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TENSÕES ENTRE RESPONSABILIDADES FAMILIARES E LABORAIS: Fatores associados ao trabalho precário feminino na Colômbia e no Brasil

Tensions between Family and Work Responsibilities: Factors Associated with the Female Precarious Work in Colombia and Brazil

RESUMO

Utilizando dados de pesquisas domiciliares, aplicamos a regressão logística binária múltipla para avaliar a associação entre maternidade e participação laboral feminina em trabalhos precários, na Colômbia e no Brasil, em 2012 e 2019. Ser mãe aumenta a chance de exercer trabalhos precários em ambos os países. Quando os filhos são crianças ou adolescentes, as mulheres estão mais expostas a essa situação.

PALAVRAS‑CHAVE:
maternidade; gênero; trabalho precário; Brasil; Colômbia

ABSTRACT

Using household survey data and multiple logistic regression, we assess the association between motherhood and female labor participation in precarious work in Colombia and Brazil in 2012 and 2019. Being a mother increases the chance of performing in a precarious position in both countries. Women are more exposed to this situation when children are in childhood or adolescence.

KEYWORDS:
motherhood; gender; precarious work; Brazil; Colombia

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre maternidade e inserção feminina em trabalhos precários, comparando as realidades do Brasil e da Colômbia. Por trabalho precário entende-se aquele que é “incerto, imprevisível, e no qual os riscos empregatícios são assumidos principalmente pelo trabalhador, e não pelos seus empregadores ou pelo governo” (Kalleberg, 2009Kalleberg, Arne L. “O crescimento do trabalho precário: um desafio global”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, n. 69, 2009, pp. 21-30., p. 21). Também enquadramos nessa categoria as atividades laborais em que as horas trabalhadas excedem o limite fixado pelas legislações trabalhistas brasileira (44 horas/semana) e colombiana (48 horas/semana).

O texto a seguir é composto por cinco seções. A primeira faz uma breve caracterização da estrutura do mercado de trabalho no Brasil e na Colômbia, ressaltando similaridades e diferenças no que diz respeito às desigualdades de gênero. A segunda é dedicada à revisão de literatura sobre as tensões entre responsabilidades familiares e laborais e à fundamentação de nossas hipóteses. A terceira aborda os aspectos metodológicos. A quarta apresenta a discussão dos resultados dos modelos que examinam os fatores associados ao trabalho precário feminino. Em seguida, são tecidas as considerações finais.

A ESTRUTURA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL E NA COLÔMBIA ENTRE 2012 E 2019

Os últimos anos foram de grande desafio e incertezas para as economias tanto do Brasil quanto da Colômbia. Segundo Carolina Baltar (2020Baltar, Carolina Troncoso. “Estrutura ocupacional, emprego e desigualdade salarial no Brasil de 2014 a 2019”. Texto para Discussão n. 382, Campinas: IE/Unicamp, 2020, pp. 1-28.), entre 2003 e 2014 a economia brasileira viveu um dos melhores momentos de sua história recente, caracterizado pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e pela redução das desigualdades de renda gerada pelas políticas redistributivas direcionadas aos mais pobres. Todavia, de 2014 a 2016, o país atravessou uma profunda recessão econômica que teve, entre suas consequências mais importantes, um forte crescimento do desemprego e mudanças na composição das ocupações. A partir de 2017, ocorreu uma lenta retomada econômica, mas ainda insuficiente para recuperar os níveis de crescimento econômico e geração de emprego registrados na década anterior.

No caso da Colômbia, de 2009 a 2019, os indicadores relacionados ao mercado de trabalho apresentaram um comportamento desfavorável, especialmente para as mulheres, tendo como fator de complexidade adicional a maciça migração venezuelana. Estima-se que, entre 2013 e 2018, cerca de 870 mil venezuelanos em idade ativa migraram para o país (Echeverria-Reyes; Baron-Betancourth, 2020Echeverria-Reyes, Yeimy Liseth; Baron-Betancourth, Elber Eduardo. Diagnóstico del mercado laboral urbano colombiano para la última década. Trabalho de graduação (especialização). Bogotá: Escuela Colombia de Ingeniería Julio Garavito, Especialización en Economía para Ingenieros, 2020.).

Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o PIB per capita brasileiro, que era de us$ 9.660,00 por habitante em 2012, retraiu-se para o patamar de us$ 9.197,00 por habitante em 2019. Já o PIB per capita colombiano teve um modesto aumento de us$ 6.082,00 para us$ 6.872,00 por habitante no mesmo período. Nesse ínterim (2012-2019), embora o nível de pobreza tenha sido mais elevado na Colômbia do que no Brasil, a proporção de brasileiros vivendo na pobreza aumentou de 18,5% para 20,2%, enquanto na Colômbia ela declinou de 35,5% para 31,7%.

A Tabela 1 mostra que a taxa de participação no mercado de trabalho sofreu uma leve retração entre colombianos e colombianas nos anos considerados. No Brasil, essa tendência é verificada apenas entre os homens, posto que as mulheres tiveram um tímido aumento de participação laboral. De todas as maneiras, como regra geral, a participação feminina no mercado de trabalho segue aquém da masculina. Quanto à taxa de ocupação, o comportamento é similar ao da participação. Apenas as brasileiras não apresentaram piora nesse indicador.

TABELA 1
Brasil e Colômbia (2012 e 20l9): indicadores selecionados referentes ao mercado de trabalho segundo o sexo, considerando pessoas de 15+ anos (em%)

Contudo, é nítido que em ambos os países a taxa de desemprego é bem maior entre as mulheres. Ademais, deve-se ressaltar que o avanço do desemprego entre 2012 e 2019 foi intenso no Brasil, ao passo que se manteve em patamares relativamente estáveis na Colômbia.

Quanto à informalidade no mercado de trabalho, apesar de permanecer mais elevada na Colômbia do que no Brasil, em ambos os países houve redução da proporção de pessoas trabalhando sem registro e proteção social. Percebe-se que no Brasil, em 2012 e 2019, o nível de informalidade do vínculo laboral é um pouco superior entre os homens, em comparação com o das mulheres. Na Colômbia, verifica-se esse mesmo padrão em 2019, mas não em 2012. Entretanto, os níveis de informalidade são tão altos e próximos quando desagregados por sexo que é possível presumir que a informalidade afeta indistintamente homens e mulheres.

Deve-se ainda destacar que, tanto no Brasil quanto na Colômbia, a segregação laboral baseada no gênero é persistente (Tabela 2). Nota-se que o setor de serviços é mais proeminente no Brasil do que na Colômbia, sendo as mulheres mais dependentes de vagas nesse ramo. De todas as formas, ele concentra a maior parte da população ocupada nos dois países e sua participação cresce ao longo do tempo. Já o setor agrícola absorve proporcionalmente muito mais pessoas na Colômbia do que no Brasil, notadamente homens, mas em ambos os países ele tem perdido paulatinamente a capacidade de absorver mão de obra. Quanto à indústria, embora empregue mais no Brasil do que na Colômbia, dá sinais de que está perdendo a capacidade de retenção de mão de obra, especialmente no Brasil. Ressalta-se também que o gap de gênero nesse setor é evidente nos dois países, porém maior no Brasil.

TABELA 2
Brasil e Colômbia (2012 e 2019): distribuição da população ocupada segundo setor de atividade econômica por sexo (em%)

De forma geral, pode-se afirmar que a evolução dos indicadores referentes ao mercado laboral não foi favorável em ambos os países entre 2012 e 2019. As desigualdades de gênero, evidenciadas sobretudo nos níveis de participação e desemprego, indicam a persistência de obstáculos à integração das mulheres ao mercado de trabalho.

(IN)COMPATIBILIDADE ENTRE RESPONSABILIDADES FAMILIARES E LABORAIS

A reestruturação do processo produtivo e as mudanças no regime laboral geraram profundas transformações no modo de vida e uma incompatibilidade entre responsabilidades familiares e laborais. A centralidade do trabalho na construção da identidade dos indivíduos na contemporaneidade alterou o uso do tempo, especialmente na esfera familiar. Nesse contexto, os constrangimentos para articular vida laboral e vida familiar alteraram as motivações das mulheres para ter filhos (Boris, 2014Boris, Eileen. “Produção e reprodução, casa e trabalho”. Tempo Social, v. 26, n. 1, 2014, pp. 101-21.; Oliveira; Marcondes, 2016Oliveira, Maria Coleta; Marcondes, Gláucia dos Santos. “Articulação entre trabalho e família em quatro regiões metropolitanas”. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 20., 2016, Foz do Iguaçu. Anais…Belo Horizonte: Abep , 2016.), sobretudo nas sociedades em que o sistema de gênero e a divisão sexual do trabalho se mantiveram praticamente inalterados (Hirata, 2002Hirata, Helena S. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. São Paulo: Boitempo, 2002.; Kergoat, 2009Kergoat, Danièle. “Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo”. In: Hirata, Helena S. et al. (orgs.). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Ed. Unesp, 2009. ; Itaboraí; Ricoldi, 2016Itaboraí, Nathalie Reis; Ricoldi, Arlene Martinez. Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Belo Horizonte: Abep, 2016.).

O conflito entre as exigências laborais e as necessidades familiares força as mulheres a optarem entre o crescimento profissional e o papel de mãe/esposa/companheira. Parte delas adia a formação do par conjugal e da maternidade em nome da liberdade individual e da independência financeira. Nesse sentido, Jeni Vaitsman (2001Vaitsman, Jeni. “As transformações sociais e de gênero no século XX”. In: Muraro, Rose Marie; Puppin, Andréa Brandão (orgs.). Mulher, gênero e sociedade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, pp. 16-20.) afirma que, “desempenhando múltiplos papéis na esfera pública e em suas vidas cotidianas, muitas mulheres deixaram de restringir suas aspirações ao casamento e aos filhos”. Logo, o quantum e o timing da fecundidade são alterados para permitir que elas invistam mais tempo em seus objetivos laborais e individuais. As mulheres adiam a fecundidade em grande medida em razão do impacto que os filhos têm em sua vida. Ter filhos demanda tempo e recursos materiais e emocionais. Há ainda as representações sociais que reiteram a expectativa de que um trabalhador pai se dedica ao trabalho ainda com maior afinco, dado o dever de sustentar e prover; enquanto uma trabalhadora mãe é mais propensa a faltar ao trabalho, porque as demandas de cuidado têm precedência sobre as responsabilidades laborais.

Ademais, a participação masculina nas tarefas domésticas e de cuidado não tem aumentado na mesma proporção do crescimento da atividade feminina no mercado laboral remunerado (Garcia; Marcondes, 2022Garcia, Bruna Carolina; Marcondes, Gláucia dos Santos. “As desigualdades da reprodução: homens e mulheres no trabalho doméstico não remunerado”. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 39, 2022, pp. 1-23.). Ao invés de uma redistribuição de tarefas e instauração de um novo equilíbrio de forças, houve a mera adição de uma segunda jornada de trabalho a cargo das mulheres. Dessa forma, no modo de produção capitalista, ser mãe significa a impossibilidade de total disponibilidade de tempo para o trabalho. A sobrecarga de trabalho torna-se um corolário da condição de mãe e trabalhadora.

Segundo Claudia Piras e Laura Ripani (2005Piras, Claudia; Ripani, Laura. The Effects of Motherhood on Wages and Labor Force Participation: Evidence from Bolivia, Brazil, Ecuador and Peru. Washington: Inter-American Development Bank, 2005.), as mães são mais propensas a exercer trabalhos temporários, de meio período e flexíveis, geralmente os de remuneração mais baixa, como parte de uma estratégia para alcançar um melhor equilíbrio entre vida familiar e vida laboral. Para Danièle Meulders et al. (2008Meulders, Danièle et al. “Trabalho e maternidade na Europa, condições de trabalho e políticas públicas”. In: Bruschini, Maria Cristina Aranha et al. (orgs.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008.), o custo de ter filhos afeta o trabalho feminino remunerado de distintas formas. As mães são mais suscetíveis a abandonar o trabalho provisória ou definitivamente, reduzir a jornada, mudar de profissão ou setor de atividade e ver desacelerar sua progressão na carreira e no salário. Certamente, esse cenário de desvantagem comparativa influencia as decisões reprodutivas.

Da perspectiva da economia neoclássica, ter filhos é “produção intensiva” em tempo feminino. Assim, as decisões sobre a participação da mulher no mercado de trabalho estão sujeitas à análise de custo-benefício. As escolhas no âmbito reprodutivo são determinadas pelas preferências da mulher quanto ao uso do tempo dedicado ao trabalho remunerado e às atividades não pagas, como é o caso das tarefas domésticas e de cuidado de crianças e demais familiares. Isso produz dois efeitos. 1) Efeito renda: ter filho reduz a renda per capita familiar. Para compensar e manter o mesmo nível de renda, as famílias precisam aumentar o número de horas trabalhadas, causando um efeito positivo na oferta de trabalho feminino; consequentemente, o efeito renda colabora para que as mães desejem trabalhar. 2) Efeito substituição: está relacionado ao custo de oportunidade para a mãe, a depender do salário auferido no mercado de trabalho. Considerando-se que a renda não varia e a maternidade é intensiva em tempo, quanto maior o número de filhos, menor o número de horas dedicadas ao trabalho. Logo, o efeito substituição é negativo para a oferta de trabalho feminino, pois, sendo maior a participação da mulher no mercado laboral, o valor do tempo dedicado às atividades domésticas aumenta (custo relativo do tempo). Consequentemente, o aumento da força laboral feminina diminuirá o número de filhos desejados (Becker, 1964Becker, Gary S. Human Capital: A Theoretical and Empirical Analysis, with Special Reference to Education. Chicago: University of Chicago Press, 1964.). Seguindo essa lógica, a família é uma unidade de decisão e análise, em que sua função utilidade está de acordo com as medidas para otimizar os recursos disponíveis (Becker, 1985Becker, Gary S. “Human Capital, Effort, and the Sexual Division of Labor”. Journal of Labor Economics, v. 3, n. 1, 1985, pp. S33-S58.).

Porém, filhos não representam apenas custo: também são considerados um fator de produção, em virtude dos fluxos de renda que podem gerar no futuro, até mesmo em benefício dos pais. Sob o prisma estritamente econômico, filhos têm valor análogo aos “bens duráveis” (Becker, 1960Becker, Gary S. “An Economic Analysis of Fertility. Demographic and Economic Change in Developed Countries”. In: Roberts, George B. (org.). Demographic and Economic Change in Developed Countries. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 1960, pp. 209-31.). Por outro lado, uma das principais críticas à corrente neoclássica é a de que ela negligencia os determinantes sociológicos e psicológicos envolvidos nas decisões reprodutivas (Blake, 1968Blake, Judith. “Are Babies Consumer Durables? A Critique of the Economic Theory of Reproductive Motivation”. Population Studies, v. 22, n. 1, 1968, pp. 5-25.).

As evidências empíricas mostram que ter filhos reduz a oferta de trabalho para as mulheres tanto no contexto brasileiro quanto internacional (Souto-Maior, 1990Souto-Maior, Heraldo Pessoa. “Mulher, família e trabalho no Nordeste (1970-1987): o que dizem os dados publicados dos censos demográficos e PNADS”. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 7., 1990, Caxambu. Anais…Belo Horizonte: Abep , 1990.; Rios-Neto, 1996Rios-Neto, Eduardo L. G. “O impacto das crianças sobre a participação feminina na PEA: o caso das mulheres casadas urbanas”. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 10., 1996, Caxambu. Anais…Belo Horizonte: Abep , 1996.; Meulders et al., 2008Meulders, Danièle et al. “Trabalho e maternidade na Europa, condições de trabalho e políticas públicas”. In: Bruschini, Maria Cristina Aranha et al. (orgs.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008.). Portanto, o impacto da maternidade no trabalho remunerado feminino é considerado significativamente negativo. No caso da Colômbia, foram realizados alguns estudos para avaliar a participação da mulher no mercado laboral e seus efeitos (Santamaría; Rojas, 2001Santamaría, Mauricio; Rojas, Noberto. “La participación laboral: ¿qué ha pasado y qué podemos esperar?” Planeación Desarrollo, v. 32, n. 146, 2001, pp. 5-34.; Castro; García; Badillo, 2011Castro, Emma; García, Gustavo; Badillo, Erika. “La participación laboral de la mujer casada y su cónyuge en Colombia: un enfoque de decisiones relacionadas”. Lecturas de Economía, n. 74, 2011, pp. 171-201.; López; Lasso, 2015López Castaño, Hugo; Lasso Valderrama, Francisco. Flujos de trabajadores en el mercado laboral colombiano, determinantes de las diferencias entre hombres y mujeres, y futuro laboral esperado. Documento de Trabajo del BID #IDB-WP-590. Washington: Banco Interamericano de Desarrollo, 2015.). Eles identificaram os determinantes positivos para o aumento da taxa global de participação das mulheres não chefes de família no mercado de trabalho remunerado. Evidenciaram que a presença de empregadas domésticas, o nível educacional e o desemprego de um membro da família foram fatores positivos para a inserção laboral feminina. Já entre os fatores que tendem a reduzir a presença feminina no mercado laboral estão a riqueza ou a renda da família e a existência de filhos pequenos (Posada; Arango-Thomas, 2002Posada, Carlos Esteban; Arango-Thomas, Luis Eduardo. “La participación laboral en Colombia”. Borradores de Economia , n. 217, 2002.; Charry, 2003Charry, Alejandro. “La participación laboral de las mujeres no jefes de hogar en Colombia y el efecto del servicio doméstico”. Borradores de Economia, n. 262, 2003, pp. 1-41.). Outros estudos tinham como objetivo estimar alguns determinantes da participação laboral, tendo como foco os retornos educacionais e a experiência laboral, ou aspectos microeconômicos do mercado laboral. Em geral, as variáveis sociodemográficas foram pouco exploradas (Ribero; Meza, 1997Ribero, Rocio; Meza, Claudia. “Determinantes de la participación laboral de hombres y mujeres en Colombia: 1976-1995”. Archivos de Macroeconomía, v. 63, 1997.; Tenjo; Ribero, 1998Tenjo, Jaime; Ribero, Rocio. Participación, desempleo y mercados laborales en Colombia. Documento de Trabajo del Cede. Colombia: Universidad de los Andes, 1998.). Ao longo do tempo, cresce o interesse em explorar a relação da participação laboral da mulher e aspectos da maternidade ou da estrutura familiar (Santamaría; Rojas, 2001Santamaría, Mauricio; Rojas, Noberto. “La participación laboral: ¿qué ha pasado y qué podemos esperar?” Planeación Desarrollo, v. 32, n. 146, 2001, pp. 5-34.; Castro; García; Badillo, 2011Castro, Emma; García, Gustavo; Badillo, Erika. “La participación laboral de la mujer casada y su cónyuge en Colombia: un enfoque de decisiones relacionadas”. Lecturas de Economía, n. 74, 2011, pp. 171-201.; López; Lasso, 2015López Castaño, Hugo; Lasso Valderrama, Francisco. Flujos de trabajadores en el mercado laboral colombiano, determinantes de las diferencias entre hombres y mujeres, y futuro laboral esperado. Documento de Trabajo del BID #IDB-WP-590. Washington: Banco Interamericano de Desarrollo, 2015.).

No Brasil, os estudos são um pouco mais abrangentes e numerosos do que na Colômbia (Pazello; Fernandes, 2004Pazello, Elaine Toldo; Fernandes, Reynaldo. “A maternidade e a mulher no mercado de trabalho: diferença de comportamento entre mulheres que têm e mulheres que não têm filhos”. In: Encontro Nacional de Economia, 32., 2004, João Pessoa. Anais… Niterói: Anpec, 2004.; Monte; Gonçalves, 2008Monte, Paulo Aguiar; Gonçalves, Michelle Ferreira. “A inserção ocupacional e os determinantes salariais das mulheres no mercado de trabalho”. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 16., 2008. Caxambu. Anais…Belo Horizonte: Abep , 2008.; Pazello, 2006Pazello, Elaine Toldo. “A maternidade afeta o engajamento da mulher no mercado de trabalho? Um estudo utilizando o nascimento de gêmeos como um experimento natural”. Estudos Econômicos, v. 36, n. 3, 2006, pp. 507-38.; Maron; Meulders, 2008Maron, Leila; Meulders, Danièle. Having a Child: A Penalty or Bonus for Mother’s and Father’s Employment in Europe. Bruxelas: Dulbea/Université Libre de Bruxelles, 2008.; Souza; Rios-Neto, 2008Souza, Laetícia Rodrigues; Rios-Neto, Eduardo Luiz Gonçalves. “O efeito de filhos sobre a oferta de trabalho dos pais sob uma perspectiva de gênero”. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 16., 2008, Caxambu. Anais…Belo Horizonte: Abep , 2008.). Eles destacam as mudanças no papel da mulher na família e na sociedade, especialmente a redução do número de filhos, como consequência da inserção da mulher no mercado de trabalho remunerado. Por outro lado, reiteram que a responsabilidade doméstica e socializadora das mulheres inibe uma inserção laboral ainda mais intensa e plena. É consenso na literatura especializada que a presença de filhos dependentes no domicílio é um fator importante para a melhor compreensão da qualidade da inserção laboral feminina.

Diante do acima exposto, o foco do presente estudo não é a comparação da qualidade do vínculo laboral entre homens e mulheres, mas sim as diferenças que se observam entre mulheres, especialmente pelo fato de umas serem mães e outras não.

Este estudo assume que a dificuldade em conciliar a vida familiar com a laboral está associada em grande medida à assimetria na distribuição das responsabilidades domésticas. Desse modo, tornar-se mãe gera um incremento de trabalho doméstico e de cuidado para as mulheres, provocando alterações no uso do tempo feminino. Logo, as desigualdades no mercado laboral são um espelho das desigualdades no lar. Seguindo esse raciocínio, nossa investigação assume duas hipóteses: 1) há uma associação entre a maternidade e a participação feminina em trabalhos precários; 2) quanto maior o número de filhos (especialmente se forem pequenos), maiores são as chances de que as mães exerçam trabalho precário. Justamente pelo receio de ver-se completamente fora do mercado e pela urgência de sustentar os filhos, as mães podem ser mais propensas a aceitar condições de trabalho desvantajosas.

METODOLOGIA

Os dados analisados são provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Gran Encuesta Integrada de Hogares (GEIH), realizada pelo Departamento Administrativo Nacional de Estadística (Dane), da Colômbia, para os anos 2012 e 2019. O ano 2012 foi o primeiro a contar com uma PNADC, por isso foi escolhido como ponto de partida. Já 2019 foi o último ano sem os efeitos da pandemia de Covid-19.

A população alvo de nosso estudo são mulheres de 15 a 49 anos que estão ocupadas no mercado de trabalho e são chefes de domicílio ou cônjuges do chefe. Ao adotar esse recorte, obtivemos uma amostra de 58.085 colombianas em 2012 (N = 3,1 milhões) e 52.528 colombianas em 2019 (N = 3,3 milhões). No caso do Brasil, obtivemos uma amostra de 26.304 mulheres em 2012 (N = 12,8 milhões) e 25.387 mulheres em 2019 (N = 13,9 milhões).

A metodologia de análise está fundamentada na construção de estatísticas descritivas e modelos de regressão logística binária múltipla, recomendada para as situações nas quais a variável resposta, aquela que se pretende explicar, é dicotômica, enquanto as variáveis previsoras podem ser categóricas ou numéricas (Field, 2009Field, Andy. Descobrindo a estatística usando o SPSS. Porto Alegre: Artmed, 2009.).

Nesse estudo, a variável dicotômica dependente “trabalho precário” foi construída considerando-se a informação de existência de contrato de trabalho escrito ou carteira de trabalho assinada e número de horas trabalhadas. Quando a mulher não estava amparada por um contrato por escrito e/ou trabalhava um número de horas superior àquele permitido por lei (44 horas semanais no Brasil e 48 horas semanais na Colômbia), ela foi enquadrada como exercendo trabalho precário. O Quadro 1 lista as variáveis originais e o tratamento que lhes foi dado para gerar a variável dependente:

QUADRO 1
Construção da variável dependente "trabalho precário", utilizada em todos os modelos.

O Quadro 2 sintetiza as variáveis preditoras consideradas nos modelos e suas respectivas categorias. As categorias indicadas com asterisco (*) serviram como referência. Foram ajustados três modelos para cada país por ano de interesse. A diferença entre eles está na maneira como a maternidade foi retratada. No modelo 1, a maternidade é representada pela presença de filhos no domicílio (sim ou não). No modelo 2, a maternidade é expressa pelo número de filhos no domicílio. E, finalmente, no modelo 3, a maternidade é representada por três variáveis que expressam o número de filhos no domicílio em determinada faixa etária (0-11 anos; 12-17 anos; 18+ anos). No quadro abaixo, estão assinaladas com x as variáveis incluídas em cada modelo.

QUADRO 2
Variáveis preditoras e suas respectivas categorias em cada modelo de regressão logística binária múltipla.

Cabe destacar que a GEIH não coleta informações sobre raça/cor, mas a literatura brasileira sobre o mercado de trabalho frisa a importância dessa variável. Por esse motivo, ela foi mantida nas análises para o Brasil.

No caso da PNADC, os resultados foram gerados com a utilização do módulo próprio para amostras complexas do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 22.0), no qual é possível especificar todos os parâmetros necessários para o reconhecimento do desenho amostral da pesquisa mediante a indicação das variáveis “estrato”, “Unidade Primária de Amostragem (UPA)” e “v1032” (código que identifica o peso amostral na base), conforme descrito por Barbara Cunha e Ludimila Raupp (2022Cunha, Barbara Coelho Barbosa da; Raupp, Ludimila. “Infraestrutura de saneamento básico da população indígena urbana no Brasil: 2016 a 2019”. Revista Latinoamericana de Población, v. 16, 2022, pp. e202120-e202120.) e Pedro Luís Silva, Djalma Pessoa e Maurício Lila (2002Silva, Pedro Luís do Nascimento; Pessoa, Djalma Galvão Carneiro; Lila, Maurício Franca. “Análise estatística de dados da Pnad: incorporando a estrutura do plano amostral”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, 2002, pp. 659-70.).

No caso da GEIH, não foi possível adotar o mesmo procedimento, pois nem todas as variáveis que especificam o desenho amostral são liberadas na versão pública do arquivo dos microdados. Por isso, na elaboração dos modelos para a Colômbia, utilizamos o peso probabilístico,1 1 O peso probabilístico pode ser expresso por pw = (N/n), sendo pw = peso probabilístico, N = tamanho universo (ou tamanho amostral expandido) e n = tamanho amostral. Recomenda-se, para melhor entendimento dos pesos amostrais, ver Richard Valliant e Jill Dever (2018). definido como o inverso da probabilidade de ser incluído na amostra em virtude do desenho amostral. Esse procedimento alternativo ajusta o fator básico de expansão a fim de diminuir variâncias e erros padrões para a estimação dos coeficientes.

Os resultados obtidos a partir dos modelos de regressão logística binária múltipla foram interpretados com base nas razões de chance (RC) e seus respectivos intervalos de confiança (IC). Também são apresentados os coeficientes (B) e a significância estatística (p-valor) referente a eles. Sempre que a RC > 1, a chance de exercer trabalho precário é maior para a categoria em análise do que para aquela indicada como referência. Quando a RC < 1, o risco de exercer trabalho precário é menor entre as mulheres que pertencem à categoria em análise do que no grupo que serviu como referência. Porém, esses resultados só devem ser considerados válidos se o intervalo de confiança não incluir o 1. Se incluir o 1, isso significa que as chances de exercer trabalho precário podem ser idênticas na categoria em análise e naquela usada como referência. O p-valor (sig.) é outro critério para definir se devemos interpretar a RC. Se sig. < 0,05, então o resultado encontrado para a categoria em análise é estatisticamente significativo. No caso das variáveis numéricas (número de filhos), a RC > 1 indica o quanto cada acréscimo de um filho no domicílio aumenta o risco de exercer trabalho precário.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 3 apresenta a distribuição percentual das mulheres em idade reprodutiva que eram chefes ou cônjuges do chefe e se encontravam ocupadas no mercado de trabalho remunerado, segundo as variáveis de interesse.

TABELA 3
Brasil e Colômbia (2012 e 2019): Distribuição percentual das mulheres de15 a 49 anos chefes ou cônjuges do chefe ocupadas no mercado de trabalho, segundo variáveis de interesse.

Embora a proporção de mulheres exercendo trabalho precário diminua ao logo do tempo nos dois países, segue atingindo níveis mais elevados na Colômbia. Ambos os países são bastante urbanizados e a proporção de brasileiras que vivem com companheiro é maior do que aquela de colombianas, tanto em 2012 quanto em 2019. No que diz respeito à maternidade, há relativamente mais colombianas com filhos no domicílio do que brasileiras. Destacamos que colombianas e brasileiras apresentam distribuições etárias bastante similares, mas a escolaridade tende a ser maior entre as últimas. Observamos ainda que, em 2012, as subpopulações femininas branca e não branca apresentavam magnitudes muito próximas no Brasil, porém, em 2019, o grupo das que se autodeclaram não brancas torna-se visivelmente majoritário.

Ressaltamos ainda que as colombianas em idade reprodutiva que são chefes ou cônjuges do chefe e estão ocupadas no mercado de trabalho remunerado apresentam um número médio de filhos levemente superior àquele das brasileiras tanto em 2012 quanto em 2019 (Tabela 4).

TABELA 4
Brasil e Colômbia (2012 e 2019): Número médio de filhos de mulheres chefes ou cônjuges do chefe que residem no mesmo domicílio de suas mães.

As Tabelas 5, 6, 7 e 8 condensam os resultados obtidos a partir dos modelos de regressão logística binária múltipla para a Colômbia e o Brasil em 2012 e 2019. Em ambos os países, as mulheres residentes nas áreas rurais são mais propensas a estar ocupadas em trabalhos precários do que aquelas das áreas urbanas. No entanto, para a Colômbia em 2012, a variável situação de domicílio não foi significativa. Entre as brasileiras, os diferenciais por situação de domicílio se intensificam ao longo do tempo. Se em 2012 as mulheres que moravam em áreas rurais tinham uma chance entre 92% e 93% maior do que suas congêneres de áreas urbanas de exercer trabalho precário em 2019 elas passam a apresentar cerca de 2,4 vezes mais chance de estar nessa condição.

TABELA 5
Colômbia (2012): Modelo de regressão logística binária múltipla, considerando como variável dependente “exerce trabalho precário” (1 = sim; 0 = não).
TABELA 6
Colômbia (2019): Modelo de regressão logística binária múltipla, considerando como variável dependente “exerce trabalho precário” (1 = sim; 0 = não).
TABELA 7
Brasil (2012): Modelo de regressão logística binária múltipla, considerando como variável dependente “exerce trabalho precário” (1 = sim; 0 = não).
TABELA 8
Brasil (2019): Modelo de regressão logística binária múltipla, considerando como variável dependente “exerce trabalho precário” (1 = sim; 0 = não).

Quanto à presença de cônjuge no domicílio, colombianas e brasileiras sem companheiro correm maior risco de exercer trabalho precário. Esses resultados levantam duas hipóteses explicativas. A primeira é que as mulheres que podem contar com o apoio econômico do companheiro seriam menos expostas ao trabalho precário porque estariam menos pressionadas a encontrar trabalho e contribuir para a renda da família. Por não serem a principal fonte provedora do domicílio, elas poderiam esperar melhores oportunidades, ao invés de aceitar o primeiro ou o único trabalho disponível. Mas há também uma segunda linha explicativa: as mulheres que exercem trabalho precário seriam menos atraentes para os homens quando estes pensam em estabelecer uma união ou casamento.

Quanto à escolaridade, quanto menos escolarizada a mulher, maiores são suas chances de ocupar posições precárias no mercado de trabalho. As brasileiras com escolaridade de 0-3 anos tinham cerca de 3 vezes mais chance de se encontrar em precariedade laboral do que aquelas de escolaridade mais alta (12+ anos) em 2012. Em 2019, o grupo de menor escolaridade tinha ao redor de 4,5 vezes mais chance de exercer trabalho precário do que as altamente escolarizadas. No caso da Colômbia, observam-se diferenciais ainda maiores entre mulheres de baixa e alta escolaridade. Colombianas com 0-3 anos de escolaridade tinham entre 46 e 50 vezes mais chance de exercer trabalho precário, em comparação com mulheres com 12+ anos de escolaridade em 2012. Em 2019, esse diferencial diminuiu e as mulheres menos escolarizadas apresentavam entre 27,8 e 29 vezes mais chance de ocupar posições precárias do que as altamente escolarizadas. De todas as maneiras, os resultados evidenciam que, em ambos os países, ter 12+ anos de estudo funciona como um importante fator de proteção contra o trabalho precário.

Em relação à idade das mulheres, observamos que tanto as colombianas quanto as brasileiras de 15-19 anos são mais vulneráveis ao vínculo precário no mercado laboral, se comparadas com aquelas de 40-49 anos. A precariedade laboral está claramente associada à juventude.

Quanto às estimativas relacionadas à raça/cor no Brasil, o exercício de trabalho precário está mais associado às mulheres não brancas do que às brancas. No entanto, há indícios de um paulatino declínio das disparidades raciais ao longo do tempo no que tange à precariedade laboral. Para sermos mais precisas, em 2012 as não brancas tinham entre 63,4% e 65% mais chance de executar trabalho precário do que as brancas. Em 2019, as não brancas tinham entre 38,2% e 39,9% mais chance de realizar trabalho precário do que as brancas.

Confirmando a hipótese central desta pesquisa, a maternidade não só aumenta a chance de a mulher exercer trabalho precário, como também quanto maior o número de filhos, maior a chance de ela exercê-lo. De fato, os resultados mostram que, mantidas todas as outras variáveis constantes, ter filho no domicílio aumentou a chance de as brasileiras exercerem trabalho precário em 15% em 2012 e 20,8% em 2019, em comparação com as brasileiras sem filho. Entre as colombianas, ter filho aumentou a chance de exercer trabalho precário em 9,5% em 2012 e 5,3% em 2019, em comparação com as colombianas sem filho (Modelo 1). Da mesma forma, vemos que o acréscimo de um filho aumentou em 9,2% a chance de as brasileiras exercerem trabalho precário em 2012 e 16,4% em 2019 (Modelo 2). Já no caso da Colômbia, o efeito adicional por filho foi de 10,8% em 2012 e em 9,6% em 2019. Esses resultados demonstram que houve uma ligeira diminuição do efeito da maternidade na inserção das mulheres no mercado de trabalho precário colombiano. No Brasil, o efeito da maternidade sobre o risco de exercer trabalho precário apresenta tendência de aumento no período em análise e expressa uma maior penalização das mulheres mães no mercado de trabalho do que na Colômbia.

Os resultados obtidos a partir do Modelo 3 atestam que ter filhos de qualquer faixa etária no domicílio aumenta as chances de a mulher estar no mercado de trabalho precário, salvo no caso das brasileiras com filhos adultos em 2019. Esse efeito é maior quanto maior o número de filhos ainda crianças (0-11 anos) ou adolescentes (12-17 anos) no domicílio. Isso era esperado, uma vez que crianças e adolescentes demandam mais tempo ou cuidado que os filhos adultos. Contudo, o efeito de ter filhos adolescentes no domicílio foi maior sobre a precariedade laboral materna do que de ter crianças. Podemos intuir que adolescentes demandam custos maiores para sua manutenção e também estão em fase escolar, portanto cresce a pressão pela contribuição econômica materna. Na Colômbia, em 2012, cada filho adicional com idade de 0 a 11 anos e de 12 a 17 anos aumentava de 11% a 12% as chances de a mulher pertencer ao mercado de trabalho precário, enquanto cada filho adulto adicional aumentava essa chance em 8%. Em 2019, esses efeitos se reduziram um pouco, salvo no caso de presença de filho adolescente, pois para cada filho adicional aumentava em cerca de 16% a chance de a mãe exercer trabalho precário. Já entre as brasileiras com filhos pequenos e adolescentes, cada filho adicional aumentava de 8,5% a 10,5% a chance de a mãe se encontrar em posição precária no mercado de trabalho em 2012. Em 2019, cada filho adicional que se encontrasse na infância ou adolescência aumentava entre 17,5% e 24,7% as chances de a mãe ser trabalhadora em condições precárias no Brasil.

Finalmente, os resultados dos modelos permitiram identificar os perfis das mulheres mais vulneráveis nos dois países: as residentes em áreas rurais, adolescentes (15-19 anos), sem companheiro, que têm entre 0-3 anos de estudo e filhos menores de idade no domicílio. Adicionalmente, no caso brasileiro, também podemos afirmar que as mulheres não brancas estão mais vulneráveis à precariedade laboral do que as mulheres brancas. Infelizmente, a informação sobre raça/ cor não é captada na GEIH. Contudo, podemos lançar como hipótese para futuros estudos que é bem provável que as colombianas não brancas também estejam em desvantagem, em comparação com suas compatriotas brancas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas, houve um aumento acentuado da participação feminina no mercado de trabalho remunerado, embora as mulheres continuem sendo vistas como as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pelos cuidados de outros membros da família. Certamente, há muito a ser feito para dirimir as tensões entre responsabilidades laborais e familiares. Nossos resultados demonstram que há uma relação positiva e estatisticamente significativa entre maternidade e trabalho precário. Todas as três formas de captar a maternidade: presença de filhos no domicílio, número de filhos no domicílio e número de filhos em faixas etárias específicas (infância, adolescência e fase adulta), atestaram que as mães são penalizadas no mercado de trabalho nos dois países. Quando os filhos são crianças ou adolescentes, a vulnerabilidade feminina ao trabalho precário é ainda maior.

Destacamos que o aumento da escolaridade é o principal fator de proteção em relação à precariedade laboral. Para além das políticas de promoção do trabalho formal, de equidade de gênero na família e no ambiente de trabalho, seguramente a universalização do acesso à educação básica e a democratização do ensino superior são políticas capazes de impulsionar o trabalho feminino em condições adequadas.

Sem minimizar o impacto da escolaridade e outras variáveis consideradas no estudo, é inegável que a maternidade continua sendo fonte de desigualdade entre as mulheres. Isso coloca em xeque o futuro da maternidade nos dois países analisados, posto que as condições desfavoráveis no mercado de trabalho para as mães podem desestimular outras mulheres a ter filhos. A consequência pode ser o adiamento constante da maternidade, um número de filhos inferior ao desejado pela própria mulher ou mesmo o aumento da prevalência de mulheres que chegam ao final do período reprodutivo sem filhos. Esses são temas de estudo já clássicos na demografia que certamente seguem atuais e merecem mais atenção em nossa região. A instabilidade e a fragilidade do vínculo laboral desempenham um papel importante na tomada de decisões individuais e isso não é diferente no campo reprodutivo.

Este estudo empírico evidência, portanto, a necessidade de políticas trabalhistas e de equidade de gênero na família que contemplem a situação específica das mulheres com filhos menores de idade, não apenas porque o trabalho feminino é fundamental para o desenvolvimento econômico de um país, mas também e principalmente porque é um direito das mulheres e uma demanda crescente para a subsistência das famílias.

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  • 1
    O peso probabilístico pode ser expresso por pw = (N/n), sendo pw = peso probabilístico, N = tamanho universo (ou tamanho amostral expandido) e n = tamanho amostral. Recomenda-se, para melhor entendimento dos pesos amostrais, ver Richard Valliant e Jill Dever (2018Valliant, Richard; Dever, Jill A. Survey Weights: A Step-by-Step Guide to Calculation. College Station: Stata, 2018.).
Editor responsável: Fernando Bee.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2023
  • Aceito
    20 Out 2023
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