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REPERTÓRIO COMPARTILHADO DE RECURSOS EM COMUNIDADES VIRTUAIS DE PRÁTICA: UM ESTUDO DOS MECANISMOS DE INTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E CONTROLE EM GRUPOS DE PESQUISA CIENTÍFICA

REPERTOIRE OF SHARED RESOURCES IN VIRTUAL COMMUNITIES OF PRACTICE: A STUDY OF THE MECHANISMS OF INTERACTION, ORGANIZATION AND CONTROL IN SCIENTIFIC RESEARCH GROUPS

Resumos

Comunidades de prática são grupos que se destacam pela informalidade das relações, participação, atuação em rede e autogestão. Uma classe dessas comunidades distingue-se das demais pelo forte uso dos recursos da tecnologia da informação: são as comunidades virtuais de prática. Cogitando a possibilidade dos grupos de pesquisa numa Universidade Federal serem equiparados a comunidades virtuais de prática, o objetivo desta pesquisa consistiu em inventariar e enquadrar tais grupos na condição de comunidades virtuais de prática e evidenciar-lhes os mecanismos de interação, organização e controle vigentes em seu conjunto de recursos, equiparáveis a um repertório compartilhado, bem como avaliar seus efeitos nas atividades dos grupos. O estudo utilizou método misto, empregando a estratégia survey e o estudo de caso. Espera-se que os resultados obtidos estimulem uma reflexão sobre a importância da tecnologia da informação e dos mecanismos analisados nas trocas de conhecimentos e na consolidação da identidade de grupos de pesquisa científica com atuação virtual.

Comunidades de prática; Comunidades virtuais de prática; Interação; Organização; Controle


Communities of practice are groups where informal relationships, participation, networking and self-management activities stand out. A class of these communities differs from the others through the strong use of information technology resources: these are virtual communities of practice. Considering the possibility of the research groups in a Federal University being taken as virtual communities of practice, the objective of this research was to identify and classify the research groups as virtual communities of practice and highlighting the mechanisms of interaction, organization and control, which exist in their repertoire of shared resources, as well as to assess their effects on the groups’ activities. The study employed a mixed method, using survey strategy and case study. It is expected that the outcomes stimulate a discussion on the importance of information technology and mechanisms analyzed in the exchange of knowledge and in the identity consolidation of scientific research groups with virtual performance.

Communities of practice; Virtual communities of practice; Interaction; Organization; Control


Introdução

As comunidades de prática (CoP) são grupos de pessoas que compartilham uma preocupação, um conjunto de problemas ou uma paixão sobre determinada temática e que aprofundam seu conhecimento interagindo regularmente (WENGER; McDERMOTT; SNYDER, 2002). As CoP baseiam-se no processo de autogestão (TERRA, 2003TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003.) e funcionam como redes de participação e colaboração, com forte influência da dimensão informal (MARIA; FARIA; AMORIM, 2008).

As comunidades de prática (CoP) são grupos de pessoas que compartilham uma preocupação, um conjunto de problemas ou uma paixão sobre determinada temática e que aprofundam seu conhecimento interagindo regularmente (WENGER; McDERMOTT; SNYDER, 2002). As CoP baseiam-se no processo de autogestão (TERRA, 2003TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003.) e funcionam como redes de participação e colaboração, com forte influência da dimensão informal (MARIA; FARIA; AMORIM, 2008).

Por outro lado, a tecnologia da informação (TI) apresenta-se como uma ferramenta produtora de impactos significativos nas transformações e no desenvolvimento da sociedade atual. O domínio da TI é indiscutível, sobretudo em organizações em que a comunicação constitui aspecto crucial, já que, segundo Laurindo (2008)LAURINDO, F. J. B. Tecnologia da informação: planejamento e gestão de estratégias. São Paulo: Atlas, 2008., a TI consegue facilitar a integração entre as pessoas, facultando a criação de um enfoque colaborativo.

As redes de comunicação alicerçadas no uso de TI superam as barreiras de tempo e espaço e reduzem a distorção na troca de informações em nível organizacional, gerando oportunidades para novas conexões entre indivíduos e estimulando novas formas de se pensar e trabalhar em grupo (SPROULL; KIESLER, 1992SPROULL, L.; KIESLER, S. Group decision making and communication technology. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 52, n. 1, p. 96-123, 1992.). A TI, portanto, é um recurso eficiente e dinâmico na produção e troca de conhecimentos entre indivíduos, no suporte à formação de redes de interação e à participação efetiva dos integrantes de um grupo. Essa essência operacional é, via de regra, o que acontece nas CoP e, nesse quadro, percebe-se uma forte relação de coexistência entre tais comunidades e a tecnologia em apreço.

Uma classe especial de CoP se distingue das demais pelo uso intensivo e extensivo dos recursos de tecnologia da informação: são as denominadas comunidades virtuais de prática (CoVP). No conceito de Correia, Paulos e Mesquita (2010), as CoVP, em termos de suas principais características, assemelham-se às CoP, destas distinguindo-se, no entanto, pelo forte uso dos meios eletrônicos na comunicação entre os seus participantes. A TI mais apropriada para o suporte e o funcionamento das CoVP é a denominada tecnologia da informação e comunicação colaborativa (TICC), representada por aplicativos computacionais que priorizam os aspectos de comunicação dos grupos e os auxiliam na realização de suas tarefas (TURBAN; ARONSON; LIANG, 2005), subsidiando, assim, a manutenção dos processos desenvolvidos no interior de um coletivo, como no caso de uma CoP.

Apesar de as CoP destacarem-se pelo traço da informalidade, esse atributo não lhes impõem a inexistência de alguma forma de organização, a qual dispense processos que lhe deem ordem e direção, já que as mesmas necessitam de um mínimo de coordenação em seu funcionamento para se manterem ativas e se desenvolverem ao longo do tempo. As práticas de gestão são necessárias como forma de responder aos desafios, problemas e oportunidades com que se deparam esses agrupamentos, devido, sobretudo, às suas características de estruturação (BOURHIS; DUBÉ; JACOB, 2005). Assim, torna-se plausível falar em mecanismos de interação, organização e controle nas CoP (presenciais ou virtuais), uma vez que tais mecanismos podem atuar como elementos que viabilizam as práticas de autogestão, característica dessas comunidades que se fortalece quando se encontram em estágio de desenvolvimento mais avançado, reforçando o direcionamento das atividades em função do alcance dos seus objetivos (GONGLA; RIZZUTO, 2001GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001.; TERRA, 2003TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003.).

Os mecanismos de interação destinam-se a prover o suporte necessário para facilitar ações entre pessoas nas redes de relacionamento (VILAÇA, 2007VILAÇA, L. E. N. Determinação de fatores facilitadores para a construção da confiança nas interações virtuais. 2007. 177 f. Dissertação (Mestrado em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação). Brasília, DF: Universidade Católica de Brasília, 2007.). Os mecanismos de organização e controle constituem atividades clássicas de gestão, mas que são derivadas do corpo social. Organizar significar constituir a estrutura (material e humana) para realizar as ações organizacionais e sociais (TRAHAND et al., 1998TRAHAND, J. et al. Le travail em groupe à l’âge des réseaux. Paris: Economica. 1998.); e controlar, envolve a verificação da ação com o propósito de assegurar que a mesma esteja indo rumo ao atingimento dos objetivos propostos numa organização (PEREIRA, 2010PEREIRA, M. T. F. Repensando a função dirigir: uma análise a partir de livros introdutórios de administração. Gestão.Org, v. 8, n. 1, p. 61-80, 2010.) ou na sociedade (TRAHAND et al., 1998TRAHAND, J. et al. Le travail em groupe à l’âge des réseaux. Paris: Economica. 1998.). É importante destacar que a presença desses mecanismos de interação, organização e controle nas CoP ou nas CoVP, pode os guindar à posição de facilitadores das trocas de conhecimentos entre seus membros e na criação da identidade do coletivo.

Na rota traçada, o presente artigo perfaz um esforço que se dirige para eventos em que a TICC e as CoP se entrelaçam. Volta-se para identificar e descrever quais mecanismos de interação, organização e controle são utilizados por comunidades virtuais de prática, representadas, aqui, por grupos de pesquisa que se situam no âmbito de uma Universidade Federal, incorporando, também, a intenção de verificar como esses mecanismos, que integram o repertório compartilhado de recursos, incidem no funcionamento destas CoVP, afetando-as, eventualmente, nas suas práticas. Essa pesquisa justifica-se por trazer aos estudos organizacionais um melhor entendimento sobre a natureza, o uso e as consequências de mecanismos de gestão em um tipo de organização que em muitos pontos se diferencia daqueles que os modelos formais da administração tentam apreender.

Revisão de Literatura

Esta seção tem como objetivo a exposição dos principais conceitos e definições que, direta ou indiretamente, interessam ao estudo das CoVP.

Grupos e Organizações

O conceito de grupos encontra-se fortemente relacionado ao de organizações, sendo dois tipos de grupos que podem ser identificados nestas últimas: os formais, criados deliberadamente, com funções pré-determinadas e atividades controladas; os informais, resultado de uma associação que ocorre naturalmente entre os indivíduos, devido aos seus interesses comuns (ENRIQUEZ, 1997ENRIQUEZ, E. A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997.).

As organizações, a seu turno, constituem fenômenos complexos que podem ser compreendidos de muitas maneiras diferentes. No geral, assim como os grupos, as organizações definem-se pela presença de duas ou mais pessoas atuando em conjunto e de forma estruturada para o alcance de objetivos comuns (STONER; FREEMAN, 1999STONER, J. A. F.; FREEMAN, R. E. Administração. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1999.) ou, a partir de uma visão mais elaborada, em que se afirma que a organização é composta por um conjunto de grupos inter-relacionados (MONTANA; CHARNOV, 1998MONTANA, P. J.; CHARNOV, B. H. Administração. São Paulo: Saraiva, 1998.) em sintonia.

A estrutura organizacional compreende o arranjo das diversas unidades que integram a organização e as relações que nela são desenvolvidas, caracterizando a sintonia pré-falada (CURY, 2000CURY, A. Organização e métodos: uma visão holística. São Paulo: Atlas, 2000.). Para Hall (2004)HALL, R. H. Organizações: estruturas, processos e resultados. São Paulo: Pearson. 2004., a estrutura é o espaço em que ocorrem todas as ações e constitui a dimensão fundamental do conjunto dos métodos e processos organizacionais.

Os métodos são representados pelas rotinas e procedimentos administrativos (OLIVEIRA, 2009OLIVEIRA, D. P. R. Sistemas, organização e métodos: uma abordagem gerencial. São Paulo: Atlas, 2009.). Os processos são entendidos como a ordenação específica das atividades de trabalho, no tempo e espaço, abarcando aspectos como início e fim das atividades, delineamento de etapas e cronogramas, insumos e respectivas regras que os transformam em resultados (DAVENPORT, 1994DAVENPORT, T. Reengenharia de processos. Rio de Janeiro: Campus, 1994.). Já os processos administrativos, de acordo com Stoner e Freeman (1999)STONER, J. A. F.; FREEMAN, R. E. Administração. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1999., compreendem as atividades interativas de planejamento, organização, direção ou liderança e controle.

Interação, Organização e Controle

A interação acontece em todos os níveis da estrutura das organizações e a todo tempo, através, essencialmente, dos processos comunicativos (RIBEIRO; MARCHIORI, 2008RIBEIRO, R. R.; MARCHIORI, M. Comunicação organizacional dialógica: uma perspectiva de interação nas organizações. Comunicação: Veredas, v. 7, p. 173-190, 2008.). A necessidade de interação nas organizações é algo frequente, motivada pela valorização do conhecimento e, além disso, em face da realização das atividades colaborativas, que se tornaram muito mais complexas e multidisciplinares nos últimos anos (FARINELLI, 2008FARINELLI, F. Internalizando e externalizando conhecimento em comunidades de prática virtuais. 2008. 145 p. Dissertação (Mestrado em Administração) — Fundação Pedro Leopoldo. Pedro Leopoldo: Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo, 2008.). O grande desafio das organizações atuais é o de conseguir criar uma infraestrutura de TI que dê suporte às redes de relacionamento interpessoais, permitindo a criação de novas formas de interação no ambiente de trabalho (FARINELLI, 2008FARINELLI, F. Internalizando e externalizando conhecimento em comunidades de prática virtuais. 2008. 145 p. Dissertação (Mestrado em Administração) — Fundação Pedro Leopoldo. Pedro Leopoldo: Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo, 2008.). Segundo Vilaça (2007)VILAÇA, L. E. N. Determinação de fatores facilitadores para a construção da confiança nas interações virtuais. 2007. 177 f. Dissertação (Mestrado em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação). Brasília, DF: Universidade Católica de Brasília, 2007., a interação mediada pelo uso da TI, que enseja a comunicação entre indivíduos, tem-se mostrado muito proeminente na troca de conhecimentos e na realização de tarefas no ambiente organizacional.

O conceito de organização e controle constituem funções administrativas que foram trazidas pelos estudos clássicos de Fayol (1994)FAYOL, H. Administração industrial e geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1994., mas que estão presentes na área de gestão organizacional até os dias de hoje, invadindo territórios antes inexpugnáveis (COSTA, 2005COSTA, R. On a new community concept: social networks, personal communities, collective intelligence. Interface (Botucatu), v. 9, n. 17, p. 235-48, 2005.).

A organização abrange: atividades de divisão do trabalho, através da diferenciação (diversificação das funções) e da especialização (realização de tarefas especializadas); determinação dos meios de autoridade e responsabilidade; agrupamento das atividades em uma estrutura lógica; designação de pessoas para a execução destas atividades; alocação de recursos e coordenação de esforços. A organização tanto envolve a determinação e combinação de recursos, quanto o estabelecimento das relações de autoridade (FAYOL, 1994FAYOL, H. Administração industrial e geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1994.). O uso de mecanismos que viabilizam a execução da função organização tem como principal propósito o planejamento racional do ambiente de trabalho (PELISSARI; GONZALEZ; VANALLE, 2007).

Já o controle, em sua visão mais difundida, envolve ações no sentido de fazer com que as atividades realizadas alcancem os objetivos pré-determinados (FAYOL, 1994FAYOL, H. Administração industrial e geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1994.). Scott (1995)SCOTT, W. R. Institutions and organization. London: Sage, 1995. traz uma visão mais aprofundada do conceito que se orienta a partir de três enfoques distintos: o regulador, que se apresenta como o nível mais direto de controle e que envolve normas, leis e sanções; o normativo, que se baseia na certificação, no reconhecimento e na titulação, que são elementos que se apoiam na regulação e na sujeição dos indivíduos às premissas do processo decisório; o cognitivo, que constitui um controle mais complexo, abrangendo processos discretos e difusos que se alicerçam em premissas culturais que levam os indivíduos a exercerem um autocontrole e controle entre pares.

Outros estudos também buscam fazer um paralelo do conceito de controle com o uso de recursos de TI. Esta relação pode ser vista, basicamente, através de duas perspectivas: a primeira, a que envolve o uso da tecnologia para o controle de atividades realizadas pelos indivíduos ou a automatização das mesmas (VALLE, 1996VALLE, B. M. Tecnologia da informação no contexto organizacional. Ciência da Informação, v. 25, n.1, p. 7-11, 1996.); a segunda, a que abrange o controle já em nível da apropriação e uso da tecnologia, a exemplo do controle de acesso que, segundo Lento, Fraga e Lung (2006), gerencia o acesso aos recursos de um sistema computacional, podendo limitar as ações ou operações que determinado indivíduo executa, e do controle de conteúdo que, de acordo com Moratelli e Valdameri (2002)MORATELLI, A. S.; VALDAMERI, A. R. Sistema de gerenciamento de conteúdo para ambiente web. 2002. 59 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso o de Ciência da Computação) — Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2002., está associado à gestão do ambiente virtual da organização, através do uso de ferramentas que permitem adicionar, modificar e remover conteúdos.

Mesmo em organizações que se caracterizem por terem uma gestão participativa, que fazem uso de práticas de gestão que valorizam maior autonomia e efetivo envolvimento nas decisões (VALLADARES; LEAL FILHO, 2003VALLADARES, A.; LEAL FILHO, J. G. Gestão contemporânea de negócios: dimensões para análise das práticas gerenciais à luz da aprendizagem e da participação organizacionais. Revista FAE, v. 6, n. 2, p. 85-95, 2003.), ou em rede, que constituem espaços flexíveis, descentralizados e dinâmicos e que valorizam fortemente as interações de seus integrantes (TOMAÉL; ALCARÁ; DI CHIARA, 2005), o uso desses mecanismos de gestão podem ser percebidos. O uso da TI também é imprescindível nessas organizações, já que facilita tanto na comunicação e na realização de tarefas conjuntas (VILAÇA, 2007VILAÇA, L. E. N. Determinação de fatores facilitadores para a construção da confiança nas interações virtuais. 2007. 177 f. Dissertação (Mestrado em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação). Brasília, DF: Universidade Católica de Brasília, 2007.), quanto na interação entre os componentes de uma rede (RECUERO, 2004RECUERO, R. C. Teoria das redes e redes sociais na internet: considerações sobre o orkut, os weblogs e os fotologs. In: ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA XXVII INTERCOM, 4., 2004, Porto Alegre. Anais eletrônicos... Porto Alegre: UFRG, 2004.). As CoP, sejam elas presenciais ou virtuais, são estruturas que têm nitidamente características das organizações participativas e em rede, de forma que mesmo que se destaquem pela informalidade das relações, necessitam praticar a autogestão para se manterem em funcionamento, o que justifica o uso dos mecanismos de interação, organização e controle em suas atividades (EGLER, 2007EGLER, T. T. C. Redes sociotécnicas, políticas públicas e gestão democrática da cidade. In: EGLER, T. T. Ciberpólis, redes no governo da cidade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.).

As Comunidades de Prática

Os grupos intitulados de comunidades de prática (CoP), segundo Wenger (1998)WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998., são definidos por terem como foco uma atividade ou um conjunto de conhecimentos em torno do qual se organizam; por funcionarem de forma que seus integrantes permaneçam ligados uns aos outros através do envolvimento conjunto em práticas; por produzirem um repertório compartilhado de recursos no decorrer do tempo. Na percepção de Brown e Duguid (1991)BROWN, J. S.; DUGUID, P. Organizational learning and communities-of-practice: toward a unified view of learning, and innovation. Organization Science, v. 2, n. 1, p. 40-57, 1991., as CoP são estruturas informais, que preservam características das organizações participativas e em rede, que se baseiam na autogestão e que atuam como redes de trabalho de pessoas dedicadas a compartilharem conhecimentos em uma área de interesse comum.

Para Gongla e Rizzuto (2001)GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001., as CoP passam por cinco fases evolutivas: potencial (início da comunidade); construção (definição de estruturas e processos); engajamento (operação ativa da comunidade); ativa (análise da atuação e da contribuição da comunidade na construção do conhecimento); adaptação (aquisição de maior autonomia, podendo estabelecer novas estruturas, processos e se expandir em outros ambientes). Segundo Wenger (2004)WENGER, E. Knowledge management as a doughnut: shaping your knowledge strategy through communities of practice. Ivey Business Journal, fev 2004., para que um grupo seja uma CoP, três características centrais precisam ser notadas: o domínio (área de conhecimento que o grupo aborda, fornecendo sua identidade); a comunidade (configurações sociais que definem os agrupamentos) e a prática (corpo de conhecimentos, métodos, histórias, casos etc., que os membros compartilham ou desenvolvem em conjunto).

É importante destacar que a prática comum desenvolvida pelos membros das CoP evolui ao longo do tempo através das interações e trocas que acontecem nessas comunidades (PARKER et al., 2010PARKER, M. et al. From committee to community: the development and maintenance of a community of practice. Journal of Teaching in Physical Education, v. 29, n. 4, p. 337-57, 2010.). Essa prática, que é representada pelo repertório compartilhado de recursos, abrange o conjunto de elementos através dos quais os membros desses agrupamentos permutam conhecimentos (COUNTRYMAN, 2009COUNTRYMAN, J. High school music programmes as potential sites for communities of practice: a Canadian study. Music Education Research, v. 11, n. 1, p. 93-109, 2009.).

Nas CoP, a formação da identidade é fruto da negociação de significados e da participação dos indivíduos que as integram (WENGER, 1998WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998.). Essa identidade é definida através da existência de uma área de conhecimento que precisa ser explorada e desenvolvida (WENGER, 2004WENGER, E. Knowledge management as a doughnut: shaping your knowledge strategy through communities of practice. Ivey Business Journal, fev 2004.). As CoP, quando em estágio de desenvolvimento mais avançado, criam uma linguagem própria, o que oportuniza aos seus integrantes uma melhor comunicação e a afirmação da identidade do grupo e das pessoas que dele participam (TERRA, 2003TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003.). A existência de identidade é uma questão central no entendimento das CoP, já que toda a sua estruturação ocorre através do trabalho conjunto de seus membros. Esses membros dividem e criam um repertório compartilhado de recursos e formam uma rede em que o conhecimento é integrado e construído coletivamente (MARIA; FARIA; AMORIM, 2008).

Por tudo que produzem através de seu funcionamento, um conceito relevante no estudo das CoP é o de repertório compartilhado de recursos, conceito este que é uma característica fundamental dessas comunidades já que, em sua essência, os seus membros compartilham uma série de práticas comuns no decorrer do tempo (WENGER, 1998WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998.). Essas práticas comuns são representadas por um conjunto de estruturas, procedimentos, políticas, ideias, ferramentas, informações, estilos, linguagens e documentos que os membros desses agrupamentos permutam, possibilitando o desenvolvimento de experiências e histórias que são formas pelas quais ocorre o intercâmbio de conhecimentos (COUNTRYMAN, 2009COUNTRYMAN, J. High school music programmes as potential sites for communities of practice: a Canadian study. Music Education Research, v. 11, n. 1, p. 93-109, 2009.). No entendimento de Wenger (1998)WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998., o repertório compartilhado de recursos das CoP envolve uma série de elementos (instrumentos, rotinas, atividades, vivências, símbolos etc.) que a comunidade produz ou adota no curso de sua existência e que se torna parte de sua prática. Entendendo o conceito nesta perspectiva, percebe-se então que os mecanismos de interação, organização e controle estudados nesse artigo, por serem usados nas práticas de autogestão das CoP, aparentemente integram o seu repertório compartilhado de recursos.

As Comunidades Virtuais de Prática

Segundo Bourhis, Dubé e Jacob (2005), as CoP que fazem uso da TI no suporte às suas interações, assumindo um caráter nitidamente virtual e sobrepujando restrições de tempo e espaço, são usualmente denominadas de comunidades virtuais de prática (CoVP).

As tecnologias da informação que dão suporte ao funcionamento das CoVP são aquelas que permitem a criação de um ambiente de colaboração entre as pessoas. Assim sendo, destaca-se nas CoVP o uso das tecnologias da informação e comunicação colaborativas (TICC), que são aquelas que possibilitam altos níveis de interação entre as pessoas por meio de redes de comunicação (MEIRINHOS; OSÓRIO, 2009MEIRINHOS, M.; OSÓRIO, A. Contributos para a formação do professor x.0+1. Revista de Educação, v. 1, n. 1, p. 26-42, 2009.) e proporcionam a virtualização do ambiente de trabalho, habilitando os indivíduos a se engajarem de forma conjunta em atividades de produção e compartilhamento de conhecimentos (CAMPOS et al., 2003CAMPOS, F. C. A. et al. Cooperação e aprendizagem online. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.).

Entre as TICC mais conhecidas na intermediação das atividades em grupo estão aquelas denominadas de groupware, as quais apoiam a colaboração entre as pessoas de um coletivo através de mecanismos que ensejam as trocas de opiniões, dados, informações, conhecimentos e outros recursos (TURBAN; ARONSON; LIANG, 2005). Mais recentemente, entre as tecnologias de grande destaque nas atividades de grupos aparecem as redes sociais virtuais, que disponibilizam um ambiente que possibilita a interação e a comunicação dos indivíduos no meio digital, trazendo para esse meio as noções de identidade, privacidade, autenticidade, comunidade e sociabilidade (AGUIAR, 2007AGUIAR, S. Redes sociais na internet: desafios à pesquisa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS A COMUNICAÇÃO, 30., 2007, Santos. Anais... Santos: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2007. p.1-15.).

Pioneiramente, Wenger (2001)WENGER, E. Supporting communities of practice: a survey of community-oriented technologies. In: REPORT TO THE COUNCIL OF CIOs OF THE U.S. GOVERNMENT, 2001. Disponível em: http://www.ewenger.com/tech. Acesso em: 10 mar. 2010.
http://www.ewenger.com/tech...
afirmara que artefatos que permitissem comunicação em tempo real (chats, conversações, fóruns), padronizada em repositórios de documentos, com oportunidades de compartilhamento de espaços de interação e armazenamento individual e coletivo, incluindo protocolos de adesão e discussão online, aliados a ferramentas de coordenação e recuperação de informações, eram os principais recursos de TI para o suporte às interações dos indivíduos reunidos em CoVP.

Em estudo mais recente e atualizado, Wenger et al. (2005)WENGER, E. et al. Technology for communities. In: CENTRE FRANCOPHONE d’INFORMATISATION DES ORGANISATIONS. Work, learning and networked: guide to the implementation and leadership of intentional communities of practice. Quebec: CEFRIO, 2005. afirmaram que os recursos de TICC utilizados pelas CoVP prestam-se a servir a cinco classes de atividades: interações assíncronas, interações síncronas, participação individual, cultivo da comunidade e publicação. Como se vê, as ferramentas de TI usadas pelas CoVP permitem a realização de ações que envolvem a comunicação, a colaboração e a coordenação das tarefas que são operacionalizadas. São ferramentas, portanto, que possibilitam a execução de atividades de gestão nesses agrupamentos (MACHADO; TIJIBOY, 2005MACHADO, J. R.; TIJIBOY, A. V. Redes sociais virtuais: um espaço para efetivação da aprendizagem cooperativa. Novas Tecnologias na Educação, v. 3, n. 1, 2005.; AGUIAR, 2007AGUIAR, S. Redes sociais na internet: desafios à pesquisa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS A COMUNICAÇÃO, 30., 2007, Santos. Anais... Santos: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2007. p.1-15.).

Gestão nas Comunidades de Prática Presenciais ou Virtuais

A autogestão é um traço fundamental das CoP (presenciais ou virtuais) e esteio para realização e evolução das atividades que acontecem no interior destes agrupamentos (CHRISTOPOULOS, 2008CHRISTOPOULOS, T. P. A sustentação das comunidades virtuais de aprendizagem e de prática. 2008. 282 p. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo: EAESP, 2008.). O reconhecimento de que as CoP podem se desenvolver e até assumir uma complexidade maior do que a exibida no seu estágio inicial é aspecto que tem impacto direto no processo de gestão desses coletivos (HUMES; REINHARD, 2006HUMES, L. L.; REINHARD, N. A adoção do software livre na Universidade de São Paulo. Revista de Administração (São Paulo), v. 41, n. 3, p. 221-31, 2006.).

A gestão interna das CoP apresenta-se como fenômeno bastante associado aos papéis que são exercidos pelos seus membros. Segundo Braga (2008)BRAGA, M. M. Especificação dos serviços essenciais a uma plataforma de software para comunidades de prática. 2008. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2008., esses papéis tanto surgem espontaneamente, como podem ser criados, tornando-se mais intrincados à medida que tais comunidades crescem e se tornam mais formais. Nas CoP, a liderança tem sempre um grande peso, em geral traduzindo-se na capacidade de orientar os demais membros do agrupamento rumo à consecução de objetivos pré-estabelecidos, através do trabalho cooperativo, de forma que o líder precisa conhecer plenamente o domínio da CoP, uma vez que sua atividade é crucial para o crescimento e durabilidade do grupo (MIRANDA; OSÓRIO, 2008MIRANDA, M. S.; OSÓRIO, A. J. Liderança em comunidades de prática online: estratégias e dinâmicas na @rcacomum. In: CONGRESO IBEROAMERICANO DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, 9., 2008, Caracas, Venezuela. Anais... Caracas, 2008.).

Além da função de líder ou moderador, outros papéis podem ser identificados nas CoP e nas CoVP. Segundo Braga (2008)BRAGA, M. M. Especificação dos serviços essenciais a uma plataforma de software para comunidades de prática. 2008. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2008., esses papéis podem ser formais ou voluntários, mas, de uma forma ou de outra, dependem bastante do modo de gestão do agrupamento. São eles: coordenador, moderador, redator, especialista, facilitador do conhecimento, organizador de eventos, integrador, mentor, coordenador de conteúdos e suporte técnico.

Procedimento Metodológico

O ambiente institucional tomado como base para a execução deste estudo foi o de uma Universidade Federal, e nela, os grupos de pesquisa acadêmicos com perfil de CoVP. Alguns autores, como Strauhs (2003)STRAUHS, F. R. Gestão do conhecimento em laboratório acadêmico: proposição de metodologia. 2003. 480 p. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2003., já reconhecem que existe uma relação direta entre os grupos de pesquisa e as CoP, apontando várias semelhanças entre esses arranjos, pois ambos voltam-se para aprendizagem com pensamento sistêmico, possuem membros que atuam de forma interdependente, têm uma visão compartilhada e de aprendizagem em equipe, o que a priori denota a possibilidade já antevista de equiparar os grupos às CoP.

Por opção, mas também por propriedade, adotou-se o método misto de pesquisa, que contempla algumas das principais idéias presentes tanto nos estudos quantitativos, quanto nos estudos qualitativos (CRESWELL, 2010CRESWELL, J. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Bookman, 2010.). Assim sendo, considera-se que existiram dois momentos bem definidos na presente investigação.

O primeiro momento (fase 1) foi aquele no qual foi usado o método quantitativo, através do emprego da estratégia survey para levantar as características da população sob análise, de modo a verificar os aspectos de virtualidade dos grupos de pesquisa da Universidade Federal. O segundo momento (fase 2), aquele no qual foi empregado o método qualitativo, em que se lançou mão da estratégia de estudo de casos múltiplos, que teve em mira capturar informações sobre o uso e os efeitos dos mecanismos de interação, organização e controle em voga nos grupos de pesquisa que funcionam assemelhadamente às comunidades virtuais de prática.

A fase 1 desdobrou-se em dois movimentos. De início, foi realizada uma pesquisa documental para identificar os grupos de pesquisa existentes na Universidade Federal. Tal pesquisa realizou-se mediante acesso ao catálogo de grupos, do ano de 2007, existente na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da instituição, e acesso aos sites dos departamentos da Universidade como forma de ampliar o catálogo com informações dos grupos de pesquisa que surgiram posteriormente ao ano de 2007. Assim, de 516 grupos de pesquisa detectados até o ano de 2010, foram obtidas informações concretas acerca dos líderes, e seus respectivos e-mails, de 400 grupos de pesquisa atuantes na Universidade.

No movimento seguinte da fase 1, adquiridas as informações acima mencionadas e feitos os contatos com os integrantes dos agrupamentos, partiu-se para o levantamento de dados através de questionários, os quais foram enviados por e-mail para os líderes dos 400 grupos, com a intenção de obter informações sobre o funcionamento dos mesmos, as semelhanças dos coletivos com o escopo de uma CoP e suas características de virtualidade. O questionário contou com questões de múltipla escolha e com questões em que, através de uma escala tipo likert, os respondentes deveriam especificar o seu nível de concordância com determinada afirmação. É importante destacar que o instrumento foi submetido a um pré-teste antes de ser efetivamente encaminhado para a captura das respostas dos destinatários.

A análise estatística básica dos questionários se destinou a traçar as características gerais de funcionamento dos grupos e a identificar aqueles que por semelhança de critérios se enquadravam no perfil de CoVP. Uma vez identificados os grupos de pesquisa com atuação semelhante às CoVP, foi feita a seleção daqueles que seriam estudados mais aprofundadamente na fase 2. A seleção destas CoVP fundamentou-se em critérios baseados na revisão de literatura empreendida (ver seção 4.1.6).

Ato seguinte, orientou-se a verificar mais detalhadamente a atuação de cada agrupamento selecionado para a fase 2. Tal verificação foi feita através de entrevistas semi-estruturadas, ouvindo um líder e um membro do grupo com conhecimento mais aprofundado do funcionamento do agrupamento. Para a realização dessas entrevistas foi efetuado um contato prévio, por e-mail, com os responsáveis pelos agrupamentos selecionados, de modo a agendar o dia e horário para a execução das mesmas.

O roteiro de entrevista foi elaborado tomando-se como referência as principais percepções encontradas na literatura sobre a temática e a preocupação de introduzir perguntas que enfatizassem formas de interação, organização e controle usadas nas comunidades virtuais de prática, em especial aquelas derivadas do uso de TI e também aplicadas na autogestão. Esse roteiro de entrevista foi testado antecipadamente às oitivas.

Os dados colhidos com as entrevistas foram tratados via técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.), após transcrição a cargo da própria equipe de pesquisa. A exploração do material consistiu na busca dos elementos objetivos e conceituais erigidos no trabalho, a partir da presença de palavras e temas encontrados nas transcrições. Aqui o empenho foi no sentido de captar e oferecer uma visão geral do funcionamento dos grupos de pesquisa, discriminando-se os mecanismos de interação, organização e controle existentes nos grupos com perfil de CoVP e os efeitos dos mesmos no funcionamento dessas estruturas, ajustando a discussão aos recortes feitos na interpretação do material.

Análise dos Resultados

A análise dos resultados guiou-se pela realização de dois passos, envolvendo, de início, os grupos de pesquisa e, na sequência, as CoVP escolhidas como casos múltiplos.

Análise dos Grupos de Pesquisa

Nesta etapa, procurou-se, através de análise estatística, tanto verificar as características gerais dos grupos de pesquisa, identificando-lhes o formato do arranjo organizacional e a infraestrutura (física e tecnológica) de seus ambientes internos, como realizar o enquadramento dos mesmos como comunidades virtuais de prática. Os grupos enquadrados como CoVP foram também descritos através dos seus traços principais, e concorreram ao processo de seleção das CoVP que vieram a ser objeto do exame pormenorizado na fase 2.

A análise estatística em apreço valeu-se de dados colhidos através de questionários aplicados via e-mail nos grupos de pesquisa existentes na Universidade investigada. A amostra totalizou 81 grupos de pesquisa respondentes, de um total de 516 agrupamentos identificados e 400 coletivos efetivamente alcançados pelo envio dos questionários, via e-mail aos líderes. Esses dados permitem referir a um conjunto (81 grupos) correspondente a 20% de taxa de resposta, o que é relativamente aceitável em estratégias survey.

Formato dos Grupos de Pesquisa

Vista pelas diferentes áreas de conhecimento, a amostra, conforme demonstra a Figura 1, apresentou a seguinte distribuição do número de grupos.

Figura 1
Distribuição dos grupos por áreas de conhecimento.

Esta primeira distribuição inclui grupos que atuam em áreas multidisciplinares, num total de 15, o que explica uma composição percentual cuja soma extrapola 100%. Como se vê, na amostra de 81 unidades, estão representadas todas as áreas de conhecimento dos grupos existentes na Universidade. Percebe-se na distribuição dos grupos, a preponderância das áreas das Ciências Exatas e da Natureza e das Ciências Humanas, o que de certo modo já era esperado por serem setores mais numerosos em relação à quantidade de especialidades de conhecimento. Também merece destaque o grande quantitativo de grupos na área das Ciências Sociais Aplicadas e o baixo percentual em Linguística, Letras e Artes, área, esta última, que paradoxalmente detém um numeroso quadro de professores.

Em relação ao tempo de existência, observa-se, pela Tabela 1, que a maior parte dos coletivos da amostra, cerca de 93% dos grupos, encontra-se em atuação há mais de 2 anos, contra uma pequena parcela, cerca de 7%, que opera em torno de 2 anos na Universidade. Vale assinalar que 79% das unidades observadas têm tempo de atuação superior a 5 anos, o que permite considerar que as mesmas desfrutam de uma posição mais consolidada quanto ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, assim como sucede com as CoP, de acordo com as fases apresentadas por Gongla e Rizzuto (2001)GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001., é de se esperar que estes agrupamentos, por serem mais antigos, destaquem-se, institucionalmente, pela forte produção e compartilhamento de conhecimentos e também por exibir identidades mais solidificadas.

Tabela 1
Tempo de formação dos grupos

Já as evidências da Tabela 2 demonstram que boa parte dos grupos apresenta um número significativo de membros na sua composição, o que provavelmente é um fator concorrente para que esses agrupamentos exibam uma estrutura de gestão mais desenvolvida. Do mesmo modo que acontece nas CoP, estima-se que os grupos com maiores efetivos tenham uma complexidade mais elevada do que aqueles com menor número de indivíduos, o que reflete, diretamente, no processo de gestão desses coletivos. Ainda quanto ao número de integrantes, reproduzido na Tabela 2, constata-se que 84,0% dos grupos possuem efetivos com mais de 5 membros, enquanto quase 15% apresentam quadros compostos por 5 pessoas ou menos.

Tabela 2
Número de integrantes dos grupos

Já a Tabela 3 dá uma ideia da composição e do perfil acadêmico dos grupos. Nesses registros, nota-se a participação expressiva, nos coletivos, de alunos de graduação (presentes em 79,0% dos grupos), alunos de mestrado (presentes em 84,0% dos grupos), alunos de doutorado (presentes em 71,6% dos grupos), mestres (presentes em 59,3% dos grupos) e doutores/pós-doutores (presentes em 91,4% dos grupos). Vale sublinhar que a condição da categoria outro(s), inscrita na tabela 3, diz respeito, em geral, à participação de pessoas com perfis de bolsistas de apoio, bolsistas de gestão, professores da rede pública, técnicos temporários, representantes de movimentos populares e profissionais de saúde.

Tabela 3
Composição e perfil acadêmico dos grupos da amostra

A preponderância da participação de doutores/pós-doutores nos grupos da amostra é notória. Uma possível explicação para este predomínio repousa no fato de que a maioria desses profissionais encontra-se vinculada, como docente, aos programas de pós-graduação de seus respectivos departamentos, o que gera maior interesse pela publicação de trabalhos de cunho científico, aliado à própria relação desenvolvida com orientandos. Tal contexto impulsiona e facilita a formação de grupos e o consequente fomento da atividade de pesquisa. É importante destacar, ainda com base na Tabela 3, que o traço geral que sobressai refere-se ao que se poderia chamar de uma composição eclética dos grupos. Nessa linha de raciocínio, é admissível se traçar um paralelo entre os grupos de pesquisa e as CoP, pois a diversificação de perfis encontrada é traduzível como um sinal de que grande parte dos grupos encontra-se em estágio avançado no que tange às atividades de criação e intercâmbio de conhecimentos e aprendizado coletivo, através da resolução de problemas, tal qual apregoado por Gongla e Rizzuto (2001)GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001. e Humes e Reinhard (2006)HUMES, L. L.; REINHARD, N. A adoção do software livre na Universidade de São Paulo. Revista de Administração (São Paulo), v. 41, n. 3, p. 221-31, 2006..

Infraestrutura física e tecnológica dos Grupos de Pesquisa

A questão da infraestrutura física de que se valem os grupos de pesquisa, aqui representada na Figura 2, como ensinara a literatura, abrange tanto os aspectos físicos, quanto os aspectos tecnológicos. De fato, a infraestrutura física relaciona-se com os ambientes e materiais a que os grupos têm acesso e que dão suporte, inclusive, à utilização da infraestrutura tecnológica. Esta, por sua vez, relaciona-se com os recursos de TI utilizados pelos grupos nas tarefas que desenvolvem. Excetuando-se a alternativa outra(s), em que foram citados materiais como câmera fotográfica, filmadora, GPS, som, TV, gravador etc., a característica comum notada, como expõe a Figura em tela, foi que, invariavelmente, sempre mais da metade dos grupos investigados afirmou ter acesso e fazer uso de todas as opções arroladas no questionário, o que demonstra o amplo emprego destes componentes por parte dos grupos em suas atividades.

Figura 2
Infraestrutura física e tecnológica utilizada pelos grupos.

A infraestrutura tecnológica de software, representada pelos recursos de TI, encontra-se demonstrada também na Figura 2. Evidencia-se que tal infraestrutura dá suporte às atividades de comunicação, colaboração e coordenação, tal como referido por Ellis, Gibbs e Rein (1991). De fato, nos grupos analisados percebe-se o uso intenso de ferramentas que têm importância nos processos de comunicação, representadas pelo e-mail e pelas listas de e-mail. Além disso, há que se admitir que os recursos de TI empregados nos grupos também sirvam de apoio ao atingimento de seus objetivos, assim corroborando a visão de Campos et al. (2003)CAMPOS, F. C. A. et al. Cooperação e aprendizagem online. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. e Meirinhos e Osório (2009)MEIRINHOS, M.; OSÓRIO, A. Contributos para a formação do professor x.0+1. Revista de Educação, v. 1, n. 1, p. 26-42, 2009., para quem essas ferramentas não só fomentam a produção e as trocas de conhecimento, como permitem a formação de redes e de comunidades de trabalho, quando usadas em coletivos informais.

O construto magnitude torna possível a identificação da sintonia do emprego da TI e do nível de virtualidade em que os agrupamentos se encontram, abarcando três distintas dimensões: periodicidade, intensidade e extensão. Os 81 grupos integrantes da amostra, quando analisados através do ângulo da magnitude de uso dos recursos de TI, demonstraram fazer um expressivo uso desses instrumentos em suas rotinas, como demonstra a Figura 3.

Figura 3
Magnitude do uso de recursos de tecnologia da informação pelos grupos.

Autopercepção como Comunidades de Prática

Foi apurada, também, através do questionário, mediante uso de uma escala tipo likert, a forma como os grupos se autopercebiam em relação ao conceito de CoP. Para tanto, foram usadas doze questões, baseadas em Terra (2003)TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003. e Maria, Faria e Amorim (2008), adaptadas para apurarem a autopercepção dos grupos, que tiveram a ver com a interação e com os aspectos da informalidade, da participação, da colaboração e da autogestão vigentes em CoP. As respostas permitiram a apreciação de eventuais afinidades entre grupos de pesquisa e CoP, no que concerne ao confronto na vivência operacional entre os dois tipos de coletivos.

Houve uma esmagadora tendência dos agrupamentos pela concordância com as afirmações propostas, registrando-se um mínimo de neutralidade e uma inexpressiva discordância. Assim sendo, as seguintes constatações puderam ser feitas: mais de 80% dos grupos manifestaram concordância com dez das doze questões propostas; em uma das questões, referente ao desenvolvimento conjunto de ideias e projetos, esse percentual de concordância ficou em torno de 77%, ou seja, um pouco abaixo do índice de 80% já registrado; somente em uma questão, a relativa à adesão (voluntária e espontânea) ao grupo, o percentual de concordância mostrou-se mais fraco, mas mesmo assim em torno de 60%.

As Comunidades Virtuais de Prática

Nesta seção foram identificados os grupos de pesquisa da amostra que se assemelhavam às CoVP. Para a identificação, primeiramente, os agrupamentos foram reenquadrados no perfil de CoP. A aproximação dos grupos ao perfil de CoP foi feita a partir do questionário, obedecendo a um procedimento de contagem simples e fidedigno daqueles grupos cujas respostas às afirmações propostas recaíram na zona neutra ou de concordância. Como se desejava neste instante um ajuste mais fino da autopercepção do grupo como CoP, procedeu-se a eliminação do conjunto autopercebido como CoP, daqueles coletivos que sugeriram a zona de discordância em qualquer uma das doze questões. Como resultado desse processo, foram identificados 51 grupos de pesquisa que se aproximavam do perfil de CoP.

Posteriormente, os grupos foram analisados quanto à sua virtualidade, aplicando-se o critério da magnitude, e separando-se aqueles grupos que afirmaram sempre empregar recursos de TI nas suas rotinas, em intensidade alta e em muitas ou em todas as atividades, simultaneamente. Nessa análise foram identificados 37 grupos com perfil virtual.

Na interseção dos coletivos reenquadrados como CoP e dos que mostraram ter um expressivo nível de virtualidade foram encontrados os agrupamentos com perfil de CoVP. O efeito final deste procedimento é apresentado na Figura 4.

Figura 4
Determinação dos grupos que se definiram como comunidades de prática e com atuação virtual.

Assim, com este estratagema de interseção, foram encontradas, na amostra, 26 CoP que faziam forte uso da TI no suporte às suas interações, revestindo-se, pois, de um caráter inequivocamente virtual, o que, com base na visão de Bourhis, Dubé e Jacob (2005) permite dizer que tais grupos se conduzem como CoVP.

Caracterizando as Comunidades Virtuais de Prática

Após esta identificação, iniciou-se um cuidadoso processo de análise de cada um dos questionários dos 26 grupos selecionados, para se chegar à escolha definitiva das CoVP objeto de estudo de casos múltiplos.

Conforme mostra a Figura 5, estes 26 coletivos demonstraram ter, em sua maioria, mais de 5 anos de existência (69,2%) e efetivos de mais de 15 membros (57,7%). Estas evidências autorizam a afirmar que se tratam de CoVP de certa forma maduras e relativamente grandes no que concerne à quantidade de pessoal.

Figura 5
Características de tempo e composição das comunidades virtuais de prática da pesquisa.

Pela Tabela 4, que expõe os percentuais referentes à composição das CoVP em função dos perfis acadêmicos dos seus integrantes, nota-se que o destaque concentra-se, outra vez, na presença de doutores/pós-doutores, encontrados em 92,3% das 26 CoVP analisadas.

Tabela 4
Perfis acadêmicos na composição das comunidades virtuais de prática

Quanto às distintas áreas de conhecimento, de acordo com a Tabela 5, as Ciências Exatas e da Natureza e as Engenharias foram as que congregaram os maiores percentuais de CoVP, ambas, igualmente, reunindo em torno de 38% dos agrupamentos analisados. É importante frisar que a soma dos percentuais de distribuição das CoVP, por área, ultrapassa 100%, pois, assim como aconteceu com os grupos de pesquisa, alguns dos coletivos com perfil de CoVP demonstraram, também, ter uma atuação multidisciplinar. O fato das Ciências Exatas e da Natureza e das Engenharias congregarem os maiores percentuais de grupos que atuam de forma semelhante às CoVP era, de certo modo, algo esperado, uma vez que a área de Exatas da Universidade, com destaque para o Centro de Informática, exibe uma atuação que é referência no cenário nacional, pelas atividades que desenvolve no ramo tecnológico.

Tabela 5
Áreas de conhecimento das comunidades virtuais de prática

Reforça-se que todas essas características das CoVP, com exceção da distribuição dos grupos por área, apresentaram traços convergentes com os resultados alcançados nas análises dos 81 grupos de pesquisa componentes da amostra deste estudo.

Indicações para Estudo de Casos Múltiplos

Com vistas à identificação e escolha das CoVP para estudo aprofundado, aplicaram-se os seguintes critérios, fundamentados na revisão de literatura: antiguidade ou tempo de operação do coletivo (SCHERMERHORN, 1975SCHERMERHORN, J. Determinants of interorganisational cooperation. Academy of Management Journal, v.18, n.4, p. 846-56, 1975.), que resultaria em CoP em estado evolutivo mais avançado, com processos e métodos mais desenvolvidos e identidade consolidada (GONGLA; RIZZUTO, 2001GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001.; TERRA, 2003TERRA, J. C. C. Comunidade de prática: conceitos, resultados e métodos de gestão. [S.l.]: Biblioteca TerraForum Consultores, 2003.); densidade ou concentração de integrantes, posto que um público mais numeroso implicaria em um aumento da necessidade do uso interno de mecanismos de gestão (BRAGA, 2008BRAGA, M. M. Especificação dos serviços essenciais a uma plataforma de software para comunidades de prática. 2008. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2008.); diversidade ou variação do nível de formação acadêmica dos componentes do agrupamento, pois nesta condição a troca de experiências e conhecimentos poderia conduzir à especialização e à diversificação dos papéis exercidos pelos integrantes dos agrupamentos (BRAGA, 2008BRAGA, M. M. Especificação dos serviços essenciais a uma plataforma de software para comunidades de prática. 2008. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2008.); pluralidade ou multiplicidade quanto ao uso de meios de infraestrutura física e tecnológica, qualificando os coletivos a um maior uso de uma ampla gama de recursos de TI na realização de suas atividades (WENGER, 2001WENGER, E. Supporting communities of practice: a survey of community-oriented technologies. In: REPORT TO THE COUNCIL OF CIOs OF THE U.S. GOVERNMENT, 2001. Disponível em: http://www.ewenger.com/tech. Acesso em: 10 mar. 2010.
http://www.ewenger.com/tech...
).

A efetiva aplicação desses critérios possibilitou determinar o conjunto interseção de CoVP, observadas em função da antiguidade (mais de 5 anos de existência), da densidade (mais de 15 membros), da diversidade profissional (5 ou mais formações acadêmicas) e da pluralidade (uso de 7 ou mais recursos de infraestrutura física e tecnológica). Na interseção surgiram 5 CoVP, então contatadas, através de e-mail, para a verificação da disponibilidade do agrupamento (liderança e outro membro) em participar da realização das entrevistas previstas no método. Dos e-mails enviados para as cinco CoVP, apenas um não foi respondido, reduzindo, portanto, para 4 o número de unidades a investigar no estudo de casos múltiplos.

Análise das Comunidades Virtuais de Prática

Nesta seção, são examinados os resultados das entrevistas com os integrantes (líder e outro membro indicado pela liderança) das quatro CoVP selecionadas para o estudo de casos múltiplos. Em todos os momentos da análise das entrevistas, por meio da técnica de análise de conteúdo, conforme sugerido por Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., foram procuradas evidências acerca dos mecanismos de interação, organização e controle utilizados nas CoVP, sem perder de vista o suporte dado pela TI aos procedimentos vigentes e, por extensão, os efeitos finais desta sobre o compartilhamento de conhecimentos e a construção da identidade nos coletivos.

Os entrevistados foram identificados da seguinte forma: CoVP de Genética; CoVP de Educação Física; CoVP de Informática; CoVP de Informática em Saúde. Nos quatro casos, como já era esperado, as lideranças demonstraram um conhecimento muito mais sólido das atividades do grupo do que os integrantes indicados por essas respectivas lideranças.

Mecanismos de Interação

Nos coletivos, interage-se e compartilham-se informações e conhecimentos, sobretudo em seminários, reuniões, eventos e outros acontecimentos agregadores. Conforme notado em todos os casos, quando o assunto envolve o público externo, esta interação e este compartilhamento acontecem, em geral, via participação e publicação em eventos (nacionais ou internacionais), produções em revistas científicas, notícias em canais de imprensa ou pelos próprios meios tecnológicos que o agrupamento faz uso, a exemplo da home page.

Por reter essas características, nota-se que os grupos analisados têm o perfil de CoP, corroborando as proposições de Wenger, McDermott e Snyder (2002), já que se tratam de coletivos em que as pessoas manifestam real interesse de trabalhar conjuntamente, dentro de temáticas comuns, através de uma interação regular.

Essa forma de atuação em reuniões, seminários, eventos ou no desenvolvimento de projetos constitui momentos em que os integrantes dos grupos exercitam na sua plenitude o esforço de trabalhar de forma colaborativa. Percebe-se, neste aspecto, uma práxis que envolve, além da participação, a formação de redes de cooperação, com notória influência da dimensão informal, confirmando definições postas por Maria, Faria e Amorim (2008). Assim sendo, os grupos de pesquisa analisados demonstraram ter de fato o perfil de funcionamento bastante semelhante ao das CoP, destacando-se nas suas operações as contribuições dadas pelos membros e a atuação integrada dos mesmos em projetos e demais atividades do grupo.

Os agrupamentos analisados exibiram uma forte atuação virtual em matéria de interação. O uso intenso da TICC nas quatro CoVP estudadas acontece principalmente em função da impossibilidade dos membros do grupo conseguirem se encontrar presencialmente e, em certos casos, em virtude da distância que alguns daqueles encontram-se, confirmando as ideias de Sproull e Kiesler (1992)SPROULL, L.; KIESLER, S. Group decision making and communication technology. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 52, n. 1, p. 96-123, 1992. de que a TI dá suporte às redes de comunicação e tem a propriedade de libertar os membros de um grupo das restrições de tempo e de espaço. Os grupos fazem uso, essencialmente, das TICC, as quais, segundo Meirinhos e Osório (2009)MEIRINHOS, M.; OSÓRIO, A. Contributos para a formação do professor x.0+1. Revista de Educação, v. 1, n. 1, p. 26-42, 2009., possibilitam altos níveis de interação, fornecendo uma infraestrutura que dá suporte ao rápido acesso às informações, à estimulação da criatividade e à promoção da comunicação.

Foram destacados pelos agrupamentos, como suporte da TI às relações e interações desenvolvidas em todas as frentes, na comunicação e nas trocas de documentos, o uso de listas de e-mail, MSN®, Skype®, Google Talk®, Google Docs®, home page, web e vídeoconferências (estas duas últimas em maior grau nas CoVP de Informática e de Informática em Saúde). Nas CoVP de Genética, de Educação Física e de Informática, mesmo que de modo menos formal e mais restrito, são também usadas redes sociais como o Facebook®.

O uso predominante do e-mail foi o traço comum em todos os quatro casos analisados, sugerindo uma equivalência com o que foi notado na parte quantitativa deste artigo, dado que 97,5% dos 81 grupos componentes da amostra fazem uso desta ferramenta em suas atividades. O e-mail, a seu turno, constitui ferramenta de groupware que nas percepções de Wenger et al. (2005)WENGER, E. et al. Technology for communities. In: CENTRE FRANCOPHONE d’INFORMATISATION DES ORGANISATIONS. Work, learning and networked: guide to the implementation and leadership of intentional communities of practice. Quebec: CEFRIO, 2005. está bastante associada ao processo de comunicação e interação dos agrupamentos.

Outro aspecto importante a ser destacado no que se refere à interação é que, nas CoVP estudadas, a diversificação dos perfis acadêmicos demonstrou ser característica contributiva nas interações que estão na base das atividades de produção e das trocas de saberes entre os membros dos coletivos. Em todos os casos apreciados, relatou-se que os mais experientes sempre têm participação direta ou indireta na orientação e na integração dos membros com menos vivência nos grupos, reforçando o processo de troca de experiências e afirmação da identidade das CoVP, características essenciais dessas comunidades (WENGER, 1998WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998.; 2004).

Mecanismos de Organização

No que tange à organização, ficou patente que a autogestão é característica presente e fundamental no funcionamento dos grupos de pesquisa, tal como acontece nas CoP, segundo Christopoulos (2008)CHRISTOPOULOS, T. P. A sustentação das comunidades virtuais de aprendizagem e de prática. 2008. 282 p. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo: EAESP, 2008.. Este procedimento configura um tipo de gestão interna que, nos casos analisados, responde a uma necessidade derivada da diversidade de perfis acadêmicos presente nos grupos, do porte numérico dos coletivos e do tempo que os mesmos estão em operação. Em todos os casos, constatou-se um estágio avançado de consolidação dos grupos, à maneira das fases de desenvolvimento das CoP previstas por Gongla e Rizzuto (2001)GONGLA, P.; RIZZUTO, C. R. Evolving communities of practice: IBM Global Services experience. IBM Systems Journal, v. 40, n. 4, p. 842-62, 2001..

Aliada à consciência da atuação em torno de um propósito comum, a postura de cada um dos coletivos evidencia, em relação ao estágio de desenvolvimento em que se encontram, uma acentuada busca do ajustamento de suas estruturas e processos no sentido de produzir e compartilhar conhecimentos e de disseminar influência não só no ambiente operacional mais próximo, mas também em novos e distantes ambientes. Todos os entrevistados admitiram que as ações de seus grupos extrapolam as fronteiras universitárias e isto até lhes garante reconhecimento internacional pela importância das atividades que vêm desenvolvendo.

Em dois casos (CoVP de Informática e CoVP de Informática em Saúde), o estágio de consolidação é tal que lhes é possível agir com seus projetos em moldes empresariais, por meio do desenvolvimento de soluções tecnológicas para fins de mercado. No entanto, asseguraram os entrevistados desses coletivos, que a remuneração ou financiamentos obtidos através dos projetos e negócios são reinvestidos na manutenção dos próprios agrupamentos.

No geral, em todos os casos, no tocante à organização das operações (eventos, reuniões e atividades de desenvolvimento de projetos), a distribuição de papéis demonstrou ser um procedimento relevante, incluindo a designação e a delegação de autoridade e responsabilidades entre os indivíduos e a alocação da infraestrutura física e tecnológica.

Fazendo um paralelo entre os papéis presentes nos coletivos e aqueles citados por Braga (2008)BRAGA, M. M. Especificação dos serviços essenciais a uma plataforma de software para comunidades de prática. 2008. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2008., e que podem ser encontrados nas CoP (presenciais ou virtuais), saltam à vista as menções feitas aos encargos de líder ou coordenador, de organizador de eventos, de coordenador de conteúdos, de redator e de função de suporte técnico. Nas CoVP de Informática e de Informática em Saúde, até mesmo pelas estruturas mais desenvolvidas que estas possuem, todos os papéis destacados por aquele autor puderam ser notados.

Ainda quando não revelada (caso da CoVP de Educação Física), a observação de uma hierarquia é um fato notório e está muito associado à experiência dos integrantes do grupo, atribuindo-se, incondicionalmente, lugar mais elevado à liderança. Verifica-se, contudo, que tal hierarquia, baseada na experiência, não suprime, mas, pelo contrário, amplia o espaço para a delegação de autoridade, de competências e responsabilidades nos coletivos. Nesse contexto, a TI atua como um meio que possibilita a interação, o monitoramento e a execução de papéis pelos indivíduos do grupo com grande eficácia (RHEINGOLD, 2002RHEINGOLD, H. Smart mobs: the next social revolution. Local: Perseus, 2002.).

A disponibilização e uso das infraestruturas física e tecnológica apresentam-se como aspectos importantes da organização das CoVP e, nos casos examinados, tais elementos são fornecidos, em parte, pela Universidade e majoritariamente obtida através de investimentos decorrentes de projetos ou financiamentos advindos de agências de fomento. Assim, com exceção da CoVP de Informática, todos os outros grupos reconheceram que a Universidade poderia conceder um maior apoio nesse sentido. As CoVP de Genética e de Educação Física revelaram, inclusive, que não realizam webconferências ou videoconferências pela falta de acesso a uma infraestrutura com boas condições para acomodar tais eventos. Esses grupos costumam utilizar mais chamadas de vídeo através do Skype®. Em relação aos recursos de TI usados pelos grupos, os casos, na sua totalidade, demonstraram o uso de meios que são disponibilizados gratuitamente na Internet.

O uso da TICC foi uma constante na organização de todos os coletivos, possibilitando não apenas a comunicação, mas também as atividades de coordenação e colaboração entre os membros do agrupamento, características da tecnologia groupware (ELLIS; GIBBS; REIN, 1991). Nas reuniões, por exemplo, a tecnologia foi notada na definição das pautas, passando pelas contribuições que os integrantes dão às mesmas, atingindo até a distribuição das atas ou memórias desses encontros, geralmente via e-mail. Além disso, todos os grupos, na visão das lideranças, empregam o chat, pelas facilidades que o mesmo traz às reuniões ou encontros mais informais com integrantes do grupo e com os contatos distantes.

Nos grupos que organizam reuniões virtuais com elevada frequência, representados pelas CoVP de Informática e de Informática em Saúde, percebeu-se, entretanto, que os procedimentos executados não diferiram muito daqueles usuais em encontros presenciais. Se o fator da virtualidade se faz imprescindível em resposta aos impeditivos de ordem geográfica, dada a distribuição do grupo, ainda assim sempre se recorre à figura do mediador e ao registro dos fatos através de uma ata ou memória. As tecnologias mais utilizadas por esses grupos nas reuniões virtuais foram o Skype®, a webconferência e a videoconferência.

Na CoVP de Informática em Saúde, em particular, as palestras e cursos virtuais empreendidos exigem requisitos diferenciados. Com efeito, quanto à organização desses eventos, sublinharam os entrevistados, ser crucial a mobilização de pessoas com perfil mais tecnológico, embora subsistam, nesses acontecimentos, componentes de uma estrutura tradicional. Do lado da virtualidade, as demandas são supridas pelo uso do Moodle®, da webconferência e da videoconferência, que foram as tecnologias mais mencionadas.

Assim, reconhecendo o ensinamento de Teixeira (2002)TEIXEIRA, J. Comunidades virtuais. Rio de Janeiro: SENAC-RJ, 2002., a TI, e sua função na organização das atividades dos agrupamentos, foi apontada por reduzir os custos de comunicação nos coletivos; por possibilitar o aumento da produtividade, dada a possibilidade de discussão à distância; por permitir a constituição de uma memória do grupo, graças ao factível registro virtual. Destarte, no que é essencial à organização e ao funcionamento dos grupos, os depoimentos dos casos mostraram-se amplamente favoráveis ao apontarem as vantagens da mediação provida pelas tecnologias, ao fazerem uso de uma diversidade delas tanto na modalidade síncrona, quanto assíncrona, tal como trazido por Wenger (2001)WENGER, E. Supporting communities of practice: a survey of community-oriented technologies. In: REPORT TO THE COUNCIL OF CIOs OF THE U.S. GOVERNMENT, 2001. Disponível em: http://www.ewenger.com/tech. Acesso em: 10 mar. 2010.
http://www.ewenger.com/tech...
e Wenger et al. (2005)WENGER, E. et al. Technology for communities. In: CENTRE FRANCOPHONE d’INFORMATISATION DES ORGANISATIONS. Work, learning and networked: guide to the implementation and leadership of intentional communities of practice. Quebec: CEFRIO, 2005..

Mecanismos de controle

O controle foi percebido através de diferentes perspectivas nos casos, estando bastante associado à atividade de coordenação dos grupos, por implementar, principalmente por meio do uso da TICC, a pré-articulação, o gerenciamento e a pós-articulação das tarefas realizadas. Neste particular, todos os agrupamentos demonstraram manter pessoas incumbidas do processo de inclusão cadastral, ou seja, responsabilidade de fazer o cadastramento dos membros que entram no grupo e a exclusão daqueles que dele se desligam, cumprindo ensinamento relativo ao gerenciamento dos recursos de TI e ao uso do ambiente virtual do coletivo, tal como defendido por Lento, Fraga e Lung (2006).

Na CoVP de Informática em Saúde, este controle mostrou-se bem mais desenvolvido, tanto que no ambiente tecnológico utilizado pelo grupo, as redes sociais são bloqueadas, existe catraca eletrônica e os arquivos disponibilizados no servidor, assim como a permissão do uso de espaços virtuais e das funcionalidades das tecnologias, possuem diversos níveis de acesso, de acordo com o perfil do usuário no momento em que este é cadastrado.

Identificou-se, também, o controle relacionado ao gerenciamento de conteúdos. Este, nos casos analisados, tal como diziam Moratelli e Valdameri (2002)MORATELLI, A. S.; VALDAMERI, A. R. Sistema de gerenciamento de conteúdo para ambiente web. 2002. 59 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso o de Ciência da Computação) — Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2002., apareceu bastante associado à home page do coletivo, sempre havendo algum integrante, a exemplo do que sucede na CoVP de Informática em Saúde, responsável pela função de gerir conteúdos das páginas. Mas, vale salientar que, em que pese existir alguém responsável pela função de controle de conteúdo, as informações disponibilizadas no ambiente virtual passam pelo crivo do grupo, que decide coletivamente o que deve ser divulgado ou pela autorização do líder.

Nas CoVP analisadas, o controle de gestão foi observado no uso de diversas práticas tais como cronogramas, programas ou agendas de trabalho e relatórios. Os fatos permitem deduzir que a TI tem um forte papel no acompanhamento de atividades. Como principal tecnologia, citada a propósito destes processos, figura o e-mail, com alguma tendência a propiciar o controle eletrônico de agendas. Nas CoVP de Informática e de Informática em Saúde são utilizadas, também, tecnologias mais específicas de acompanhamento de atividades, como o Project ®, para verificação do cumprimento de metas e ações vinculadas a rotinas ou encargos assumidos em determinado projeto.

A realização de reuniões para avaliação de resultados também constitui uma forma de controle de gestão por parte dos agrupamentos. Nos coletivos, todavia, notou-se a ausência do uso de indicadores, com exceção da CoVP de Informática em Saúde, a qual mantém os indicadores em fase de construção, através de um sistema específico e voltado para o acompanhamento de todas as suas atividades e projetos.

Por outro lado, em relação ao controle de participação, dois grupos (CoVP de Genética e de Informática em Saúde) o referiram no molde convencional de frequência, no primeiro, através do livro de ponto, que possibilita a elaboração de gráficos acompanhados pela liderança; no segundo, por meio de catraca eletrônica para registro da presença. Nas CoVP de Educação Física e de Informática, não se citaram registros de frequência, sendo o controle da participação feito mais pela cobrança mútua entre os próprios membros ou pela busca de contato, sempre que algum integrante deixa de aparecer, para se saber o que está acontecendo.

Os mecanismos de controle percebidos nos agrupamentos se enquadram na classificação de Scott (1995)SCOTT, W. R. Institutions and organization. London: Sage, 1995., vista na seção Revisão de Literatura.. Em relação aos mecanismos reguladores, a maioria dos casos destacou a existência desses, à exceção da CoVP de Informática, cujos entrevistados conferiram pouca importância a tais procedimentos. Nos grupos em que as regras mostraram-se presentes, em dois deles (CoVP de Genética e de Informática em Saúde) os procedimentos são dispostos em formato digital para acesso de todos os membros, dada a importância que a eles se confere. Na CoVP de Educação Física, em contraposição, essas normas ou regras são mais verbalizadas. Na CoVP de Genética, vale destacar, as normas ou regras estão mais relacionadas ao uso dos equipamentos e do laboratório do grupo do que à convivência das pessoas.

Ainda no que remete aos mecanismos normativos, todos os agrupamentos revelaram acatar uma hierarquia, de forma direta ou indireta, num esquema em que, convém novamente aludir, percebe-se uma maior autoridade dos integrantes em função da vivência e do acúmulo de conhecimentos dos mesmos, tal que nessa hierarquia, as lideranças, são muito respeitadas.

À luz da perspectiva dos mecanismos cognitivos, foram mencionados valores como o profissionalismo, compromisso moral, ética, respeito, solidariedade e honestidade, que convergem no sentido de influenciar os integrantes a um maior comprometimento com as atividades do grupo rumo ao alcance de seus objetivos. O uso da TI foi realçado como meio de reforço desses valores, por melhorar a agilidade na comunicação entre os membros e, de certo modo, criar condições adequadas à integração dos indivíduos em nível interno do grupo.

Compartilhamento de conhecimentos e consolidação da identidade nas CoVP

No que concerne ao compartilhamento de conhecimentos e à consolidação da identidade, objetivos fundamentais das CoP (presenciais ou virtuais) destacados por Wenger (1998WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998.; 2004), todos os agrupamentos convergiram no sentido de reconhecer que as atividades que realizam têm possibilitado a produção e as trocas de saberes, e, consequentemente, conduzido à consolidação das características e dos valores dos coletivos.

Desse modo, as ações e tarefas realizadas de forma cooperativa e conjunta, como as que foram citadas em todas as entrevistas (seminários, encontros e reuniões, eventos que os membros do agrupamento participam, organizam ou ajudam a organizar, o monitoramento, o acompanhamento e a avaliação das atividades que são desenvolvidas no interior do coletivo, entre outras), não só têm permitido o intercâmbio de informações e de conhecimentos, como também têm propiciado uma maior visibilidade e reconhecimento das CoVP sob estudo.

Nesse sentido, a TI, tal como destacado por todas as CoVP, tem servido como meio que enseja a realização das operações dos grupos. Nessa linha de raciocínio, o uso de TI não apenas tem possibilitado uma maior integração entre os indivíduos rumo ao atingimento dos objetivos do grupo, como também tem fornecido apoio às relações que o coletivo desenvolve com o seu público externo. Todas as CoVP foram unânimes ao reconhecer que a TI é essencial no compartilhamento de conhecimentos e na consolidação da identidade do grupo.

Em conjunto, portanto, os mecanismos de interação, organização e controle, aliados ao uso da TI, como pôde ser percebido, figuram como meios que têm tido impacto direto em todas as trocas, intercâmbios e produções de informações e de conhecimentos que acontecem tanto dentro quanto fora dos limites dos coletivos estudados. Além disso, são meios que também exercem influência no estabelecimento de contatos, sobrepujando distâncias, no reconhecimento do grupo e na sua visibilidade nos cenários nacional e internacional. Pode-se afirmar, desse modo, que os mecanismos de interação, organização e controle, bem como os recursos de TI, ao se fazerem presentes nas trocas de saberes e na consolidação da identidade das CoP com atuação virtual estudadas na pesquisa, constituem elementos que são adotados por essas comunidades e que se tornaram parte de sua prática, integrando assim o seu repertório compartilhado de recursos, tal como este conceito é definido por Wenger (1998)WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998..

Considerações finais

O presente artigo pautou-se pelo objetivo principal de evidenciar os mecanismos de interação, organização e controle, e seus efeitos, nos grupos de pesquisa de uma Universidade Federal que atuam nos moldes de CoVP. Para tanto, buscou, por meio de estratégia de pesquisa survey, conhecer, em meio ao ambiente institucional, as características centrais destes grupos, e, na seqüência, identificar aqueles coletivos com real perfil de CoVP. A partir do levantamento das características centrais das CoVP identificadas, quatro delas, selecionadas com base em critérios pré-estabelecidos, foram levadas a estudo de caso.

No que cabe distinguir como principal aspecto da investigação empreendida, foi marcante a presença de mecanismos de interação nos coletivos analisados. A interação mostrou ser um processo presente em praticamente todas as ações realizadas pelos grupos, abrangendo atividades tais como seminários, reuniões e eventos em nível interno. A interação com o público externo acontece, via de regra, através da participação em eventos nacionais e internacionais, das produções científicas, das notícias veiculadas sobre os grupos em canais da imprensa ou das tecnologias utilizadas pelos mesmos, bem como, por meio de contatos com outras instituições, sobretudo aqueles vitais para o desenvolvimento de parcerias e projetos.

As listas de e-mail, MSN®, Skype®, Google Talk®, Google Docs®, home page, webconferência e videoconferência e as redes sociais, tiveram destaque como ferramentas interativas que possibilitam os contatos de toda ordem dos grupos. Estas TICC também permearam, com graus diferentes de uso, a organização e controle das CoVP estudadas.

Os mecanismos de organização tiveram importância fundamental em várias operações executadas pelos agrupamentos: na organização de seminários, reuniões e eventos; no desenvolvimento conjunto de projetos; no uso da infraestrutura física e tecnológica; na distribuição de papéis e na delegação de autoridade e responsabilidade entre os membros do agrupamento. Aqui, o uso de TICC tem possibilitado o aperfeiçoamento da comunicação, da coordenação e da colaboração entre os membros das CoVP.

Os mecanismos de controle tiveram destaque nas operações de gerenciamento dos recursos de TI, incluindo o controle de acesso e a gestão de conteúdos; nas atividades de gestão, envolvendo o acompanhamento de ações e a avaliação do desempenho, realizados através de reuniões; no controle de programas ou agendas de trabalho, frequência e de participação, de cronogramas e na elaboração de relatórios; no estabelecimento da hierarquia, na elaboração e aplicação de normas ou regras e na difusão dos valores do agrupamento. Os mecanismos de controle, através da TI, incidiram sobre todas essas atividades, não só ao disponibilizar ferramentas que permitem o monitoramento e a execução de ajustes, mas também ao possibilitar o reforço dos enfoques burocráticos e cognitivos dentro dos coletivos.

Os relatos apurados e analisados no estudo de caso levaram às seguintes observações acerca do conjunto das quatro CoVP examinadas, sumarizadas no Quadro 1.

Quadro 1
Principais observações derivadas no exame vivencial das CoVP estudadas.

Finalmente, é plausível considerar que a autogestão foi um traço notável nos quatro casos estudados, sendo processo responsável pela manutenção da prática das CoVP, que é representada pelo repertório compartilhado de recursos produzido em tais comunidades. Os mecanismos de interação, organização e controle identificados, bases da autogestão, em conjunto com o suporte fornecido pela TICC, revelaram-se como processos que se encontram profundamente relacionados, ou seja, que exercem influências mútuas entre si. Tais mecanismos, assim, revelaram-se presentes em toda a dinâmica dos grupos de pesquisa com perfil de CoVP, então estudados neste artigo e, dessa maneira, são fatores de efeito direto sobre o compartilhamento de conhecimentos e a consolidação da identidade dos coletivos, objetivos essenciais em qualquer CoP, sejam elas presenciais ou virtuais.

Este estudo apresenta algumas limitações, dentre as quais se encontram: não foi possível se ter em mãos os contatos da totalidade dos grupos de pesquisa da IFES investigada para o envio dos questionários; a generalização dos resultados da parte quantitativa e da qualitativa, pois uma vez que esses resultados são reflexos dos grupos de pesquisa do local investigado, impossibilita a extensão das características encontradas com precisão para outros contextos; o fato dos grupos que responderam o questionário e participaram da entrevista, mesmo tendo recebido explicações sobre os interesses dos pesquisadores, não terem conseguido alcançar um nível ideal de compreensão dos conceitos do estudo, o que pode ter acarretado omissões ou imprecisões nas respostas dadas.

A título de direcionamentos futuros, derivados da pesquisa, enumeram-se os seguintes: realizar estudos como esse em outras IFES, comparando os resultados obtidos; desenvolver um estudo mais aprofundado associando os grupos de pesquisa com as CoP ou CoVP, com um embasamento mais qualitativo; realizar uma investigação com um foco mais quantitativo que torne possíveis generalizações, com suficiente grau de confiabilidade, a respeito do tema explorado neste artigo. A pesquisa traz contribuições para os estudos organizacionais, não só por ter como objeto arranjos que diferem dos modelos de organização que a administração comumente estuda, associando a um conceito com grande potencial de análise (CoP e CoVP), mas também por possibilitar um entendimento de práticas de gestão em grupos que se destinam a criar e trocar saberes, o que pode servir para que a gestão acadêmica empreenda ações no sentido de aperfeiçoar as atividades de pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2013
  • Aceito
    01 Out 2014
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