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RUI BARBOSA EM DISPUTA: A memória política na República de 1946

Rui Barbosa in Dispute: Political Memory in the Republic of 1946

RESUMO

O objetivo deste artigo é investigar recepções da obra e da biografia políticas de Rui Barbosa por atores relevantes e vinculados a diferentes lugares da cena político-partidária da República de 1946, nomeadamente San Tiago Dantas, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Lacerda e João Mangabeira. A intenção não é explorar caminhos de análise para um “verdadeiro” Rui, mas compreender matizes da cena política de seus intérpretes. As disputas em torno da sua persona revelam quatro imagens principais: oestadista, obacharel, otribuno da oposiçãoe oapóstolo. O olhar sobre as representações de Rui permite abordar a República de 1946 a partir de ângulos pouco usuais, como o da guinada reformista do Partido Trabalhista Brasileiro e o das afinidades entre a tradição socialista - da Esquerda Democrática e do Partido Socialista Brasileiro - e a União Democrática Nacional (UDN).

PALAVRAS-CHAVE:
República de 1946; Rui Barbosa; União Democrática Nacional (UDN); Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

ABSTRACT

The aim of this article is to investigate the reception of the work and political biography of Rui Barbosa by relevant actors of political parties during the Republic of 1946 in Brazil, namely San Tiago Dantas, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Lacerda and João Mangabeira. We do not intend to reveal a “true” Rui Barbosa, but to understand the political landscape of the time seen through the eyes of his interpreters. The disputes around his personas reveal four different images of the politician: the statesman, the bachelor, the tribune of the opposition and the apostle. The investigation of the political imagery and discourse surrounding Rui Barbosa opens new vistas in the study of the Republic of 1946, such as the identification of a reformist movement that emerged in the Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) and the investigation of the political affinities between the socialist tradition - of the Democratic Left and the Partido Socialista Brasileiro (PSB) - and the União Democrática Nacional (UDN).

KEYWORDS:
Republic of 1946; Rui Barbosa; União Democrática Nacional (UDN); Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

INTRODUÇÃO

A República de 1946 levou as eleições de volta à experiência política brasileira. E o fez em novos termos. Apesar das restrições ao sufrágio universal, com a exclusão de analfabetos e comunistas, o país vivia pela primeira vez um sistema político caracterizado pelo protagonismo de vastas massas, sobretudo urbanas, agora habilitadas ao voto. O novo cenário impunha às elites políticas a reformulação de métodos e concepções de vida pública, já que o excessivo apego às rotinas do passado provavelmente levaria seus cultores ao ocaso, na condição de vítimas de um tempo que não compreendiam. As mudanças não exigiam, contudo, o abandono de velhas referências políticas e intelectuais e acolhiam a possibilidade de um olhar interessado ao passado, possível depositário de parâmetros úteis à compreensão dos novos tempos. O esforço de reinterpretação da história política nacional inspirava a retomada de velhos personagens, que ganhavam, à luz das circunstâncias, renovada importância. Esse foi o caso de Rui Barbosa.

Em lugar de relevo na cena política de fins do Império e, sobretudo, das primeiras décadas da República, Rui animou o debate público com suas diversas personas. Em vida, o baiano era visto, entre outros, como arquiteto da primeira constituição republicana, bastião da oposição liberal, idealista que não conciliava com as oligarquias e jurista abalizado para interpretar as instituições. As profundas transformações que marcaram o país na década de 1920 e desaguaram, ao menos em parte, na Revolução de 1930 relegaram, entretanto, a imagem pública de Rui a certo desprestígio. Eram tempos de descrédito global do outrora hegemônico liberalismo, assolado pelo fortalecimento de doutrinas fortemente críticas a ele, à direita e à esquerda, e pelos ecos da crise de 1929. 1 1 O cenário é bem descrito por Hobsbawm (1995, pp. 113-143). O cenário brasileiro não era diferente. Autores centrais para a forma que o Estado brasileiro assumiu após 1930 - como Alberto Torres, Oliveira Viana, Francisco Campos e Azevedo Amaral - encontravam, em meio às suas muitas diferenças, um terreno comum nas fortes críticas ao liberalismo da Primeira República brasileira, encarnado na figura do jurista baiano. Rui encerrava uma espécie de caricatura do “idealista utópico”, categoria cunhada e imputada por Viana que teve importante ressonância na taxonomia política de gerações futuras. 2 2 Viana, 1939.

Com a agonia do Estado Novo, Rui foi levado de volta ao centro do palco político. Dessa vez, como memória disputada. Não faltavam motivos. Os ares do pós-guerra ensejavam a crítica à concentração de poder, davam às soluções autoritárias certo ar obsoleto e abriam espaço para o retorno das formulações liberais. 3 3 Para uma ótima análise desse movimento, ver Guimarães (2001). A entrada das massas no jogo democrático impunha a confecção de soluções distantes do Estado Novo, mas talvez próximas de outros momentos da história brasileira, que poderiam ganhar novas cores ante as mazelas e as novas necessidades da conjuntura. Todos esses movimentos estimulavam o retorno às ideias e às práticas de um dos fundadores da ordem republicana brasileira.

Soava natural a recuperação de Rui por parte da oposição liberal, concentrada na União Democrática Nacional (UDN). Menos evidente, todavia, era sua mobilização por atores distantes do campo udenista, como foi o caso de San Tiago Dantas, um dos principais políticos e pensadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ou João Mangabeira, fundador do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Os vários aspectos do personagem favoreceram diversas formulações de seus legados intelectual e político, elucidativas das múltiplas leituras sobre o país e a democracia que moviam os atores políticos à época.

Falecido em 1923, Rui povoava a imaginação social e política de atores de 1946 de maneira ainda vívida. Neste artigo, investigaremos suas principais representações no mundo político partidário da época, de modo a compreender aspectos pouco valorizados da conjuntura política de então, a partir da construção e da disputa da sua memória. Por tal motivo, deixaremos de lado obras relevantes para a caracterização de um imaginário mais global sobre o autor, como as de Raimundo Magalhães Júnior, Rui: o homem e o mito, e Cecília Meireles, Rui: pequena história de uma grande vida. Concentramo-nos nas leituras de Rui por cinco autores políticos e protagonistas de 1946: Afonso Arinos de Melo Franco, Aliomar Baleeiro, Carlos Lacerda, João Mangabeira e San Tiago Dantas. A partir de diferentes lugares políticos e ângulos de leitura, promoveram uma retomada elogiosa de Rui que nos interessa pelo que encerra de revelador da conjuntura de 1946, e não do personagem exaltado e seu tempo.

O artigo se vale de reflexões acerca do lugar da memória no cenário político, dialogando com as propostas historiográficas de Pierre Nora e Jacques Le Goff. 4 4 Merece destaque o amplo esforço de Pierre Nora, exposto pela organização do monumental Les Lieux de mémoire, e de Jacques Le Goff, condensado em História e memória. Ao recuperar Rui pelas lentes de uma geração política que o sucedeu, interessa-nos, por exemplo, a noção de que a memória é aquilo que “os grupos fazem do passado”, conforme Nora. 5 5 Nora, 1993. Ou, em registro aproximado, a ideia de que memória “procura salvar o passado para servir o presente e o futuro”. 6 6 Almeida, 2010. Quando os políticos que temos em vista se debruçam sobre o personagem de Rui, o fazem à luz de pautas que identificam como necessidades contemporâneas do país. Dele “salvam” os elementos que consideram mais oportunos para “servir” o presente deficitário em vista de um futuro que não reproduza ciclos viciosos do passado.

Para tanto, depuram Rui da versão degradada produzida por seus antagonistas políticos da Primeira República. Travam uma batalha no campo da memória, com nuances que abordamos a partir de quatro imagens do personagem, imbricadas entre si: o estadista, o jurista, o tribuno da oposição e o apóstolo. A cada um desses perfis corresponde uma seção do artigo, na ordem aqui referida.

A imagem do estadista emerge da leitura de políticos que ocupavam lugares díspares no cenário da política: San Tiago Dantas, importante articulador do PTB, como se viu, e Aliomar Baleeiro, udenista que alcançou nos anos 1950 o posto de secretário-geral de seu partido, filiado aos quadros conservadores da “banda de música”. 7 7 Designação dada pela imprensa da época a um grupo de deputados da UDN famoso por sua retórica inflamada e engajado na oposição aos governos Vargas, JK e Goulart. Eles ocupavam a primeira fila do plenário e faziam uso constante da tribuna. A evocação de Rui como estadista valoriza sua vocação para o poder à moda de um príncipe maquiaveliano, dotado da necessária virtù. Por caminhos distintos e convergentes em diferentes tópicos, San Tiago e Aliomar construíam Rui como figura de contraponto à grave instabilidade política das primeiras décadas republicanas - inspiração potencial para os tempos de incerteza que se abatiam sobre 1946.

Quanto à imagem exemplar do bacharel, foi articulada por Afonso Arinos de Melo Franco em reação a representações correntes do bacharelismo como perspectiva formalista e alienada da política. Em chave positiva, a identidade de bacharel era imputada a Rui e a si próprio como forma de responder a ataques oposicionistas. Na terceira seção, a imagem de tribuno da oposição desponta como inspiração para a sanha oposicionista da UDN. Ela é evocada por Carlos Lacerda em chave moralizadora, contraposta à prática política decaída do passado e do presente. Merece nossa atenção, por fim, na quarta seção, a figura do Rui apóstolo, construída pelo esforço de João Mangabeira. Nesta perspectiva, Rui surge, mais uma vez, como a figura virtuosa que subordina interesses a valores e converte derrotas políticas e eleitorais em sucesso de princípios.

Tais imagens, como já observado, não se dão a ver em tipos puros nem correspondem a necessários lugares políticos dos locutores. Mais relevante do que avaliar a fidedignidade das leituras ao personagem retratado é compreender seu papel para aqueles que as mobilizavam, assim como identificar onde, nas ideias e ações de Rui, estão os estímulos para sua confecção. Se as representações dizem respeito a características do personagem e da obra - e assim revelam suas faces mais e menos longevas -, elas também revelam olhares e interesses daqueles que as constroem, de modo que a variedade de imagens acolhe dissonâncias, contradições e também surpreendentes aproximações. A presença de uma mesma inspiração em atores de diferentes lugares do espectro político revela, por exemplo, questões comuns que subjazem às suas diferenças. As várias leituras de Rui, entremeadas à autoimagem dos próprios intérpretes, sugerem importantes nuances para a observação da ordem política de 1946.

RUI ESTADISTA

Esta seção reúne personagens de lugares antagônicos na cena política em torno da representação de Rui como estadista. Nela o leitor observará como San Tiago Dantas e Aliomar Baleeiro convergem na caracterização de um político sensível às especificidades da cena nacional e aos caminhos possíveis de mudança social e política. O encontro de perspectivas também é expressivo na defesa de Rui contra os detratores de seu mandato no Ministério da Fazenda, logo no princípio da República. No lugar de um publicista fantasioso e incapaz, sustentam a ideia de um político virtuoso cujo projeto foi abreviado pelas circunstâncias. As diferenças nas personas de Rui construídas por Dantas e Baleeiro são mais de ênfase do que de substância e, contudo, iluminam motivações políticas bastante distintas. O petebista mineiro procura em Rui o impulso para a construção de uma força política capaz de mobilizar as classe médias e o proletariado urbano em torno de uma via progressista moderada, a “esquerda positiva”, apta a desvincular o PTB da tradição getulista, transformando-o em algo do feitio de um partido social-democrata de corte europeu, em que a aceitação da via capitalista conviveria com a luta por limitar-lhe os excessos e garantir investimento sociais mínimos. O objetivo era modernizar o trabalhismo, ocupando um espaço que os socialistas, presos entre a opção udenista inicial e a pouca força política do PSB, nunca conseguiram expandir. Baleeiro, por sua vez, se inspira no Rui opositor responsável do establishment da Primeira República, interessado na imagem do ator hábil capaz de criticar a corrupção generalizada da ordem sem recair na crítica estéril. O baiano apontaria o caminho para uma oposição liberal construtiva, distante do idealismo a ela atribuído, ciosa em apontar os descaminhos do cenário político e preparada para assumir as rédeas do poder. Nesta seção, a mais extensa delas, a figura do Rui estadista segue apresentada em torno de quatro tópicos principais: ordem, mudança, realismo e Estado demiurgo, com importantes implicações recíprocas. Ao final, abordamos ainda os diferentes usos de Rui em relação aos lugares políticos de seus intérpretes na ordem política de 1946.

Rui e o princípio de ordem: entre rigor e maleabilidade

Apenas instalada a República, tudo era incerteza e improviso. Com a saída do imperador demiurgo, não havia clareza sobre os enredos da vida pública. Os arranjos formais de poder, frágeis, não capturavam as forças sociais centrífugas. Nesse ambiente de desassossego, não tardou a se instalar a nostalgia do regime extinto. A memória do Império construía-se em torno de um sentido de ordem. Se o acordo sobre sua obsolescência articulou, em fins do antigo regime, um corpo bem afinado de propagandistas republicanos, as primeiras gerações do novo regime viram dissipar todo improviso de unidade.

Embora sensível aos “convulsivos problemas da hora”, a narrativa de Aliomar Baleeiro sobre a República recém-nascida se debruça sobre o que teria sido seu vetor de ordem fundamental: a ação política de Rui Barbosa. Em Rui, um estadista no Ministério da Fazenda, publicado em 1952, o político baiano emerge como operador de estabilidade em meio a uma cena política despedaçada. O entusiasmo com o personagem é superlativo: moldado pela ocasião como um “febril homem de ação”, “redigiu atos de próprio punho”, “anestesiou a desconfiança internacional” e impediu que houvesse “noite política na sucessão desses dois dias extremos de completa inversão jurídica das instituições”. Para Baleeiro, “a claridade solar do seu espírito velava, ativo e previdente, contra o caos e a desordem”. 8 8 Baleeiro, 1952, pp. 7–8. Ao final do ensaio, a mesma ideia recupera força: graças à sua “visão política genial”, o “estadista” teria preservado “a República de todas as ameaças e perigos da sua fase inicial e crítica”. 9 9 Baleeiro, 1952, p. 131.

Baleeiro tributa os tormentos do novo tempo ao legado monarquista e aos republicanos descontinuadores do projeto ruiano, insensíveis a seu gênio. A Rui faltaram as circunstâncias e o tempo: os iníquos quatorze meses à frente do Ministério da Fazenda legaram à frágil República uma obra inacabada e deturpada por seus sucessores. Em meio ao caos herdado, Rui tateava caminhos e imprimia alguma direção às agendas da política.

Na caracterização de Baleeiro, a noção de estabilidade nada tem a ver com fixidez de princípio ou puro rigorismo. Como a engenharia das pontes, que exige mobilidade da estrutura para assegurar segurança nas tempestades, o fazer político de Rui seria sensível às circunstâncias e à necessidade de flutuar com elas, desde que a democracia fosse preservada de investidas “militares e caudilhescas”. 10 10 Baleeiro, 1952, p. 11. No relatório de 1891, nota Baleeiro, ele “confessa” que “as transigências foram muitas”. Era vivo, naquele momento, o “sentimento da necessidade de alianças”. 11 11 Baleeiro, 1952, p. 14. A visão de “estadista contrasta vivamente com a rigidez e a inflexibilidade do combatente na defesa dos direitos e liberdades individuais”. 12 12 Baleeiro, 1952, p. 120. Era preciso “contemporizar e ceder aos vários interesses desenvoltos e excitados pela ruptura dos diques constitucionais”. 13 13 Baleeiro, 1952, p. 120.

Em linha com essa narrativa, San Tiago Dantas observa em seu ensaio “Rui Barbosa e a renovação da sociedade” - um ano antes que Baleeiro, em 1951 - que, a despeito da inclinação explícita do político baiano a uma inflexão da política na direção das classes médias, seu espírito conciliador não negligencia as classes rurais. Dantas afirma que Rui não “descurou, como muitos pensam, a defesa da exportação brasileira”. Afinal, nela “se assentava a riqueza de um país sem mercado interno e dependente de compras substanciais no exterior”. 14 14 Dantas, 1949, p. 35. Empenhou-se em deslocar o protagonismo das classes agrárias das cenas econômica e política, é certo, mas dedicou-se também a diversificar-lhe o objeto mercantil para torná-las menos suscetíveis às oscilações de preço do café. Buscou meios para fazer reviver a cana-de-açúcar e chegou a atrair os Estados Unidos para um acordo comercial que, contudo, naufragou no puro nominalismo. Nem sempre vitorioso em moldar as circunstâncias a seus intentos, nunca deixou esmorecer, segundo o entusiasmado Baleeiro, seu “espírito vigilante, ativo e previdente”. Com ele teria se movido na delicadíssima arena de princípios da República. 15 15 Baleeiro, 1952, p. 7.

Rui, as classes médias e a mudança cautelosa

A despeito do acento do udenista na leitura de um Rui guardião da ordem, a caracterização do personagem escapa por completo ao imaginário que funde as noções de ordem e conservação. O Rui de Baleeiro - e também de San Tiago - é afeito ao movimento e avesso à estagnação. O amálgama ruiano combina ordem e mudança, sempre depurada (e feita possível) pela ação prudente. Nas finanças - e por afinidade também na política -, acertado é fugir de aventuras e também da imobilidade.

É nesta chave - de uma transformação cautelosa - que Rui, na pena de Baleeiro, articula os diferentes objetivos da República, imbricados entre si. Um deles, primordial, a industrialização. Entre outros ecos sobre as rotinas econômicas e sociais da nação, esse movimento em direção às indústrias produziria um legítimo acréscimo da arrecadação, em contraste com as barreiras alfandegárias, tão usuais quanto deletérias ao desenvolvimento. Contra “o que chama superstição do protecionismo”, Rui endossa uma “tendência livre-cambista”. Trata-se de um tópico reiterado por Baleeiro, que aproxima Rui do perfil mais clássico de um argumento liberal e neste caso o distingue do construído por San Tiago, que discorre longamente sobre a indústria e as classes médias no discurso e na prática política do baiano sem, contudo, aludir às medidas de proteção das atividades comerciais pelo Estado.

O endosso de uma das teses afinadas com o liberalismo na sua versão típica não nos permite, com recurso metonímico, tomar Rui e tampouco Baleeiro como liberais “à moda clássica”. O liberalismo de Baleeiro estava distante de uma opção pura pelo laissez-faire clássico, como suas constantes menções, em outras obras, acerca do protagonismo do Estado na economia contemporânea bem demonstram. 16 16 Chaloub, 2017. O equívoco de tomar o todo do pensamento de Baleeiro por uma de suas partes - furtando-nos a observar as nuances de seu liberalismo - se revelaria logo nas páginas seguintes de seu Rui, um estadista no Ministério da Fazenda, quando se afina com Stuart Mill em torno do tema da instrução popular -, embora exceda-o em entusiasmo. Baleeiro, pela mão de Rui, vincula estritamente o objetivo da inflexão urbana e industrial ao da educação formal providenciada pelo Estado: “para industrialização, riqueza e poderio internacional, educar o povo como primeira etapa”. Rui, que conferiu à educação um dos lugares mais proeminentes de sua pauta reformista, lamenta a “avareza criminosa” em relação à instrução formal e é explícito na formulação de um argumento instrumental: diante do propósito de “acelerar uma idade industrial para o nosso país”, a “difusão do ensino” se revela “como eficiente meio para atingir-se aquele fim”. 17 17 Baleeiro, 1952, pp. 23–24. No Rui de Baleeiro, em consonância com aspecto relevante da persona pública do político da Primeira República, a educação surge como meio necessário para aproximar o país das modernidades econômica e política. Assim como fora a imigração na visão de liberais como Tavares Bastos, mas com consequências evidentemente diversas, a educação surgia enquanto instrumento de superação dos supostos limites da população brasileira. Para construir um novo país, seria necessário transformar as classes populares. Outros segmentos, como as classes médias, sugerem, nesse sentido, os caminhos para o esforço reformista.

Na sua imaginação de futuro, o mundo é habitado por um pulsante e instruído segmento médio, com profissionais de toda sorte inventados pela vida industrial e urbana e também inventores dela - desde que asseguradas pelo Estado as condições para tanto. Como já mencionado, em torno desse tópico convergiram San Tiago Dantas e Baleeiro em perspectivas aproximadas e complementares. Embora ele atravesse o texto de Baleeiro como uma peça-chave da sua leitura de Rui, foi San Tiago Dantas que lhe conferiu articulação mais acurada, referida pelo próprio Baleeiro.

Em “Rui Barbosa e a renovação da sociedade”, Dantas - à moda depois endossada por Baleeiro - apresenta Rui como figura que excede seu tempo e circunstâncias, “ideólogo de uma reforma da sociedade”, que não feneceu com interesses particulares ou parciais porque transcendeu todos eles. 18 18 Dantas, 1949, pp. 11–13. A inflexão que pretendeu produzir na República “claudicante” foi a sedimentação da classe média, já ensaiada nas últimas décadas da monarquia, mas tão incipiente quanto as cenas urbanas e apertada entre “proprietários agrícolas, escravos e homens livres que viviam de ínfimos salários nas cidades”. Esse “rudimento de burguesia” equilibrou sua fragilidade econômica com a “concentração de força política” que lhe seria propiciada “pelo surgimento de um verdadeiro poder novo: o poder militar”. 19 19 Dantas, 1949, p. 18. Seus estratos civil e militar, embora dissonantes, vinculam-se “pelo mesmo imperativo de alteração dos quadros vigentes”. Como resultado, “geram e executam a República” 20 20 Dantas, 1949, p. 20. embora também a convulsionem, sendo a “epopeia do civismo” sua forma limite. 21 21 Dantas, 1949, p. 41. De todo modo, têm seu espírito resumido na figura do ministro da Fazenda do governo provisório. Nele convergem versões prototípicas do homem de classe média: as ideias públicas, os modos de vida e a origem social.

Desde a Reforma Saraiva, no Império, Rui já teria se empenhado em diminuir o “predomínio dos chefes locais e dos fazendeiros em favor de um maior pronunciamento popular”. Na condição de ministro em circunstância tão incerta, insistiu na confiança de “homens industriosos”. Deles não esperava apenas uma mutação da paisagem econômica - embora absolutamente não prescindisse dela -, mas também, e complementarmente, uma “renovação de mentalidade”. Segundo a leitura de Dantas sobre Rui - e possivelmente do próprio Dantas em simbiose com Rui -, o político baiano “desejava ver abertas as portas da oportunidade num meio até então congelado pelos privilégios da classe proprietária”. 22 22 Dantas, 1949, p. 21.

Rui e o realismo não essencialista

Dantas e Baleeiro também se alinham numa descrição de Rui como personagem realista. Isto é, exaltam sua inventividade, mas recusam a leitura do autor como figura excêntrica e dada a arroubos imaginativos desgarrados de sensibilidade para suas circunstâncias específicas-uma visão que encontrou eco no Estado Novo. Aludindo a um genérico “apreciador dos fatos” daquele regime, Baleeiro ressalta a caracterização de Rui como um mau conhecedor das “realidades do Brasil”, pouco versado na “prática da administração” e empenhado em “traduzir e transplantar para o nosso meio […] o que leu nos livros”. 23 23 Baleeiro, 1952, p. 16. “Uma das generalizações mais destituídas de fundamento”, prossegue Baleeiro em momento mais adiantado do ensaio, “é a que caricatura o dinâmico e debatido Ministro do Governo Provisório como o livresco namorado da cultura inglesa ou francesa, inteiramente cego à realidade ambiente”. 24 24 Baleeiro, 1952, p. 102.

Baleeiro, especialmente, se dedica a confeccionar um novo arranjo narrativo em que Rui figura como o perfeito avesso do personagem desqualificado pela fala corrente. “Engana-se quem o supõe ingênuo” 25 25 Baleeiro, 1952, p. 105. ou “afeito a reformas superficiais de mero formalismo jurídico” como “chave dos problemas básicos do país”. Além de “olímpica indiferença pelas estruturas jurídicas”, repudiava as “panaceias políticas”. 26 26 Baleeiro, 1952, p. 110. Era um investigador social que recorria “amiudamente”, como “poucos naquele tempo”, aos escassos dados estatísticos”. 27 27 Baleeiro, 1952, p. 108. Na defesa de uma leitura realista sobre o político baiano, Baleeiro avalia que o seu diagnóstico sobre o estado da arte do povo chegava por vezes a exagerar seus traços letárgicos e arredios ao mundo da política formal. Teria sido Rui a “celebrizar” o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, antes mesmo que seu criador se fizesse o escritor renomado que veio a ser. 28 28 Baleeiro, 1952, p. 103.

No diagnóstico do infortúnio social, Rui acompanharia, portanto, seus piores críticos, mas se distinguiria fundamentalmente deles porque seu realismo não desagua em demofobia, ceticismo ou receitas de autoritarismo. Diante da desventura, ocorre-lhe a reforma, “pela palavra e pela ação”, e não o lamento ou a supressão dos homens ordinários dos domínios da política. 29 29 Baleeiro, 1952, p. 104. No sentido avesso dessa inclinação, eles, os “críticos”, “desejariam um Rui conformado com a opressão, resignado em consciência ante as reflexões de que, afinal, lusos, caboclos e negros sempre fizeram sob o punho de ferro do absolutismo”. Toda investida contra o “exercício da autoridade forte” soaria como “delírio demagógico”. Em defesa de Rui, Baleeiro imputa a esse modo de raciocínio uma capitulação ao “conformismo”. E, nesse ponto, a articulação com o tempo presente é explícita: uma tal atitude “nos teria conservado ainda hoje como presa fácil da caudilhagem”. Baleeiro conclui com ironia: a isso “chamam de compreensão da realidade brasileira”. 30 30 Baleeiro, 1952, p. 101.

O realismo de Rui escaparia a essencialismos na interpretação sobre a nação e o povo: não enxerga “nossas dificuldades e defeitos” como necessariamente autóctones e, na leitura de Baleeiro, parece aproximar-se de uma certa noção de inespecificidade nacional. Isso o permitia enxergar o povo brasileiro como objeto ordinário, beneficiário potencial da experiência de outros povos. A despeito de textos que chegam a ser “candentes, cáusticos e amargos” na referência aos “handicaps do povo brasileiro”, 31 31 Baleeiro, 1952, p. 103. Rui “acreditava racionalmente na capacidade brasileira para triunfar de escolhos que não eram especificamente de nossa raça, mas da própria condição humana”. Nessa defesa do comum e do universal, Rui e Baleeiro rechaçam um lugar comum da cosmologia autoritária: uma certa consciência de excepcionalidade. Para um e outro, a deduzir do entusiasmo de Baleeiro pelos argumentos de Rui, “as desordens, ilegalidades e violências jamais foram melancólico privilégio do Brasil, senão contingência fatal a que não escaparam, em certas fases, britânicos, gauleses e yankees”. 32 32 Baleeiro, 1952, p. 105.

Em afinidade com a antiga concepção romana de história mestra da vida, revivida vigorosamente por Maquiavel e o mundo renascentista, a leitura de Rui por Baleeiro enfatiza um olhar atento aos caminhos e descaminhos de outros povos que, por aproximação ou afastamento, poderiam iluminar passos, informar atalhos e suprimir infortúnios e equívocos. “Movido pela atitude invariável de conhecer a experiência universal sobre cada assunto que lhe interessava”, Rui servia-se da história passada e contemporânea como um repertório de bons e maus exemplos a serem seguidos ou evitados. Nos seus modelos de interpretação e normatividade, deveria haver uma delicada composição, portanto, entre o que é próprio e específico ao povo e o que não é. Para ele, “certos problemas de governo comportam adaptações a restrito número de circunstâncias geográficas, ou de outra natureza, peculiares a cada país”. De todo modo, compõem uma “tendência geral e progressiva à homogeneização” e à aproximação dos “povos no mundo contemporâneo”.

O “estadista”, na narrativa de Baleeiro, figura como um arquiteto de mundos possíveis, reativo a fatalismos e letargia. É assim que, ao se debruçar sobre as “liberdades inglesas” tão em voga, observa que “jamais provieram de presente dos céus, nem de milagres duma raça”, mas de “perseverante esforço”. 33 33 Baleeiro, 1952, p. 105. O bom termo da vida pública não resultaria, nessa perspectiva, da interação autônoma e espontânea entre atores dispersos nos distintos lugares sociais. Ao arrepio da imagem caricatural de um liberal, Rui - e, na sua esteira, Baleeiro - parece operar com a ideia de um Estado demiurgo, que produz incentivos e contraincentivos para os atores sociais na expectativa de conduzir-lhes ao bom curso da modernização.

Rui e o Estado demiurgo

Na comparação com os Founding Fathers americanos, um recurso que empresta dignidade ao político injustiçado, coube a Rui a aproximação algo surpreendente com Hamilton. O político baiano perdoa-lhe o antiliberalismo e afina-se com ele em torno dos objetivos de “fortalecer a União face aos estados”, criar um “banco nacional emissor”, “incentivar riqueza mobiliária” como contrapeso à aristocracia real e vincular a República a “industriais, banqueiros, comerciantes e pessoas ligadas a atividades urbanas”.

Na abordagem da tão controvertida performance de Rui à frente do Ministério, San Tiago Dantas, sem aludir a Hamilton, antecipa-se ao elenco de qualidades que, segundo Baleeiro, caracterizariam um e outro. A ideia de um Estado ativo, embora não autoritário, articulador de novos e entremeados arranjos sociais, políticos e econômicos, organiza a narrativa de Dantas sobre a performance de Rui no episódio que foi legado ao conhecimento comum da história como símbolo de descontrole e falência do Estado: o encilhamento. Dantas empenha-se em identificar nele dimensões de intenção e orquestramento, afinadas ao objetivo de Rui em abrir os caminhos da nova sociedade.

No lugar de um “carnaval financeiro”, conforme expressão de J. P. Normano, 34 34 Citado em Baleeiro (1952, p. 9). Dantas identifica uma ação movida e inspirada por um plano. Não lhe escamoteia “ingenuidade” e insucesso, mas se debruça sobre o fenômeno com nuances que escapam ao olhar apressado e moldado pela apreciação estrita dos efeitos de uma política incompleta, abreviada pelos sucessores antes que chegasse a bom termo. Dantas recusa as acusações de primarismo dirigidas à política de livre curso - isto é, à emissão de papel-moeda - e reconhece nela um recurso instrumental ao projeto político do ministro, que excede sua pasta e incide - ou busca incidir - sobre o desenho da sociedade.

Dantas parte de uma lição fundamental: “quando se introduz na circulação uma quantidade nova de moeda, esta não se distribui imediatamente pelas diferentes classes sociais de um modo proporcional a seus antigos haveres”. Se assim fosse, “o aumento seria inócuo”, apenas reproduziria “os poderes de compra” já estabelecidos. A depender do lugar social onde se concentram os novos insumos e de onde ecoam para o resto da sociedade, resulta um ou outro arranjo dos recursos - e das classes - no país. A direção do novo fluxo de capital repercute substancialmente nas definições de um novo status quo. Uma tal engenharia econômica não seria, contudo, objeto do gênio de Rui. Afinal, “não foi outro o caminho do reequipamento da indústria alemã em 1920-1923”: iniciou-se por um financiamento à indústria e à agricultura e a “classe compelida à privação pela propagação da alta dos preços” foi a dos “rendeiros e salariados”. Suas rendas e salários perderam poder aquisitivo e sofreram um “bloqueio indireto em favor da produção”. Se, numa cena avessa, a “corrente monetária incide primeiro sobre os salários”, a “privação compulsória” recai sobre “as classes produtoras”. 35 35 Dantas, 1949, p. 30. No Brasil, Rui escolheu a primeira orientação e fez “recair primeiro” sobre a indústria, “através dos bancos emissores, a onda vivificadora da emissão”. 36 36 Dantas, 1949, p. 32. A fim de legitimar a iniciativa, insiste no efeito redistributivo da inflação, concebido por Rui, mas abortado por seus sucessores antes que chegasse a bom termo. A respeito deles o político é enfático: “mutilaram e desmantelaram” os “planos” do primeiro ministro republicano das finanças. 37 37 Dantas, 1949, pp. 80–81.

Em afinidade com Dantas, Baleeiro observa o plano de Rui de “fortificar as classes médias” e, com tal, a fixação dos “alicerces do capitalismo brasileiro”, condição da expansão de “empresas e sociedades anônimas”. 38 38 Baleeiro, 1952, p. 131. Nessa perspectiva, o capitalismo nascente entrelaça-se à noção de “progresso democrático”, do qual, afirma Baleeiro, o “capitalismo não passa de intermezzo”.

A crítica do hiperfederalismo também compõe sua expectativa de um Estado organizador de trajetórias. Sua orientação conciliadora e legalista levou-o a endossar, embora insatisfeito, a cena das emissões locais, dispersa entre vários bancos. Rui, segundo Baleeiro, “não morria de amores pela solução adotada à base da pluralidade de aparelhos emissores” 39 39 Baleeiro, 1952, p. 63. ou mesmo nutria um “desejo secreto” de suprimi-los. 40 40 Baleeiro, 1952, p. 92. Nos Estados Unidos, a versão limite dessa configuração plural providenciava a moldura formal e institucional para o caos financeiro. Adepto ao federalismo como antídoto a usurpações centralistas à moda do Império, Rui reage aos excessos encarnados, por exemplo, na figura de Campos Sales, “que hipertrofia até quase os lindes da soberania a autonomia do Estado”. No domínio da política financeira, preocupado em produzir anteparo ao exagerado federalismo, faz-se franco defensor de um único Banco Central e de tudo mais que contribuísse para “preservar a unidade nacional e consolidar a República”. 41 41 Baleeiro, 1952, pp. 93–94. Tivesse o projeto ruiano prosperado, lamenta Baleeiro, o país já contaria com uma tal instituição.

Os usos de Rui em 1946

Ao cotejar horizontes e realidades de princípios e meados da República, Baleeiro identifica um mundo mais próximo - embora ainda substantivamente distante - daquele imaginado por Rui, que lhe serve como horizonte de normas e expectativas. Entre as continuações notáveis entre um e outro tempo, “a terra ainda constitui o privilégio da minoria” e “a aristocracia que dela derivou restaurou o seu poder político”. Por outro lado, “as indústrias multiplicaram-se por todo o país”, e a “democracia brasileira, renascida em 1945, apesar de todos os problemas e deficiências do nosso tempo, cada vez mais se eleva da realidade para o ideal pregado por Rui”. 42 42 Baleeiro, 1952, pp. 130–131. Não há em Baleeiro, contudo, qualquer noção de marcha inexorável ou destino inelutável. O aprofundamento ou a retroação em relação projeto ruiano, à moda de pensamento do próprio Rui, dependeria de uma ação deliberada nesse sentido - e não do livre curso das circunstâncias.

Parece-nos que havia ali a percepção de uma encruzilhada, que poderia resultar num futuro “à moda passada” ou - sem redundância - de um futuro “à moda futura”, liberto das teias do agrarismo mercantilista e afeito ao desenvolvimento de sua paisagem urbana. Embora filhos das novas circunstâncias da política, os partidos nacionais assentavam-se sobre os “leitos clássicos e naturais dos fundadores da República”. Leia-se: Rui Barbosa, metáfora de um futuro-futuro, e Campos Sales, seu antagonista político, do futuro-passado, calcada na imagem decadentista da Primeira República, que fez dissipar o interesse público pelos privados.

Dantas, antes de Baleeiro, também inscreve sua análise nesse ângulo dicotômico que reverbera na sua época contemporânea. É da classe média que surgiam, “hoje”, “os homens de iniciativa que começam a formar, nas maiores cidades, essa primeira camada de grandes burgueses”, animada por um “espírito capitalista” que, entretanto, é “logo seduzido pelo contágio da antiga mentalidade agrária, estática e mercantilista”. Na chave de grandes incompletudes e continuidades em relação aos tempos e ideias de Rui, “a burguesia nascente” à sua época “ainda hoje não completou sua longa, difusa, mas constante ascensão”. 43 43 Dantas, 1949, p. 41. Animado por um “certo sentido profético”, Rui encarnou uma “classe cheia de futuro”. Mais do que Baleeiro, Dantas pareceu afeito a uma expectativa de futuro liberto das amarras passadas. 44 44 Não se trata, contudo, de imaginar uma dinâmica de pura aceleração. Prudência e moderação, como já referido na leitura de Rui por Baleeiro, acompanharam sua ideia de fazer político e jurídico, a exemplo de sua intervenção ralentadora na tramitação do Código Civil proposto por Clóvis Bevilaqua. Rui opôs se francamente ao “realismo imediatista” ou ao “pragmatismo antidemocrático” de Campos Sales, encarnado na apropriação do Código como agenda de governo. Opôs a ele um “desejo enfático das grandes coisas” (Dantas, 1949, p. 55), que supunha um longo tempo de maturação para uma obra que não era circunstancial ou casuística, mas deveria corporificar preceitos civilizacionais, a exemplo do direito alemão, que empenhou 23 anos na redação de seu código (a propósito desse tópico, ver Rui Barbosa e o Código Civil, de San Tiago Dantas).

Os dois ensaios, de Dantas e Baleeiro, não se pode deixar de notar, surgem como publicações da Casa de Rui Barbosa, circunstância por certo influente, mesmo que de modo algum decisiva, para a feição elogiosa a Rui. A comparação expõe aspectos relevantes dos atores e dos distintos projetos políticos da República de 1946. Enquanto Baleeiro adotava, sobretudo após os anos 1950, um tom crítico à experiência política vigente, vista sob o signo da crise, Dantas, sem ignorar os problemas, apostava nas virtudes daquela ordem, portadora de caminhos promissores. As semelhanças entre as duas interpretações de Rui, ambas atentas aos mesmos temas, não impedia apropriações muitas vezes díspares.

Rui surgia, na pena de Baleeiro, como protótipo de estadista liberal, capaz de apontar os rumos para a crítica do cenário político e uma plataforma de transformação social a partir da tradição de um liberalismo que, sem negar a ideia de mercado, concentrava-se sobretudo nos campos da política e do direito. Os dois baianos, separados por algumas décadas, se veriam próximos pelas injustas acusações de alheamento diante da realidade brasileira e também pelo lugar comum de oposição liberal a uma tradição - vitoriosa nas refregas nacionais - adepta a práticas corruptas, entusiasta de um radical centralismo e explicitamente avessa aos pressupostos do liberalismo. No enredo histórico do udenista, Vargas e seus sucessores desempenhavam o papel de discípulos de Campos Sales, enquanto o próprio Baleeiro reencarnava Rui. A reconstrução da imagem ruiana era também fundamental em um partido fortemente apegado às simbologias históricas, como o uso do lenço branco de Teófilo Otoni e a fundação na marcante data de 7 de abril não deixam negar. Um novo olhar para o passado permitia, nesse sentido, vislumbrar distintos caminhos no presente, combatendo a imagem passadista e alienada que tanto assolava a UDN. O Rui estadista soava mais próximo dos novos tempos do que a mensagem de pureza do lenço branco de Otoni.

Dantas, por sua vez, encontrava em Rui a inspiração para uma proposta de renovação do campo da esquerda, capaz de afastá-lo dos radicalismos e de permitir uma proposta de país em diálogo com um liberalismo de corte social, mais próximo da linguagem dos direitos e com menor espaço para o mercado. O político carioca atuava em um cenário de escassez de programas intelectuais explicitamente vinculados ao campo trabalhista, restrito às obras de Alberto Pasqualini e ao saber prático da tradição varguista. Se na década de 1930 os intelectuais estavam no centro do projeto varguista, 45 45 Miceli, 2001. o mesmo não ocorria após a República de 1946, quando despontam grandes formuladores no campo da economia, como Rômulo Almeida, mas faltam no da política. Situado entre a enorme figura de Vargas e a força da tradição comunista, certo setor da esquerda moderada - situado sobretudo no Partido Socialista Brasileiro (PSB), antes Esquerda Democrática, mas espalhado também por algumas legendas - encontrava dificuldade de alcançar protagonismo no cenário político. A morte de Vargas possibilita, assim, a renovação do PTB, 46 46 Delgado, 1989. na qual Dantas é um dos principais atores. Rui surge, nesse sentido, como inspiração para o projeto, anos mais tarde merecedor do nome de “esquerda positiva”. O esforço de retomar não apenas o oposicionista da Campanha Civilista, mas também o homem de Estado, atento às mudanças no mundo da economia e à emergência de sociedade de massas, aponta para a intenção de fundar um projeto político reformista factível. Rui Barbosa ganha feições de patrono de um liberalismo social consequente, adequado às mazelas de 1946.

RUI, O BACHAREL

Outra figura saliente nas representações de Rui é a de bacharel. Nesta seção, ela é recuperada a partir de seu principal locutor: Afonso Arinos de Melo Franco. Empenhado em depurar a persona do bacharel da imagem lugar-comum e degradada do “bacharelismo”, Arinos dedica-se à caracterização do “jurista”, este sim depositário dos vícios formalistas. Em contraponto com ele, o “bacharel” articula uma forte e desejável politização do direito. Trata-se de uma qualidade encarnada exemplarmente por Rui e por ele mesmo em reação aos ataques oposicionistas.

Antes de observar mais detidamente a leitura de Rui por Arinos, é relevante notar a menção então corrente e pejorativa ao “bacharel”, personagem de gosto por formas vazias, alheio à realidade e incapaz de proposições pertinentes à vida pública. Rui Barbosa não raro foi lido como encarnação exemplar desse perfil. Dono de um saber enciclopédico, mas pouco afeito à dimensão da prática política, 47 47 Essa imagem de Rui, já construí­da por seus oponentes na Primeira República, perdurou em influentes obras do pensamento político brasileiro, como no famoso texto de Wanderley Guilherme dos Santos, “A práxis liberal no Brasil”, em que o autor, embalado pelas críticas de Oliveira Viana ao “idealismo constitucional”, retrata Rui como representante de um “liberalismo doutrinário”, antes afeito à coerência das ideias do que às suas consequências. inspirou a ironia de Otávio Mangabeira, relatada nas memórias de Arinos: “Estamos perdidos! Político com livro em casa nunca deu certo! Quem tinha mais livros era o pior político: chamava-se Rui Barbosa”. 48 48 A. Franco, 1965, p. 42.

Conhecida como o “partido dos bacharéis”, a UDN tinha no termo tanto um critério de clivagem interna quanto um instrumento de ataque externo. Grandes nomes udenistas, como Afonso Arinos de Melo Franco, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Prado Kelly, entre outros, eram pejorativamente atacados por seus oponentes em querelas intrapartidárias, a exemplo das acusações de Carlos Lacerda sobre seus vícios bacharelescos. Lacerda, aliás, construía uma imagem pública em chave diametralmente oposta à dos bacharéis, desprovidos justamente do que o distinguiria: o senso prático, a valorização do conteúdo em detrimento da forma, a adesão aos combates fundamentais sem meias medidas, a capacidade de realização. 49 49 Como veremos a seguir, Lacerda não passa pela imagem do bacharel em sua recuperação de Rui Barbosa.

A sofisticada distinção entre bacharéis e juristas, elaborada nas memórias de Arinos, busca, de certo modo, responder a essa narrativa degradante, repaginando a imagem dos bacharéis dos quais ele próprio era um dos mais destacados intelectuais e líderes - como comprova sua longa permanência à frente das lideranças do partido e da oposição, entre 1951 e 1958, quando foi eleito para o Senado pelo então estado da Guanabara. Para Arinos, embora “filhos dos mesmos pais”, isto é, “o Império acadêmico e discursivo […] e a tradição luso-coimbrã”, o “juridicismo evoluiu para uma espécie de abstração científica”, inadaptada “à política partidária militante”, ao passo que o “bacharelismo”, de outra “linhagem”, “é a técnica jurídica aplicada especialmente à realidade política. Não é teórico, sobretudo não é abstrato ou filosófico”. 50 50 A. Franco, 1965, pp. 48–49.

Bacharéis, não juristas, seriam, de acordo com essa tipologia, Rui Barbosa, uma espécie de encarnação exemplar, além de figuras como o próprio Arinos, Milton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, e, mais uma vez, Prado Kelly, Bilac Pinto e Baleeiro, entre outros. Em suma: a ala dos bacharéis da UDN. Mais do que homens das leis, os bacharéis se integrariam à conhecida estirpe de homens da política e do Estado 51 51 “[…] nunca fui outra coisa, senão um homem ligado ao Estado” (citado em Camargo; Teixeira; Mariani, 1983, p. 70). responsáveis por aproximar os abstratos e muitas vezes intrincados textos legais das demandas e contradições sociais. Entes ligados ao mundo estatal, sem dúvida, mas distantes do ideal de uma burocracia moderna, que separa o campo da administração daquele da política e demanda neutralidade dos funcionários públicos. A política é antes arte que ciência, que tem no direito sua linguagem privilegiada e no senso de realidade seu norte. Mais do que transformar o mundo, cabe à política permitir que os homens melhor se adaptem a ele. O bacharel se distingue como hábil estadista 52 52 Werneck Vianna (1986) identifica os precedentes dessa postura na história política brasileira, recorrendo, todavia, ao termo jurista político para referir se aos que estamos tratando como bacharéis. por sua capacidade de se adaptar ao ritmo da sociedade e prever, antes dos demais, as transformações que se delineiam no horizonte.

Os juristas, por sua vez, privilegiariam a formulação intelectual ante as imposições da política, amantes da sequência necessária das fórmulas teóricas, que não perecem em meio à contingência do mundo. A “paixão política”, como resposta dos atores às intempéries do mundo, não é incompatível com a persona, mas atua ao lado da “inadaptação à política partidária militante”. O jurista é antes de tudo um homem da ciência, a ciência do direito, compreendida em chave filosófica como domínio de pressupostos lógicos, e não sociológicos ou históricos. Tal relativo distanciamento do mundo tornaria o jurista mais desejoso de transformá-lo. A precedência das ideias ante a realidade o impelem, muitas vezes, a uma ação menos conformista perante as imposições da ordem social, não desejoso de responder a elas, mas ansioso por modificá-las. 53 53 O vínculo entre o racionalismo jurídico e propensão às transformações sociais é destacado por Weber (2000, p. 75).

Retratado como “o maior dos bacharéis brasileiros”, Rui Barbosa teria sempre adaptado as técnicas e ideias à realidade nacional, distante da pecha que lhe fora atribuída por adversários intelectuais e políticos. Nesse ponto, observamos uma convergência importante com a caracterização do Rui estadista, orientado por um realismo não essencialista. O baiano sempre estivera distante das elucubrações abstratas dos juristas, incapaz de dar às paixões políticas forma efetiva, afirmando-se, acima de tudo, como um homem de vocação política. Bacharel por excelência, Rui seria o protótipo do homem de Estado, talhado e vocacionado para a liderança política por sua capacidade de conservar transformando, sem se desvirtuar dos rumos do interesse comum. A cena política de 1946, avalia Arinos, não seria favorável a perfis desse tipo, lançando-os a lugares cada vez mais distantes das posições de mando. No seu lugar, abundam caudilhos, preocupados apenas com o próprio interesse e incapazes de vislumbrar os melhores caminhos para a coletividade. 54 54 A dicotomia entre estadistas e caudilhos está explicitamente desenvolvida em A. Franco (2005). O tema é bem analisado em Lattman Weltman (2005).

Assim como os bacharéis, estadistas também comungariam de seu realismo. Não é necessário, entretanto, ou mesmo corriqueiro, que os estadistas sejam bacharéis, dados os muitos perfis e formações possíveis para a definição de um grande líder. O encantamento dos bacharéis udenistas com a liderança de figuras fortes, inspiradoras para a construção do tipo ideal do estadista, mas dissonantes de vários atributos do bacharelismo, é um bom exemplo desse fato. Vale mencionar, nesse sentido, a veneração ante o símbolo maior do partido, o brigadeiro Eduardo Gomes, e os constantes elogios a figuras como Juarez Távora, também candidato udenista em um pleito presidencial, ambos homens em muitos sentidos distantes da visão de mundo dos bacharéis.

O realismo dos bacharéis teria, na perspectiva de Arinos, certo conservadorismo como consequência. Marcados pelo elogio à experiência acumulada e por um “espírito dedutivo”, os bacharéis são levados, “por hábito e por gosto, à defesa das fórmulas consagradas, à imutabilidade das estruturas, à solidariedade com os sistemas criados”. 55 55 A. Franco, 1965, p. 49. Os compromissos com a ética da responsabilidade moderam os devaneios da convicção, mais próprios aos impulsos inovadores dos juristas. O estadista, nesse sentido, se colocaria um passo à frente por conseguir conciliar o profundo senso de realidade dos bacharéis com uma capacidade de absorver as transformações necessárias, filtrando o novo por meio das redes da tradição.

Rui, nesse sentido, aparece no imaginário de Arinos como modelo de homem público e líder político, sempre a interpretar as ideias a partir das imposições da prática. Para o mineiro, é necessário reconhecer o lado conservador do baiano, pois “[…] quando Rui fala de revolução social, é sempre como o piloto que avisa os riscos, nunca como o grumete da cesta da gávea, que anuncia prazenteiro a Terra Nova”. 56 56 A. Franco, 1965, p. 48. O conservadorismo típico do bacharel não produz, todavia, a estagnação no passado, distinguindo-se do reacionarismo. Rui sempre esteve atento às mudanças e se mostrou hábil em incorporá-las a seu linguajar político, como bem exemplificaria, entre outros, seu clássico texto sobre A questão social e política. Ele, desse modo, preenche o requisito fundamental para o estadista: a conciliação dos blocos do movimento, ávidos por mudanças, e da ordem, apegados à permanência. 57 57 A. Franco, 1961, pp. 137–138. A distância do poder de Rui, assim como a dos bacharéis udenistas, antes revela as vicissitudes do cenário político brasileiro, da Primeira República e da República de 1946, do que desabona as trajetórias e virtudes dos personagens. O raciocínio aponta para a superioridade desses personagens ante o enredo - a cena política brasileira - em que atuavam.

Arinos, em tom consoante com sua caracterização do bacharelismo, também critica Rui, identificando-o como sintoma da ausência de grandes pensadores na Primeira República. Em curso oferecido na PUC do Rio Grande do Sul, publicado em O som do outro sino, já na década de 1970, o mineiro retrata o baiano como alguém mais propício a destacar-se em meio a um cenário já estabelecido do que a propor caminhos distintos, já que “não era propriamente um jurista, mas um grande legista”, um “homem do raciocínio”, não do pensamento: “O raciocínio é o encadeamento de uma máquina cerebral muito poderosa, provocada por um agente externo, mas o pensamento é uma outra coisa, é uma luz criadora, é uma força criadora de imagens e conceitos e isso a gente não encontra em Ruy, como encontra, por exemplo, em Nabuco”. 58 58 A. Franco, 1978, pp. 176–177. Justamente por isso o baiano - dessa vez relembrado em discurso parlamentar de 1966 - surgia como alguém capaz de antecipar “inspirações, as tendências, as preocupações que vieram, mais tarde, a se corporificar na obra de 1946, mas não estão as soluções”, 59 59 A. Franco, 1978, pp. 53–54. estas dependentes de uma imaginação mais aguçada.

Arinos não dedicou a Rui uma obra - como nos casos já observados de Dantas e Baleeiro, e João Mangabeira, ainda por vir -, mas recorreu frequentemente ao vulto do baiano ao longo da sua vasta produção, de forma a tornar claramente perceptível uma determinada imagem sobre ele. A reconstrução da figura de Rui Barbosa segue em Arinos toada semelhante à de Baleeiro, mesmo que sem os mesmos intensos elogios do udenista baiano. Visto como importante homem público e expoente de um liberalismo conservador, o baiano ganha em realismo e perde a aura quixotesca, de batalhador incansável contra os vícios políticos brasileiros. O mineiro não atribui, todavia, a Rui o mesmo lugar de Joaquim Nabuco, o grande modelo de teórico e intelectual a inspirar Arinos. Rui, como visto acima, não comungaria da imaginação do pernambucano, este sim um homem que conseguia conjugar ação, presente na obra de Rui, a expressões mais sofisticadas de pensamento. As críticas ao intelectual não atingem, entretanto, o político, ressaltada sua dimensão realista em detrimento do seu papel de pensador. Não resta dúvida, por outro lado, do objetivo maior de recuperar um patrono liberal e o próprio liberalismo das duras acusações a eles destinadas, reconstruindo a galeria de estadistas brasileiros. O perfil do oposicionista irredutível não se vê abandonado, mas se faz presente em outro retrato de Rui, delineado, sobretudo, por Carlos Lacerda.

RUI, O TRIBUNO DA OPOSIÇÃO

O perfil de Carlos Lacerda se confunde com o tipo ideal mais corriqueiro do oposicionista, atuante dentro e fora das instituições. Em meio a uma visão fortemente crítica de seus correligionários e antecessores, a figura de Rui Barbosa se destaca como forte inspiração. Nesta seção, o político baiano é recuperado por Lacerda como um nobre precursor da sua sanha oposicionista, que era também de grande parte da UDN de forma mais geral. Distintamente da imagem do estadista, que reuniu atores em lugares opostos da disputa política, a do tribuno era própria de um lugar bem delimitado e evidente da conjuntura política, o de opositores do varguismo. Nessa caracterização, ressalta-se o viés moral da ação pública de Rui, um político que recusava adesões interessadas às oligarquias decadentes e preferia as agruras do oposicionismo às baixezas do poder. Mais uma vez, o locutor da imagem funde sua própria persona naquela do personagem exaltado. Lacerda não via no passado uma fonte de inspiração para o futuro do país, mas antes um depositário de equívocos e descaminhos. Em seu discurso mais famoso pela defesa da concessão de poderes ilimitados ao poder executivo no governo Café Filho, o jornalista traça um breve painel da história política brasileira. O parlamentarismo imperial, tão elogiado por Arinos como celeiro de grandes homens, que souberam conduzir brilhantemente o país, 60 60 Para o elogio do Império ver A. Franco (1978) e “Joaquim Nabuco: advogado do Brasil”, em A. Franco (1961). surge na voz de Lacerda como “paternal”, “desvirtuado” e construtor de uma “nação fictícia”. 61 61 Lacerda, 1982, p. 119. Naquele ambiente, o liberalismo, por sua vez, não passava de simples artifício ou adorno retórico para ocultar o predomínio do poder moderador, o latifúndio e a escravidão. A situação não muda muito com a República, nascida sob a inspiração da ditadura positivista e consolidada em um regime oligárquico com evidentes limites, claramente expostos na década de 1920. O paradigmático ano de 1922, por sua vez, aparece como início de um processo de “inquietação”, a demandar a renovação das estruturas político-jurídicas então vigentes no país. A narrativa deixa claro que não é possível opor o presente de crise a um passado idílico, pois a herança legada por essa história não é das mais alvissareiras.

Nesse cenário de terra arrasada, Rui Barbosa surge como evidente exceção. Ele se distinguiria em meio aos escombros, sobretudo por sua retidão oposicionista e pela trajetória de oposição a uma ordem corrupta. Em relato memorialístico, Lacerda afirma: “Rui foi o único professor de democracia que realmente tivemos no Brasil”. 62 62 Lacerda, 1987, p. 223. Também em outros momentos o udenista não poupa elogios a Rui, frequentemente recuperado como argumento de autoridade e exemplo a ser seguido. Quando denunciado no Congresso pela divulgação de um telegrama confidencial, que seus adversários desejavam punir com a cassação do mandato, Lacerda utiliza como um dos pilares da sua defesa o registro de conduta semelhante pelo bacharel baiano, em conferência na tribuna do Senado de 1919. Assim como Rui - então decidido a combater a política externa germanófila de Lauro Müller -, Lacerda divulgava informações confidenciais em prol de um interesse público maior, qual seja, a luta contra os desvios comunistas do governo brasileiro. Na sua argumentação, se um homem do porte de Rui recorreu a semelhante artifício, não é possível condenar a prática de antemão. 63 63 Para a argumentação, ver Lacerda (1957; 1987, pp. 182–183).

Os elogios a Rui, é necessário ressaltar, por vezes se confundem com a imagem do pai, outrora destacado ruiano. Intrépido oposicionista, Maurício de Lacerda também condensava os valores oposicionistas presentes no político baiano e, posteriormente, abraçados por seu filho. O misto de ressentimento e admiração presente na caracterização do pai em seus vários relatos memorialísticos 64 64 Como Lacerda (1966; 1987; 2001). não impediu a forte inspiração no seu estilo político. Se a trajetória predominantemente de esquerda do pai afastava os dois no campo das ideias, permanecia uma intensa proximidade de estilo retórico, semelhante em sua virulência, e imagem pública.

As derrotas, para tais personagens, eram vistas como provas de virtude e da intransigência com ordens ilegítimas e corruptas. A orientação conciliadora ou adesista contrariava, ademais, a própria perspectiva lacerdista da política, que a concebe a partir de um registro adversarial. O oposicionismo intransigente seria fundamental para o interesse público, o qual acaba, por sua vez, solapado pelo reiterado recurso às conciliações: “Oposição organizada, combativa e vigilante, nunca fez mal a ninguém. Adesão, sim”. 65 65 Lacerda, 2000, p. 57. Tão perverso, entretanto, quanto aquele que militava com as hostes adversárias era o político que temia tomar um lado, já que “os indiferentes não se distinguem dos trânsfugas”. 66 66 Lacerda, 2000, p. 57. A crença motiva as frequentes críticas de Lacerda à postura fisiológica dos “chapas-brancas” e também à moderação dos bacharéis, excessivamente tímidos em assumir seu lado nos embates públicos.

Rui era emulado como símbolo da valorização de ideias e convicções ante as conveniências. A recusa aos acordos por postos de poder, sempre preteridos em face da boa luta, compõe para Lacerda um tipo ideal de oposicionista. A escolha não se confunde com a aversão à mudança, como alegam frequentemente seus adversários - “Essa encrespação de mudança já foi feita a Rui Barbosa, a homens muito maiores do que eu” - 67 67 Lacerda, 1982, p. 119. pois tanto o baiano quanto o carioca conjugavam adequadamente a medida da flexibilidade que impede o alheamento frente ao tempo, mas não macula os ideais cultivados. É flagrante, nesse ponto, a aproximação com a representação do Rui estadista de Baleeiro, animada por um realismo que o situa em um lugar virtuoso e intermediário entre o rígido enunciado de princípios, de um lado, e a oscilação oportunista, de outro. Lacerda endossa a imagem de um político maleável na boa medida: “o dever do homem público é mudar conforme mudam as posições objetivas, conforme se processa a evolução dos acontecimentos em face do interesse de sua pátria”. A mudança é não apenas tolerada, mas necessária, desde que ocorra “em relação a problemas diferentes” e seja acompanhada de “uma constante de fidelidade a certos princípios fundamentais”. Nesse aspecto, arremata: “E nisto eu não mudo, não mudei, nem mudarei”. 68 68 Lacerda, 1982, p. 119.

Coerente com a imagem de um estadista habilidoso, capaz de conjugar realismo e idealismo, Lacerda retoma em suas memórias, datadas de 1977, uma argumentação aproximada à de Baleeiro na defesa da gestão de Rui à frente do Ministério da Fazenda. Muito provavelmente conhecedor da obra do colega udenista, Lacerda deve ter nela uma inspiração. O raciocínio, entretanto, ganha tintas mais explicitamente econômicas. Lacerda argumenta, sobretudo, a necessidade de uma política de emissão de papel-moeda frente à escassez de moeda à época, o que justificaria, não apenas do ponto de vista da sabedoria política, mas também da técnica econômica, a opção do então ministro. O erro não estaria na iniciativa de Rui, mas na sua utilização posterior, para além do período inicial, a qual seria propositadamente mal interpretada por seus adversários.

Para construir a imagem do tribuno oposicionista, Lacerda parte de uma mais explícita defesa do carisma, muitas vezes visto em chave negativa por seus correligionários bacharéis. Se Arinos via com saudosismo a centralidade do parlamento e das instituições da segunda metade do século XIX - mesmo que reconhecesse, por outro lado, as imposições dos novos tempos -, Lacerda aderia sem meias medidas ao papel do carisma nas sociedades de massa. Crítico do personalismo dos adversários, como Vargas e Goulart, Lacerda não recusava o carisma das grandes lideranças, mas o percebia como parte integrante do mundo político, como expõe anos depois em seu Depoimento: “A ideia que se criou, devido ao nazismo e ao fascismo, de que carisma seja sinônimo de um fenômeno de mística autoritária, é absolutamente falsa. Não conheço nenhuma liderança democrática que não tenha carisma, que não tenha […] um efeito carismático”. 69 69 Lacerda, 1987, p. 223. O aparente paradoxo presente no elogio do carisma e na crítica ao personalismo se resolve com um mais detido olhar para a definição desses conceitos no pensamento do jornalista, em que o personalismo se distinguia como expressão de lideranças políticas deletérias, enquanto o carisma se referia à natureza das verdadeiras lideranças, não àquelas que, há décadas, dominavam a política brasileira. O lacerdismo, sob esse aspecto, não seria um fenômeno negativo, mas, em chave distinta, uma forma de inspirar um povo em difíceis condições - “um estado de espírito, digamos, reformador e honesto”. 70 70 Lacerda, 1987, p. 223. Lacerda, por certo, não media esforços para rotinizar esse carisma por meio de instituições como o Clube da Lanterna, 71 71 “Organização civil fundada em 28 de agosto de 1953, no Rio de Janeiro (então Distrito Federal) pelo jornalista Carlos Lacerda para combater o governo do presidente Getúlio Vargas. Congregava diversos parlamentares, principalmente da União Democrática Nacional (UDN), maior partido da oposição. Seu órgão oficial era a revista O Maquis; o diário Tribuna da Imprensa, de propriedade de Lacerda, também dava cobertura às suas atividades. Foi fechado em 24 de novembro de 1956 por decreto do presidente Juscelino Kubitschek. Carlos Lacerda era o presidente de honra da organização, o jornalista Fidélis Amaral Neto, seu presidente efetivo, e Alcides Carneiro, seu orador oficial” (Lamarão, 2009). que ele posteriormente renegaria, a grande imprensa e os partidos políticos. A produção de regularidades para essa ação carismática não exclui, entretanto, seu caráter disruptivo, como, aliás, já era previsto por Weber. 72 72 Weber, 2000. O novo precisava ser, no mais das vezes, retirado a fórceps, já que não nascia naturalmente da evolução das circunstâncias. Para Lacerda, o fetiche da legalidade, inerente aos bacharéis, os levaria às meias medidas e formalismos que impediam não apenas uma adequada compreensão da realidade, a qual ultrapassava as previsões do direito, como trabalhavam contra o sucesso de uma verdadeira transformação na realidade brasileira.

A defesa do carisma, etapa para a posterior crítica dos excessos legalistas, encontra em Rui Barbosa um exemplo. Segundo os termos do próprio Lacerda, o lacerdismo seria um movimento marcado por uma experiência de carisma semelhante à “da campanha civilista de Rui Barbosa”. 73 73 Lacerda, 1987, p. 223. A mobilização de um personagem usualmente identificado com o preciosismo dos textos legais e o excessivo juridicismo para justificar a relevância do carisma e os limites do olhar exclusivamente institucional mostra a peculiaridade da imagem de Rui Barbosa desenhada por Lacerda. O baiano, central para a construção do imaginário lacerdista, surge em vestes pouco usuais, por vezes mais identificados com seus adversários, ao longo das esparsas menções a ele em discursos e memórias. É o líder de massas, capaz de construir uma campanha nacional em época na qual a política em parte se construía contra os tumultos populares - como bem aponta a famosa formulação de Campos Sales 74 74 “É de lá [dos estados] que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da capital da União. A política dos estados […] é a política nacional” (Campos Sales, 1908). -, o que interessa acima de tudo a Lacerda, ansioso por formar e protagonizar, em momento por muitas razões distinto, movimento popular semelhante.

RUI, O APÓSTOLO

João Mangabeira não escreve sobre Rui como um analista distante, a inventariar fatos mediados por fontes históricas. Ruy, o estadista da República é também o testemunho de um admirador muito próximo ao líder político desde os idos da Campanha Civilista até seu falecimento. O tom laudatório do livro, próximo a uma hagiografia, se explica pela proximidade pessoal e política entre os dois personagens e também pela circunstância de sua produção, um ciclo de conferências proferidas na Casa de Rui Barbosa, em 1943, em razão das duas décadas do falecimento do seu antigo proprietário. Na fala de Mangabeira, Rui, à moda dos demais intérpretes mobilizados até aqui, surge como o ator político capaz de ultrapassar os personalismos e interesses momentâneos em prol dos ideais políticos. Na importante nuance de Mangabeira, eles são alcançados tanto pela palavra quanto, sobretudo, pelo exemplo. Nesta seção, Rui é retratado como protagonista de derrotas virtuosas. Na representação do apóstolo, mais relevante é vencer por princípios perenes e fazer prevalecer os valores superiores sobre as inimizades comezinhas.

O Rui retratado por Mangabeira acolhe algumas feições anteriormente desenvolvidas neste artigo. Emergem da obra as figuras do estadista, do bom bacharel e do tribuno da oposição. A combinação das representações aponta, todavia, para um novo perfil do bacharel baiano, descrito como um verdadeiro apóstolo, a condensar o compromisso inegociável com ideais superiores e a capacidade de dar-lhes feição palpável, mesmo ante as constantes derrotas de superfície.

Rui não mudara, não cedera, não transigira. O próprio de um apóstolo ou de um estadista é não ceder do seu dogma, não transigir com o seu princípio, não abandonar o seu programa. É cair, como Rui tantas vezes caiu, enrolado na bandeira, preferindo ser vencido a desertar ou trair. Mas, por outro lado, não tem, não pode ter prevenções ou preconceitos pessoais. O personalismo é incompatível com as grandes e altas funções daqueles guerreiros. 75 75 Mangabeira, 1999, p. 244, grifo nosso.

Na biografia de Rui, a busca por objetivos maiores era responsável pelas seguidas recusas a cargos e honrarias, assim como pelo constante protagonismo em derrotas gloriosas, muito mais nobres que as eventuais vitórias dos seus oponentes. Rui, por meio do olhar de Mangabeira, não temia enfrentar eleições com resultado já determinado, mas exigia estar no lado mais distante, e por isso derrotado, das prebendas e preferências do poder. Segundo o apóstolo, “a desgraça da política brasileira era a covardia dos políticos ante a adversidade”, cabendo, portanto, o fardo de superá-la pelo exemplo e pelas ideias: “nosso dever era lutar até o fim”. 76 76 Mangabeira, 1999, p. 158. Tal postura foi responsável por notáveis páginas da história republicana brasileira, como, mais uma vez, a Campanha Civilista, ápice da consagração das feições do apostolado: “A campanha civilista, ainda nessa fase, revestia-se do caráter de um apostolado, em que um homem sacrifica seus trabalhos e seus interesses na defesa de princípios que hão de frutificar no futuro”. 77 77 Mangabeira, 1999, p. 159.

A batalha do apóstolo rejeita o personalismo, típico dos políticos ávidos por vantagens individuais, e busca apenas princípios cuja realização ultrapassa o próprio personagem. Nas palavras de Mangabeira: “É sempre essa linguagem dos apóstolos, que os homens dominados pelos interesses materiais da vida não entendem, nem poderão jamais entender”. 78 78 Mangabeira, 1999, p. 159. Não sem razão muitos desses ideais encontrarão efetividade apenas no tempo futuro. A derrota na eleição contra Hermes da Fonseca esconde, desse modo, uma vitória mais profunda, perceptível apenas aos atentos a movimentos de maior monta. No longo prazo, o vitorioso é o derrotado, motivo pelo qual Rui sempre recusou o confortável posto de candidato situacionista, indigno numa cena em que as práticas políticas de oligarquias e sobretudo do presidente solapavam os valores republicanos.

Os princípios motores da ação ruiana apontavam para um grande objetivo: a efetiva construção da República em terras brasileiras. Em todos os seus movimentos o bacharel baiano se motivava por essa causa, razão capaz de dar sentido a condutas aparentemente desconexas, na qual teve indubitável sucesso: “Rui foi de fato o construtor da República, de que Benjamin e Deodoro haviam sido os Fundadores”. 79 79 Mangabeira, 1999, p. 58. As derrotas no tempo curto, por vezes ofuscavam uma inegável vitória em perspectiva mais ampla. Conforme Mangabeira, em frase pontuada repetidamente, o político baiano “ensinava mais com o exemplo do que com a doutrina”. No exercício da “grande função do apóstolo ou do estadista”, ele era capaz de “transigir com os homens, não transigir com os princípios”. 80 80 Mangabeira, 1999, p. 245. Sua qualidade maior seria a capacidade de superar personalismos em prol dos princípios, mas sem perder o compromisso com a ação.

O principal argumento do livro de Mangabeira é a profunda coerência das ações de Rui, assim como seu enorme impacto na cena política da época. Mais do que a evidente relevância do baiano, a conclusão do seu trabalho desagua na certeza de um personagem incomparável no cenário histórico brasileiro. Se Joaquim Nabuco apresentava seu pai, Nabuco de Araújo, como Um estadista do Império, o presente autor ia além e elegia Rui “o estadista da República”, com o pronome definido “o”, no lugar do indefinido “um”, conferindo a marca de distinção: não havia outro personagem como ele na República brasileira. Segundo Mangabeira, “a história da República, ao longo desse tempo, é a sua própria história: as lutas travam-se contra ele ou derredor dele”. 81 81 Mangabeira, 1999, pp. 33–34.

O período à frente do Ministério da Fazenda surge, em linha com obras anteriormente referidas neste artigo, como prova da capacidade não apenas intelectual ou moral, mas também executiva de Rui. As escolhas tecidas ao longo dos quatorze meses teriam sido fundamentais para o sucesso da jovem República, garantindo-lhe o viço necessário para superar as intempéries futuras. Frente ao posto, o “essencial era consolidar a obra da revolução, assegurar-lhe a existência pelos meios materiais a isso indispensáveis, mas decorrentes de uma gestão financeira que tanto permitisse”. 82 82 Mangabeira, 1999, p. 50.

Em mais uma convergência com outras figuras de Rui, sobretudo com a de estadista, o protagonismo do personagem também se explica, aos olhos de Mangabeira, por sua sensibilidade aos novos tempos e às circunstâncias específicas do país. Notório defensor dos direitos civis e ideais republicanos, Rui também não descuidava das imposições democráticas da questão social, marca de um novo tempo:

Assim, na questão social, ninguém, no Brasil, viu tão cedo, tão largo e tão longe, quanto Rui, em sua época […]. Em 1919, não chegou ao marxismo. Mas se declarou expressamente pela democracia social. […] Hoje, qualificar-se, no Brasil, de social-democrata, ainda mesmo não o sendo, é trivial. Naquele tempo era singular. 83 83 Mangabeira, 1999, p. 320.

O movimento - explícito em seu grande discurso sobre “A questão social e política no Brasil” e em sua mensagem “Às classes conservadoras” - não representaria inflexão radical, mas postura coerente com “o homem que pregou a Abolição”, “o estadista de verdade” e o apóstolo “das grandes causas humanas”. Se a ênfase sem dúvida se relaciona à sensibilidade perante as evidentes mudanças sociais de um país em franco processo de urbanização, ela não destoaria da trajetória mais ampla de Rui, antes coroando-a, segundo Mangabeira, com inegável coerência.

Os argumentos e a figura de Mangabeira sugerem elementos para melhor compreender uma ainda pouco estudada tradição socialista brasileira, posteriormente representada pela Esquerda Democrática e pelo PSB. Capitaneado por atores como o próprio Mangabeira, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Domingos Velasco, 84 84 Juristas de grande relevância, tendo Velasco também um passado militar, os três políticos foram centrais na construção de uma tradição socialista brasileira, refratária tanto ao comunismo quanto ao varguismo. Todos ocuparam altos postos no Executivo, Legislativo e Judiciário brasileiro. o grupo seria marcado pelo contraste entre sua pouca representatividade em termos de mandatos eletivos e a grande relevância de alguns de seus membros - como os acima citados - em importantes postos da República de 1946, como relevantes ministérios, assentos no Supremo Tribunal Federal e mesmo o cargo de primeiro-ministro.

As representações sobre Rui, como a de Mangabeira, esclarecem decisões do grupo, como sua temporária entrada na UDN e o apoio à candidatura de Eduardo Gomes. Tendo por membros importantes juristas de viés progressista, creio que é possível ver em Rui, sobretudo o autor dos textos em torno da questão social, uma inspiração comum no imaginário coletivo de tal grupo. Nesse sentido, encontra eco a afirmação de Mangabeira: “É que dos estadistas da República somente ele continua historicamente vivo. Somente ele imortal, porque atua por meio das gerações que se sucedem”. 85 85 Mangabeira, 1999, p. 14. Não se trata de mais uma floração da linhagem que Antonio Candido 86 86 Candido, 2011. e Gildo Marçal Brandão 87 87 Brandão, 2007. intitulavam “radical de classe média”, mas de uma tradição diversa, que vê no direito com preocupações sociais um caminho para equacionar as relações entre capital e trabalho e promover um rumo nacional capaz de conjugar desenvolvimento econômico e redução de desigualdades, à moda da tradição social-democrata posteriormente estabelecida.

Rui poderia surgir, ademais, como um ponto de diálogo entre os bacharéis udenistas com maior preocupação social e os socialistas, de modo a elucidar, por exemplo, certa coerência na trajetória de Hermes Lima, que de defensor da UDN passa a membro do PTB quatro anos depois, em seguida à fundação do PSB em 1947. As mutações de uma ordem partidária ainda infante - que só então via surgir os partidos nacionais - por vezes obrigava personagens a trocarem de partido para ver garantidas certas ideias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Recuperar as muitas representações de Rui Barbosa é, sem dúvida, tarefa relevante para o pensamento político-social brasileiro. Autor de grande projeção à sua época e em períodos posteriores, o baiano influenciou um grande número de intérpretes do país, seja por inspiração ou rejeição de sua figura, e se tornou um personagem incontornável nos esforços de se delinear tradições ou linhagens dos modos de olhar e agir politicamente no Brasil. O presente artigo buscou contribuir recuperando importantes interpretações da sua figura à época de 1946, muitas vezes pouco valorizadas nos estudos das recepções do pensamento ruiano.

As imagens de Rui Barbosa reconstruídas no presente trabalho também lançam luz, todavia, sobre outro campo. As visões do Rui bacharel, tribuno da oposição, estadista e apóstolo revelam aspectos relevantes do cenário político da República de 1946, apontando o lugar relevante das batalhas por memória e história nos embates públicos. Nesse sentido, as representações construídas por Baleeiro, Dantas, Lacerda, Arinos e Mangabeira revelam tanto seu lugar na arena pública de então quanto os projetos de país acalentados por esses políticos. Nossa atenção se concentrou sobre os enquadramentos das leituras sobre Rui e sobre o modo como eles informaram e foram informados por questões contemporâneas aos atores de 1946. Não interessa, desse modo, a vinculação entre as interpretações do personagem e qualquer tipo de “verdade” histórica sobre ele, embora elas possam ser reveladoras de algumas de suas feições.

A reivindicação do baiano por figuras distantes no embate político de então expõe, por certo, algo sobre Rui. Destaca-se, neste sentido, tanto a plasticidade do seu pensamento quanto sua ampla influência no mundo político. Diferente de um autor como Oliveira Viana, em torno de quem se organizaram taxonomias do pensamento social e político brasileiro, com muita presença no universo acadêmico, Rui alcançou capilaridade no cenário da política institucional. Impressionam a força e a longevidade da sua imagem, não apenas ao longo da República de 1946, mas mesmo no contexto do pós-1988.

O retorno a Rui também sugere um olhar mais rico e menos esquemático para as clivagens políticas das décadas de 1940, 1950 e 1960, tanto a revelar a apropriação de discursos semelhantes por atores políticos de corte diverso como apontando matizes em identidades políticas por vezes representadas de forma excessivamente simplificada. O olhar para as leituras de Rui revela algo sobre afinidades pouco valorizadas entre a tradição socialista - da Esquerda Democrática e do PSB - e certo setor do udenismo, aproximação que, por sua vez, expõe aspectos relevantes da própria UDN, assim como das suas transformações ao longo do período. Se o estudo do partido e do cenário político da época tende a uma simplificação excessiva com a oposição entre liberais udenistas e populistas getulistas, ainda forte nos olhares para o cenário, as apropriações de Rui lançam luz para alguns temas presentes na organização da UDN, sobretudo nos primeiros anos após a sua criação, em 1945, mas progressivamente ofuscados pelo fortalecimento do lacerdismo. A famosa declaração do logo derrotado Virgílio de Melo Franco - que defendia uma UDN como um “partido de centro inclinado para a esquerda” 88 88 V. Franco, 1946. - expõe caminhos que seriam posteriormente defendidos pelo PSB, então integrado à UDN como Esquerda Democrática, e por certa parcela do PTB, na qual tomaria parte, posteriormente, Dantas. As apropriações de Rui também demonstram como leituras próximas do autor, caso sobretudo de Baleeiro e Dantas, podem apontar para caminhos políticos diversos, integrando com sentido variado plataformas distintas, como o udenismo e o trabalhismo, que conferiam, por exemplo, lugares díspares para as classes médias. Assim, as apropriações também permitem melhor compreender aspectos da tradição petebista, como sua guinada reformista, 89 89 A tensão entre “getulismo” e “reformismo” é chave de leitura de Lucília Neves Delgado (1989) em seu livro sobre o PTB. sugerindo nuances para melhor compreender os desdobramentos e conflitos do partido após a morte de Vargas. Muitas vezes lido em excessiva continuidade com a experiência autoritária varguista anterior, o petebismo comportava linguagens diversas, com referências a repertórios diversos das correntes antiliberais presentes na década de 1930. Se o segundo governo Vargas precisa ser cuidadosamente separado do momento pregresso, o petebismo deve inspirar ainda mais cuidado, com atenção para seu lugar no cenário político de então e para suas transformações ao longo da República de 1946, quando, sobretudo após a cassação do PCB, o partido passou a comportar variadas esquerdas, entre as quais merece destaque a liderada por Dantas.

Por fim, os temas comuns a Arinos, Baleeiro e Dantas, distantes nos embates políticos de então, apontam para sua filiação a debates centrais do contexto intelectual da época, como aquele travado em torno da obsessão pela ideia de desenvolvimento. Nesse sentido, as construções em torno do personagem Rui Barbosa revelam certo espírito da época, que, com algumas exceções, 90 90 Casos de Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões. caminhava para o reconhecimento de algum tipo de protagonismo, em maior ou menor grau, do Estado por meio da generalização da ideia de planejamento. A leitura do ministério de Rui como um momento de tendência industrialista sem dúvida expunha as marcas do momento nos modos de retomadas de clássicos, em movimento que, ao mesmo tempo, expõe aspectos cruciais do autor e da própria conjuntura.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    O cenário é bem descrito por Hobsbawm (1995Hobsbawm, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., pp. 113-143).
  • 2
    Viana, 1939Viana, Oliveira. O idealismo da constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1939..
  • 3
    Para uma ótima análise desse movimento, ver Guimarães (2001)Guimarães, Cesar. “Vargas e Kubitschek: a longa distância entre a Petrobras e Brasília”. In: Carvalho, Maria Alice Rezende de (Org.). República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001..
  • 4
    Merece destaque o amplo esforço de Pierre Nora, exposto pela organização do monumental Les Lieux de mémoire, e de Jacques Le Goff, condensado em História e memória.
  • 5
    Nora, 1993Nora, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Projeto História, v. 10, pp. 7-28, 1993..
  • 6
    Almeida, 2010Almeida, Gelsom Rozentino de. “Memória serve pra quê? Uma análise ‘do que deve ser esquecido’ e ‘do que pode ser lembrado’ na história”. In: Encontro Regional da Anpuh-Rio, 14, 2010, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: Anpuh, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276701927_ARQUIVO_MemoriaservepraqueGelsomanpuh2010.pdf . Acesso em: 20 nov.2017.
    http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/res...
    .
  • 7
    Designação dada pela imprensa da época a um grupo de deputados da UDN famoso por sua retórica inflamada e engajado na oposição aos governos Vargas, JK e Goulart. Eles ocupavam a primeira fila do plenário e faziam uso constante da tribuna.
  • 8
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., pp. 7–8.
  • 9
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 131.
  • 10
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 11.
  • 11
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 14.
  • 12
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 120.
  • 13
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 120.
  • 14
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 35.
  • 15
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 7.
  • 16
    Chaloub, 2017Chaloub, Jorge Gomes de Souza. “A economia política dos bacharéis udenistas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, pp. 1-18, 2017..
  • 17
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., pp. 23–24.
  • 18
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., pp. 11–13.
  • 19
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 18.
  • 20
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 20.
  • 21
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 41.
  • 22
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 21.
  • 23
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 16.
  • 24
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 102.
  • 25
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 105.
  • 26
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 110.
  • 27
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 108.
  • 28
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 103.
  • 29
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 104.
  • 30
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 101.
  • 31
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 103.
  • 32
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 105.
  • 33
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 105.
  • 34
    Citado em Baleeiro (1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 9).
  • 35
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 30.
  • 36
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 32.
  • 37
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., pp. 80–81.
  • 38
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 131.
  • 39
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 63.
  • 40
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., p. 92.
  • 41
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., pp. 93–94.
  • 42
    Baleeiro, 1952Baleeiro, Aliomar. Rui, um estadista no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1952., pp. 130–131.
  • 43
    Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 41.
  • 44
    Não se trata, contudo, de imaginar uma dinâmica de pura aceleração. Prudência e moderação, como já referido na leitura de Rui por Baleeiro, acompanharam sua ideia de fazer político e jurídico, a exemplo de sua intervenção ralentadora na tramitação do Código Civil proposto por Clóvis Bevilaqua. Rui opôs se francamente ao “realismo imediatista” ou ao “pragmatismo antidemocrático” de Campos Sales, encarnado na apropriação do Código como agenda de governo. Opôs a ele um “desejo enfático das grandes coisas” (Dantas, 1949Dantas, San Tiago. Dois momentos de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa , 1949., p. 55), que supunha um longo tempo de maturação para uma obra que não era circunstancial ou casuística, mas deveria corporificar preceitos civilizacionais, a exemplo do direito alemão, que empenhou 23 anos na redação de seu código (a propósito desse tópico, ver Rui Barbosa e o Código Civil, de San Tiago Dantas).
  • 45
    Miceli, 2001Miceli, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia da Letras, 2001..
  • 46
    Delgado, 1989Delgado, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo: Marco Zero, 1989..
  • 47
    Essa imagem de Rui, já construí­da por seus oponentes na Primeira República, perdurou em influentes obras do pensamento político brasileiro, como no famoso texto de Wanderley Guilherme dos Santos, “A práxis liberal no Brasil”, em que o autor, embalado pelas críticas de Oliveira Viana ao “idealismo constitucional”, retrata Rui como representante de um “liberalismo doutrinário”, antes afeito à coerência das ideias do que às suas consequências.
  • 48
    A. Franco, 1965______. A escalada: memórias, v. 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965., p. 42.
  • 49
    Como veremos a seguir, Lacerda não passa pela imagem do bacharel em sua recuperação de Rui Barbosa.
  • 50
    A. Franco, 1965______. A escalada: memórias, v. 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965., pp. 48–49.
  • 51
    “[…] nunca fui outra coisa, senão um homem ligado ao Estado” (citado em Camargo; Teixeira; Mariani, 1983Camargo, Aspásia; Teixeira, Maria Tereza Lopes; Mariani, Maria Clara (Orgs.). O intelectual e o político: encontros com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal , 1983., p. 70).
  • 52
    Werneck Vianna (1986)Vianna, Luiz Werneck. “Os intelectuais da tradição e a modernidade: os juristas-políticos da OAB”. In: Vianna, Luiz Werneck . Travessia: da abertura à Constituinte. Rio de Janeiro: Taurus, 1986. identifica os precedentes dessa postura na história política brasileira, recorrendo, todavia, ao termo jurista político para referir se aos que estamos tratando como bacharéis.
  • 53
    O vínculo entre o racionalismo jurídico e propensão às transformações sociais é destacado por Weber (2000Weber, Max. “A política como vocação”. In: Weber, Max . Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2000., p. 75).
  • 54
    A dicotomia entre estadistas e caudilhos está explicitamente desenvolvida em A. Franco (2005)______. A evolução da crise brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.. O tema é bem analisado em Lattman Weltman (2005)Lattman-Weltman, Fernando. A política domesticada: Afonso Arinos e o colapso da democracia em 1964. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2005..
  • 55
    A. Franco, 1965______. A escalada: memórias, v. 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965., p. 49.
  • 56
    A. Franco, 1965______. A escalada: memórias, v. 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965., p. 48.
  • 57
    A. Franco, 1961Franco, Afonso Arinos de Melo. Estudos e discursos. São Paulo: Comercial, 1961., pp. 137–138.
  • 58
    A. Franco, 1978______. O som do outro sino: um breviário liberal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978., pp. 176–177.
  • 59
    A. Franco, 1978______. O som do outro sino: um breviário liberal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978., pp. 53–54.
  • 60
    Para o elogio do Império ver A. Franco (1978)______. O som do outro sino: um breviário liberal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. e “Joaquim Nabuco: advogado do Brasil”, em A. Franco (1961)Franco, Afonso Arinos de Melo. Estudos e discursos. São Paulo: Comercial, 1961..
  • 61
    Lacerda, 1982______. Discursos parlamentares: seleta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p. 119.
  • 62
    Lacerda, 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., p. 223.
  • 63
    Para a argumentação, ver Lacerda (1957Lacerda, Carlos. O caminho da liberdade: discurso na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Gráf. Ouvidor, 1957.; 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., pp. 182–183).
  • 64
    Como Lacerda (1966______. Crítica e autocrítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1966.; 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.; 2001______. Rosas e pedras do meu caminho. Brasília: Ed. UnB, 2001.).
  • 65
    Lacerda, 2000______. “A mosca no chope. Correio da Manhã de 06/02/1946”. In: Braga, Sergio Soares (Org.). Na Tribuna da Imprensa: crônicas sobre a constituinte de 1946. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000., p. 57.
  • 66
    Lacerda, 2000______. “A mosca no chope. Correio da Manhã de 06/02/1946”. In: Braga, Sergio Soares (Org.). Na Tribuna da Imprensa: crônicas sobre a constituinte de 1946. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000., p. 57.
  • 67
    Lacerda, 1982______. Discursos parlamentares: seleta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p. 119.
  • 68
    Lacerda, 1982______. Discursos parlamentares: seleta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p. 119.
  • 69
    Lacerda, 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., p. 223.
  • 70
    Lacerda, 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., p. 223.
  • 71
    “Organização civil fundada em 28 de agosto de 1953, no Rio de Janeiro (então Distrito Federal) pelo jornalista Carlos Lacerda para combater o governo do presidente Getúlio Vargas. Congregava diversos parlamentares, principalmente da União Democrática Nacional (UDN), maior partido da oposição. Seu órgão oficial era a revista O Maquis; o diário Tribuna da Imprensa, de propriedade de Lacerda, também dava cobertura às suas atividades. Foi fechado em 24 de novembro de 1956 por decreto do presidente Juscelino Kubitschek. Carlos Lacerda era o presidente de honra da organização, o jornalista Fidélis Amaral Neto, seu presidente efetivo, e Alcides Carneiro, seu orador oficial” (Lamarão, 2009Lamarão, Sérgio. “Clube da Lanterna”. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: CPDOC-FGV, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/clube-da-lanterna . Acesso em: 17 nov. 2017.
    http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionari...
    ).
  • 72
    Weber, 2000Weber, Max. “A política como vocação”. In: Weber, Max . Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2000..
  • 73
    Lacerda, 1987______. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., p. 223.
  • 74
    “É de lá [dos estados] que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da capital da União. A política dos estados […] é a política nacional” (Campos Sales, 1908Campos Sales, Manoel Ferraz de. Da propaganda à presidência. São Paulo: A Editora, 1908.).
  • 75
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 244, grifo nosso.
  • 76
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 158.
  • 77
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 159.
  • 78
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 159.
  • 79
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 58.
  • 80
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 245.
  • 81
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., pp. 33–34.
  • 82
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 50.
  • 83
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 320.
  • 84
    Juristas de grande relevância, tendo Velasco também um passado militar, os três políticos foram centrais na construção de uma tradição socialista brasileira, refratária tanto ao comunismo quanto ao varguismo. Todos ocuparam altos postos no Executivo, Legislativo e Judiciário brasileiro.
  • 85
    Mangabeira, 1999Mangabeira, João. Ruy, o estadista da República. Brasília: Senado Federal , 1999., p. 14.
  • 86
    Candido, 2011Candido, Antonio. “Radicalismos”. In: Candido, Antonio . Vários escritos. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2011..
  • 87
    Brandão, 2007Brandão, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007..
  • 88
    V. Franco, 1946Franco, Virgílio de Mello. A campanha da UDN. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1946..
  • 89
    A tensão entre “getulismo” e “reformismo” é chave de leitura de Lucília Neves Delgado (1989)Delgado, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo: Marco Zero, 1989. em seu livro sobre o PTB.
  • 90
    Casos de Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Nov 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2017
  • Aceito
    04 Ago 2017
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