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DINÂMICA FÍSICO-HÍDRICA DE UM SISTEMA PEDOLÓGICO LATOSSOLO-NITOSSOLO

DINÁMICA FÍSICO-HÍDRICA DE UN SISTEMA PEDOLÓGICO LATOSOL-NITOSOL

RESUMO

Com o objetivo de compreender a dinâmica hídrica dos solos, realizou-se esta pesquisa em uma vertente, do platô da cidade de Marechal Cândido Rondon, Paraná. Foram abertas trincheiras para a descrição macromorfológica, coleta de amostras para as análises físicas, químicas, micromorfológicas e quantificação da condutividade hidráulica. No setor de topo, foi identificado o Latossolo Vermelho Eutroférrico e a partir da média baixa vertente, o Nitossolo Vermelho Distroférrico latossólico. Em termos micromorfológicos, os horizontes Ap e Bw apresentam dois tipos de arranjos distintos: um de trama enáulica, com alta conectividade - porosidade de empacotamento composto, e outro de trama porfírica contínua e/ou descontínua, com cavidades e os poros planares. Nos horizontes AB e B nítico a trama enáulica é menos representativa, predominando a trama porfírica contínua, que deixa os poros menos comunicantes. Em termos hídricos, os horizontes Ap e Bw indicaram maior condutividade hidráulica, enquanto o AB e B nítico apresentaram os menores índices, reforçando que além da densidade do solo, o arranjo dos poros interfere diretamente no comportamento hídrico do sistema pedológico.

Palavras-chave:
B nítico; B latossólico; Micromorfologia; Condutividade hidráulica

RESUMEN

Con el objetivo de comprender la dinámica hídrica de los suelos, se realizó investigación en una vertiente de la meseta de la ciudad de Marechal Cândido Rondon, Paraná. Se abrieron zanjas para la descripción macromorfológica, colecta de muestras para los análisis físicos, químicos, micromorfológicos y la cuantificación de la conductividad hidráulica. En el sector superior, fueron mapeados el Latosol Rojo Eutroférrico y a partir de la media y baja vertiente, el Nitosol Rojo Distroférrico latosólico. En los análisis micromorfológicos, los horizontes Ap y Bw presentan dos tipos de disposiciones distintas: una de trama enáulica, con poros inter- agregados con alta conectividad - porosidad de envoltorio compuesto, y otra de trama porfídica continua y descontinua, con cavidades y poros planeares. En los horizontes AB y B nítico la trama enáulica es menos representativa, predominando la trama porfídica continua, que deja los poros menos comunicantes. En términos hídricos, los horizontes Ap e Bw indicaron mayor conductividad hidráulica, mientras que el AB y B nítico presentaron los menores índices, reforzando que además de la densidad del suelo, la disposición de los poros interfiere en el comportamiento hídrico del sistema pedológico.

Palabras clave:
B nítico; B latosólico; Micromorfología; Conductividad hidráulica

ABSTRACT

In order to comprehend the hydric dynamics of soils along the slopes, the research took place on a slope from Marechal Cândido Rondon, Paraná. Trenches were open to the macromorphological description, sample collection for physical, chemical and micromorphological analysis and quantification of hydraulic conductivity. In the top sector, Eutroferric Red Latosol was identified, and from the middle sector, the latosolic Distroferric Red Nitosol predominates. In micromorphological terms, the Ap and Bw horizons have presented two distinct types of arrangements: a continuous and/or discontinuous porphyric fabric with cavities and planar pores and other with enaulic fabric, with high connectivity - compound packing porosity. In the AB and nitic B horizons the enaulic fabric is less representative, prevailing the continuous porphyric fabrics, which make the pores less communicating. The Ap and Bw horizons have shown higher hydraulic conductivity, while AB and B nitic horizons had the lowest rates, reinforcing the notion that besides soil density, the pores arrangement directly interfereswith the hydric behavior of the pedological system.

Keywords:
Nitic horizon; Latosolic B horizon; Micromorphology; Hydraulic conductivity

INTRODUÇÃO

O estudo integrado da paisagem, em particular das suas características e do seu funcionamento, tem se mostrado imprescindíveis tanto no planejamento rural como urbano das terras. De acordo com Ruellan e Dosso (1993)RUELLAN A.; DOSSO, M. Regards sur le sol. Paris: Les Éditions Foucher, 1993., é necessário entender a paisagem da macro à microescala, de maneira que o entendimento da cobertura pedológica contribui, neste sentido, para identificar a disposição dos solos na paisagem de forma bidimensional e tridimensional, como um continuum pedológico, uma vez que estes sofrem diferentes ações e reações no tempo e no espaço.

O solo é uma porção dinâmica da paisagem, de natureza tridimensional, sintetizando, em seu perfil, por muitas influências do presente e pretéritas. Para Ruellan (1988)RUELLAN, A. Pedologia e desenvolvimento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO, 21, 1988, Campinas. A responsabilidade social da ciência do solo. Anais... Campinas: SBCS, 1988, p. 39-74. há a necessidade de se conhecer o solo como um meio organizado, estruturado, vivo e de dinâmica própria antes mesmo da sua efetiva utilização. Isto é necessário porque o homem quando usa e maneja este elemento da natureza, está alterando não só sua estrutura, mas principalmente o seu funcionamento, o que, segundo o autor, provoca mudanças generalizadas nas demais características do ambiente, sejam elas naturais (relevo, clima, vegetação) e/ou antrópicas (formas de usos e manejos).

Os levantamentos de solos ou pedológicos geram informações que permitem classificar, monitorar e avaliar a aptidão agrícola, estimar a produtividade e definir o melhor uso das terras. Estas informações associadas podem ser organizadas em mapas de zoneamento como constituinte fundamental para o planejamento agrícola regional, das propriedades rurais e também do urbano. Muitos são os projetos os quais necessitam de informações espaciais dos solos em superfície e em distintas profundidades, contribuindo paralelamente ao conhecimento da distribuição espacial do solo em escalas mais detalhadas.

É consenso que o uso das terras para a agricultura acarreta mudanças nas suas condições naturais. Os solos agrícolas vêm sofrendo grandes alterações, sendo a compactação apontada como a principal causa destas mudanças, em virtude do tráfego de tratores e máquinas agrícolas em condições inadequadas de manejo (RAPER, 2005RAPER, R. L. Agricultural traffic impacts on soil. Journal of Terramechanics, n. 42, p. 259-280, 2005. Disponível em: <http://www.ars.usda.gov/SP2UserFiles/Place/60100500/csr/ResearchPubs/raper/raper_05g.pdf> Acesso em: 10 mar. 2016.
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). Neste aspecto, as mudanças ocasionadas nas propriedades físicas são uma das primeiras que se fazem sentir, variando em sua intensidade de acordo com o sistema de cultivo usado. As modificações ocorrem principalmente na estrutura, com efeito na densidade, porosidade e aeração, causando modificações na retenção e movimentação de água nesse sistema (CARDOSO et al., 2006CARDOSO, E. G.; ZOTARELLI, L.; PICCININ, J. L.; TORRES, E.; SARAIVA, O. F.; GUIMARÃES, M.F. Sistema radicular da soja em função da compactação do solo no sistema plantio direto. Pesquisa Agropecuária Brasileira, n. 41, p. 493-501, 2006.).

Nas vertentes, a transferência de água, sedimentos e elementos químicos ocorrem por meio de vários fluxos que variam no tempo e no espaço, superficial e subsuperficialmente, podendo resultar em diferenciações e descontinuidades de processos, tanto em termos de formas das vertentes como de classes de solos dispostos em cada segmento topográfico.

Para entender a dinâmica da água nos solos, faz-se necessário conhecer algumas das suas características macromorfológicas, como a sua textura e estrutura, responsáveis pela organização do sistema poroso. De acordo com Bertoni e Lombardi Neto (2005)BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do solo. 5ª ed. São Paulo: Icone, 2005., é o tamanho e a disposição desses espaços porosos que influenciam diretamente na velocidade da infiltração da água nos solos e esse movimento é realizado pelas forças de gravidade e capilaridade.

A força de gravidade, segundo Reichardt (1990)REICHARDT, K. A água em sistemas agrícolas. São Paulo: Monole Ltda, 1990., promove o movimento da água nos grandes poros em solos saturados, enquanto a força de capilaridade ocorre nos solos não saturados. Para o citado autor, a condutividade hidráulica pode ser definida como o volume de água que atravessa por unidade de tempo uma determinada área do solo impulsionada por uma diferença de potencial. Isso permite concluir que a condutividade é um coeficiente que expressa a facilidade com que um fluido, a água, é transportada através do meio poroso, o solo, e que depende tanto das propriedades do solo como das propriedades da água. Dentre as propriedades do solo, pode-se destacar a distribuição de tamanho e forma de suas partículas, a superfície específica, a porosidade, ou seja, todas as propriedades que têm reflexo na geometria porosa do solo.

Mesquita e Moraes (2004)MESQUITA, M. G. B. de F.; MORAES, S. O. A dependência entre a condutividade hidráulica saturada e atributos físicos do solo. Ciência Rural, Santa Maria, v.34, n.3, p.963-969, mai-jun, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cr/v34n3/a52v34n3.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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corroboram que, a condutividade hidráulica saturada de um solo é determinada pela geometria e continuidade dos poros preenchidos com água, tornando-se dependente, portanto, da forma, quantidade, distribuição e, sobretudo, da continuidade dos mesmos.

Assim, estudos sobre o comportamento hídrico das coberturas pedológicas, que buscam entender as suas transformações morfopedológicas na vertente (topossequências) e na paisagem (bacia hidrográfica), devem priorizar o uso de técnicas que permitam avaliar a distribuição e redistribuição das matérias (siltes e argilas) nos diferentes segmentos topográficos das vertentes, como é o caso da micromorfologia, como destacam Castro (1989)CASTRO, S. S. de. Sistema de transformação pedológica em Marília: B latossólico em B textural. 1989. 274f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH - Depto. de Geografia. Universidade de São Paulo, 1989., Ruellan e Dosso (1993)RUELLAN A.; DOSSO, M. Regards sur le sol. Paris: Les Éditions Foucher, 1993., Kertzman (1996)KERTZMAN, F. F. Modificações na estrutura e no comportamento de um latossolo roxo provocadas pela compactação do solo. 1996. 153f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH - Departamento de Geografia. Universidade de São Paulo, 1996., Castro et al. (2003)CASTRO, S. S.; COOPER, M.; SANTOS, M. C.; VIDAL TORRADO, P. Micromorfologia do solo. Tópicos de Ciências do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, n. 3, p.107-164, 2003. e Filizola e Gomes (2006)FILIZOLA, H. F., GOMES, M. A. F. Introdução à descrição micromorfológica de lâminas delgadas de solos. Comunicado Técnico. Jaguariúna: Embrapa, 2006. Disponível em: <http://www.cnpma.embrapa.br/download/comunicado_41.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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.

A micromorfologia, de acordo com Filizola e Gomes (2006)FILIZOLA, H. F., GOMES, M. A. F. Introdução à descrição micromorfológica de lâminas delgadas de solos. Comunicado Técnico. Jaguariúna: Embrapa, 2006. Disponível em: <http://www.cnpma.embrapa.br/download/comunicado_41.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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, corresponde a uma escala de observação da cobertura pedológica, indispensável para o entendimento da sua organização e funcionamento. O uso adequado da micromorfologia passa pelo conhecimento detalhado da distribuição dos horizontes pedológicos, tanto no perfil como na paisagem. Desse modo, a observação micromorfológica é considerada um zoom na organização da cobertura pedológica.

De acordo com Castro (1989)CASTRO, S. S. de. Sistema de transformação pedológica em Marília: B latossólico em B textural. 1989. 274f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH - Depto. de Geografia. Universidade de São Paulo, 1989., Ruellan e Dosso (1993)RUELLAN A.; DOSSO, M. Regards sur le sol. Paris: Les Éditions Foucher, 1993., Kertzman (1996)KERTZMAN, F. F. Modificações na estrutura e no comportamento de um latossolo roxo provocadas pela compactação do solo. 1996. 153f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH - Departamento de Geografia. Universidade de São Paulo, 1996., Castro et al. (2003)CASTRO, S. S.; COOPER, M.; SANTOS, M. C.; VIDAL TORRADO, P. Micromorfologia do solo. Tópicos de Ciências do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, n. 3, p.107-164, 2003., e Filizola e Gomes (2006)FILIZOLA, H. F., GOMES, M. A. F. Introdução à descrição micromorfológica de lâminas delgadas de solos. Comunicado Técnico. Jaguariúna: Embrapa, 2006. Disponível em: <http://www.cnpma.embrapa.br/download/comunicado_41.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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, a micromorfologia é uma dessas técnicas, considerada eficiente tanto nos estudos de gênese e dinâmica do solo como nos de avaliação e monitoramento das diversas práticas agrícolas. Com o auxílio das técnicas de processamento e análise digital de imagem, a micromorfologia é capaz de fornecer resultados de porosidade e permeabilidade com precisão (em duas dimensões), além de possibilitar a visualização das alterações estruturais causadas pelo adensamento e compactação.

É consenso entre os pesquisadores (DERPSCH et al., 1990DERPSCH, R.; ROTH, C. H.; SIDIRAS, N. KOPKE, U. Controle da erosão no Paraná, Brasil: Sistemas de cobertura do solo, plantio direto e preparo conservacionista do solo. Londrina: IAPAR, 1991.; De MARIA et al., 1999DE MARIA, I. C.; CASTRO, O. M.; SOUZA DIAS, H. Atributos físicos do solo e crescimento radicular de soja em Latossolo Roxo sob diferentes métodos de preparo do solo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, n. 23, p. 703-709, 1999.; TAVARES FILHO et al., 2006TAVARES-FILHO, J.; FONSECA, I. C. de B.; RIBON, A. A.; BARBOSA, G. M. de C. Efeito da escarificação na condutividade hidráulica saturada de um Latossolo Vermelho sob plantio direto. Ciência Rural. v. 36, n. 3, p. 996-999, Santa Maria, mai/jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?%20script=sci_arttext&pid=S0103-84782006000300045>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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) que os diferentes sistemas de manejo de solos têm a finalidade de criar condições favoráveis ao desenvolvimento das culturas. Todavia, o desrespeito às condições mais favoráveis para o preparo do solo e o uso de máquinas cada vez maiores e mais pesadas para essas operações podem levar a modificações na estrutura do solo. Isso pode causar maior ou menor compactação, que poderá interferir na densidade do solo, na porosidade, na infiltração de água no solo e no desenvolvimento radicular das culturas e, consequentemente, reduzir sua produtividade. Mas também, destaca-se que estudos desta natureza podem contribuir com o conhecimento dos atributos físico-químicos, físico-hídricos e micromorfológicos, enfatizando a gênese e evolução dos solos. Isoladamente, ou simultaneamente estes estudos são colocados em evidência, em trabalhos de Vidal-Torrado et al. (2005)VIDAL-TORRADO, P., LEPSCH, I. F., CASTRO, S. S. Conceitos e aplicações das relações Pedologia-Geomorfologia em regiões tropicais úmidas. In: VIDAL-TORRADO, P., ALLEONI, L. R. F., COOPER, M., SILVA, A. P., CARDOSO, E. J. (editores). Tópicos em Ciência do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo , 2005. v. 4, p. 145-192., Cunha et al. (2008)CUNHA, J. E.; NÓBREGA, M. T.; CASTRO, S. S. Infiltração da água no solo no sistema pedológico Campus do Arenito, cidade gaúcha, noroeste do estado do Paraná. Revista Brasileira de Ciência do Solo, n. 32, p. 1837-1848, 2008., Tavares Filho e Tessier (2010)TAVARES FILHO, J., TESSIER, D. Effects of different management systems on porosity of oxisols in Paraná, Brazil. Revista Brasileira de Ciência do Solo, n. 34, p. 899-906, 2010..

O conhecimento do arranjo poroso e da condutividade hidráulica dos solos na vertente é de fundamental importância para a determinação do fluxo de água nos solos e, do ponto de vista prático, para a elaboração de projetos de irrigação e drenagem, bem como para a quantificação da erosão e lixiviação de substâncias químicas.

Diante do exposto, este estudo objetiva apresentar de forma detalhada o comportamento físico-hídrico e os aspectos micromorfológicos de um sistema pedológico Latossolo-Nitossolo, do município de Marechal Cândido Rondon, região Oeste do Estado do Paraná, que tem a agricultura como principal base econômica.

MATERIAIS E MÉTODOS

O município de Marechal Cândido Rondon, com área de 748 km2, localiza-se no Terceiro Planalto Paranaense, eixo central da bacia sedimentar do Paraná, assentado sobre setores de três subunidades morfoesculturais: Planalto de Cascavel, Planalto de São Francisco e Planalto de Foz do Iguaçu (MINEROPAR, 2006MINEROPAR (Minerais do Paraná S.A) - Atlas Geomorfológico do Estado do Paraná. Escala base 1:250.000. Curitiba: MINEROPAR, 2006. Disponível em <http://www.mineropar.pr.gov.br/>. Acesso em: 08 fev. 2016.
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), mais precisamente no extremo Oeste do estado do Paraná, entre os paralelos de 24º26' e 24º46' latitude Sul e 53º57' e 54º20' longitude Oeste (Figura 1).

Figura 1
Localização do município de Marechal Cândido Rondon e das subunidades morfoesculturais e unidades de paisagem.

A subunidade morfoescultural, Planalto de Cascavel, estende-se pelo setor Nordeste do município, onde se encontra o sítio urbano de Marechal Cândido Rondon, foi localmente identificada por Moresco (2007)MORESCO, M. D. Estudo de paisagem no município de Marechal Cândido Rondon-PR. 2007. 137f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - DGE/PGE/UEM. Maringá- PR, 2007. como como a unidade de paisagem Platô de Marechal. Constitui-se no prolongamento do grande divisor onde está instalada a cidade de Cascavel. Domina nesse planalto um relevo de dissecação média, caracterizado por colinas com topos alongados e aplainados, vertentes convexas, com declividades em geral menores que 12 %, e vales em "V".

O Planalto de Cascavel termina dando lugar a uma zona de borda entalhada pelos tributários diretos do rio Paraná e do rio São Francisco, que modelam vertentes com declividades variadas e acentuadas apresentando, muitas vezes, segmentos escarpados junto ao topo e vales profundos. Essa zona de borda entalhada corresponde à face oeste do grande interflúvio, identificada como a subunidade morfoescultural Planalto do São Francisco. De acordo com a Carta Geomorfológica (MINEROPAR, 2006MINEROPAR (Minerais do Paraná S.A) - Atlas Geomorfológico do Estado do Paraná. Escala base 1:250.000. Curitiba: MINEROPAR, 2006. Disponível em <http://www.mineropar.pr.gov.br/>. Acesso em: 08 fev. 2016.
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), o setor Noroeste e Sudeste do município estão localizados sobre essa subunidade.

O compartimento do Platô de Marechal (MORESCO, 2007MORESCO, M. D. Estudo de paisagem no município de Marechal Cândido Rondon-PR. 2007. 137f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - DGE/PGE/UEM. Maringá- PR, 2007.), onde foi realizada esta pesquisa, está localizado no setor Nordeste do município, entre as cotas altimétricas de 360 a 460 m. Os esporões mais elevados mantêm o eixo SE-NO e N-S. É caracterizado por vertentes convexo-retilíneas e vales estreitos na forma de "V", com rupturas de declives na passagem do topo para a alta vertente e acentuada declividade (8 a 20 %).

Para o conhecimento da cobertura pedológica, no Platô de Marechal, foram realizadas sondagens sistematizadas ao longo da vertente, seguidas da abertura de duas trincheiras, respectivamente nos setores de topo e média baixa vertente, para a descrição macromorfológica (SANTOS et al., 2015SANTOS, R. D. dos; SANTOS, H. G. dos; KER, J. C.; ANJOS, L. H. C. dos; SHIMIZU, S. H. Manual de descrição e coleta de solo no campo. Viçosa: SBCS, 2015.), coleta de amostras para a realização de análises físicas, químicas e micromorfológicas, bem como de ensaios para a quantificação da condutividade hidráulica (permeâmetro de carga constante) e da macro e microporosidade. Ressalta-se que, como a área de fundo de vale (coberta por mata) está alterada e recoberta por material sedimentado, não foi possível fazer a investigação no segmento inferior da vertente.

Em laboratório as análises químicas seguiram as técnicas do IAPAR (PAVAN et al., 1992PAVAN, M. A. ; BLOCH, M. F.; ZEMPULSKI, H. D.; MIYAZAWA, M.; ZOCOLER, D. C. Manual de análise química do solo e controle de qualidade. Londrina: IAPAR, 1992.). O fósforo foi determinado por espectrofotômetria (ʎ = 360 nm), e o potássio por fotômetro de chama. A determinação da acidez trocável (Al) foi obtida em KCl, e a acidez potencial (H + Al) com solução tampão SMP adicionada na amostra utilizada no pH em CaCl2, efetuando nova leitura do pH com o potenciômetro. As determinações de Ca2+ e Mg2+ foram realizadas por espectrofotometria de absorção atômica (EAA), utilizando as soluções padrões de Ca2+ e Mg2+ que contém La e KCl nas mesmas concentrações do extrato. E o carbono orgânico com o método Walkley-Black, com oxidação da matéria orgânica pelo dicromato de potássio K2Cr2O7 1N em meio ácido. O pH do solo foi determinado em solução CaCl2 e H2O, sob potenciômetro calibrado com as soluções tampão pH 7,0 e 4,0.

As frações granulométricas de solo e da argila dispersa em água foram determinadas pelo método do densímetro de Bouyoucos (EMBRAPA, 1997EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro: CNPS, 1997.), ambas em triplicata. A determinação da densidade do solo e da porosidade (macro e micro) seguiu o proposto pela Embrapa (1997)EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro: CNPS, 1997., utilizando a média das três amostras de solo coletadas em anéis volumétricos - de aço inox de 147 cm3 - nos horizontes diagnósticos. O ensaio da condutividade hidráulica, determinado nesses anéis volumétrico, foi realizado em laboratório com o uso do permeâmetro de carga constante, em três amostras de cada horizonte, com oito leituras somando um período de 8 h. Para o cálculo da condutividade hidráulica, utilizou-se a média das três últimas leituras, aplicando a fórmula:

Ko = Q . L / A . H . t

Onde:

Ko = condutividade hidráulica do solo saturado em mm/h;

Q = volume de água em mL percolado na amostra;

L = comprimento (altura) da amostra, em cm;

H = é a altura do bloco de solo e da coluna de água;

A = área do cilindro de solo em cm2;

t = tempo em horas.

Para a interpretação dos resultados, adotaram-se as seguintes classes em mm h-1, conforme orientações da Embrapa (1997)EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro: CNPS, 1997.: muito lenta (< 1); lenta (1-5), moderadamente lenta (5-20), moderada (20-60), moderadamente rápida (60-125), rápida (125-250) e muito rápida (>250).

O estudo da dinâmica hídrica foi complementado com observações micromorfológicas nas lâminas delgadas, as quais foram obtidas a partir de amostras de solo indeformadas, coletadas em caixas plásticas com dimensões de 6x10x5cm, secas em estufa a 38°C. No estado seco, as amostras foram impregnadas com resina de poliéster, sendo selecionadas fatias delgadas entre 2 e 4 mm de espessura, seguida do polimento de uma das faces em polidor e montagem em lâmina de vidro. Após montagem, procedeu-se ao desbaste até atingir 25 micrômetros de espessura (CASTRO et al., 2003CASTRO, S. S.; COOPER, M.; SANTOS, M. C.; VIDAL TORRADO, P. Micromorfologia do solo. Tópicos de Ciências do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, n. 3, p.107-164, 2003.).

As observações nas lâminas foram realizadas com o emprego de microscópio óptico do tipo petrográfico, com objetiva 2,5 e 4X, sob luz natural e nicóis cruzados (luz polarizada). Nesta fase, obedeceram-se às recomendações de Bullock et al. (1985)BULLOCK, P.; FEDOROFF, N.; JONGERIUS, A.; STOOPS, G.; TURSINA, T. Handbook for soil thin section description. Wolverhampton: Waine Research Publishers, 1985., para a identificação e, classificação dos atributos e das organizações dos componentes do solo (lâmina) denominados de micromassa (<2 µm), material grosseiro (entre 2 e 2000 µm de diâmetro) e poros (entre 30 e 500 µm).

As fotos obtidas com o microscópio óptico ainda foram submetidas ao sistema de classificação de imagens do software ArcGis® 10.1, com o objetivo de gerar imagens que evidenciassem a geometria dos poros, sua forma e conexão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ATRIBUTOS FÍSICOS E QUÍMICOS

A topossequência do Platô de Marechal está localizada numa das cabeceiras de drenagem dos canais que confluem com o principal curso d'água do sítio urbano, o córrego Guavirá. Esta topossequência apresenta 790 m de extensão e 45 m de desnível topográfico, com predomínio da forma convexa (Figura 2). Em toda a sua extensão é ocupada por culturas temporárias com sistema de plantio direto há mais de 20 anos.

Figura 2
Topossequência de solos do Platô de Marechal.

Devido ao predomínio das rochas basálticas (BHERING et al., 2007BHERING, S. B.; SANTOS, H. G.; MANZATTO, C. V.; BOGNOLA, I.; FASOLO, P. J; CARVALHO, A. P.; POTTER, O.; AGLIO, M. L. D.; SILVA, J. S.; CHAFFIN, C. E.; CARVALHO JUNIOR, W. Mapa de solos do Estado do Paraná: escala 1:250.000. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2007. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/339505/mapa-de-solos-do-estado-do-parana>. Acesso em: 09 mar. 2016.
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), a cobertura pedológica é texturalmente muito argilosa ao longo de toda a topossequência (Tabela 1), exibindo, entretanto, variações de estrutura e cor. Para esta mesma área de pesquisa, Magalhães et al. (2015)MAGALHÃES, V. L.; CUNHA, J. E.; NÓBREGA, M. T. Análise do sistema poroso e hídrico de uma vertente constituída por 'Latossolo-Nitossolo'. Revista Perspectiva Geográfica, Marechal Cândido Rondon, v. 10, n. 12, p. 43-62, 2015. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/pgeografica/article/view/14135/9632 >. Acesso em: 08 fev. 2016.
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apresentaram detalhadamente estas características macromorfológicas que, resumidamente, indicam o horizonte Ap com estrutura fraca, constituída de grânulos pequenos de até 1 cm de diâmetro. Já o horizonte AB, devido ao grau de compactação apresenta forma de blocos subangulares grandes, de até 5 cm de diâmetro, com forte grau de desenvolvimento. Esta maior resistência do material pode ser explicada pela compactação verificada no campo e pela densidade do solo determinada no laboratório. Nos horizontes Bw, os blocos subangulares de até 3 cm de diâmetro tem moderada resistência, enquanto o B nítico, de estrutura forte a moderada, é caracterizada por blocos subangulares grandes, de até 5 cm de diâmetro. Foi evidenciada, principalmente nas paredes desses blocos, a presença de forte cerosidade. Nos perfis, destaca-se ainda as pequenas variações de cor, como por exemplo bruno-avermelhado-escura (2.5YR 3/4), em superfície, e vermelho-escuro-acinzentada (10R 3/4), em Bw e B nítico.

Tabela 1
Características físicas dos perfis de solos da topossequência do Platô de Marechal.

Com base na variação dessas características morfológicas, foram identificados nos 320 m de extensão e que se estende do topo até a média vertente (sondagens 1 a 3 e trincheira 1), os horizontes Ap, AB, Bw1 e Bw2. Nos demais 470 m de extensão, que se estende da média vertente até o fundo do vale (sondagens 3 a 6 e trincheira 2), foram identificados os horizontes Ap, AB, B nítico e Bw.

Essa sequência de horizontes e as suas características morfológicas permitem classificar esse sistema pedológico, como Latossolo Vermelho / Nitossolo Vermelho e, ainda, considerando que a sua rocha de origem é o basalto e que gera solos com alto teor em óxidos de ferro (> 18%), distinguí- lo com o atributo férrico, como foi realizado por Bhering et al. (2007)BHERING, S. B.; SANTOS, H. G.; MANZATTO, C. V.; BOGNOLA, I.; FASOLO, P. J; CARVALHO, A. P.; POTTER, O.; AGLIO, M. L. D.; SILVA, J. S.; CHAFFIN, C. E.; CARVALHO JUNIOR, W. Mapa de solos do Estado do Paraná: escala 1:250.000. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2007. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/339505/mapa-de-solos-do-estado-do-parana>. Acesso em: 09 mar. 2016.
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, quando da atualização do mapa de solos do Estado do Paraná.

O grau de floculação, assim como o grau de dispersão, apresentou uma amplitude de 64% nos horizontes diagnosticados. No setor de topo, o horizonte Ap e AB apresentaram 32% e 48% de floculação, respectivamente. Enquanto na média vertente esse horizonte Ap mantém valores próximos aos de montante, o volume AB se apresenta 96% floculado, evidenciando uma elevação de 50% lateralmente na vertente.

O horizonte subsuperficial Bw, no topo da vertente, mostrou que a argila está mais floculada do que em superfície, apresentando valores em torno de 81%, que diminuem lateralmente para 78%. Os volumes do B nítico se apresentam mais floculados em profundidade, iniciando com 78% no B nítico1 e chegando a 96% no B nítico3. Pode-se inferir, neste caso, que as práticas agrícolas (uso de adubo orgânico) venham interferindo e elevando os valores de argila dispersa em superfície, tal como diagnosticado por Barbosa et al. (2015)BARBOSA, G. M. C.; OLIVEIRA, J. F.; MIYAZAWA, M.; RUIZ, D. B.; TAVARES FILHO J. Aggregation and clay dispersion of an oxisol treated with swine and poultry manures. Soil & Tillage Research, n. 146, p. 279-285, 2015. Disponível: <https://www.researchgate.net/publication/268691349>. Acesso: 10 mar. 2016.
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, em Latossolos Vermelhos no norte do Estado do Paraná.

De acordo com a Embrapa (1984)EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Levantamento de reconhecimento de solos do Estado do Paraná. Curitiba: EMBRAPA - SNLCS / SUDESUL / IAPAR, 1984., uma das características dos Latossolos é o alto grau de floculação no horizonte Bw, que pode atingir 100%. Essa contribuição também acontece pelo grau de intemperismo que eleva o grau de floculação nos solos tropicais. A simples divisão do silte pelos teores de argila, que resume a relação silte/argila, gerou valores entre 0,1 e 0,2, confirmando o alto grau de evolução dos solos dessa topossequência. Silva e Castro (2015)SILVA, A. A.; CASTRO, S. S. Indicadores macro e micromorfológicos da qualidade física de um Latossolo Vermelho cultivado com cana-de-açúcar. Mercator, Fortaleza, v. 14, n. 3, p. 169-185, set./dez. 2015. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/view/1231/594>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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ao analisarem um Latossolo Vermelho Distroférrico de textura argilosa, sob plantio de cana-de-açúcar, no Estado Goiás, evidenciaram que o grau de floculação na maioria dos horizontes atingiu 100 % e, nenhum ficou abaixo de 80 %, reforçando, segundo as autoras, uma condição própria desse tipo de solo.

Quanto às propriedades químicas destes solos (Tabela 2), os valores de pH em H2O são sempre superiores aos do pH em CaCl2, mostrando que, no complexo de troca, predominam reações do tipo catiônicas e não aniônicas. No segmento do topo, representado pelo Latossolo Vermelho com características férricas (BHERING et al., 2007BHERING, S. B.; SANTOS, H. G.; MANZATTO, C. V.; BOGNOLA, I.; FASOLO, P. J; CARVALHO, A. P.; POTTER, O.; AGLIO, M. L. D.; SILVA, J. S.; CHAFFIN, C. E.; CARVALHO JUNIOR, W. Mapa de solos do Estado do Paraná: escala 1:250.000. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2007. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/339505/mapa-de-solos-do-estado-do-parana>. Acesso em: 09 mar. 2016.
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), os dados de pH em água mostraram-se constantes no perfil, apresentando reação predominantemente neutra (>6,6), nos horizontes Ap, Bw1 e Bw2 e, somente no volume AB, uma acidez moderada (6,5), conforme classificação da Embrapa (2013)EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Sistema brasileiro de classificação de solos. 3ª ed. rev. ampl. Brasília, DF: Centro Nacional de Pesquisa de Solos/Serviço de Produção e Informação, 2013..

Tabela 2
Características químicas dos perfis de solos da topossequência do Platô de Marechal.

A soma de bases (SB) juntamente com a acidez potencial (H + Al) indica que a capacidade de troca catiônica (CTC) é relativamente baixa nos volumes de solo desta topossequência, variando entre 7,77 e 17,27 cmolc dm-3 atendendo aos critérios químicos definidos pela Embrapa (2013)EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Sistema brasileiro de classificação de solos. 3ª ed. rev. ampl. Brasília, DF: Centro Nacional de Pesquisa de Solos/Serviço de Produção e Informação, 2013. para os Latossolos e Nitossolos.

A saturação por bases (V) (Tabela 2) apresenta valores com amplitude de até 56 % nos volumes de solo que compõem a topossequência. Os valores mais elevados concentram-se no conjunto pedológico de montante, os quais variam entre 60,96 % e 78,87 %. Na transição para o conjunto de jusante, esses valores são mais reduzidos, sendo que uma parte considerável do B nítico e do Bw apresenta menos de 50 % de saturação por bases.

De acordo com o terceiro nível categórico da classificação de solos do Brasil (EMBRAPA, 2013EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Sistema brasileiro de classificação de solos. 3ª ed. rev. ampl. Brasília, DF: Centro Nacional de Pesquisa de Solos/Serviço de Produção e Informação, 2013.), esses solos enquadram-se como eutróficos no topo e distróficos do setor de média vertente ao sopé.

Desta maneira, a classificação aponta para solos eutroférricos e/ou distroférricos, indicando assim que a topossequência do Platô de Marechal apresenta um sistema pedológico organizado no setor de topo por horizontes de solos que correspondem ao Latossolo Vermelho Eutróférrico e, lateralmente, transiciona para horizontes de solos que correspondem ao Nitossolo Vermelho Distróférrico latossólico.

ATRIBUTOS MICROMORFOLÓGICOS

Visando maximizar a apresentação, e gerar subsídios para compreender a dinâmica hídrica da vertente, são apresentados detalhadamente todos os horizontes do sistema pedológico do Platô de Marechal. O horizonte Ap (de ambos os solos) apresenta-se com dois tipos de arranjos distintos em termos micromorfológicos: um de trama porfírica contínua e outro de trama enáulica. As zonas porfíricas, que representam a metade do volume, aparecem envolvidas por zonas enáulicas, em proporções similares (Tabela 3 e Figura 3-a).

Tabela 3
Descrição micromorfológica dos horizontes de solos do sistema pedológico do Platô de Marechal.

Figura 3
Fotomicrografias dos horizontes de solo da topossequência do Platô de Marechal. a) Volume Ap - Transição entre trama porfírica descontínua e zona de trama enáulica com porosidade de empacotamento composto. b) Volume AB - Micromassa vermelho-amarela com “stress cutans” e destaque para a coalescência de microagregados. c) Volume Bw - Trama porfírica e aglomerados de microagregados. d) Volume B nítico - Trama porfírica, agregados poliédricos subangulares e porosidade dominante planar interagregados.

Os microagregados que aparecem nas zonas de trama enáulica são constituídos essencialmente por micromassa vermelha escura, argilo-férrica, indiferenciada a salpicada, ainda que se aplique grandes aumentos de zoom e luz intensa, orlados por estreita faixa de micromassa vermelho-amarela, salpicada (Figura 3-a). Apresentam dimensões variadas, predominando entre 0,5 a 2 mm de diâmetro, pedalidade forte, não acomodados entre si.

Nas zonas de trama porfírica, os agregados exibem formas subangulares com diâmetros maiores que 3 mm. Essas zonas contínuas resultam, em geral, de agrupamento dos microagregados arredondados, coalescidos entre si pela micromassa vermelho-amarela.

A diferença nos arranjos implica em variações no tipo de porosidade. Nas zonas enáulicas, predominam os poros interagregados com alta conectividade - porosidade de empacotamento composto. Além desta, há ainda uma porosidade mais fina intra-agregados como enfatizam alguns autores (COOPER; VIDAL-TORRADO, 2005VIDAL-TORRADO, P., LEPSCH, I. F., CASTRO, S. S. Conceitos e aplicações das relações Pedologia-Geomorfologia em regiões tropicais úmidas. In: VIDAL-TORRADO, P., ALLEONI, L. R. F., COOPER, M., SILVA, A. P., CARDOSO, E. J. (editores). Tópicos em Ciência do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo , 2005. v. 4, p. 145-192.), não observável nesta escala de análise. Nas zonas porfíricas, a porosidade é constituída por dois diferentes tipos de poros: as cavidades e os poros planares. As cavidades maiores são policôncavas (400 µm) e as menores são ovais (205 µm), ocasionalmente mais alongadas e curvas, apresentando entre si conectividade fraca ou nula. Os poros planares, por sua vez, são finos e conformes (fissuras de 15 a 40 µm), ou mais largos e não conformes, e dividem as zonas contínuas mais extensas em agregados poliédricos menores. Os poros planares mais largos (60 µm) são geralmente mais extensos e interconectados entre si e com a porosidade de empacotamento composto vizinha. Já os poros mais finos tendem a ser mais curtos e podem estar interconectados ou não com o sistema poroso geral. Alguns tubos (bioporos) preenchidos por microagregados também foram observados, evidenciando a atividade biológica.

O horizonte subsuperficial AB (Figura 3-b) apresenta, de forma dominante, trama porfírica englobando pequenos setores de trama enáulica, semelhantes àqueles observados no horizonte superior. As zonas porfíricas apresentam-se ora contínuas ora descontínuas. A exemplo do horizonte superior, essas zonas porfíricas se formam em decorrência do agrupamento de microagregados e a variação entre porfírica descontínua ou contínua revela diferentes estágios de aglutinação: a porfírica descontínua está associada a um estágio onde os volumes arredondados ainda são perceptíveis, restando no seu entorno algumas cavidades alongadas e curvas e outras policôncavas 150 µm; a porfírica contínua corresponde ao estágio onde as formas arredondadas originais já foram deformadas, exibindo, contudo, algumas pequenas cavidades ovaladas (∼20 a 40 µm), alinhadas ao longo de planos de soldamento, resultando localmente em um padrão de distribuição reticular.

Nas zonas enáulicas e porfíricas descontínuas, a micromassa é vermelho-escura, argilo-férrica, salpicada a indiferenciada, apresentando em alguns setores, bordas de agregados ou bordas de cavidades, uma micromassa mais clara, vermelho-amarela, salpicada. Nas zonas porfíricas contínuas, em alguns setores, a micromassa vermelho-amarela aparece estriada ("stress cutans", segundo a classificação de Brewer (1976)BREWER R. Fabric and mineral analysis of soils. 2ª. ed. New York: Krieger RE, 1976. nas faixas de contato entre os volumes originalmente arredondados dos microagregados e agora deformados e soldados entre si.

No conjunto, o material organiza-se preferencialmente em agregados de formas poliédricas subangulares com cerca de 1.000 µm de diâmetro. Nas zonas de trama porfírica descontínua, a coalescência de microagregados que lhe deu origem implicou no fechamento da porosidade, originalmente interagregada de empacotamento composto, e surgimento de uma porosidade dominantemente cavitária - poros policôncavos (25 µm) ou alongados e curvos - e planar, parcialmente conectados, apresentando, no máximo, 40 µm de largura. Esta condição de coalescência e alteração da porosidade também foram verificadas por Cooper e Vidal-Torrado (2005)COOPER, M.; VIDAL-TORRADO, P. Caracterização morfológica, micromorfológica e físico-hídrica de solos com horizonte B nítico. Revista Brasileira de Ciência do Solo, n. 29, p. 581-595, 2005., em horizonte Bw.

Nas zonas porfíricas contínuas, os poros planares aparecem com maior frequência, constituídos por fissuras em geral curtas, finas (∼25 µm) e conformes, parcialmente conectadas, quando intragregados, e mais largas e não conformes interagregados (45 µm). Os poros cavitários são menores, em geral ovalados e em quantidade reduzida. Podem apresentar, localmente, uma distribuição reticular, como já observado no horizonte Ap. Observam-se ainda algumas feições pedológicas de preenchimento compostas por micromassa amarela clara em alguns poros.

Os horizontes subjacentes, do Latossolo, Bw1 e Bw2, são muito semelhantes em termos físicos, hídricos (Figura 3, Tabela 3) e também micromorfológicos (Figura 3-c). Neles, aparecem ainda setores de trama porfírica contínua cortados por fissuras (longas e de abertura - 15 a 30 µm), distinguindo peds poliédricos subangulares moderadamente acomodados, setores de trama porfírica descontínua com porosidade cavitária, semelhantes àqueles observados no horizonte AB. Essas zonas aparecem envolvidas aqui por setores mais extensos constituídos por aglomerados de microagregados de formas arredondadas (100 a 200 µm de diâmetro), não acomodados, onde domina a trama enáulica, tal como evidenciado por Cooper (1999)COOPER, M. Influência das condições físico-hídricas nas transformações estruturais entre horizontes B latossólico e B textural sobre diabásio. 1999. 135f. Tese (Doutorado em Agronomia) - ESALQ/USP - Piracicaba - SP, 1999. em horizonte Bw de um Nitossolo Vermelho Eutroférrico latossólico. A micromassa dominante é também aquela vermelha escura, indiferenciada a salpicada, orlada pelas estreitas faixas de micromassa vermelho-amarela, salpicada.

A exemplo do que foi observado no horizonte AB, as zonas porfíricas exibem uma porosidade reduzida, constituída também por poros planares e cavidades policôncavas e ovaladas. Observa-se, entretanto, uma elevação na porosidade devido ao aumento das zonas de trama enáulica onde dominamos poros de empacotamento composto. Aqui a aglomeração dos microagregados produz, muitas vezes, uma redução na porosidade de empacotamento transformando-a, em alguns locais, em cavidades policôncavas. Esta condição também foi verificada por Silva e Castro (2015)SILVA, A. A.; CASTRO, S. S. Indicadores macro e micromorfológicos da qualidade física de um Latossolo Vermelho cultivado com cana-de-açúcar. Mercator, Fortaleza, v. 14, n. 3, p. 169-185, set./dez. 2015. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/view/1231/594>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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ao descreverem o Bw de um Latossolo Vermelho, com predomínio da distribuição enáulica, pedalidade forte (microagregada), com pequenas zonas adensadas porfíricas em blocos subarredondados pequenos. Indicam ainda, a predominância da macroporosidade intergranular de empilhamento, com canais, cavidades e/ou câmaras milimétricas associadas à mesofauna, além, de feições de preenchimento com material do próprio horizonte.

As características micromorfológicas observadas no perfil de solo do topo (Latossolo) para os horizontes Ap e AB se mantém ao longo de toda a topossequência, aparecendo, também, nos horizontes Ap e AB no perfil da trincheira 2 (Nitossolo), na baixa encosta.

O horizonte B nítico aparece a partir da média vertente em direção ao sopé, logo abaixo do horizonte AB (Figura 2). Como pode ser verificado na figura 3-d, esse horizonte apresenta uma trama porfírica contínua predominante e alguns setores isolados de trama enáulica. A micromassa é vermelha escura, salpicada em mosaico a estriada, e nas bordas dos agregados ela aparece com cor mais clara, vermelho vivo a vermelho amarelo.

A estrutura é composta por agregados poliédricos subangulares, que variam entre 1 e 4 mm, parcial a totalmente acomodados, e blocos menores que não chegam a 500 µm. A porosidade dominante é a planar interagregados, comunicante, de 10 a 30 micrômetros de abertura.

No interior dos agregados, é predominante a porosidade cavitária de forma ovalada (∼ 40 µm) e fissuras finas não conectadas. Em alguns dos blocos poliédricos maiores, aparecem canais de secção ovalada, preenchidos por microagregados muito pequenos (160 e 300 µm), oriundos de atividade biológica.

No campo, o horizonte B nítico foi subdividido em três volumes por apresentar pequenas diferenças morfológicas, como comprovam os dados físicos (Tabelas 1 e 4). O topo do B nítico apresenta-se mais adensado enquanto que na sua parte central e na base a densidade do solo é menor. Isso se traduz micromorfologicamente pelo aumento relativo de setores de trama porfírica descontínua em relação aos de trama porfírica contínua e por variações no sistema poroso, com o aumento de cavidades em relação aos poros planares, na parte central e na base desse horizonte.

Tabela 4
Porosidade, densidade do solo e condutividade hidráulica dos perfis de solos da topossequência do Platô de Marechal.

Os efeitos da atividade biológica, atestada pela presença de canais e pedofeições de preenchimento solto (microagregados), mais frequentes na porção central do horizonte B nítico, também são responsáveis pelas variações físicas observadas no seu interior (densidade do solo e porosidade).

Essa estrutura de agregados em blocos poliédricos e granulares prevalece até os 160 cm de profundidade na topossequência, quando, neste segmento da vertente, abaixo do B nítico, aparece novamente o Bw, com características semelhantes àquelas observadas no perfil do topo, mas com setores de trama enáulica mais abertos, como também indicam os dados de densidade de solo, significativamente mais baixos.

O material grosseiro (macromassa) aparece em pequena quantidade ao longo de toda a cobertura pedológica e em todos os horizontes, como atestam os dados granulométricos obtidos (Tabela 1). Esse material pode ser observado na figura 3-d. São grãos de minerais escuros (ilmenita e magnetita), geralmente angulosos a subangulosos, dispersos, envolvidos pelo material fino (micromassa).

ATRIBUTOS HÍDRICOS

No Platô de Marechal, a variação vertical e lateral dos dados de densidade do solo (Tabela 4) evidencia um adensamento maior nos horizontes superiores da cobertura, mais significativo no horizonte AB, onde é acompanhado por uma redução da porosidade. Este horizonte apresenta porosidade total diminuída em cerca de 10 % em relação ao horizonte superficial, em posição de topo, e em cerca de 15 %, no sopé da vertente. Entretanto, essa diminuição afeta principalmente a macroporosidade, cuja redução varia entre 56 % (topo) e 66 % (sopé).

Nos horizontes subjacentes, a densidade do solo diminui de forma acentuada na passagem para o Bw e B nítico. Os valores se mantêm aproximados, seja no Bw (Bw1 e Bw2) do setor alto da vertente, seja no B nítico (B nítico1, B nítico2, B nítico3). Entretanto, na baixa vertente, o Bw apresenta os valores de densidade do solo mais baixos de toda a topossequência (Figura 4).

Figura 4
Relação da condutividade hidráulica com a densidade do solo da topossequência do Platô de Marechal.

Esse comportamento também se reflete nos dados de porosidade total que se mantêm próximos no Bw e no B nítico. Observa-se, contudo, tomando-se o horizonte AB como referência, que, no setor de montante da topossequência, os valores de porosidade total apresentam apenas um ligeiro aumento em profundidade, da ordem de 3,5 % no Bw2. Na baixa vertente, esse aumento é mais significativo, de cerca de 11 % para o B nítico1, logo abaixo do AB, continuando a aumentar gradualmente, chegando a acréscimos de 26,5 % no Bw, abaixo do B nítico3. A macroporosidade, substancialmente reduzida no horizonte AB, aumenta nos horizontes B (Bw e B nítico) em mais de 85 %, no Bw1 do topo e, em 105 %, no B nítico1 no setor de baixa vertente. Enquanto a macroporosidade é gerada pelos arranjos estruturais do material do solo, a microporosidade é condicionada, preferencialmente pela textura do material. A macroporosidade possibilita a circulação hídrica livre e a microporosidade vai atuar, sobretudo, na retenção da água e no seu armazenamento. Assim, à medida que a estrutura se transforma, o balanço entre a macro e a microporosidade se altera, como se observa ao longo desta topossequência, tanto vertical como lateralmente e, consequentemente, é capaz de produzir variações no comportamento hídrico da cobertura pedológica.

Como mostram os dados (Tabela 4), nessa cobertura pedológica domina a microporosidade, a qual representa entre 72 % e 79 % do sistema poral no topo da topossequência, assinalando-se que, no horizonte AB, em face ao adensamento, ela chega a 86 % e, no sopé, ocorrem variações entre 71 % e 82 %, chegando, contudo, a 90 % no horizonte AB. A porosidade textural é, portanto, dominante, favorecendo a retenção da água. Os dados obtidos com os ensaios de condutividade hidráulica (Tabela 3 e Figura 5) evidenciam as relações entre a porosidade (macro e microporosidade) e o comportamento hídrico da cobertura pedológica.

Figura 5
Relação da condutividade hidráulica com a macro e a microporosidade dos solos da topossequência do Platô de Marechal.

Em termos hídricos, o horizonte superficial Ap, ao longo de toda a topossequência, apresenta condutividade hidráulica moderada (49,37 mm h-1, a montante e 45,15 mm h-1, a jusante), favorecida aí pela maior macroporosidade; muito lenta, no horizonte AB (valores inferiores a 1,00 mm h-1, com redução maior na baixa vertente); lenta nos volumes Bw, no topo (3,72 mm h-1 para o Bw1 e 3,39 mm h-1 para o Bw2), mas a partir da média vertente, passa, lateralmente, a ser muito lenta no topo do B nítico (0,32 mm h-1 no B nítico1), mantendo-se, contudo, lenta no B nítico2 (4,40 mm h-1) e B nítico3 (2,07 mm h-1). Apenas a partir da média vertente, no Bw, subjacente ao B nítico, a condutividade hidráulica aumenta, mas apresentando-se ainda como moderada (36,03 mm h-1).

Apesar da tendência de crescimento da condutividade hidráulica com o aumento da porosidade total e da macroporosidade, como mostram os dados obtidos, observa-se que a elevação da porosidade total ou da macroporosidade não é acompanhada, na mesma intensidade, pela condutividade hidráulica. A porosidade total e a macroporosidade mais elevadas no Bw não foram capazes de condicionar as mesmas taxas de condutividade hidráulica verificadas no horizonte Ap, do mesmo modo que valores similares de porosidade ou, mais especificamente, de macroporosidade, não correspondem a taxas próximas de condutividade hidráulica.

O mesmo comportamento pode ser observado quando se relacionam os dados de densidade do solo com a condutividade hidráulica (Figura 4). A relação estreita entre porosidade total e densidade do solo não se reproduz com a condutividade hidráulica.

Corrobora com esta discussão o estudo de Tavares-Filho et al. (2006)TAVARES-FILHO, J.; FONSECA, I. C. de B.; RIBON, A. A.; BARBOSA, G. M. de C. Efeito da escarificação na condutividade hidráulica saturada de um Latossolo Vermelho sob plantio direto. Ciência Rural. v. 36, n. 3, p. 996-999, Santa Maria, mai/jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?%20script=sci_arttext&pid=S0103-84782006000300045>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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, ao explicar que a condutividade hidráulica, obtida com o infiltrômetro a 15 cm de profundidade num Latossolo Vermelho Distroférrico no norte do Paraná, sob plantio direto após 20 anos, gerou uma média de 2,15 10-5 m s-1 (77 mm h-1), ou seja, uma condutividade hidráulica moderadamente rápida. Estes autores concluem que o não revolvimento do solo juntamente com o tráfego de máquinas tem provocado o aumento da densidade dos solos em Latossolos e Nitossolos do norte do Paraná, chegando a atingir valores próximos a 1,50 g cm-3, mas que depois da escarificação pode diminuir significativamente, atingindo valores de 0,99 g cm-3.

Para os solos do Platô de Marechal, além das interferências do balanço entre a macro e microporosidade no comportamento hídrico dessa cobertura pedológica, deve-se considerar, também, o tipo de poros, a sua distribuição e grau de conectividade, sobretudo com respeito à macroporosidade, já que esta é a principal responsável pela circulação hídrica. As observações micromorfológicas contribuem, nesse caso, para o entendimento da configuração do sistema poral e do seu funcionamento.

A figura 6 ilustra a variação do tipo, distribuição e tamanho dos poros observados nas lâminas delgadas dos volumes de solos característicos dessa topossequência. Como a análise micromorfológica já indicou, há uma transformação do sistema poroso da superfície para a base dos perfis estudados, que se reproduz ao longo de toda a topossequência, com algumas diferenças laterais relacionadas à transformação do Bw em B nítico, partindo-se do topo para o sopé da vertente.

Figura 6
Imagens binárias do sistema poroso dos horizontes de solos do Platô de Marechal. Os poróides aparecem em branco e a fase sólida em cinza.

Verticalmente, observa-se que o volume superficial (horizonte Ap) da cobertura pedológica exibe ainda uma parte importante da porosidade (macroporosidade) de tipo empacotamento composto, gerada pelo arranjo enáulico de cerca da metade da matriz do horizonte. Nas zonas de arranjo contínuo (trama porfírica), a macroporosidade é bastante reduzida e do tipo cavitária e fissural. A proporção entre os dois tipos de arranjos e a sua distribuição garantem ainda uma conectividade entre os poros, sobretudo para aqueles de empacotamento composto. Abaixo do horizonte superficial, entretanto, como se observa na figura 5, o material está adensado (horizonte AB), as zonas enáulicas são drasticamente diminuídas, o arranjo é dominantemente de tipo porfírico e a macroporosidade é preferencialmente cavitária e fissural com conectividade fraca ou nula. Essa transformação do espaço poral significa o fechamento de parte substancial da porosidade estrutural por onde circulam os fluxos hídricos livres e o aumento da porosidade textural, ou seja, da microporosidade, responsável pela retenção da água. As taxas de condutividade hidráulica obtidas (Tabela 4) comprovam a alteração no comportamento hídrico.

Silva e Castro (2015)SILVA, A. A.; CASTRO, S. S. Indicadores macro e micromorfológicos da qualidade física de um Latossolo Vermelho cultivado com cana-de-açúcar. Mercator, Fortaleza, v. 14, n. 3, p. 169-185, set./dez. 2015. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/view/1231/594>. Acesso em: 10 mar. 2016.
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também chamam a atenção para o predomínio da estrutura porfírica nos horizontes superficiais A e AB, resultantes da forte compactação superficial em áreas onde houve mudança de culturas, de pasto e soja para cana-de-açúcar.

Da mesma maneira, Kertzman (1996)KERTZMAN, F. F. Modificações na estrutura e no comportamento de um latossolo roxo provocadas pela compactação do solo. 1996. 153f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH - Departamento de Geografia. Universidade de São Paulo, 1996. utilizando imagens binárias para representar a organização dos microagregados e do seu espaço poral, evidenciou que, dos 10 aos 35 cm de profundidade, a porosidade do solo na área cultivada com plantio direto é bem mais reduzida do que um solo sob a mata. Esta compactação reduziu as taxas de infiltração da água em mais de 20 vezes. Para o autor, esta diminuição da infiltração foi provocada pela redução de poros interagregados e, principalmente, pela baixa conectividade.

Aqui, apesar da elevação da macroporosidade e da porosidade total, tanto no horizonte Bw (Bw1 e Bw2), no trecho superior da vertente, quanto no B nítico (B nítico1, B nítico2, B nítico3), os valores baixos de condutividade hidráulica evidenciam a fraca conectividade da porosidade. Mesmo com o aumento de zonas de trama enáulica e porosidade de empacotamento composto em relação às zonas porfíricas no Bw1 e Bw2, a montante, a tendência generalizada à aglomeração desses microagregados transforma parte significativa da porosidade de empacotamento composto em porosidade cavitária, diminuindo em muito a sua conectividade, o que explica as taxas de condutividade hidráulica reduzidas. A jusante, a porosidade predominantemente fissural e cavitária, característica do B nítico, é a responsável pela baixa condutividade. O horizonte Bw subjacente, na média e baixa vertente, exibe zonas de porosidade interagregada (poros de empacotamento composto) mais ampliadas e conectadas entre si, contendo, ainda, zonas porfíricas com porosidade cavitária fracamente conectada, mas que interferem menos na circulação hídrica, possibilitando, pelos valores obtidos, circulação hídrica moderada, semelhante àquela observada no horizonte superficial Ap.

A análise micromorfológica permite afirmar, desse modo, que é o tipo, a organização e distribuição dos poros na matriz do solo que condicionam preferencialmente a conectividade da porosidade e, consequentemente, a condutividade hidráulica, explicando, também, as variações e relações entre esta e os dados de porosidade total, macro e microporosidade verificados nos horizontes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No sistema pedológico, constituído por Latossolo Vermelho Eutroférrico e Nitossolo Vermelho Distroférrico latossólico, os solos apresentam alto grau de evolução, confirmados nos baixos índices da relação silte/argila, porém os horizontes diagnósticos Bw e B nítico não exibem 100% de floculação da fração argila.

Micromorfologicamente, o sistema pedológico apresenta-se com características estruturais particulares de cada horizonte, mas que por vezes se repetem nos demais. No horizonte Ap, a microestrutura em blocos arredondados, subarredondados e granulares sob trama enáulica predominante é bem observada. No horizonte AB as tramas porfíricas se formam a partir do agrupamento de microagregados e variam entre porfírica descontínua ou contínua, de acordo com os diferentes estágios de aglutinação. Notoriamente, a coalescência desses microagregados implica no fechamento do sistema poroso, originando poros cavitários - policôncavos ou alongados e curvos - e planar, parcialmente conectados.

No horizonte B latossólico, as características típicas de trama enáulica - a microestrutura de microagregados arredondados e subarredondados e a porosidade de empacotamento composto -, é comum apenas no Bw de maior profundidade. Aparecem com frequência setores de trama porfírica cortados por fissuras, distinguindo blocos poliédricos subangulares moderadamente acomodados, setores de trama porfírica descontínua com porosidade cavitária - semelhantes àqueles observados no horizonte AB -, e setores mais extensos constituídos por aglomerados de microagregados de formas arredondadas, não acomodados, onde domina a trama enáulica.

O horizonte B nítico apresentou trama porfírica contínua predominante e sua estrutura é composta por agregados poliédricos subangulares, parcial a totalmente acomodados, com alguns setores isolados de trama enáulica. Vale reforçar que as observações de campo e micromorfológicas no Bw, abaixo do B nítico, levam a inferir sobre uma possível transformação deste horizonte em estruturas poliédricas, assumindo características de B nítico.

Em termos hídricos, apesar da tendência de crescimento da condutividade hidráulica com o aumento da porosidade total e da macroporosidade, como mostram os dados obtidos, observa-se que a elevação da porosidade total ou da macroporosidade não é acompanhada, na mesma intensidade, pela condutividade hidráulica. A porosidade total e a macroporosidade mais elevadas no Bw não foram capazes de condicionar as mesmas taxas de condutividade hidráulica verificadas no horizonte Ap, do mesmo modo que valores similares de porosidade ou, mais especificamente, de macroporosidade, não correspondem às taxas próximas de condutividade hidráulica.

O mesmo comportamento pode ser observado quando se relacionam os dados de densidade do solo com a condutividade hidráulica. A relação estreita entre porosidade total e densidade do solo não se reproduz com a condutividade hidráulica. As observações micromorfológicas contribuíram, nesse caso, para o entendimento da configuração do sistema poroso e do seu funcionamento. Logo, além das interferências do balanço entre a macro e microporosidade no comportamento hídrico dessa cobertura pedológica, deve-se considerar, também, o tipo de poros, a sua distribuição e grau de conectividade, sobretudo com respeito à macroporosidade, já que esta é a principal responsável pela circulação hídrica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2017
  • Aceito
    04 Set 2017
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