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Análise e impacto do BNDES FINAME a partir das empresas credenciadas, dos produtos financiados e da cadeia de fornecedores

Analysis and impact of BNDES FINAME’s accredited companies, financed products and supply chain

Resumo

O BNDES FINAME é uma das mais tradicionais políticas públicas voltada ao setor de bens de capital brasileiro. Ele oferece condições de financiamento à aquisição e produção de bens de capital que cumpram determinadas exigências de conteúdo local. O artigo reuniu algumas informações sobre as empresas que procuraram o BNDES para terem seus produtos apoiados, inclusive os produtos credenciados e sua cadeia de fornecedores. A base de dados contou com 23.145 produtos, 3.695 empresas fabricantes e aproximadamente 30.000 empresas fornecedoras. O objetivo principal do trabalho foi, com o uso da Matriz Insumo Produto, cruzar tais informações com dados de financiamento de 2016, 2017 e 2018 para estimação dos impactos da cadeia de fornecedores sobre produção e emprego. As estimativas apontaram que cada R$1 financiado gerou, em média, adicionalmente R$0,70 de produção direta e indireta. Além disso, cada R$1 milhão financiado envolvia, em média, a manutenção de quatro empregos.

Palavras-chave:
BNDES; bens de capital; política de conteúdo local; matriz insumo-produto

Abstract

BNDES FINAME is one of the most traditional public policies for the Brazilian capital goods industry. It provides special financial conditions for acquisition and production of capital goods that meet certain local content requirements. This paper gathers information from the companies accredited for BNDES in order to have their products supported on FINAME, including these products and their supply chain. The database includes 23.145 products from 3.695 capital goods companies and 30.000 companies from the supply chain. The main goal is to merge those information with BNDES financing data from 2016, 2017 and 2018, and also the Brazilian input-output matrix in order to estimate the direct and indirect impact on both production and employment. Estimates showed that each R$1 financed added, on average, another R$0,70 in direct and indirect production. In addition, each R$1 million financed helped on the maintenance of 4 jobs.

Keywords:
BNDES; capital goods; local content policy; input-output matrix

1 Introdução

Historicamente, o setor de bens de capital teve um papel central no processo de industrialização e desenvolvimento de diversos países. Esse destaque ocorre porque a aquisição de bens de capital permite que os setores expandam sua capacidade produtiva e também se tornem mais produtivos, conferindo a ele a função de difusor do progresso técnico. Além disso, ele possui horizontalidade pelo lado da demanda, ou seja, todas as atividades demandam algum bem de capital para realização de seus processos produtivos. Um setor de bens de capital nacional também torna o processo de crescimento menos dependente de importações, o que contribui para diminuir pressões no balanço de pagamentos.

Como banco de desenvolvimento e um dos principais financiadores de projetos de investimento no país, o BNDES adquiriu uma longa tradição de suporte ao setor. De fato, a criação do FINAME1 1 O FINAME começou com uma agência, a Agência Especial de Financiamento Industrial, que geria o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos, também com a mesma sigla FINAME (Silveira, 2002). nos anos de 1960 e a consolidação ao incentivo à produção de máquinas e equipamentos nacionais a partir dos anos de 1970 colocaram o BNDES como um dos principais agentes na promoção do desenvolvimento do setor de bens de capital no Brasil. A vinculação da concessão de crédito ao cumprimento de exigências de conteúdo local foi peça-chave nisso.

O FINAME se enquadra como um supplier credit, financiando a aquisição de bens de capital pelas empresas demandantes. Ao vincular esse financiamento a uma política de conteúdo local ele confere competitividade ao fabricante do ponto de vista financeiro ao mesmo tempo que estimula o desenvolvimento e a manutenção de uma cadeia de fornecedores nacionais.

Ainda que os critérios e métricas atuais não sejam os mesmos da época de sua criação, a política de conteúdo local (PCL) continua vigente. Como consequência da necessidade de verificação do enquadramento das máquinas e equipamentos à PCL, o BNDES acabou acumulando uma vasta quantidade de informações não apenas sobre as empresas que buscam o credenciamento de seus produtos, mas também sobre a sua cadeia de fornecedores.

A análise dos dados ocorreu em duas etapas. A primeira etapa da análise consistiu em explorar as informações sobre os produtos e as empresas credenciadas a partir de uma amostra filtrada da base de credenciamento e das eventuais operações que esses produtos realizaram por meio do BNDES FINAME no período 2016-2018. Já na segunda etapa, são exploradas as informações da cadeia de fornecedores, que também foram mescladas com os dados das operações de financiamento para que fossem estimados alguns impactos da PCL. Entre os impactos estimados temos, primeiramente, apenas com as informações do próprio BNDES, o impacto direto que a PCL exerce na cadeia de fornecedores nacional e também nas importações. Na sequência, com o uso de um modelo insumo-produto, foi possível obter uma estimativa do impacto que a cadeia de fornecedores nacional gerou no restante da economia em termos de produção e de empregos.

Nesse contexto, o presente artigo visa aproveitar as informações do processo de credenciamento e cruzá-las com dados de financiamento, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o setor de bens de capital e, especialmente, sobre a própria atuação do BNDES. Já existe uma razoável literatura sobre a avaliação das políticas do BNDES,2 2 Machado e Roitman (2015) apresentam uma lista extensa e separada por tipo de apoio e impacto. inclusive alguns estudos sobre a política de conteúdo local, sobre o papel do FINAME (especialmente do PSI) e seus efeitos na indústria de bens de capital, em boa parte do próprio corpo de funcionários do BNDES.

Podemos citar, por exemplo, o estudo de Pinto e Grimaldi (2019PINTO, A.; GRIMALDI, D. O impacto da política de conteúdo local do BNDES sobre o setor de bens de capital brasileiro. Rio de Janeiro: BNDES, 2019. (Relatório de Avaliação de Efetividade, n. 2)) que buscou comparar se o desempenho das empresas de bens de capital credenciadas era superior ao conjunto das empresas presentes na base da Pesquisa Industrial Anual (PIA). Ainda que resultados sobre faturamento e nível de emprego tenham se mostrado positivos, os resultados sobre custos e aquisição de insumos não foram conclusivos. Já Machado e Roitman (2015MACHADO, L.; ROITMAN, F. Os efeitos do BNDES PSI sobre o investimento corrente e futuro das firmas industriais. Revista do BNDES, v. 44, p. 89-122, 2015.) buscaram estimar os efeitos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) - veremos mais à frente que esse programa operou em grande parte por meio do FINAME - sobre os investimentos industriais também comparando com a PIA, mas dessa vez com foco nos tomadores de crédito. Entre os resultados, vale mencionar que não foram encontradas evidências de que o PSI reduziu o investimento por outras fontes, portanto, ele teria contribuído efetivamente para o aumento do investimento.

Além desses, outros estudos se somam à literatura do BNDES com foco no FINAME, como o estudo sobre margens bancárias dessas operações, de Castor e Ribeiro (2018RIBEIRO, E. O papel do BNDES no financiamento de bens de capital no Brasil: Concorrência bancária e custo de empréstimos. In: DE NEGRI, J.; ARAÚJO, B.; BACELETTE, R. (Org.). Desafios da Nação: artigos de apoio. Brasília: IPEA, 2018. v. 1, p. 603-628.), e de contribuição a menor concentração bancária, de Ribeiro (2018). Mas o que merece maior atenção aqui é o de Aidar et al. (2019AIDAR, G.; ZYLBERBERG, R.; GIACOMINI, R.; LORIATO, L. Perfil do apoio do produto BNDES Finame. Revista do BNDES, v. 27, n. 51, p. 7-51, jun. 2019.). Nesse trabalho os autores fazem um perfil para as operações do BNDES FINAME, incluindo recortes por porte, localização e setor das empresas beneficiárias, além dos tipos de equipamentos e porte das empresas de bens de capital que venderam seus produtos. Ao final do trabalho há uma avaliação de encadeamento com o uso de Matriz Insumo-Produto. No entanto, são utilizados apenas os financiamentos realizados em 2016, e os resultados não estão separados em diretos e indiretos, de modo que não podemos averiguar quanto é contribuição dos próprios fabricantes de bens de capital e quanto é contribuição da cadeia de fornecedores.

Desse modo, a contribuição do presente trabalho reside no foco dado ao impacto na cadeia de fornecedores e no maior rigor dado à amostra de dados utilizados. Pinto e Grimaldi (2019PINTO, A.; GRIMALDI, D. O impacto da política de conteúdo local do BNDES sobre o setor de bens de capital brasileiro. Rio de Janeiro: BNDES, 2019. (Relatório de Avaliação de Efetividade, n. 2)) não mencionam nenhum tratamento de consistência na preparação dos dados de credenciamento, enquanto Aidar et al. não trabalharam os dados de credenciamento para dar um choque no modelo que levasse em conta as heterogeneidades do setor de bens de capital, principalmente diferenças quanto à origem dos componentes. Assim, acredita-se que os tratamentos realizados aqui permitiram resultados mais precisos e confiáveis para uma avaliação dos impactos da PCL.

Este artigo possui mais quatro sessões além desta introdução. A seguir há uma breve descrição do setor de bens de capital, apresentando algumas características estruturais e números que ilustram sua importância para a economia brasileira. A terceira seção é sobre o FINAME, explica como ele funciona, os seus números dos últimos anos e a sua PCL, com uma breve explicação sobre as suas regras e o procedimento para credenciamento. A quarta seção apresenta todas as bases de dados utilizadas, como elas foram combinadas e trabalhadas, além de uma explicação sobre o modelo insumo-produto e como ele foi utilizado. A quinta seção traz os resultados, e por último temos as conclusões.

2 O setor de bens de capital

Do ponto de vista econômico, o conceito de bens de capital deriva dos dois entendimentos dados pelas contas nacionais. O primeiro entendimento é sobre a forma de uso: para um determinado produto ser classificado como um bem de capital ele precisa ser utilizado repetida e continuamente em alguma atividade produtiva. Assim, enquanto um computador em uma empresa desenvolvedora de softwares é enquadrado como um bem de capital, um computador para uso pessoal é enquadrado como bem de consumo. Um automóvel utilizado para passeio por uma família é um bem de consumo, enquanto aquele utilizado por um taxista ou por uma empresa locadora de carros é considerado um bem de capital.

O segundo entendimento é relativo aos tipos de produtos que podem ser considerados. Atualmente estão inclusos, segundo o manual de contas nacionais (ONU, 2009): (i) máquinas e equipamentos; (ii) equipamentos de transporte; (iii) equipamentos de tecnologia da informação; (iv) alguns tipos de armamentos; (v) ativos biológicos que durem mais de um ciclo produtivo (como plantações perenes); e (vi) ativos de propriedade intelectual (resultados de pesquisa e desenvolvimento, softwares, bases de dados, direitos sobre peças artísticas).3 3 A política do BNDES FINAME engloba basicamente as três primeiras categorias, assim, no presente artigo, o termo “bens de capital” será utilizado fazendo referência apenas a elas.

Uma característica importante do setor é a sua horizontalidade pelo lado da demanda, o fato de todas as atividades demandarem algum bem de capital para realização de seus processos produtivos. Isso lhe confere o importante papel de difusor do progresso técnico. As máquinas, ao embarcarem novas tecnologias produtivas permitem o aumento da produtividade e a mudança estrutural (produção de novos produtos). Consequentemente, o setor de bens de capital sempre teve um papel central no processo de industrialização e de desenvolvimento de diversos países (Hoffman, 1958HOFFMAN, W. The Growth of Industrial Economics. London: Manchester University Press, 1958.).

Soma-se a isso que, do ponto de vista macroeconômico, possuir um setor de bens de capital nacional implica que o investimento, variável-chave no processo de transformação estrutural, depende menos de importações e, portanto, fica menos suscetível a restrições no balanço de pagamentos, que são historicamente comuns em economias subdesenvolvidas. Esse tipo de crise, ao reduzir a capacidade de importação de um país, pode afetar o fluxo de máquinas e de equipamentos necessários ao crescimento da economia e, portanto, afetar negativamente a sua trajetória de crescimento equilibrado (Serrano; Willcox, 2000SERRANO, F.; WILLCOX, L. D. O modelo de dois hiatos e o supermultiplicador. Revista de Economia Contemporânea, v. 4, n. 2 p. 37-64, jul.-dez. 2000.; Miguez; Daudt; Willcox, 2015MIGUEZ, T.; DAUDT, G.; WILLCOX, L. D. O setor de bens de capital: diagnóstico do período 2000-2012 e perspectivas a partir do cenário econômico. BNDES Setorial, v. 42, p. 297-336, set. 2015.).

Pelo lado microeconômico, temos que o padrão de desenvolvimento tecnológico do setor é melhor caracterizado como do tipo integrador, ou seja, ele incorpora inovações que ocorrem na sua cadeia de fornecedores, como foi o caso da microeletrônica e do desenvolvimento de novos materiais. Esses elementos surgem em outros setores e são paulatinamente incorporados no desenvolvimento de novas máquinas. Nesse tipo de arranjo é mais comum que novos produtos sejam desenvolvidos a partir de demandas diretas e específicas dos usuários ou com a incorporação de inovações feitas pelos fornecedores. Inovações independentes, mais arriscadas e que buscam induzir comportamentos estão longe de ser o núcleo dinâmico do setor, papel este que cabe às inovações com objetivos técnicos. Desse modo, a proximidade com os clientes e com as cadeias de fornecedores se constitui um fator competitivo de longo prazo relevante.

A junção das óticas macro e micro evidencia como o processo de industrialização só pode ser completo, e auxiliar na superação do subdesenvolvimento, quando considera o setor de bens de capital. Afinal:

é praticamente impossível que o processo de industrialização se dê da base para o vértice da pirâmide produtiva, isto é, partindo dos bens de consumo (...) e progredindo lentamente até atingir os bens de capital. É necessário (...) que o “edifício” seja construído em vários andares simultaneamente, mudando apenas o grau de concentração em cada um deles de período para período (Tavares, 1972TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972., p. 46).

Outro aspecto a se ressaltar é que, por ser um elemento-chave do processo de investimento, o crescimento do setor de bens de capital é dado endogenamente ao crescimento da própria economia, ou seja, é condição necessária para o aumento da demanda por bens de capital que a economia como um todo esteja em processo de expansão. Ainda que seja possível afirmar que há alguma parcela do investimento privado que seja autônoma,4 4 Por exemplo, investimentos preventivos, de modernização com fins concorrenciais ou de (alguma) manutenção do estoque de capital. essa não é uma trajetória padrão e tampouco sustentável. O ajuste do estoque de capital é endógeno e necessita, pelo menos, de expectativas positivas de crescimento. Sem isso, os investimentos podem ser frustrados e a rentabilidade e sustentabilidade financeira das empresas seriam afetadas, portanto, não haveria por que investir.5 5 Vale a menção de que esse comportamento vale tanto sob a perspectiva setorial (microeconômica) como de uma perspectiva generalizada para a economia (macroeconômica). Assim, apenas o aumento da demanda agregada, ao elevar os níveis de produção e de utilização da capacidade instalada, fornecem os estímulos necessários ao investimento produtivo e à aquisição de bens de capital.

Para ilustrar esses pontos, a Figura 1 mostra a evolução da produção do setor. É possível ver que no melhor período de crescimento da economia brasileira nos últimos anos, de 2004 até a crise de 2009, a produção cresceu consistentemente. No entanto, a partir da crise instalada nos anos seguintes, que foi aprofundada pela recessão iniciada em 2015, o setor começa a enfrentar um quadro persistente de diminuição e estagnação da sua produção.

Figura 1:
Evolução da produção de bens de capital 2002-2018 (Média 2002 = 100)

Apesar desse desempenho recente, o setor conta com uma representatividade destacada na economia brasileira. No período 2007-2016 ele representou, em relação ao total da indústria de transformação, aproximadamente 8% da produção, 9% do emprego, 12% dos salários pagos, 19% das exportações e 16% das importações.6 6 Os dados de produção, emprego e salários foram calculados a partir das informações da Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PIA-IBGE). Os dados de exportação e importação foram calculados a partir das informações do Comex Stat da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX). No entanto, o mencionado fraco desempenho da economia dos últimos anos e as perspectivas de manutenção desse cenário, ao gerar a consequente queda na produção de bens de capital, pode colocar essa posição de destaque em xeque e afetar estruturalmente o desempenho de longo prazo da economia.

3 O BNDES FINAME e a política de conteúdo local (PCL)

O BNDES FINAME é uma das mais longevas ferramentas de política industrial para o setor de bens de capital e ao longo dos anos assumiu várias formas institucionais.7 7 Silveira (2002) apresenta boa parte dessa evolução histórica. Atualmente, ele é enquadrado dentro da organização interna do BNDES como um “Produto”. Isso significa que ele é um instrumento de apoio perene, o mais alto na hierarquia operacional do banco, e que define as regras gerais de financiamento para as demais categoriais. A partir de cada “Produto” podem ser criados “Linhas” e “Programas”, ambos visam estabelecer algumas regras específicas, como o tipo de beneficiário, setor e/ou empreendimento apoiado. A principal diferença entre as “Linhas” e os “Programas” é que os “Programas” não são perenes, quando do seu lançamento eles já possuem um período de vigência e uma dotação orçamentária predefinidos, que podem ou não ser renovados. O “Programa” mais conhecido do BNDES nos últimos anos foi o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que vigorou entre 2009 e 2015 e era renovado anualmente, com condições financeiras e dotações específicas.

O BNDES FINAME representou entre 20% e 40% do total dos desembolsos do BNDES nos últimos anos. Como pode ser visto na Figura 2, o período que vai de 2010 a 2015 apresenta os maiores volumes de desembolsos. Esse nível ocorreu exatamente em função do PSI, pois foi através do FINAME que esse programa realizou a maior parte de suas operações. O auge correu nos anos de 2013 e 2014, quando foram desembolsados pelo BNDES FINAME, respectivamente, R$70,4 bilhões (dos quais R$68,9 bilhões pelo PSI) e R$64,8 bilhões (dos quais R$63,1 bilhões pelo PSI). A queda subsequente é devida tanto à reorientação da atuação do banco a partir de 2016 como do desempenho mais fraco da própria economia brasileira. Em consequência, ele passou a desembolsar ao redor de R$20 bilhões por ano no período mais recente.

Figura 2:
Desembolsos do BNDES FINAME e demais produtos BNDES (R$ bilhões)

As empresas fabricantes de máquinas e equipamentos que desejam que a produção ou a aquisição de seus produtos seja financiada com recursos do BNDES, por meio do FINAME ou de qualquer outro instrumento, precisam passar por um processo de credenciamento. O objetivo desse credenciamento é verificar se as regras vigentes da Política de Conteúdo Local (PCL) estão sendo cumpridas. Atualmente, as empresas fabricantes que desejam credenciar seus produtos encaminham ao BNDES informações da própria empresa e também dos produtos, incluindo as planilhas onde constam as informações para a aferição do conteúdo local. A verificação é feita para cada produto (ou famílias de produtos similares), não sendo necessário que a empresa credencie todo o portfólio.

Quando o credenciamento é bem-sucedido os produtos passam a integrar o sistema de credenciados, chamado de Credenciamento FINAME (CFI-BNDES), e a empresa recebe um “Código FINAME” para cada produto cujo processo foi aprovado. Esse código é utilizado pela empresa, seus clientes, pelos agentes financeiros e pelo BNDES para realização e acompanhamento dos pedidos de financiamento.

Os incentivos à agregação de conteúdo local foram consolidados a partir dos anos de 1970 (Silveira, 2002SILVEIRA, I. O setor de bens de capital. In: BNDES (Org.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002.) e as regras e condições de financiamento foram mudando desde então. Historicamente, a regra de conteúdo local era aferida unicamente a partir dos insumos e componentes adquiridos para fabricação dos bens de capital, utilizando-se o preço de venda e o peso total das máquinas como referência para calcular índices de nacionalização em valor (INV) e peso (INP), respectivamente. No entanto, nos últimos anos o BNDES empreendeu esforços para atualizar esta metodologia.

A atual metodologia substituiu os dois índices anteriores pelo “Índice de Credenciamento” (IC), que possui duas dimensões de análise. A primeira dimensão, chamada “Índice de Estrutura de Produto” (IEP), mantém o olhar industrial da metodologia tradicional. Contudo, o IEP possui uma abordagem mais completa, aferindo o conteúdo local a partir não apenas dos custos dos insumos e dos componentes, mas incluindo também os custos de serviços e da mão de obra que são alocados diretamente na produção das máquinas e equipamentos. Além disso, ele não utiliza mais o preço de venda como referência, mas sim a relação entre os custos nacionais e custos totais de componentes, serviços e mão de obra. A segunda dimensão, chamada de “Qualificadores”, busca avaliar aspectos qualitativos, mas traduzidos em indicadores quantitativos. Eles podem versar tanto sobre o produto alvo do credenciamento como sobre a empresa que o produz. A ideia é incentivar estratégias consideradas importantes para o aumento da competitividade do setor. Eles não são obrigatórios para o credenciamento, mas quando cumpridos geram acréscimos ao IC

Assim, a atual metodologia substituiu os índices anteriores em valor e peso (INV e INP) IC, composto pela soma do IEP e dos Qualificadores. O Quadro 1 mostra os dois métodos de cálculo dos índices de nacionalização, o tradicional, que levava em conta apenas valor e peso dos componentes, e o atual, que considera o IEP e os Qualificadores.

Quadro 1:
Comparativo de metodologias

4 Aspectos metodológicos

Nesta seção abordaremos os aspectos metodológicos do trabalho. Começamos descrevendo as bases de dados utilizadas e quais variáveis foram selecionadas. Na sequência são explicados alguns tratamentos realizados para que elas se adequassem aos objetivos do presente estudo. Por fim, há uma breve descrição do modelo insumo-produto e sobre como ele foi utilizado.

4.1 Bases de dados

Os dados utilizados se dividem em quatro grandes grupos: (i) dados do credenciamento no CFI-BNDES (produtos, fabricantes e componente/fornecedores); (ii) dados das operações do BNDES FINAME; (iii) base de CNPJs da Receita Federal; e (iv) Matriz Insumo-Produto (MIP) de 2015. A junção das três primeiras bases permite a construção (ou desenho) da cadeia de fornecedores dos produtos credenciados e algumas análises por meio das informações sobre os produtos, empresas fabricantes e fornecedoras, além do impacto direto dos fabricantes na cadeia. A Matriz Insumo-Produto será utilizada para estimar o impacto que a cadeia de fornecedores exerce na economia. A Figura 3 mostra como as bases se relacionam.

Figura 3:
Bases de dados utilizadas e suas relações

Os dados de credenciamento são obtidos quando as empresas buscam o credenciamento de seus produtos conforme descrito na seção anterior. A empresa precisa encaminhar um formulário para cada produto (ou família de produtos) que pretende credenciar. Esse formulário contém informações sobre o produto alvo do credenciamento, além, é claro, das informações para aferição do conteúdo local, ou seja, dos insumos e componentes que a empresa adquire para fabricá-lo, dos serviços e da mão de obra alocados na sua produção. Como o foco desse artigo é a cadeia de fornecedores, apenas as partes relativas aos produtos e aos componentes foram utilizadas. Quando está buscando o credenciamento de algum produto pela primeira vez a empresa também encaminha algumas informações sobre ela. Assim, da base de credenciamento foram extraídos dados dos produtos credenciados; das empresas que os fabricam; e dos componentes e fornecedores.

Dessa base, os dados utilizados foram: (i) o Código FINAME do produto credenciado; (ii) o código da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) do produto credenciado; (iii) o preço do produto credenciado; (iv) o CNPJ da empresa fabricante; (v) códigos NCM dos componentes; (vi) origem dos componentes (se são nacionais ou importados); (vii) quantidade necessária do componente para fabricar uma unidade do produto alvo do credenciamento; (viii) valor unitário do componente, em reais (R$) ou em moeda estrangeira se ele for importado;8 8 É parte da metodologia de aferição de conteúdo local uma taxa de câmbio específica para conversão de componentes importados. É utilizada “a média da cotação de venda da moeda estrangeira do último dia útil de cada mês dos últimos 36 (trinta e seis) meses, anteriores à data de entrada da solicitação de credenciamento no BNDES” (BNDES, 2017). A taxa utilizada em cada credenciamento fica registrada no processo. (ix) taxa de câmbio, para converter os valores em moeda estrangeira; (x) CNPJ do fornecedor do componente. Essas informações permitem que o desenho “técnico” da cadeia, ou seja, quais produtos estão credenciados e quais, quantos e de onde são os componentes necessários na sua fabricação.

As informações sobre empresas fabricantes e fornecedores não é muito abrangente, pois o foco da aferição da PCL recai mais intensamente sobre o produto alvo do credenciamento. As informações sobre as empresas foram, então, complementadas com os dados da consulta pública de CNPJs da Receita Federal (RFB). Foram utilizadas as seguintes informações: (i) CNPJ das empresas; (ii) código da atividade primária da empresa segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE); (iii) localização das empresas; e (iv) situação cadastral da empresa junto à RFB.

O terceiro conjunto de informações são as operações de financiamento. No presente texto utilizamos apenas as operações relativas ao BNDES FINAME. Esse recorte foi necessário porque apenas o FINAME registra em sistema os Códigos FINAME financiados, enquanto as demais operações os registram apenas nos seus respectivos relatórios. Foram utilizadas as seguintes informações das operações de financiamento: (i) lista dos Códigos FINAME apoiados; e (ii) valor dos equipamentos financiados.

Por fim, o último conjunto de dados utilizado foi a Matriz Insumo-Produto (MIP) fornecida pelo IBGE. As MIPs buscam registrar as transações que os diversos setores realizam entre si. Nas palavras de seu criador, análises dessa natureza são “a method of systematically quantifying the mutual interrelationships among the various sectors of a complex economic system” (Leontief, 1986LEONTIEF, W. Input-output analysis. In: LEONTIEF, W. Input-output economics. New York: Oxford University Press, 1986., p. 19). Por meio de operações matriciais é possível obter coeficientes técnicos e estimar uma matriz que calcula os impactos diretos e indiretos que essas transações geram na economia (a matriz inversa de Leontief).

4.2 Tratamento dos dados

Alguns tratamentos foram realizados na base de credenciamento. Primeiramente, nem todos os produtos credenciados entraram na análise. Três filtros foram realizados para definir a amostra de produtos utilizada no estudo: (i) se o NCM do produto credenciado era de bem de capital; (ii) se as informações sobre os componentes estavam completas; e (iii) se algum processo de credenciamento do produto foi deferido, ou seja, se ele alguma vez foi autorizado a operar.

Sobre o primeiro filtro, ainda que focado no apoio ao setor de bens de capital, alguns dos produtos credenciados não são efetivamente classificados como tal. Dois exemplos que podemos trazer são os tubos de aço (para construção de oleodutos) e os cabos de fibra óptica (para projetos de telecomunicação). Ainda que esses dois produtos não sejam classificados como bens de capital eles constituem parte importante de uma série de projetos de investimento, o que justifica o seu credenciamento e apoio financeiro. Além disso, também é permitido que sejam credenciados componentes de máquinas e equipamentos, que também foram excluídos da nossa análise. A seleção dos produtos nessa etapa foi feita a partir do código NCM, que foi comparada à lista de categorias de uso do IBGE, que por sua vez deriva da Board Economic Classification (BEC).9 9 Grosso modo, a lista da BEC classifica os produtos listados no Harmonized System (HS) em bens de consumo, bens intermediários e bens de capital. A lista de categorias de uso do IBGE faz o mesmo para a NCM. Assim, foram utilizados apenas os produtos cujo código NCM é enquadrado como bem de capital, a saber, aqueles das categorias de uso “Bens de capital, exceto equipamentos de transporte” (código 41) e “Equipamentos de transporte industrial” (código 521).

No segundo filtro, foram descartados os produtos em que não havia informações a respeito dos seus componentes. Esse critério precisou ser adotado porque alguns processos são muito antigos e o BNDES modernizou seus sistemas algumas vezes, de modo que esses dados não se encontram no atual sistema de informações. Para preencher essa lacuna e em função da mudança de metodologia da PCL, o BNDES realizou processos de recredenciamento nos últimos anos, mas nem todas as empresas solicitaram recredenciamento de todos os seus produtos e nem todos os processos já estão concluídos.

Por fim, o último filtro aplicado foi sobre a posição cadastral dos produtos no CFI, ou seja, se eles estão ou não autorizados a serem financiados com recursos do BNDES. Optou-se por excluir aqueles produtos que nunca tenham sido autorizados a operar. Uma das razões que podem levar um produto a ter o indeferimento do seu processo de credenciamento é exatamente não preencher corretamente as informações para aferição do conteúdo local. Assim, optou-se por manter apenas aqueles produtos que em algum momento tenham sido autorizados a operar.

O corte temporal do presente artigo foi para processos de credenciamento concluídos até dezembro de 2018. Foram selecionados apenas os produtos que passaram simultaneamente pelos três filtros listados anteriormente, o que resultou em uma amostra final de 23.145 produtos de 3.695 empresas. Todas as análises, como aquelas sobre as empresas fabricantes, os produtos credenciados, os componentes e as empresas fornecedoras, além das análises de impacto, foram feitas exclusivamente com base nessa amostra.

Para os cálculos de impacto levaram-se em conta também as operações de financiamento realizadas. Isso permitiu a identificação de quais foram os produtos mais produzidos/financiados e, indiretamente, quem seriam os principais fornecedores das empresas. No entanto, apenas as operações do BNDES FINAME foram consideradas. Como mencionado, apenas o FINAME registra em sistema os Códigos FINAME financiados, enquanto as demais operações os registram nos seus respectivos relatórios. Foram utilizadas as operações contratadas desde janeiro de 2016 até dezembro de 2018, de onde se extraiu o valor das operações de financiamento por código FINAME.

4.3 Modelo insumo-produto

Para complementar a análise do impacto da cadeia utilizou-se a Matriz Insumo-Produto (MIP). Esse tipo de modelo busca explicitar e quantificar as interdependências existentes entre as diversas atividades. Assim, além de conseguir estimar os impactos diretos e indiretos de choques econômicos, eles também identificam a propagação setorial que eles assumem.10 10 Ver Leontief (1936) como uma referência seminal, e Miller e Blair (2009) como uma referência de “manual”. Do ponto de vista matemático, essas relações intersetoriais podem ser descritas por um sistema de equações composto de um número “n” de equações com o mesmo número “n” de variáveis desconhecidas, conforme descrito a seguir:

x 1 = z 11 + z 12 + + z 1 n + f 1

x 2 = z 21 + z 22 + + z 2 n + f 2

...

x 1 = z n 1 + z n 2 + + z n n + f n

Onde xi é a produção da atividade i, zin é a produção da atividade i utilizada como bem intermediário pelo setor n e fn é a produção do setor n destinada à demanda final. É possível escrever as equações desse sistema sob a forma matricial,

X = [ x 1 x n ] , Z = [ z 11 z 1 n z n 1 z n n ] e F = [ f 1 f n ] , l e v a n d o a X = Z . i + F .

Sendo o vetor i, que está pós-multiplicando a matriz Z, um operador de somatório das linhas, ou seja, um vetor coluna com todos os elementos iguais a 1. O objetivo desse vetor é simplesmente redimensionar a matriz Z para a mesma dimensão dos vetores de produção total X e de demanda final F.

As relações intersetoriais expressas pela matriz Z podem ser representadas também como uma proporção da produção de cada atividade. Isso torna mais explícito que o fluxo de consumo intermediário que vai de um determinado setor i para um outro setor j depende do quanto o próprio setor j está produzindo. Essa relação é chamada de coeficiente técnico e o conjunto de todos os coeficientes técnicos compõe a matriz de coeficientes técnicos, que podem ser assim expressos:

a i j = z i j x j e A = [ a 11 a 1 n a n 1 a n n ]

onde aij é o coeficiente técnico de insumos fornecidos pela atividade i para a atividade j, zij é o quanto a atividade j demandou de insumos da atividade i, xj é o valor da produção da atividade j e A é a matriz de coeficientes técnicos.

Inserindo os coeficientes técnicos no sistema de equações apresentado anteriormente e após realizar algumas operações matriciais, chegamos à seguinte relação:

X = L . F = > Δ X = L . Δ F (1)

Onde L é conhecida como a “Matriz Inversa de Leontief”, “Matriz de Impacto” ou “Matriz de coeficientes totais”, sendo que essa matriz mede toda a produção necessária, direta e indireta, para atender a uma respectiva demanda final. Apesar de o modelo insumo-produto ter como principal vantagem a estimação de impactos em níveis setoriais diretos e indiretos, ele tem como hipóteses a existência de retornos constantes de escala e que sempre há capacidade produtiva para atender à demanda. Assim, os resultados devem ser vistos com a parcimônia imposta por essas restrições.

Entretanto, o modelo insumo-produto permite que essa mensuração ocorra não apenas em termos de produção (X), mas sobre qualquer outra variável sobre a qual se tenha informações em termos setoriais compatíveis com aquelas usados na MIP, ainda que valendo as mesmas restrições mencionadas. Para uma estimativa de quantos empregos estariam envolvidos em determinada produção teríamos

E = e . X

Sendo E o número de empregos envolvidos, e a matriz que contém os coeficientes de emprego setoriais e L¯ a matriz de impacto para o emprego. Substituindo o que obtivemos em (1) temos:

E = e . L . f = > E = L ¯ . f = > Δ E = L ¯ . Δ f (2)

No nosso caso, as informações relativas ao credenciamento de produtos não são setoriais, mas sobre cada produto credenciado. No entanto, o cálculo é feito de modo análogo, considerando-se as informações individuais dos produtos. Assim, os coeficientes de credenciamento (cij) foram calculados como a razão entre o valor de cada componente (vij) e o preço do produto credenciado (pj) - que equivale ao valor de uma unidade do produto. Assim, nossos coeficientes ficam dados como:

c i j = v i j p j = V a l o r d o c o m p o n e n t e n e c e s s á r i o p a r a p r o d u z i r u m a u n i d a d e d o p r o d u t o c r e d e n c i a d o Pr e ç o d o p r o d u t o c r e d e n c i a d o

Desse modo, se foi relatado durante o credenciamento que determinado caminhão necessita de seis pneus e um motor, cada um custando, respectivamente, R$2 mil e R$ 50 mil, e o preço do caminhão é R$200 mil, o coeficiente do componente pneu é 0,06 e o do componente motor é 0,25.

Esses coeficientes foram calculados para todos os produtos da amostra e para todos os componentes que os integram, fossem eles nacionais ou importados. O passo seguinte foi multiplicar esses coeficientes pelo valor das operações de financiamento realizadas com cada produto utilizando o BNDES FINAME. O resultado são as estimativas do quanto os fabricantes adquiriram de componentes (nacionais e importados) em função do que foi financiado. Assim, são estimados “vetores de aquisição de componentes” nacionais e importados para cada ano do período 2016-2018.

Então, os vetores de aquisição de componentes representam o primeiro impacto que a PCL exerce. A utilização da MIP nos permitirá estimar o quanto os fornecedores que produziram esses componentes geraram de impacto na economia. Essa separação dos dados permite que a análise do impacto da PCL fique com um grau maior de precisão do que simplesmente colocar os dados do FINAME como um vetor de choque na MIP.

5 Principais resultados

Os resultados foram divididos em duas etapas. Na primeira etapa, estão as informações descritivas relativas à amostra de produtos e empresas credenciados no BNDES-CFI, às operações do BNDES FINAME realizadas com eles e da cadeia de fornecedores. Na segunda etapa foi feita uma análise quantitativa, primeiramente foram obtidas estimativas de demanda por componentes que os fabricantes de bens de capital adquiriram na sua cadeia (cruzamento dos dados de credenciamento do CFI-BNDES com as operações do BNDES FINAME) e na sequência foi estimado o impacto que a cadeia teria exercido no restante da economia com a utilização da MIP.

5.1 Análise descritiva

5.1.1 Amostra de produtos e empresas credenciadas

Vimos na seção anterior que após a realização de alguns filtros na base de dados de credenciamento foram selecionados como amostra final 23.145 produtos de 3.695 empresas. Para fins de comparação, ao consultar a base dados de CNPJs da RFB foram encontradas 30.653 empresas ativas com CNAEs primários dos segmentos de bens de capital. Fazendo uma compatibilização da CNAE com as categorias de uso do IBGE temos que 96,4% dessas empresas possuem CNAEs referentes a fabricação de “Bens de capital, exceto equipamentos de transporte” (como bens de capital para fins industriais e agropecuários) e 3,6% são de empresas com CNAEs ligadas à fabricação de “Equipamentos de transporte industrial” (como caminhões, ônibus, equipamentos ferroviários, entre outros). Esses números são próximos à proporção da nossa amostra. Das 3.695 empresas que sobraram após a aplicação dos filtros (12% do total “potencial”) temos na base de credenciados 92,3% de empresas em segmentos de “Bens de capital, exceto equipamentos de transporte”, enquanto 7,7% de segmentos ligados a “Equipamentos de transporte industrial”.

Do ponto de vista espacial a distribuição também é bastante similar, como pode ser observado na Figura 4. Há um “cinturão” de cinco estados englobando Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais que concentram praticamente todas as empresas do setor. A participação desses cinco estados equivale a mais de 80% das empresas em ambos os casos.

Figura 4:
Distribuição espacial das empresas de bens de capital

Já em relação aos produtos credenciados, olhando os produtos pelas categorias de uso do IBGE, verificou-se que a maior parte dos produtos credenciados selecionados na amostra é relativa aos “Bens de capital, exceto equipamentos de transporte”, com 92,9% do total, ficando o segmento de “Equipamentos de transporte industrial” com os 7,1% restantes. Conforme o esperado, esse resultado está em linha com a proporção das empresas nessas mesmas categorias.

Uma segunda classificação, mais ampla, separou os produtos em 40 categorias para que seja possível distinguir os tipos de bens de capital credenciados que integram a amostra. Como podemos ver na Figura 5, apenas quatro tipos de produtos respondem por mais da metade dos produtos da amostra de credenciados: (i) “Máquinas e equipamentos agrícolas” (4.901 produtos, 21,2% do total); (ii) “Outras máquinas e equipamentos” (3.263, 14,1%); (iii) “Equipamentos para indústria alimentar, bebidas e fumo” (2.258, 9,8%); e (iv) “Equipamentos para elevação de cargas e pessoas” (2.162, 9,4%).

Figura 5:
Distribuição dos produtos credenciados por tipo de bem de capital

Possuir diversidade de produtos credenciados é positivo para aumentar o leque de atuação do BNDES e, claro, de possibilidade de escolhas para as empresas buscarem investimentos e financiamentos. No entanto, a distribuição de produtos credenciados não necessariamente se converte em participação nos financiamentos do FINAME.

Primeiramente, como o credenciamento é necessário para acessar as linhas de todos os produtos do BNDES, alguns produtos não se credenciam para acessar o FINAME, mas outras linhas de financiamento. Além disso, outros programas do governo também utilizam (ou utilizaram) a base de credenciados do CFI como um dos critérios para apoio (por exemplo, o Pronaf Mais Alimentos, o PAC Mobilidade e o Caminho da Escola). Logo, não é desprezível a chance de que alguns dos produtos credenciados sequer tenham buscado financiamento pelo FINAME ou mesmo no BNDES.

Contudo, os fatores que determinam os produtos mais financiados são as suas características técnicas (qualidade e possibilidades de uso), financeiras (produtos mais caros teriam maior probabilidade de aquisição via crédito) e, mais importante, a dinâmica e a estrutura produtiva da própria economia brasileira. Por esse motivo, os financiamentos dependem também da participação de cada atividade na economia, do quanto elas são intensivas em capital e de quais são os setores que estão passando por fases mais dinâmicas. A conjunção desses elementos é que estabelece o montante de investimentos e quais tipos de bens de capital são demandados.

5.1.2 Operações do BNDES FINAME

As operações do FINAME que foram usadas cobrem o período 2016-2018. Há duas razões para que esse corte tenha sido adotado, uma econômica e outra sobre os dados. Sobre a primeira, como vimos na Figura 2, os desembolsos do FINAME mudaram de patamar nos últimos anos. Isso se deveu ao fim do PSI em 2015, visto que a maior parte desse programa operou por meio do FINAME, e à própria redução da demanda por bens de capital, fruto do período de baixo dinamismo que a economia passa desde então.

A segunda razão é relativa à nossa amostra. A implementação da nova metodologia de aferição do conteúdo local implicou a revisão dos processos de credenciamento, entre os quais estava a melhoria na captura das informações e uma série de chamadas para recredenciamento dos produtos para atualizarem as informações. Utilizar os dados a partir de 2016 permitiu aumento crescente da cobertura da amostra nas operações.11 11 O recredenciamento ocorreu em várias etapas e os fabricantes para os quais a etapa de recredenciamento dos produtos ainda não havia chegado ou que cumpriram os prazos de envio da documentação para recredenciamento não tiveram seus códigos inabilitados para operação enquanto os processos de aferição estavam transcorrendo.

Assim, a opção por utilizar apenas operações do período 2016-2018 é com o intuito de os dados começarem após essas duas mudanças. O valor total das máquinas e equipamentos selecionados pela amostra que foram financiados ficou em R$7,5 bilhões em 2016, R$8,9 bilhões em 2017 e R$12,3 bilhões em 2018.

Em relação a essas operações, é possível observar que há grande concentração em poucos tipos de produtos e que eles alternam pouco entre si como os mais apoiados. Nos três anos aqui considerados, os produtos “Caminhões e ônibus” e “Máquinas e equipamentos agrícolas” ocuparam a primeira e a segunda posição, respectivamente, respondendo por mais da metade do valor dos equipamentos apoiados. A concentração nas cinco categorias de produtos mais apoiadas (de um total de 40 possíveis) foi de 73,8% em 2016, 76,1% em 2017 e 88,9% em 2018. As Figuras 6a, 6b e 6c mostram a distribuição dos produtos apoiados e é possível ver a diferença em relação à distribuição dos produtos credenciados da Figura 5, cujas possíveis razões já foram elencadas.

Pelo lado da demanda, não é de se estranhar que os setores que mais adquiriram máquinas por meio do FINAME foram “Transporte, armazenagem e correio” e “Agricultura, silvicultura, exploração florestal”. Esses dois setores ocuparam nos três anos as duas primeiras posições com uma participação conjunta de 56,2% em 2016, 61,2% em 2017 e 72,5% em 2018. O terceiro e quarto setores que mais adquiriram bens de capital por meio do FINAME foram “Comércio”12 12 Vale informar que pelas normas do FINAME é proibido adquirir produtos para revenda, portanto, essas aquisições representam, de fato, investimentos feitos por empresas do setor. (10,7%, 7,8% e 5,1%, respectivamente) e “Alimentos e bebidas” (6,2%, 4,9% e 4,3%). Assim, apenas esses quatro setores representaram cerca de três quartos do apoio do FINAME. Apesar de os dados de Miguez (2016MIGUEZ, T. Evolução da formação bruta de capital fixo na economia brasileira 2000-2013: uma análise multissetorial a partir das matrizes de absorção de investimento (MAIs). Tese (Doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.)13 13 O referido estudo apresenta estimativas de investimento para 49 atividades a partir de estimativas de matrizes insumo-produto e das pesquisas estruturais do IBGE. indicarem que esses setores possuem bastante representatividade nos investimentos da economia, ele não ocorre nessas proporções, ficando por volta dos 20,0%. A participação de “Transporte, armazenagem e correio” é particularmente destoante, ao redor de 5,5% no total nacional (Miguez, 2016) e entre 25% e 30% no FINAME, mas o alto valor de aquisição de um caminhão (que compõe grande parte dos investimentos do setor, sobretudo em uma matriz predominantemente rodoviária como a do Brasil) faz com que esse produto seja adquirido majoritariamente por crédito. Soma-se a isso que as boas condições de financiamento do FINAME e o grau elevado de cobertura do credenciamento no setor (todas as montadoras têm produtos credenciados no CFI-BNDES) acabam levando a essa participação representativa. A participação dos setores de serviços chama atenção por ter sido decrescente no período (19,4%, 16,6% e 10,0%), à exceção de alguns destaques pontuais, algo que vai na contramão da crescente importância do setor na economia (Jacinto; Ribeiro, 2015JACINTO, P; RIBEIRO, E. Crescimento da produtividade no setor de serviços e da indústria no Brasil: dinâmica e heterogeneidade. Economia Aplicada, v. 19, n. 3, p. 401-427, 2015.; Giovani; Arend; Pereira, 2016). A distribuição setorial do FINAME pelo lado da demanda está nas Figuras 7a, 7b e 7c.

Figura 6a:
Operações do FINAME por tipo de produto - 2016 (% do total da amostra)

Figura 6b:
Operações do FINAME por tipo de produto - 2017 (% do total da amostra)

Figura 6c:
Operações do FINAME por tipo de produto - 2018 (% do total da amostra)

Figura 7a:
Operações do FINAME por atividade demandante - 2016 (% do total da amostra)

Figura 7b:
Operações do FINAME por atividade demandante - 2017 (% do total da amostra)

Figura 7c:
Operações do FINAME por atividade demandante - 2018 (% do total da amostra)

Do ponto de vista regional a concentração se manteve praticamente constante. Os cinco estados cujas empresas mais demandaram apoio - São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul - alternaram entre si uma fatia constante ao redor dos dois terços do total, enquanto os três que mais demandaram ficaram com pouco mais da metade. Nos três anos de nossa análise o estado que mais demandou recursos foi São Paulo, com participação de 24,1% em 2016, 25,7% em 2017 e 19,6% em 2018, conforme pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1:
Distribuição regional da aquisição por meio do BNDES FINAME (% do total da amostra)

Nesta seção vimos alguns números sobre os produtos e empresas selecionados na amostra que operam por meio da PCL do BNDES, além de informações sobre suas operações por meio do FINAME. Complementarmente, tanto a PCL como o FINAME visam apoiar não apenas o setor de bens de capital, mas também exercer influência sobre a sua cadeia de fornecedores. A seção seguinte tem como alvo essas empresas.

5.1.3 A cadeia de fornecedores

Políticas de conteúdo local buscam incentivar não apenas as empresas na ponta da cadeia, mas especialmente o desenvolvimento de uma cadeia de fornecedores que atenda a essas empresas. A existência dessa cadeia permite que os efeitos multiplicadores e aceleradores do investimento sejam maiores na economia, ao induzir aumentos na demanda nacional quando a ponta da cadeia é ativada.

A amostra que selecionamos na seção 5 continha 23.145 produtos de 3.695 empresas. Essas empresas declararam que adquiriram seus insumos e componentes de aproximadamente 30.000 fornecedores, sendo 25.000 deles fornecedores de itens nacionais e 5.000 de itens estrangeiros. Vale mencionar que pelas regras de credenciamento é permitido agregar até 10% do valor total dos componentes como “miscelâneas”. Essa agregação é para facilitar o preenchimento e a análise dos formulários e, em geral, integram itens como parafusos, porcas e outros que sejam de pequeno valor e/ou importância. Consequentemente, não há informações dos fornecedores desses itens e o número total de fornecedores é um pouco maior que o citado. A informação dos fornecedores estrangeiros também não é obrigatória, visto que eles podem ser desconhecidos já que alguns produtos importados são adquiridos de revendedores nacionais.14 14 Esses componentes são marcados como “importados por terceiros” e a identificação da importação é feita por meio do Código de Situação Tributária (CST) presente na nota fiscal, em que o primeiro dígito indica se o produto que está sendo adquirido é de origem nacional ou importada.

Os tipos de componentes mais frequentes nos produtos da amostra estão presentes na Tabela 2. A grande representatividade de produtos como “Outros produtos de metal”, “Bobinas e chapas de aço” e “Barras de aço” era esperada devido à base metalmecânica sobre a qual a indústria de bens de capital se estrutura. Complementarmente, “Geradores, transformadores e motores elétricos” também era esperado em virtude da necessidade de geração e regulação de energia nas máquinas. Chama atenção a discrepância que existe entre representatividade e frequência de “Peças e acessórios para veículos automotores” e “Componentes para máquinas agrícolas”. No entanto, a relativa baixa quantidade de produtos que os demandam em relação ao total ocorre porque eles são tipos específicos de componentes. Ao mesmo tempo, isso faz com que eles sejam usados em larga escala nos produtos que os requerem, por isso a alta frequência.

Tabela 2:
Categorias de componentes mais presentes nos produtos credenciados selecionados na amostra

Pelo lado das empresas fornecedoras, vale apontar que alguns componentes, tanto nacionais como estrangeiros, são adquiridos por meio de distribuidores ou revendedores, em vez de serem adquiridos diretamente com as empresas que os produzem. Esse costuma ser o caso quando a empresa fabricante da máquina ou do componente é de porte menor, quando os componentes são de baixo valor ou quando são de uso pouco corrente. Assim, não surpreende que entre as empresas fornecedoras 44,2% delas possuam CNAEs primários atrelados à atividade de comércio. Do restante, 12,7% correspondem a empresas com CNAEs de “Fabricação de outros produtos de metal”, 11,7% de “Fabricação de máquinas e equipamentos”15 15 Não existe uma CNAE específica para a atividade de fabricação de peças componentes, desse modo, os fabricantes de componentes colocam a CNAE da fabricação da máquina de destino de suas peças. A exceção é a indústria automotiva, que possui CNAEs específicas para a fabricação de autopeças. e 5,8% de “Fabricação de produtos de borracha e de material plástico”.

Do ponto de vista regional elas se distribuem conforme mostrado na Figura 8. É possível observar que o cinturão que se estende do Rio Grande do Sul até Minas Gerais é mais uma vez o maior concentrador de empresas, tanto quando consideramos as empresas com CNAE de comércio como quando estas são excluídas. Em ambos os casos, os cinco estados englobam uma parcela maior que 90% dos fornecedores, ou seja, uma parcela ainda maior que no caso das empresas de fabricantes de bens de capital (a exclusão dos distribuidores e revendedores altera muito pouco as participações relativas entre os estados). Isso indica a relevância da proximidade entre cadeia de fornecedores e fabricantes.

Figura 8:
Distribuição regional dos fornecedores das empresas credenciadas selecionadas na amostra, exclusive aqueles com CNAEs de comércio (% do total)

5.2 Análise quantitativa

A análise quantitativa foca na cadeia de fornecedores e está dividida em duas etapas.16 16 Uma análise sobre o impacto das vendas do FINAME pode ser obtida em Aidar et al. (2019). Os autores exploram alguns resultados como a participação do FINAME na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) setorial, operações por porte e dos programas agrícolas. Primeiramente busca-se estimar quanto a PCL consegue gerar de demanda por componentes, ou seja, o quanto a produção das empresas credenciadas acarreta em compras locais e importadas. Essa estimativa é feita com o cruzamento das informações do credenciamento e das operações do BNDES FINAME. Na sequência, estima-se o impacto que os fornecedores locais geram no restante da economia com o uso de um modelo derivado da MIP brasileira.

Como vimos na seção 5, temos disponíveis as informações do valor das máquinas e equipamentos financiados pelo FINAME, mas não temos a informação da quantidade de equipamentos financiados. Desse modo, para estimarmos o quanto a PCL teria gerado de demanda em termos de componentes nacionais e importados, foram calculados coeficientes técnicos a partir dos dados das planilhas de aferição de conteúdo local dos produtos selecionados na nossa amostra.

Tabela 3:
Estimativas de aquisição de componentes pelas empresas credenciadas selecionadas na amostra (R$ milhões - valores nominais)

Podemos ver que os financiamentos feitos por meio do BNDES FINAME teriam gerado uma aquisição de componentes de R$3,9 bilhões, R$4,5 bilhões e R$6,6 bilhões em 2016, 2017 e 2018, respectivamente. Destes, R$2,9bilhões, R$3,1 bilhões e R$4,5 bilhões foram de componentes com fabricação nacional. Também é perceptível que há certa consistência em relação à aquisição de componentes e o volume de financiamentos (parte inferior da Tabela 3). Para cada R$1 financiado houve a aquisição, em média, de R$0,52 de componente, dos quais R$0,37 foi relativo a componentes nacionais, e R$0,15 relativo a componentes importados.17 17 O R$0,48 restante é relativo aos demais custos (como mão de obra, eletricidade, impostos, entre outros) e, claro, ao lucro das empresas.

Entre os itens mais demandados, cinco aparecem com destaque nos três anos considerados aqui. Primeiramente temos “Peças e acessórios para veículos automotores”, que possui a maior parcela nas estimativas tanto de componentes nacionais como de importados. Na sequência estão os componentes nacionais de “Máquinas e equipamentos agrícolas”. Se levarmos em conta que esses componentes aparecem na Tabela 2, de itens mais frequentes, e que “Caminhões e ônibus”, “Máquinas e equipamentos agrícolas”, “Equipamentos de terraplanagem e pavimentação” e “Tratores agrícolas” estão entre os produtos que mais operam no BNDES FINAME, esse resultado é bastante coerente. Fecham a lista os componentes “Pneumáticos”, “Bobinas e chapas de aço” e “Outros produtos de metal - exclusive máquinas e equipamentos”, que também aparecem na lista de componentes mais frequentes e são de uso corriqueiro pela indústria de bens de capital. A listagem dos componentes mais demandados está na Tabela 4.

Tabela 4:
Categorias de componentes mais demandados pelas empresas credenciadas selecionadas na amostra (Participação média no período 2016-2018)

Além dos impactos que o financiamento dos bens de capital gera na cadeia de fornecedores também é possível estimar os impactos que essa cadeia gera no restante da economia. Para estimar esses impactos vamos nos valer da matriz insumo-produto da economia brasileira fornecida pelo IBGE.

Assim, por meio das equações (1) e (2) vamos estimar os impactos diretos e indiretos que a produção dos componentes estimulados pela PCL gerou tanto em termos de produção como de empregos envolvidos.

Já sabemos pela Tabela 3 o quanto a cadeia de fornecedores das empresas credenciadas foi acionada. Como as bases de dados estão na classificação NCM é possível agregar as estimativas para a mesma classificação utilizada na MIP 2015. Chamaremos esses dados de “vetores de componentes”, com um para cada ano 2016, 2017 e 2018. Como os coeficientes técnicos das MIPs dizem respeito apenas a parcela nacional, usaremos vetores de componentes apenas para aqueles marcados como de origem nacional.

O quanto esses componentes demandaram direta e indiretamente da sua própria cadeia será obtido por meio da equação (1) com a MIP de 2015. No entanto, para usar os vetores de componentes como um “vetor de choque” na MIP são necessárias duas transformações. A primeira delas é passar os valores de preços do consumidor para preços básicos, o que foi feito por meio de mark dows18 18 Os mark downs são estimativas para se remover as margens de comércio, transporte e impostos indiretos que diferenciam os preços do consumidor dos preços básicos. No caso específico dos nossos dados foram removidas apenas as margens de comércio e impostos, pois os preços informados para credenciamento já não incluem as margens de transporte. obtidos com as tabelas de passagem presentes na MIP 2015. A segunda transformação é sobre a forma como os dados são organizados. Como a MIP é calculada em termos setoriais é preciso converter os dados dos vetores de componentes, que estão em termos de “produto”, para dados em “atividades”. Para isso foi utilizada a matriz de participação setorial (market-share) que também integra o conjunto de dados da MIP.19 19 Os vetores de componentes anuais a preços básicos e setorializados que foram utilizados como os vetores de choque do modelo podem ser consultados no Anexo.

Já a estimativa do número de empregos envolvidos é obtida com a equação (2). Foram utilizadas no cálculo dos coeficientes de emprego (matriz l) a informação de emprego setorial disponível nas tabelas sinóticas e o valor da produção setorial disponível da tabela de recursos. Assim, a matriz l de coeficientes de empregos indica quantos trabalhadores são necessários, em média, direta e indiretamente para cada unidade de produção (em termos monetários).

Após a transformação para preços básicos os vetores de componentes nacionais passaram a ter os valores R$2,9 bilhões, R$3,1 bilhões e R$4,3 bilhões para 2016, 2017 e 2018, respectivamente. Ainda que a classificação da MIP seja diferente daquela usada nas Tabelas 2 e 4, vale mencionar que a importância relativa dos componentes não foi alterada, com “Peças e acessórios para veículos automotores” se mantendo como o tipo de componente mais demandado e “Outras máquinas e equipamentos mecânicos”, “Semiacabados, laminados planos, longos e tubos de aço” e “Tratores e outras máquinas agrícolas”20 20 Essas quatro classificações correspondem a agregados dos principais componentes das Tabelas 2 e 4. vindo na sequência. Os resultados dos impactos diretos e indiretos, para a equação (1), sobre valor da produção, estão na Tabela 5. Os resultados da equação (2), sobre o número de empregos envolvidos, estão apresentados na Tabela 6.

Tabela 5:
Resultados do modelo insumo-produto para o valor da produção (R$ milhões)
Tabela 6:
Resultados do modelo insumo-produto para os empregos envolvidos (unidades)

O total de produção gerada em função da PCL, direta e indiretamente, foi de R$5,8 bilhões em 2016, R$6,3 bilhões em 2017 e R$8,9 bilhões em 2018. Desse total, a parcela indireta correspondeu a R$2,9 bilhões, R$3,1 bilhões e R$4,5 bilhões, respectivamente. Logo, para cada R$1 que a cadeia de fornecedores das empresas de bens de capital foi demandada, essa mesma cadeia demandou, em média, outro R$1 dos seus próprios fornecedores. Além disso, levando em conta o total de operações R$7,5 bilhões, R$8,9 bilhões e R$12,3 bilhões para os anos de 2016, 2017 e 2018, implica que, para cada R$1 de máquinas e equipamentos nacionais financiados pela PCL foram demandados, diretamente e indiretamente, R$0,77, R$0,71 e R$0,72.

Em relação ao número de empregos, o total de empregos envolvidos no fornecimento desses componentes e insumos nacionais foi de pouco mais 30 mil em 2016, 33 mil em 2017 e 48 mil em 2018, o que nos dá uma relação de 4,1, 3,8 e 3,9 empregos para cada R$1 milhão financiado. Os efeitos indiretos aqui são ainda mais destacados, com uma relação de quase dois empregos indiretos para cada emprego direto gerado pela cadeia.

6 Conclusões

O BNDES teve um papel histórico no desenvolvimento do setor de bens de capital no Brasil. A adoção de uma PCL fornecendo melhores condições de financiamento aos produtos que nela se enquadravam teve foi essencial nessa trajetória. Além de explicar como essa política funciona atualmente, o artigo buscou fazer uma análise com as principais características da base de empresas e produtos credenciados e da cadeia de fornecedores decorrente da adoção desse tipo de política.

O estudo foi conduzido por meio de uma amostra da base de empresas e produtos credenciados, chamada CFI-BNDES. Essa amostra foi definida a partir de critérios ligados ao resultado dos processos de credenciamento e também à qualidade das informações disponíveis. O resultado foi uma seleção de 23.145 produtos de 3.695 empresas, que por sua vez declararam adquirir seus insumos e componentes de aproximadamente 30.000 fornecedores nacionais ou estrangeiros.

As empresas do setor de bens de capital se concentram em um “cinturão” nas regiões Sul e Sudeste e as empresas da amostra do CFI-BNDES acompanham essa concentração. A rede de fornecedores integra o mesmo cinturão. Dada a importância da proximidade entre fornecedores e empresas da ponta da cadeia e que essa concentração é, de fato, uma característica histórica da própria industrialização brasileira como um todo, esse resultado não é considerado surpreendente.

Na parte quantitativa da análise foi feita uma junção dos dados de credenciamento com os dados de operações do BNDES FINAME e um modelo derivado da MIP brasileira. Os produtos da amostra representaram financiamentos de máquinas e equipamentos no valor de R$7,5 bilhões em 2016, R$8,9 bilhões em 2017 e R$12,3 bilhões em 2018. Essas operações resultaram, segundo nossas estimativas, em uma demanda direta de componentes de R$2,8 bilhões, R$3,1 bilhões e R$4,3 bilhões, além de demandas indiretas de R$2,9 bilhões, R$3,1 bilhões e R$4,5 bilhões. Portanto, cada R$1 financiado gerou, em média, pouco mais de R$0,70 de produção direta e indireta nos diferentes estágios da cadeia de fornecedores. Em relação ao número de empregos, as estimativas indicaram um total de pouco mais de 30 mil empregos envolvidos em 2016, 33 mil em 2017 e 48 mil em 2018. Isso nos levou a uma relação média de aproximadamente quatro empregos para cada R$1 milhão financiado.

Vale ressaltar que o estudo avaliou apenas os impactos “brutos”, ou seja, dado que o FINAME existe e operou, foram estimados os impactos diretos e indiretos que sua cadeia de fornecedores gerou na economia. Não obstante, os números apresentados mostram que existe um efeito positivo para a economia com a existência do FINAME e da PCL e qualquer tentativa de revisão de ambos deve levar em conta o risco de esses efeitos multiplicadores não serem compensados.

Avanços futuros podem ser feitos em duas frentes. Primeiramente, como os dados utilizados contêm informações geográficas, a mensuração da PCL pode englobar impactos regionais com o uso de matrizes insumo-produto inter-regionais, como aquela proposta por Haddad et al. (2017HADDAD, E.; GONÇALVES JÚNIOR, C.; NASCIMENTO, T. Matriz interestadual de insumo-produto para o Brasil: uma aplicação do método IIOAS. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, v. 11, n. 4, p. 424-446, 2017.). Ainda que haja uma concentração do setor de bens de capital e dos seus fornecedores na região sul-sudeste do país, não podemos descartar efeitos de transbordamento para outras localidades. Em segundo lugar, do ponto de vista de fomento e ampliação da atuação do BNDES FINAME (ou mesmo de outros instrumentos), seria interessante ampliar a base de clientes do setor de serviços, dada a sua crescente importância para a economia e a necessidade de avanço rumo a atividades mais complexas e produtivas nesse setor.

Agradecimentos

O autor agradece aos colegas de BNDES Raphael Zylberberg, Rafael Rodrigues, Leandro Loriato, Raquel Giacomini e Tatiana Hellman a ajuda com as bases do BNDES. Comentários de Ana Cristina Rodrigues, Luiz Daniel Willcox, Rafael Mungioli e Gabriel Daudt enriqueceram o trabalho. As isenções de praxe se aplicam.

As informações, opiniões e análises contidas neste documento são de única e exclusiva iniciativa do autor e não representam a opinião, estratégia e posicionamento do Sistema BNDES sobre os assuntos tratados.

Referências

  • AIDAR, G.; ZYLBERBERG, R.; GIACOMINI, R.; LORIATO, L. Perfil do apoio do produto BNDES Finame. Revista do BNDES, v. 27, n. 51, p. 7-51, jun. 2019.
  • BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Regulamento para o credenciamento de máquinas, equipamentos, sistemas industriais e componentes no Credenciamento de Fornecedores Informatizado (CFI) do BNDES. Rio de Janeiro: BNDES, 2015.
  • BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Regulamento para o credenciamento de máquinas, equipamentos, sistemas Industriais e componentes no Credenciamento FINAME (CFI). Rio de Janeiro: BNDES, 2017.
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    C67, G21, L64, O14, O25.
  • JEL Codes:

    C67, G21, L64, O14, O25.
  • 1
    O FINAME começou com uma agência, a Agência Especial de Financiamento Industrial, que geria o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos, também com a mesma sigla FINAME (Silveira, 2002).
  • 2
    Machado e Roitman (2015) apresentam uma lista extensa e separada por tipo de apoio e impacto.
  • 3
    A política do BNDES FINAME engloba basicamente as três primeiras categorias, assim, no presente artigo, o termo “bens de capital” será utilizado fazendo referência apenas a elas.
  • 4
    Por exemplo, investimentos preventivos, de modernização com fins concorrenciais ou de (alguma) manutenção do estoque de capital.
  • 5
    Vale a menção de que esse comportamento vale tanto sob a perspectiva setorial (microeconômica) como de uma perspectiva generalizada para a economia (macroeconômica).
  • 6
    Os dados de produção, emprego e salários foram calculados a partir das informações da Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PIA-IBGE). Os dados de exportação e importação foram calculados a partir das informações do Comex Stat da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX).
  • 7
    Silveira (2002) apresenta boa parte dessa evolução histórica.
  • 8
    É parte da metodologia de aferição de conteúdo local uma taxa de câmbio específica para conversão de componentes importados. É utilizada “a média da cotação de venda da moeda estrangeira do último dia útil de cada mês dos últimos 36 (trinta e seis) meses, anteriores à data de entrada da solicitação de credenciamento no BNDES” (BNDES, 2017). A taxa utilizada em cada credenciamento fica registrada no processo.
  • 9
    Grosso modo, a lista da BEC classifica os produtos listados no Harmonized System (HS) em bens de consumo, bens intermediários e bens de capital. A lista de categorias de uso do IBGE faz o mesmo para a NCM.
  • 10
    Ver Leontief (1936) como uma referência seminal, e Miller e Blair (2009) como uma referência de “manual”.
  • 11
    O recredenciamento ocorreu em várias etapas e os fabricantes para os quais a etapa de recredenciamento dos produtos ainda não havia chegado ou que cumpriram os prazos de envio da documentação para recredenciamento não tiveram seus códigos inabilitados para operação enquanto os processos de aferição estavam transcorrendo.
  • 12
    Vale informar que pelas normas do FINAME é proibido adquirir produtos para revenda, portanto, essas aquisições representam, de fato, investimentos feitos por empresas do setor.
  • 13
    O referido estudo apresenta estimativas de investimento para 49 atividades a partir de estimativas de matrizes insumo-produto e das pesquisas estruturais do IBGE.
  • 14
    Esses componentes são marcados como “importados por terceiros” e a identificação da importação é feita por meio do Código de Situação Tributária (CST) presente na nota fiscal, em que o primeiro dígito indica se o produto que está sendo adquirido é de origem nacional ou importada.
  • 15
    Não existe uma CNAE específica para a atividade de fabricação de peças componentes, desse modo, os fabricantes de componentes colocam a CNAE da fabricação da máquina de destino de suas peças. A exceção é a indústria automotiva, que possui CNAEs específicas para a fabricação de autopeças.
  • 16
    Uma análise sobre o impacto das vendas do FINAME pode ser obtida em Aidar et al. (2019). Os autores exploram alguns resultados como a participação do FINAME na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) setorial, operações por porte e dos programas agrícolas.
  • 17
    O R$0,48 restante é relativo aos demais custos (como mão de obra, eletricidade, impostos, entre outros) e, claro, ao lucro das empresas.
  • 18
    Os mark downs são estimativas para se remover as margens de comércio, transporte e impostos indiretos que diferenciam os preços do consumidor dos preços básicos. No caso específico dos nossos dados foram removidas apenas as margens de comércio e impostos, pois os preços informados para credenciamento já não incluem as margens de transporte.
  • 19
    Os vetores de componentes anuais a preços básicos e setorializados que foram utilizados como os vetores de choque do modelo podem ser consultados no Anexo.
  • 20
    Essas quatro classificações correspondem a agregados dos principais componentes das Tabelas 2 e 4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2020
  • Aceito
    13 Maio 2020
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