 76; K2O, 2 e 5; Ca, 5 e 10; Mg, 2 e 3; S, 2 e 2; e, em mg kg-1: Cu, 147 e 180; Mn, 137 e 360; Zn, 1.217 e 1.047; Fe, 8.229 e 14.943; Na, 3.287 e 3.633; e umidade total, 80 e 82 dag kg-1. Os teores de As (<2 mg kg-1), Cd (<0,5 mg kg-1), Pb (12 e 16 mg kg-1), Hg (<1,25 mg kg-1), Ni (36 e 32 mg kg-1) e Se (<3 mg kg-1), determinados pela Ecolabor Comercial e Análises Ltda., são inferiores aos limites estabelecidos pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (1999) de 75, 85, 840, 57, 420 e 100 mg kg-1 de biossólido, para os respectivos metais. Os teores de Zn e Cu também são inferiores aos limites de 7.500 e 4.300 mg kg-1 de biossólido.

O estudo constou de seis tratamentos, distribuídos em quatro blocos casualizados, totalizando 24 parcelas de 40 m2, com seis linhas de 10 m de comprimento, com espaços de 0,80 m e 5 plantas m-1, totalizando 62.500 plantas ha-1 (Tabela 1). Avaliaram-se apenas as quatro linhas centrais, descartando-se 1 m das extremidades de cada parcela. No primeiro ano utilizou-se o híbrido Braskalb-XL660 e no segundo, o Agroceres-AG1051. Os tratamentos foram: controle – sem adubação; adubação mineral – 400 kg ha-1 da fórmula 4–30–16 + Zn no sulco de semeadura e cobertura aos 30 dias com 80 kg ha-1 de K2O (KCl) e aos 30 e 60 dias com 80 e 55 kg ha-1 de N (uréia) – e doses de 6, 12, 18 e 24 Mg ha-1 de biossólido.

As doses de biossólido em base seca foram determinadas em função do teor de N total (g kg-1) e corresponderam, aproximadamente, a 0, 0,5, 1,0 e 2,0 vezes a quantidade de N aplicada no tratamento com adubação mineral. Todos os tratamentos com biossólido receberam complementação com KCl até atingir a equivalência em K2O à adubação mineral. Nos cálculos de fornecimento de nutrientes pelo biossólido, considerou-se como disponível anualmente, 20% do N (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, 1999), 50% do P2O5 e 100% do K2O (Companhia de Saneamento Básico do Paraná, 1997). Por causa da ocorrência de deficiência foliar de P no primeiro cultivo de milho, os tratamentos com biossólido receberam suplementação com 30% de P2O5 do total adicionado no tratamento com adubação mineral, no segundo cultivo (Tabela 1). Nos dois cultivos, o biossólido úmido foi distribuído e incorporado ao solo com a utilização de enxadas, enquanto a aplicação de fertilizantes no tratamento com adubação mineral e a semeadura foram feitas, manualmente, no sulco, 30 dias após a incorporação do biossólido ao solo. Os experimentos receberam todos os tratos culturais e em decorrência do ataque de lagarta do cartucho, aplicou-se vexter (0,8 L ha-1) nos dois cultivos de milho.

A fertilidade do solo foi avaliada por meio de amostragens da camada de 0–20 cm de cada parcela, aos 30 dias de cada aplicação do biossólido, antes da semeadura do milho. O estado nutricional das plantas foi avaliado por diagnose foliar, conforme Malavolta et al. (1997).

Ao final do ciclo da cultura, em torno de 180 dias, procedeu-se à colheita, quando os grãos apresentaram umidade entre 12% e 13%. A produtividade relativa foi calculada como porcentual da produtividade alcançada com a adubação mineral. Nos cálculos do valor econômico foram considerados os índices da Gazeta Mercantil (2003), sendo os lucros alcançados nos tratamentos com biossólido em relação à adubação mineral calculados pela diferença entre as receitas da produção. Considerou-se a distância máxima economicamente viável entre a ETE geradora e o local de aplicação, aquela em que o valor fertilizante do biossólido úmido foi igual ao de seu frete (Silva et al., 2002b), considerando R$ 1,60 km-1 (ida e volta) para o frete de 12 Mg, conforme Agroinform (2003).

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e teste de médias, sendo efetuada a regressão para doses de biossólido, utilizando-se o programa estatístico SISVAR (Ferreira, 1999).

Resultados e Discussão

Os teores de matéria orgânica aumentaram com as doses crescentes de biossólido, principalmente após a segunda aplicação (Tabela 2). No entanto, esse aumento não resultou em incremento da capacidade de troca catiônica do solo (T), conforme verificado por Melo & Marques (2000) e Santos et al. (2003). Como o biossólido utilizado apresenta baixos teores de Ca, Mg e K, o aumento da T, da soma de bases (S) e da saturação por bases (V%) verificado após a primeira aplicação, pode ser justificado pela proximidade da adição de calcário dolomítico.

Com a aplicação do biossólido, houve diminuição do pH e aumento da acidez potencial (H+Al) e do Al trocável, com conseqüente aumento da saturação por Al (m). Isto pode ser explicado, em parte, pelo fato deste resíduo ser produzido sem adição de calcário, apresentando, por isso, baixa eficiência corretiva. A mineralização do N orgânico e subseqüente nitrificação também pode ter contribuído na acidificação do solo. De fato, os teores de N-NH4 e N-NO3 aumentaram com a aplicação do biossólido, corroborando os resultados de Vazquez-Montiel et al. (1996) e de Boeira et al. (2002). Além disso, a biodegradação da matéria orgânica decomponível também pode causar acidificação transiente no solo, em decorrência da produção de ácidos orgânicos (Camargo et al., 1999).

O aumento nos teores de P, S-SO4, N (N-total, N-NH4+ e N-NO3-), Zn, Cu, Mn, Fe e Ni, principalmente após a segunda aplicação, indica efeito residual do biossólido, que representa um reservatório de nutrientes a serem liberados após a mineralização da matéria orgânica (Melo & Marques, 2000). O baixo teor de K do biossólido fez com que, somente com a dose máxima, o teor deste nutriente fosse significativamente maior que o tratamento controle após a primeira aplicação, justificando a complementação desse biossólido com fertilizante mineral.

Quanto aos teores de Cd e Pb, mesmo na dose máxima e após duas aplicações, estes foram muito inferiores aos limites máximos para carga acumulada, de 19,5 e 150 mg kg-1, para Cd e Pb, respectivamente (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, 1999).

O teor e a porcentagem de Na trocável (PST) aumentaram significativamente com as doses de biossólido. Após a segunda aplicação, o teor de Na no solo que recebeu a dose máxima de biossólido foi oito vezes superior ao encontrado no tratamento controle. No entanto, a PST foi de apenas 1,5%, dez vezes menor que o limite tolerado por plantas sensíveis a Na, para as quais, segundo Ayers & Westcot (1991), a PST máxima é de 15%. Portanto, a concentração de Na no solo, mesmo após as duas aplicações da dose máxima de biossólido, não atingiu níveis considerados tóxicos, que limitariam o uso agronômico deste resíduo.

A melhoria da fertilidade do solo refletiu em aumentos nos teores foliares de nutrientes, especialmente de N, P, Cu, Fe e Zn, que com exceção de Fe, responderam linearmente às doses de biossólido nos dois cultivos (Tabela 3). Além disso, os teores foliares de nutrientes e de metais pesados apresentados no tratamento com 12 Mg ha-1 de biossólido não diferiram significativamente dos alcançados com a adubação mineral, exceto Cu no primeiro e Na nos dois cultivos, que foram superiores com a aplicação desta dose. No entanto, alguns nutrientes apresentaram teores abaixo da faixa considerada adequada para plantas de milho por Malavolta et al. (1997). O teor foliar de N, considerado adequado, só foi alcançado com a aplicação da dose máxima de biossólido, mas sintomas visuais de deficiência deste nutriente, conforme Malavolta & Dantas (1987), só foram observados no controle.

No caso do P, no primeiro cultivo, somente com a aplicação da dose máxima de biossólido, o teor foliar deste nutriente se aproximou da faixa considerada adequada. No segundo cultivo, os teores foliares atingiram a faixa considerada adequada no tratamento com adubação mineral e nas doses mais altas de biossólido. No entanto, é preciso considerar que, além do provável efeito residual da primeira aplicação, os tratamentos com biossólido receberam suplementação com P2O5. Goh & Condron (1989) também detectaram deficiência em P em plantas de azevém cultivadas em solo de Nova Zelândia, tratado por mais de 80 anos com biossólido urbano. Eles verificaram que a aplicação sucessiva de biossólido aumentou os teores de P total no solo, mas cerca de 40% deste encontrava-se na fração P orgânico, que é muito estável no solo e indisponível às plantas. A alta estabilidade do P orgânico do biossólido pode explicar os baixos teores foliares desse nutriente nas plantas de milho do primeiro cultivo.

No primeiro cultivo, os teores foliares de K, Ca, Mg e S alcançaram a faixa adequada em todos os tratamentos. Houve tendência de aumento nos teores destes nutrientes com as doses crescentes de biossólido. No segundo cultivo, somente no tratamento controle o teor de K foi inferior ao adequado, apresentando resposta quadrática às doses de biossólido. A tendência de redução nos teores foliares de K em doses elevadas de biossólido pode ser justificada pelo aumento dos teores de Na no solo e na planta, considerando que esse elemento exerce efeito antagônico sobre o K, por causa da competição entre estes íons pelos sítios de absorção (Marschner, 1995). Os teores foliares de S nas plantas do segundo cultivo foram superiores à faixa adequada, quando tratadas com as doses mais elevadas de biossólido, provavelmente por causa do efeito residual da primeira aplicação. Mesmo assim, não houve sintomas de toxicidade de S no milho. Com exceção de B e Mn, os demais micronutrientes alcançaram índices considerados adequados em todos os tratamentos. Os aumentos nos teores de Cu, Fe e Zn, nos dois anos, e de Mn no segundo ano, evidenciam o potencial do biossólido em fornecer esses nutrientes.

Não houve efeito significativo das doses de biossólido nos teores foliares de Cd, Pb e Ni no milho. Estes encontraram-se na faixa normal, conforme Kabata-Pendias & Pendias (1984). Isto é coerente com a qualidade química do biossólido estudado, que apresentava teores desses metais abaixo dos limites restritivos ao uso agrícola.

Os teores foliares de Na aumentaram linearmente com as doses de biossólido, mas sintomas típicos de toxicidade de Na, conforme Marschner (1995), não foram observados no milho, que é sensível a esse elemento (Ayers & Westcot, 1991). A ausência de fitotoxicidade de Na foi verificada mesmo no segundo cultivo, quando os teores deste elemento atingiram o máximo de 2,4 g kg-1, próximo ao limite de 2,5 g kg-1 para plantas sensíveis (Lima, 1997).

As curvas de resposta da produtividade do milho às doses de biossólido apresentaram melhor ajuste à regressão polinomial de segundo grau, alcançando produtividades máximas de 8.188 e 11.800 kg ha-1 de grãos, com a aplicação de 22 e 23 Mg ha-1 de biossólido em base seca, no primeiro e segundo cultivo, respectivamente (Figura 1). A produtividade máxima de 8.188 kg ha-1, alcançada logo no primeiro ano, foi superior à máxima de 6.863 kg ha-1 encontrada por Silva et al. (2002b), com a aplicação de 24 Mg ha-1 base seca do biossólido urbano da Companhia de Água e Esgoto de Brasília, DF, em Latossolo Vermelho distrófico. Biscaia & Miranda (1996) também verificaram que, a fim de alcançar a produtividade máxima de 7.620 kg ha-1 de grãos de milho, foi necessária a aplicação de 60 Mg ha-1 de biossólido base seca, da ETE-Belém, em Curitiba, PR. A maior produtividade alcançada com dose inferior do biossólido estudado evidencia o potencial desse resíduo como insumo para o milho.


A equivalência à adubação mineral, estimada pelas regressões ajustadas, foi alcançada com as doses de 9 e 11 Mg ha-1 de biossólido, no primeiro e segundo ano, respectivamente (Figura 1). Assim, a aplicação de uma dose média de 10 Mg ha-1 de biossólido base seca, complementada com K2O, em substituição ao fertilizante nitrogenado e 70% do fosfatado, foi suficiente para manter a produtividade média do milho, alcançada com a adubação mineral completa. Considerando essa dose de 10 Mg ha-1 de biossólido base seca como referência, a produção média atual de biossólido pela empresa produtora, que é de 40 Mg dia-1 (8 Mg dia-1 base seca), seria suficiente para adubar 24 ha mês-1, ou 288 ha de lavouras por ano. No entanto, dependendo do interesse do agricultor, das características do solo e, principalmente, da distância do local de aplicação em relação à fonte geradora, doses maiores desse biossólido poderão ser aplicadas, visto que a produtividade máxima, dos dois anos (9.992 kg ha-1 de grãos) só foi atingida com a dose de 22,5 Mg ha-1 de biossólido base seca, sendo esta 21% superior em relação à adubação mineral e 74% em relação ao controle, evidenciando o potencial deste resíduo como fertilizante (Figura 1).

A análise de custos e benefícios indica que o aumento da produtividade do milho e a diminuição dos custos com fertilizantes minerais, em resposta ao aumento das doses de biossólido, refletiram em acréscimos na receita líquida parcial e lucros em relação à adubação mineral (Tabela 4). Mesmo com a aplicação da menor dose de biossólido, houve lucro de R$ 145,00 ha-1 comparado à adubação mineral, mas o lucro máximo de R$ 1.269,00 ha-1 foi alcançado com a aplicação de 24 Mg ha-1. No entanto, é preciso considerar os custos com transporte e aplicação desse resíduo no solo.

Silva et al. (2002b) observaram que, apesar de a maior produção de milho ter sido alcançada com 24 Mg ha-1 de biossólido base seca, esta foi a que produziu a menor receita líquida, por causa dos maiores custos com frete. Após três anos da aplicação, a maior receita líquida foi obtida com 6 Mg base seca, a menor dose aplicada. Portanto, a viabilidade econômica do biossólido depende de sua eficiência em substituir parcialmente ou atingir equivalência à adubação mineral, pois o elevado teor de umidade encarece muito o transporte e a aplicação. Considerando que no presente estudo, a equivalência em produtividade de milho à adubação mineral foi alcançada com a dose média de 10 Mg ha-1, quando a receita foi de R$ 682,00, descontando-se o gasto com a suplementação de K2O e P2O5 (R$ 245,00), o valor do biossólido será de R$ 43,70 Mg-1 base seca ou R$ 8,74 Mg-1 base úmida (80 dag kg-1 de água). Admitindo-se o custo do frete de R$ 1,60 km-1 para transporte de 12 Mg de biossólido úmido, cujo valor fertilizante é de R$ 105,00, a distância máxima economicamente viável para aplicação desse resíduo é de 66 km da fonte geradora.

Na gestão do resíduo, deve-se considerar que os custos da empresa para manter o biossólido em lagoas ou fazer incineração, de R$ 100,00 Mg-1 e R$ 300,00 Mg-1, respectivamente, são elevados quando comparados com o custo do frete de R$ 0,15 Mg-1 km-1. Assim, o transporte até o local de reciclagem agrícola poderia ser subsidiado pela empresa geradora, garantindo vantagens ao agricultor cuja propriedade atenda às condições geológicas, topográficas e ambientais para a aplicação do resíduo. A reciclagem agrícola é, portanto, uma alternativa viável de disposição desse biossólido e os agricultores poderão reduzir os custos de produção e manter a produtividade do milho. No entanto, é necessária a elaboração de planos técnicos de aplicação que obedeçam à legislação e garantam a aplicação segura do resíduo.

Conclusões

1. O biossólido da indústria de fibras e resinas PET suplementado com K2O e P2O5 melhora a fertilidade do solo, o estado nutricional e a produtividade do milho.

2. Os teores de metais pesados e de Na no biossólido não limitam a utilização agronômica deste resíduo.

3. A dose de 10 Mg ha-1 de biossólido em base seca, suplementada com K2O e 30% da exigência em P2O5, proporciona produtividade de milho equivalente à obtida com adubação mineral completa.

4. A aplicação deste biossólido na cultura do milho é economicamente viável a uma distância de 66 km da fonte geradora.

Agradecimentos

À Capes, pela concessão de bolsa de estudo a Isabel Cristina de Barros Trannin; ao CNPq, pela concessão de bolsa a José Oswaldo Siqueira e Fátima Maria de Souza Moreira; a Augusto Correa e Maurício Petenusso, do Setor de Meio Ambiente da Rhodia-ster S.A. de Possos de Caldas, MG, responsáveis pelo convênio UFLA-FAEPE/Rhodia-ster S.A.

Recebido em 29 de outubro de 2003 e aprovado em 21 de setembro de 2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Mar 2005

Histórico

  • Aceito
    21 Set 2004
  • Recebido
    29 Out 2003
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