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CIBERESPAÇO É A NOVA PANACEIA DA DEMOCRACIA?

ES EL CIBERESPACIO LA NUEVA PANACEA DE LA DEMOCRACIA?

Resumo

É comum encontrarmos em trabalhos que possuem a democracia como objeto de análise, especialmente na Ciência Política e na Sociologia, a internet como possível arma para superar os dilemas da democracia representativa. O objetivo desse artigo é ir na direção contrária, isto é, em um contexto contemporâneo marcado pela defesa de uma democracia digital, aqui reforçaremos a ideia de que a democracia se faz primordialmente na materialidade dos espaços políticos, especialmente em escala local. Demonstrar-se-á, a partir do estudo de caso de Juazeiro do Norte (CE), de que modo a democracia se constrói em espaços geográficos que existem fisicamente no mundo sem os quais o sistema democrático seria fortemente afetado. Para tanto, o artigo utiliza informações compiladas sobre a cobertura de rede móvel e de participação eleitoral e, posteriormente, dados primários e secundários sobre Associações (definidos na discussão teórica como espaços políticos limitados) presentes no município. Baseado na discussão de Dalton (2017)DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017. sobre o que denomina “hiato socioeconômico na participação” (sizeable socio-economic status participation gap) e nas discussões contemporâneas da Geografia Política sobre espaço político, o artigo revela a ilusão da democracia digital em um território desigual e sugere que o fosso existente na participação política entre os cidadãos no Brasil não será combatido priorizando o ciberespaço, mas sim, deve-se reforçar e revalorizar os espaços políticos em diferentes escalas, respeitando as diferenças socioespaciais existentes no território brasileiro.

Palavras-chave:
Espaço Político; Democracia; Ciberespaço; Desigualdade Na Participação; Juazeiro do Norte

Resumen

Es común encontrar en investigaciones que tienen la democracia como objeto de análisis, especialmente en Ciencias Políticas y Sociología, la internet como posible arma para superar los dilemas de la democracia representativa. El propósito de este artículo es ir en sentido contrario, es decir, en un contexto contemporáneo marcado por la defensa de una democracia digital, aquí reforzaremos la idea de que la democracia se hace principalmente en la materialidad de los espacios políticos, especialmente a la escala local. Se demostrará, a partir del caso de estudio de Juazeiro do Norte (CE), cómo la democracia se construye en espacios geográficos que existen físicamente en el mundo sin los cuales el sistema democrático se vería fuertemente afectado. Así, el artículo utiliza información recopilada sobre la cobertura de la red móvil y participación electoral y, posteriormente, datos primarios y secundarios de las Asociaciones presentes en el municipio. Basado en la discusión de Dalton (2017)DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017. de lo que él llama "brecha socioeconômica de participación" (sizeable socio-economic status participation gap) y discusiones contemporáneas de Geografía Política sobre el espacio político, el artículo revela la ilusión de la democracia digital en un contexto extremadamente desigual y sugiere que la brecha en la participación política entre los ciudadanos en Brasil no se cerrará dando prioridad al ciberespacio, sino que los espacios políticos deben fortalecerse y revalorizarse en diferentes escalas, respetando las diferencias socioespaciales existentes en el territorio brasileño.

Palabras-clave:
Espacio Político; Democracia; Ciberespaço; Desigualdad en la Participación; Juazeiro do Norte

Abstract

It is common to find in papers about democracy, especially in Political Science and Sociology, internet as a possible weapon to overcome the dilemmas of representative democracy. The purpose of this article is to go towards opposite direction, that is, in a contemporary context marked by the defense of a digital democracy, we will reinforce the idea that democracy is made primarily in the materiality of political spaces, especially on a local scale. It will be demonstrated, from the case study of Juazeiro do Norte (CE), how democracy is built in geographic spaces that physically exist in the world without which the democratic system would be strongly affected. The article uses information compiled on the coverage of the mobile network and electoral participation and, later, primary and secondary data about Associations in Juazeiro. Based on Dalton's (2017)DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017. discussion of what he calls “sizeable socio-economic status participation gap” and contemporary discussions of Political Geography on political space, the article reveals the illusion of digital democracy in an extremely unequal territory and suggests that the existing gap in political participation among citizens in Brazil will not decrease by prioritizing cyberspace, but rather, political spaces should be strengthened and revalued at different scales, respecting the socio-spatial differences existing in Brazilian territory.

Keywords:
Political Space; Democracy; Cyberspace; Inequality In Participation; Juazeiro do Norte

INTRODUÇÃO

A emergência da internet e, mais recentemente, as plataformas de redes sociais transformaram as relações sociais, econômicas e políticas, com impactos profundos no espaço geográfico. Essas transformações foram e ainda são intensamente analisadas por profissionais das ciências humanas, de diferentes perspectivas analíticas e metodológicas. É comum encontrarmos em trabalhos que possuem a democracia como objeto de análise, especialmente na Ciência Política e na Sociologia, a internet como possível arma para superar os dilemas da democracia representativa.

Inserido nesse contexto, o artigo tem como objetivo ir na direção contrária, isto é, em um cenário contemporâneo marcado pela defesa de uma democracia digital, aqui reforçaremos a ideia de que a democracia se faz primordialmente na materialidade dos espaços políticos, especialmente em escala local. Apesar de não negar a importância do ciberespaço para a reinvenção do modo tradicional de se fazer política, especialmente na capacidade de ativação dos espaços políticos, demonstrar-se-á de que modo a democracia se constrói em espaços geográficos que existem fisicamente no mundo, sem os quais o sistema democrático seria fortemente afetado.

A crise do coronavírus (COVID-19) em 2020 revelou na grande mídia algo que as estatísticas oficiais já apontavam e parecia que havíamos esquecido: o acesso à internet e às redes sociais ainda é muito restrito a alguns grupos sociais dispersos assimetricamente no território. Seja na tentativa de adoção de ensino à distância para alunos da rede pública de ensino básico e superior, até mesmo na abertura de contas na Caixa Econômica Federal para receber o auxílio emergencial, o que se viu foi o apagão tecnológico que parte da população brasileira vive até hoje. Por outro lado, demonstraremos que, mesmo se houvesse uma desejável expansão na capacidade de uso da internet no Brasil, ainda assim deveríamos ver com cautela o uso desses meios como substitutivos para os espaços políticos.

Como será apresentado nas próximas seções, um aparente paradoxo se apresenta no mundo atual, pois, ao mesmo tempo em que houve um crescimento de participação política em novas instituições participativas (AVRITZER, 2009AVRITZER, Leonardo. Participatory Institutions in Democratic Brazil. Washington DC: Woodrow Wilson Center Press, 2009.) e no uso mais intenso das ruas para manifestações (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.), nota-se uma diminuição paulatina no comparecimento às urnas (DALTON, 2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.), revelando uma marcante alienação do eleitor (voter alienation) na última década1 1 Importante distinguir o que se considera como voter alienation e voter apathy. Aquele implica uma rejeição ativa do sistema político, quando o eleitor acredita que não há diferença entre as escolhas apresentadas em um claro sentimento de rejeição a todo o sistema, enquanto este significa a falta de responsabilidade individual, sem o sentimento de obrigação pessoal em participar (CREWE et al, 1992). .

Desse modo, o principal meio de participação na democracia representativa vem perdendo seu valor, enquanto outras metodologias surgem e ganham força, como petições online, Conselhos, audiências públicas, grupos de pressão em redes sociais, entre outros. Nosso argumento central busca demonstrar como, ao contrário do que afirmam críticos da democracia representativa, esse aparente paradoxo aumenta ainda mais o fosso existente entre grupos sociais como atores políticos.

Nesse sentido, esse artigo está dividido em dois principais momentos. Na primeira seção, apresentaremos as duas bases teóricas que fornecem subsídios para o argumento central: (a) a discussão trazida por Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) sobre o que denomina sizeable socio-economic status (SES) participation gap, isto é, como novos mecanismos de participação aumentaram a distância entre pessoas com mais e menos recursos (resources2 2 Cabe, aqui, destacar que “resources” na língua inglesa não se limita a “dinheiro”, como em geral a palavra se associa na língua portuguesa. Resources tem um sentido amplo, incluindo tempo, condições físicas etc., além, claro, de recursos financeiros. ), desfavorecendo a democracia3 3 Outras importantes críticas ao papel da internet na política atual já foram feitas e são também importantes nesse debate, apesar de, por fatores práticos de um artigo, não serem nosso foco. O fenômeno das fakenews e o problema do slacktivism (“ativismo da preguiça”) são salutares. O primeiro é apontado como novo meio duvidoso usado para eleger candidatos nos últimos anos (EMPOLI, 2020) e o segundo se refere à ilusão de ter um grande impacto político no mundo apenas por participar de um grupo político em redes sociais, como o Facebook (MOROZOV, 2011). ; (b) e a discussão contemporânea na Geografia Política sobre espaço político e a importância de sua physicallity (materialidade) para a democracia.

Na segunda seção, utilizaremos o município de Juazeiro do Norte e algumas de suas associações de moradores como estudo de caso para analisar a falácia do ciberespaço e como a materialidade dos espaços políticos é fundamental para o aprofundamento da democracia, especialmente em escala local em uma cidade média em uma região com graves problemas socioeconômicos.

Defendemos, com isso, a importância de se olhar a democracia a partir das diferenças socioespaciais existentes no território (AKOS, 2009AKOS, Jakobi (2009), «Diverse Approaches to the Importance of Geography: The Death of Geography or Geography Matters in the Information Age!», in DONERT, Karl, SCHMEINCK, Daniela, ARI, Yilmaz, ATTARD, Marie & Gerry O’REILLY (sous la direction de), Celebrating Geographical Diversity, Berlin, Mensch und Buch Verlag, pp. 190-195.), isto é, cabe à Geografia e aos geógrafos defender a ideia de que não seria possível pensar uma engenharia política (SARTORI, 1996SARTORI, G. Engenharia constitucional. Brasília: Ed. da UnB, 1996.) simétrica em um país tão assimétrico como o Brasil, correndo-se o risco de legitimar práticas institucionais viciosas que colocam em ameaça todo o sistema democrático. O artigo sugere, portanto, que o fosso existente na participação política entre os cidadãos de diferentes grupos sociais no Brasil não será combatido priorizando o ciberespaço e seus mecanismos participativos, mas sim, deve-se reforçar e revalorizar os espaços políticos em diferentes escalas, respeitando as diferenças socioespaciais existentes no território brasileiro.

O DILEMA DA PARTICIPAÇÃO ATUAL

No final de 2017, o cientista político americano Russell Dalton publicou o livro denominado The Participation Gap: social status & political inequality, no qual entra no debate milenar sobre a importância da participação para a democracia. Segundo o autor, há uma corrente dentro das ciências humanas que segue a ideia tocquevilliana e, mais contemporaneamente, de Robert Putnam (1996PUTNAM, R. D. Comunidade e Democracia: a Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.), ao defender que uma democracia se desenvolve proporcionalmente ao incremento de participação e, por essa razão, seria necessária a construção de novos mecanismos para aprofundar a democracia.

Para essa corrente, um dos principais problemas da democracia atual seria a falta de participação do cidadão na política, que resultaria em seu maior distanciamento e sentimento de não representação. Nesse grupo, há aqueles que veem o Estado capitalista e a democracia como fenômenos incompatíveis e acreditam que para minimizar as tendências oligárquicas da democracia liberal seria necessário expandir a participação (CASTORIADIS, 2004CASTORIADIS, C. Figuras do Pensável: as encruzilhadas do Labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004.; HOBSBAWN, 2007HOBSBAWN, E. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.; SANTOS, 2009SANTOS, B. S. (orgs.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009.; RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, J. O Ódio à Democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.), construindo uma democracia participativa (PATEMAN, 1970PATEMAN, Carole. Participation and Democratic Theory. Londres: Cambridge University Press, 1970.). Novas instituições participativas (AVRITZER, 2009AVRITZER, Leonardo. Participatory Institutions in Democratic Brazil. Washington DC: Woodrow Wilson Center Press, 2009.) fomentariam, desse modo, o capital social (PUTNAM, 1996PUTNAM, R. D. Comunidade e Democracia: a Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.).

A princípio, as discussões sobre a democracia participativa sugeriam que os métodos tradicionais de representação via eleições periódicas deveriam ser suplantados por estratégias novas e criativas de participação direta, seja plebiscito/referendo ou mesmo Conselhos temáticos em múltiplas escalas (veja, por exemplo, PATEMAN 1970PATEMAN, Carole. Participation and Democratic Theory. Londres: Cambridge University Press, 1970.). Atualmente, a corrente que antes defendia o fim completo da democracia representativa se juntou a outras na afirmação que esses mecanismos deveriam ser usados como complementação para expansão da participação, sem exclusão dos espaços políticos mais tradicionais da democracia representativa, como os Parlamentos de diferentes escalas políticas (AZEVEDO, 2018_____. Modelos de democracia e espaços políticos: o caso da democracia participativa. Revista Geografares, n.26, v.1, p.126-146, 2018.).

Entretanto, Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) aponta que a defesa pelo aumento da participação possui falhas argumentativas e práticas que precisariam ser ressaltadas. Para o cientista político, esses autores pecariam ao considerar a participação tout court como indicador de melhoria da democracia. Segundo Dalton, não se deve focar apenas no quanto de participação aumentou/diminuiu, mas sim em quem passou a participar mais ou menos. Acrescentamos, ainda, que o onde também é uma variável de análise importante, como destacaremos nesse artigo.

Dalton retoma a crítica feita por Lijphart (1996LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Civilização brasileira, 1996.) sobre a democracia representativa: participação desigual significa influência desigual, o maior problema da democracia representativa. Assim, apesar do otimismo gerado pela criação de novas instituições participativas e da democracia digital, o sizeable socio-economic status (SES) participation gap, isto é, o hiato socioeconômico de participação teria aumentado com o “ciberespaço” e os novos mecanismos desenvolvidos nas últimas décadas, sendo, portanto, um fenômeno que precisa ser analisado criticamente e não como a solução para os problemas já conhecidos da democracia representativa. É esse argumento que analisaremos com mais detalhe a seguir.

O AUMENTO DO HIATO SOCIOECONÔMICO NA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA (SES PARTICIPATION GAP)

É evidente na literatura um aumento expressivo da defesa do que comumente se define como “e-democracia”, “democracia digital”, “ciberdemocracia” ou “democracia eletrônica” (MAGRANI, 2014MAGRANI, E. Democracia conectada: a internet como ferramenta de engajamento político-democrático. Curitiba: Juruá, 2014.; TRECHSEL, 2012V. TRECHSEL, A. et al. Evaluation of the use of new Technologies in order to facilitate democracy in Europe. In: FARIA, Cristiano Ferri Soares de. O Parlamento aberto na era da internet: pode o povo colaborar com o legislativo na elaboração das leis? Brasília: Câmara, 2012. p. 96.), de modo que a ascensão da internet fomentaria maior accountability e governança (DUBUS et al, 2010DUBUS, N.; HELLE, C.; MASSON-VINCENT, M. De la gouvernance à la geogouvernance: de nouveaux outils pour une démocratie local renouvelée. L’Espace Politique, (10), 2010-1. https://espacepolitique.revues.org/1574.
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). Em sua defesa, alguns autores afirmam que o desenvolvimento da internet tornaria o cidadão também um produtor de informação e amplificaria a vigilância em relação aos seus governantes, tornando possível a (re)construção de elementos da democracia direta (AL-KODMANY, 2000AL-KODMANY, K. Public Participation: technology and democracy. In: Journal of Architectural Education. Vol. 53, n. 4 (May 2000), p.220-228.; AVRITZER, 2009AVRITZER, Leonardo. Participatory Institutions in Democratic Brazil. Washington DC: Woodrow Wilson Center Press, 2009.; CASTELLS, 2013CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet, 2013.; CASTORIADIS, 2004CASTORIADIS, C. Figuras do Pensável: as encruzilhadas do Labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004.; 2012; MANIN, 1995MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.29, 1995, p.5-34.; 2013_____. A democracia do público reconsiderada. Novos Estudos, n.97, 2013.; NADALES, 1996NADALES, A. J. P. (org.). El debate sobre la crisis de la representación política. Madrid: Editorial Tecnos, 1996.; RAMOS, 2013RAMOS, C. La Democracia Hacker - el poder de los ciudadanos. Madrid: Algon Editores, 2013.; TENÓRIO, 2016TENÓRIO, F. G.; KRONEMBERGER, T. S (orgs). Gestão social e conselhos gestores. Volumes 3. Rio de Janeiro: FGV, 2016.).

Shirky (2008SHIRKY, C. (2008). Here Comes Everybody: The Power of Organizing Without Organizations. New York: Penguin Press.; 2011)_____. (2011). The Political Power of Social Media. Foreign Affairs, January/February. foi um dos pesquisadores que defendeu de maneira apaixonada a tecnologia de informação, afirmando que as redes sociais seriam ferramentas que permitiriam novos modos de formar grupos políticos. Segundo o autor, “a formação de grupos deixou de ser difícil para ser ridiculamente fácil. Estamos vendo uma explosão de experimentos com novos grupos e novos tipos de grupos” (SHIRKY, 2008SHIRKY, C. (2008). Here Comes Everybody: The Power of Organizing Without Organizations. New York: Penguin Press., p.54)4 4 ‘group-forming has gone from hard to ridiculously easy, we are seeing an explosion of experiments with new groups and new kinds of groups’ - T.L.A. .

Diferentemente do que podemos ver em algumas interpretações, as redes sociais não funcionam como meios de participação a-espaciais, pois, por mais que sejam organizados na rede, os protestos ocorrem nos espaços políticos da rua. Além disso, mais do que ativar espaços geográficos em espaços políticos (AZEVEDO, 2019_____. 2019a. “Evaluation of the democratic system from the qualification of political spaces: the case of Cuauhtémoc (Mexico)”. L’Espace Politique 39(3): 1-25. https://doi.org/10.4000/espacepolitique.7563
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; CASTELLS, 2013CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet, 2013.; CASTRO, 2018______. Espaço Político. GEOgraphia, v.20, n.42, p.120-126, 2018.), geógrafos já apontaram para a própria espacialidade do ciberespaço (SANGUIN, 2014SANGUIN, A. L. Fim da geografia ou vingança da geografia? As sociedades humanas entre um mundo liso, um mundo pontudo ou um mundo plano. Confins, 22, 2014, posto online no dia 08 fevereiro 2015, consultado o 07 maio 2020. URL : http://journals.openedition.org/confins/9809 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.9809
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), inclusive a partir da localização geográfica dos trezes principais servidores da zona raiz da internet (PIRES, 2012PIRES, H. F. Estados nacionais, soberania e regulação da internet. Scripta Nova, v.XVI, n.418 (63), 2012.) ou do IP (internet protocol) (ISRAEL, 2020ISRAEL, C. B. Território, jurisdição e ciberespaço: entre os contornos westfalianos e a qualidade transfronteiriça da internet. Geousp - Espaço e Tempo (Online), v. 24, n. 1, p. 69-82, abr. 2020.).

Assim, a globalização e a internet não acabam com a importância da geografia, mas, ao contrário, constroem uma nova complexidade de dinâmicas socioespaciais. Esse debate já foi amplamente realizado por geógrafos de diferentes partes do mundo, como O’Tuathail (2000)O’TUATHAIL, G. (2000). Borderless Worlds? Problematizing Discourses of Deterritorialization, in KLIOT, Nurit & David NEWMAN, Geopolitics at the End of the Twentieth Century. The Changing World Political Map, London, Frank Cass, pp. 139-154., Santos (2000SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Editora Record, 2000.), Massey (2005MASSEY, D. Pelo Espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.), Haesbaert (2007HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.), Agnew (2012) e Sanguin (2014)SANGUIN, A. L. Fim da geografia ou vingança da geografia? As sociedades humanas entre um mundo liso, um mundo pontudo ou um mundo plano. Confins, 22, 2014, posto online no dia 08 fevereiro 2015, consultado o 07 maio 2020. URL : http://journals.openedition.org/confins/9809 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.9809
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, sendo desnecessário entrar nessa discussão. O argumento central do nosso artigo vai ao encontro das perguntas que Sanguin (2014, p.3)SANGUIN, A. L. Fim da geografia ou vingança da geografia? As sociedades humanas entre um mundo liso, um mundo pontudo ou um mundo plano. Confins, 22, 2014, posto online no dia 08 fevereiro 2015, consultado o 07 maio 2020. URL : http://journals.openedition.org/confins/9809 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.9809
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também já realizou: “A quem a desterritorialização beneficia? Que classe social faz a promoção da desterritorialização? Para quem é esse mundo sem fronteiras?”. Tal como no tema da mobilidade humana, podemos, ao discutir o tema do ciberespaço como solução para os problemas da democracia, utilizar da metáfora do mesmo autor ao dizer que “nem liso, nem plano: o mundo é todo pontiagudo!” (op. cit, p.3).

Assim, Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) revela que, diferentemente das eleições nas quais o princípio fundamental é “uma cabeça, um voto”5 5 Importante destacar que essa discussão teórica da democracia ganha novos contornos nas configurações das estruturas político-administrativa dos países. No Brasil, o sistema eleitoral não segue essa regra na formação do Senado Federal, nem na eleição da Câmara dos Deputados Federais, cuja representação demográfica gera uma sub-representação dos estados mais populosos e uma sobre-representação dos estados menos populosos. Autores já afirmaram (NICOLAU, 2002; CASTRO, 2005) que, apesar de esse fato distorcer, a princípio, a ideia básica de democracia, isso seria fundamental em um contexto geográfico de imensas disparidades regionais no território nacional. , a participação política que emerge atualmente na internet e redes sociais rompe com essa lógica a partir do momento em que não há limites para criação de grupos de pressão, envios de e-mails para parlamentares, votos em petições online etc. Se, no primeiro caso, já são as classes mais pobres e menos educadas aquelas que participam cada vez menos das eleições periódicas (HESS & MCAVOY, 2015HESS, D.; MCAVOY, P. 2015. The political classroom: evidence and ethics in democratic education. New York: Routledge.; DALTON, 2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.), o segundo torna o poder de influência das pessoas com mais recursos (resources) ainda maior.

O argumento central de Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) corrobora as críticas feitas por Swyngedouw (2018SWYNGEDOUW, E. Promises of the political: insurgent cities in a post-political environment. The Mit Press, 2018.) no que denominou como “cidade pós-política”. Em seu trabalho recente, o geógrafo revelou que o aumento de certas instituições participativas na gestão das cidades aumentou a crença na técnica em detrimento à política, desqualificando o dissenso em nome do consenso promovido pelos “sábios”. Pesquisas sobre os Conselhos Municipais no Brasil apontam na mesma direção (AZEVEDO, 2019a_____. 2019a. “Evaluation of the democratic system from the qualification of political spaces: the case of Cuauhtémoc (Mexico)”. L’Espace Politique 39(3): 1-25. https://doi.org/10.4000/espacepolitique.7563
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).

Assim, muitas vezes consideradas como instituições que aprofundariam e qualificariam a democracia em escala local (AVRITER, 2007), os Conselhos, por exemplo, compostos por técnicos em áreas temáticas e organizações da sociedade civil pouco transparentes, tornam a administração pública mais afastada do cidadão comum e mais próxima a uma elite intelectual, característica já apontada por diferentes pesquisas (SANTOS JUNIOR et al, 2004SANTOS JUNIOR, O. A. S.; RIBEIRO, L. C. Q.; AZEVEDO, S. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, Fase, 2004.; TENÓRIO & KRONEMBERGER, 2016TENÓRIO, F. G.; KRONEMBERGER, T. S (orgs). Gestão social e conselhos gestores. Volumes 3. Rio de Janeiro: FGV, 2016.).

Desse modo, concordamos com Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) ao afirmar que a defesa de uma democracia digital aumenta o hiato socioeconômico na participação política (SES participation gap), especialmente em uma sociedade tão desigual como a brasileira, apresentando um processo de infoexclusão (CASTELLS, 2013CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet, 2013.; RIBEIRO et al 2013RIBEIRO, L. C. Q.; SALATA, A. ; RIBEIRO, M. ; COSTA, L. G. Desigualdades digitais: Acesso e uso da Internet, posição social e segmentação espacial nas metrópoles brasileiras. Análise Social, v. XLVIII, p. 288-320, 2013.). Por outro lado, mesmo que haja uma necessária e desejada ampliação da inclusão digital nos próximos anos6 6 Veja, por exemplo, a declaração de posse do novo ministro das Comunicações, ao afirmar que sua principal meta é ampliar a inclusão digital no Brasil, porque sua precariedade havia sido denunciada pela crise do coronavírus. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-06/em-posse-fabio-faria-diz-que-buscara-pacificacao-e-inclusao-digital Acessado dia 18 de junho de 2020. , a Geografia Política pode demonstrar que, ainda assim, a participação virtual não pode substituir a materialidade dos espaços políticos.

A IMPORTÂNCIA DO ENCONTRO FACE A FACE PARA A DEMOCRACIA: A MATERIALIDADE DOS ESPAÇOS POLÍTICOS

Parece anacrônico afirmar a importância da materialidade dos espaços políticos em uma época de expansão do mundo virtual. Sem dúvida, concordamos que o mundo virtual introduziu novos elementos à prática política, como ficou bastante claro nas manifestações de junho pelo Brasil em 2013 (CASTELLS, 2013CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet, 2013.; FERNANDES e ROSENO, 2013FERNANDES, E.; ROSENO, R. F. Protesta Brasil: das redes sociais às manifestações de rua. São Paulo: Prata Editora, 2013.; SAKAMOTO, 2013SAKAMOTO, L. Em São Paulo, o Facebook e o Twitter foram às ruas. In: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, 2013, p.95-100.). Como Lee (2009LEE, Nelson K. How is political public space made? - the birth of Tiananmen Square and the May Fourth Movement. Political Geography 28 (2009), 32-43., p.33) destaca, “o fim do espaço público” é um ponto de vista altamente aceito no debate contemporâneo, que teria sido promovido, dentre outros motivos, pelo avanço da construção do espaço virtual.

Parkinson (2012PARKINSON, J. R. Democracy and Public Space. Oxford University Press, 2012.) também apresenta diferentes autores ao longo da década de 1990 e dos anos 2000 que defenderam a maior importância que deveria ser dada às redes sociais virtuais. Entretanto, concorda-se aqui com o autor ao afirmar que enquanto dermos atenção ao meio de comunicação, negligenciamos o que está sendo comunicado. As revoluções são televisionadas e essas imagens e narrativas são de um espaço físico e não de um ciberespaço. O autor utiliza o pressuposto do contato face a face para se posicionar favoravelmente à necessidade de espaços materiais.

Compartilhamos sua preocupação ao afirmar que “na sociedade onde todos votamos e decisões são tomadas online, suspeito que o debate se tornaria menos civil, mais polarizado e levado menos a sério, pois a política se transformaria em apenas mais em um show” (op.cit. p.68). Por essa razão, seguimos sua defesa ao assumir que “a democracia depende surpreendentemente de uma disponibilidade de materialidade [...] mesmo no nosso inegável mundo digital” (PARKINSON, 2012PARKINSON, J. R. Democracy and Public Space. Oxford University Press, 2012., p.2). Parkinson demonstra sensibilidade geográfica e colabora para espacializar a democracia. Entretanto, ele não é único. Alguns poucos trabalhos na Geografia seguem também nessa direção (BRINT & SALZMAN, 1988BRINT, Steven; SALZMAN, Michele Renee. Reflections on political space: the roman fórum and capitol hill, Washington D.C. Places: Volume 5, number 1, 1988.; LEE, 2009LEE, Nelson K. How is political public space made? - the birth of Tiananmen Square and the May Fourth Movement. Political Geography 28 (2009), 32-43.; MACHADO FILHO, 2018MACHADO FILHO, G. F. Dos espaços da sociabilidade aos espaços da ação política: transfiguração de ruas e praças em espaços políticos. Revista Geografares, n.26, p.214-234, 2018.).

Outros autores buscaram traçar uma tipologia dos espaços políticos - qualificando-os como abertos (ruas e praças), limitados (Conselhos e Associações) e exclusivos (Parlamentos em diferentes escalas políticas) (CASTRO, 2018______. Espaço Político. GEOgraphia, v.20, n.42, p.120-126, 2018.) - e também construir uma metodologia de mensuração da qualidade desses espaços para o sistema democrático (AZEVEDO, 2019_____. 2019a. “Evaluation of the democratic system from the qualification of political spaces: the case of Cuauhtémoc (Mexico)”. L’Espace Politique 39(3): 1-25. https://doi.org/10.4000/espacepolitique.7563
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). De qualquer modo, é possível afirmar que o espaço político é aquele materialmente construído que serve como intermediação e condiciona as relações entre Estado e sociedade (AZEVEDO & LIÑARES, 2020AZEVEDO, D. A.; LIÑARES, D. E. H. 2020. Geografía de la democracia: espacio politico abierto en la elección presidencial de 2018 en Mexico. GEOgraphia, v.22, n.49.).

Vale ressaltar, mais uma vez, que defender a materialidade dos espaços políticos para a democracia não significa dizer que a internet e as redes sociais também não desempenham um importante papel político no século XXI. Como afirma Gerbaudo (2012GERBAUDO, P. Tweets and the streets: social media and contemporary activism. Plutopress, 2012.), as redes sociais funcionam como coreografias de assembleia (choreography of assembly), pois realizam uma arrumação da cena pública (scene-setting) e constroem um roteiro (scripting) para o uso das ruas e praças.

O autor, apesar de apontar os benefícios das redes sociais para a democracia, também ressalta o risco de isolamento se o ativismo virtual não for acompanhado de atuação nas ruas e interação com aquelas pessoas do outro lado do mundo digital, ou seja, pessoas que “não possuem uma conta de Facebook” (GERBAUDO, 2012GERBAUDO, P. Tweets and the streets: social media and contemporary activism. Plutopress, 2012., p.15).

Concordamos com Parkinson (2012PARKINSON, J. R. Democracy and Public Space. Oxford University Press, 2012.) ao afirmar que deliberações que ocorrem em espaços políticos tendem a ser mais cívicas que reuniões virtuais, pois escolhemos mais cuidadosamente as palavras na presença de outros. O antes, o durante e o depois das reuniões realizadas em espaços políticos possuem importância fundamental para a democracia da prática cotidiana, desde o aproveitamento dos intervalos para o desenvolvimento de ideias e amizades e o reencontro com pessoas queridas ou antigas desavenças, à disseminação do evento - a depender do caso, por exemplo, é possível que se instale até mesmo comércio informal com venda de produtos e alimentos, atraindo pessoas que não tinham conhecimento do que estava acontecendo.

Desse modo, o mundo virtual é uma zona de conforto para seus integrantes, no qual se pode falar e escutar apenas o que se deseja. Exclui-se o que não gosta. Sendo resultado de ambientes com ausência de normas de regulamentação para o convívio dos diferentes, essa característica ganha força no mundo virtual. O espaço político é uma zona de risco, onde os diferentes se encontram, falam e precisam se escutar - por isso, é ali que a democracia se constrói e se fortalece, onde os Homens compartilham atos e palavras.

O mundo virtual é fundamental para aproximar as pessoas e, por isso, a capacidade de ação se ampliou, já que quando os homens “vivem próximos uns aos outros, as potencialidades da ação estão sempre presentes” (WAGNER, 2000WAGNER, E. S. Hannah Arendt & Karl Marx: o mundo do trabalho. São Paulo: Ateliê editorial, 2000., p.53).

O espaço político promove o encontro entre os diferentes e a interação cara a cara, tornando possível a construção de uma verdadeira pedagogia da democracia, onde os homens realizam sua plena humanidade, “sua plena realidade como homens, não apenas porque são (como na vida privada familiar), mas também porque aparecem” (ARENDT, 2009ARENDT, Hannah. O que é Política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009., p.47).

JUAZEIRO DO NORTE - A FRAGILIDADE DA PARTICIPAÇÃO VIRTUAL E A NECESSIDADE DA MATERIALIDADE DOS ESPAÇOS POLÍTICOS

Juazeiro do Norte foi o município escolhido como objeto de análise dessa pesquisa por representar uma importante cidade média da segunda região mais populosa do país. Acreditamos que selecionar uma metrópole ou uma cidade pequena para ajudar a responder às questões desse trabalho nos levaria ao erro conhecido em pesquisas qualitativas como confirmation bias (MASON, 1996MASON, J. (1996). Qualitative Researching. London: Sage.; PERÄKYLA, 1997PERÄKYLÄ, A. (1997). Reliability and validity in research based on tapes and transcripts. In D. Silverman (Ed.), Qualitative Research: Theory, Method and Practice (pp. 201-220). Sage. London.), pois a maior ou a menor facilidade de acesso à internet e, consequentemente, à participação política virtual, se relaciona também diretamente à posição do município na hierarquia urbana (IBGE, 2016IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99700.pdf> Acesso em: 15 jun. 2020.
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). Cabe destacar que Juazeiro do Norte serviu como um estudo de caso para nos ajudar a refletir sobre as questões propostas nesse artigo e, portanto, inferências para outros contextos precisam ser realizadas com cautela. Por outro lado, a partir das análises dos dados e da tentativa de fugir do erro de confirmation bias, acreditamos que o caso de Juazeiro pode ser um exemplo bastante factível para o resto dos municípios brasileiros. Conhecido como centro de religiosidade popular, Juazeiro do Norte tem sua imagem geralmente vinculada ao padre Cícero Romão Batista e ao fenômeno das Romarias; sua população urbana em 1991 era de 164.922 residentes e subiu para 202.227 em 2000, para 240.128 em 2010, correspondendo a 96,07% do total da população municipal. Estima-se que em 2020, o município teria 174.681 eleitores (IBGE, 2018IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99700.pdf> Acesso em: 15 jun. 2020.
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).

No primeiro momento, dados sobre abstencionismo eleitoral no município desde a promulgação da nova Constituição Federal até as eleições de 2016 foram compilados da página virtual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a fim de revelar se há registro de diminuição da participação eleitoral no município, assim como defendem autores que lidam com a democracia. Posteriormente, usamos dados de cobertura da rede móvel da operadora com maior abrangência de sinal no município, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)7 7 Foram 1090 pontos geolocalizados e raio de 50 metros. e, com o auxílio do software QGIS, a mapeamos sobrepondo às áreas delimitadas em quatro categorias - alta, média, baixa e sem vulnerabilidade de infraestrutura urbana, revelando as disparidades de acesso à internet no território. Para a construção dos polígonos de vulnerabilidade de infraestrutura urbana, utilizamos dados do IBGE sobre a existência ou não de serviços públicos essenciais (como eletricidade, saneamento básico etc.), assim como definido por diferentes autores (BARRIENTOS, 2017BARRIENTOS, P. Un factor de Riesgo para la salud de la población del estado de Veracruz: presencia de aflatoxinas en ganado bovino y su ingesta a través de la leche. Tesis (Doctorado en Geografía), Universidad Nacional Autónoma de México, 2017.; MOLINA, 2016MOLINA, I. Segregación residencial en los límites de las instalaciones petroleras en Salina Cruz, Oaxaca. XXII Congreso Nacional de Geografía, San Luis Potosi, del 5 al 7 de julio de 2016. México, 2016.; SOTELO & AZEVEDO, 2019SOTELO, L. S. P.; AZEVEDO, D. A. La ciudad puerto de Salina Cruz, Mexico: Escenarios de vulnerabilidade socioambiental. GEOUerj, Rio de Janeiro, n.35, 2019, p.1-30. | doi: 10.12957/geouerj.2019.40477
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).

A escolha pelo uso dos dados fornecidos pela ANATEL responde ao conhecido fato de que o acesso da população é maior nos aparelhos móveis do que em computadores domiciliares, especialmente entre usuários de classes sociais menos favorecidas (PNAD, 2018; SERPA, 2017SERPA, A. Justiça espacial e cidade digital: espaço como meio operacional no Brasil. Boletim Goiano de Geografia. V.37, n.3, p.409-428, 2017.). Devido ao adiamento do Censo 2020 devido à pandemia do COVID-19, escolhemos como outra opção de triangulação metodológica (DENZIN, 1970DENZIN, N. K. The research act: a theoretical introduction to sociological methods, New York: Aldine Transaction, 1970.; HAMMERSLEY & ATKINSON, 2007HAMMERSLEY, M.; ATKINSON, P. Ethnography: principles in practice. 3a ed. London, 2007.), as informações trazidas pela mídia jornalística, dados da PNAD-contínua e pesquisas já desenvolvidas por outros autores.

Por fim, como modo de testar o argumento sobre a importância da materialidade dos espaços políticos, realizamos uma investigação sobre as associações existentes no município através de dados compilados durante o período de trabalho de um dos autores deste artigo na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura municipal de Juazeiro do Norte (Seplad/PMJN). Foram encontradas 122 Associações e depois mapeadas para revelar a sua densidade no território e, a partir disso, escolhemos três associações para a realização de entrevistas semiestruturadas (todas realizadas no segundo trimestre de 2019) com líderes comunitários, selecionados a partir da conjugação dos seguintes aspectos: a vulnerabilidade de infraestrutura urbana dos bairros, a incidência populacional e a indicação de alguns agentes à medida que realizamos o trabalho de campo.

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ELEITORAL E O HIATO SOCIOECONÔMICO NA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA VIRTUAL

Figura 1
Abstencionismo Eleitoral em Juazeiro do Norte (1988-2016).

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, nota-se um aumento expressivo do abstencionismo eleitoral em Juazeiro desde a redemocratização até, principalmente, os anos 2000, além de um leve acréscimo em 2012, o que corrobora o fenômeno retratado anteriormente da diminuição da participação eleitoral. Cabe destacar, novamente, que houve um aumento expressivo de população durante esse período, o que significa dizer que o número absoluto de cidadãos que se abstiveram de votar é muito expressivo.

Sublinhamos que esse processo estrutural registrado em diferentes partes do mundo também é cortado por contextos conjunturais, como podemos ver no ano de 2008 e a influência do sucesso do Partido dos Trabalhadores (PT) em escala nacional, elegendo, pela primeira vez na história, um prefeito desse partido em Juazeiro do Norte, município com histórico de eleição de partidos de centro-direita. É conhecida na ciência política a influência do contexto político nacional nas eleições locais (MILBRATH & GOEL, 1977MILBRATH, L.; GOEL, M. 1977. Political Participation. Chicago: Rand McNally.; RYAN, 2004RYAN, J. 2004. “Decentralization and Democratic Instability: The Case of Costa Rica”. Public Administration Review 1(64): 13-33. https://doi.org/10.1111/j.2041-7373.2012.00069.x
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) e, em especial, o caso do PT nas eleições municipais de 2008. Outro caso interessante é a eleição de 2016, marcada pela presença maciça dos eleitores. É possível sugerir que esse caso reflete o processo de cassação de mandato do prefeito dois anos antes, agitando as eleições posteriores. De qualquer modo, a figura 2 revela a dificuldade que seria lidar com esse impasse político através da “democracia digital”.

Figura 2
Cobertura de sinal da operadora TIM em polígonos de vulnerabilidade de infraestrutura urbana em Juazeiro do Norte-CE.

A figura abaixo revela o que Milton Santos (2007_____. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2007.) já apontava sobre a impossibilidade de se pensar a técnica sem os constrangimentos do território, tornando-se até mesmo um agente de isolamento e segregação. Ao observar a figura, vimos que o centro geográfico e suas áreas mais próximas possuem maior infraestrutura e consequentemente menor índice de vulnerabilidade urbana, enquanto as áreas periféricas carecem de diferentes serviços essenciais básicos. Analisando o cruzamento de quantas vezes o bairro foi marginalizado (considerando os índices coletados acima citados) e a quantidade populacional, vimos que o bairro Frei Damião apresentou os piores índices, seguido dos bairros Pedrinhas e Horto.

Como é possível ver na figura, as áreas com alta vulnerabilidade urbana coincidem com uma pequena cobertura de internet, chegando ao caso de não ter nenhuma em alguns locais, enquanto a cobertura de sinal é total nos bairros sem vulnerabilidade urbana, ou seja, a desigualdade socioespacial também se revela no plano “virtual”. Na figura, é possível perceber que as áreas com alta vulnerabilidade predominam sem sinal e quando o tem, prevalece a cobertura 2G. Quanto à média vulnerabilidade, a cobertura 2G predomina, em poucas áreas a cobertura 3G, chegando até 4G em uma área ainda menor. Quanto à cobertura 4G, a encontramos em maior incidência nas áreas com baixa vulnerabilidade, o que confirma estudos sobre a apropriação da internet na região Nordeste (SERPA, 2017SERPA, A. Justiça espacial e cidade digital: espaço como meio operacional no Brasil. Boletim Goiano de Geografia. V.37, n.3, p.409-428, 2017.).

Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil de 2015 apontam para a expressiva desigualdade na velocidade de conexão entre as regiões do Brasil, chegando, naquele ano, a 40% das casas no Centro-Oeste com velocidade maior que 8Mbps, enquanto no Nordeste alcançava, no máximo, 15% dos domicílios. Mais uma vez, dados da PNAD-contínua reforçam essa desigualdade no estado do Ceará: o estado como um todo está na posição 23ª no percentual de domicílios com acesso à internet no país, a mesma posição no que se refere ao uso do telefone celular. Há ainda um hiato no uso da internet na comparação entre Fortaleza e o interior, entre faixas etárias e na capacidade de uso de dados (PNAD, 2018).

A diminuição na participação eleitoral parece ter sido acompanhada por uma multiplicação de outros tipos de instituições participativas no município. Dados do IPEA (2018) apontam para um crescimento expressivo de associações e outras organizações da sociedade civil em Juazeiro do Norte, o que demonstraria, ao menos em princípio, o crescente nível de participação política para além das eleições ordinárias na escala local, o que poderia sugerir a melhoria no capital social (PUTNAM, 1996PUTNAM, R. D. Comunidade e Democracia: a Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.). Dentre essas instituições, destacam-se 122 Associações, dentre as quais há o predomínio de associações de desenvolvimento e de defesa de direito, em sua maioria associações comunitárias e de moradores de bairro, seguidas das de associações de cunho cultural e de recreação. A espacialização dessas associações (Figura 3) revela uma evidente concentração espacial das associações no território de Juazeiro do Norte, especialmente no centro da cidade e em bairros com menor vulnerabilidade urbana. Mesmo que muitas das associações não explicitamente representativas de um território (como aquelas relacionadas à defesa de um direito amplo) possam usar o centro de Juazeiro como estratégia para levantar recursos financeiros, obter maior visibilidade dos moradores de todo município ou mesmo facilitar deslocamentos e mobilizações realizadas nas áreas centrais, chama a atenção a ausência de Associações de Moradores em diferentes bairros periféricos, apesar de sua importância histórica para as populações mais carentes (SOARES, 1989SOARES, M. T. S. Movimentos sociais urbanos: as associações de moradores de favelas no município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, v.51, n.4, out./dez., 1989, pp.97-108.; FONTES, 1995FONTES, B. A. S. M. A estrutura organizacional das associações políticas voluntárias: um estudo de caso das Associaçoes de Moradores no Recife. Anais Encontro Nacional da ANPUR, v.6, 1995, p.979-1007.).

Figura 3
Concentration of Associations in Juazeiro do Norte - 2018.

Desse modo, corroboram-se aqui os argumentos trazidos por Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) sobre a importância de se analisar não apenas se houve um aumento geral da participação em instituições participativas diversas, mas sim quem passou a participar mais. Ao espacializar esses dados, destacamos também a importância de se analisar onde a participação aumentou, especialmente quando se conhecem as grandes desigualdades socioespaciais. Sem dúvida, essas informações das Associações em Juazeiro do Norte merecem uma atenção maior em futuras reflexões, o que fugiria do escopo desse trabalho.

Por fim, foram selecionadas, a partir dos critérios já anteriormente destacados, três associações a fim de se analisar a importância da materialidade do espaço político. Posto isto, as associações escolhidas foram: Comunitária do Bairro Frei Damião, Educativa e Cultural Asa Branca e Centro Comunitário de Arte, Cultura, Esporte e Cidadania. A seguir o quadro informativo sobre as lideranças, necessidades, propósito e condição da sede.

Tabela 1
Informativo dos líderes e das associações.

Jozelucia Pontes de Araújo8 8 Todas as pessoas entrevistadas aqui autorizaram o uso de seus nomes verdadeiros. é assistente social, mora em Juazeiro do Norte-CE desde os nove anos de idade e atualmente reside no bairro Frei Damião. É presidente da Associação Comunitária do Bairro Frei Damião, criada em março de 2008 com a demanda inicial de cuidar das crianças enquanto suas mães trabalhavam. Mesmo em uma situação de carência absoluta em diferentes áreas, a líder ressaltou que uma de suas principais reivindicações é adquirir uma sede própria. Segundo ela, “o que eu mais lutava e que até hoje luto é uma sede própria”. O terreno possui uma localização central dentro do bairro que representa, porém, por falta de infraestrutura, Jozelucia necessita utilizar, para as reuniões ordinárias, além dele (Figura 4 e 5), sua casa e um galpão cedido pela prefeitura. É nesse terreno retratado nas figuras que, muitas vezes, as reuniões ocorrem com algumas cadeiras em formato circular. Segundo a entrevistada, a falta de espaço físico adequado para a Associação impossibilita seu apropriado funcionamento, diminuindo, inclusive, a visibilidade e a credibilidade frente aos moradores. Se, a publicidade é um elemento fundamental da materialidade dos espaços políticos (AZEVEDO, 2019_____. 2019a. “Evaluation of the democratic system from the qualification of political spaces: the case of Cuauhtémoc (Mexico)”. L’Espace Politique 39(3): 1-25. https://doi.org/10.4000/espacepolitique.7563
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), é importante refletir sobre as consequências para a própria legitimidade democrática de um espaço político com essas deficiências estruturais.

Figura 4
Local de reunião.

Figura 5
Associação Comunitária do Bairro Frei Damião.

Quanto à questão do uso da internet, Jozelucia pontuou que a utiliza para se comunicar apenas com pessoas distantes, “as pessoas de perto a gente gosta mesmo é de ir chamar, convidar e estar corpo a corpo”. A líder ressaltou que a importância do seu trabalho é garantida por ser conhecida pessoalmente pelas pessoas do bairro e a internet teria importância apenas para informar sobre eventos e reuniões.

Aurineide Almeida Barbosa é oriunda de família muito pobre e exerce a função de presidente da Associação Educativa e Cultural Asa Branca, localizada em um bairro com melhores indicadores sociais (Triângulo). O local oferta alimentação, mediação de conflito, aulas de teatro e música, entre outros (Figuras 5 e 6), atendendo aproximadamente 300 pessoas e abrindo as portas quase todos os dias.

Figura 6
Pátio.

Figure 7
Escritório.

O registro acima revelou uma estrutura material bem melhor do que a Associação Comunitária do Bairro Frei Damião. No local, múltiplas atividades são realizadas, possibilitando a participação e interesse de uma quantidade maior de pessoas do bairro. Segundo Aurineide, a associação iniciou “pela necessidade de um povo” quando ela cedeu o espaço de sua casa em 2008 para desenvolver um ensaio de uma quadrilha junina que se chamava Asa Branca. Logo depois, o Governador Cid Gomes (à época) foi o responsável por ceder o novo espaço, o que revela o papel fundamental do poder público para a formação do espaço político limitado. Aurineide afirma que seria impossível realizar as atividades da Associação se não fosse o espaço cedido, pois a eficácia da associação estaria intrinsecamente ligada à existência de seu espaço físico. A entrevistada, quando foi perguntada sobre o uso da internet, revelou: “eu não sou muito de fazer isso não. Uma que eu não mexo, eu mexo pouca coisa, mas eu tenho quem mexa”.

O trabalho de campo revelou que, para além de prestação de serviços à comunidade, essas Associações funcionam como importante canal de mediação entre o poder público e os moradores. É por essa razão que é possível dizer que essas Associações se configuram como espaços políticos em potencial, assim apresentado na discussão teórica anterior. Joselúcia afirmou que “o poder público não sabe nem um terço do que um líder comunitário sabe” e, por isso, haveria, segundo ela, um conflito com o Prefeito que temeria a perda de seu poder. Porém, ela afirma que “tem muitos [moradores] que não chegam no Prefeito, por conta de não ter o prestígio de chegar, não saber procurar; enquanto o líder comunitário pode levar o pedido pra ele ou pro secretário”. Aurineide vai ao encontro dessas afirmações ao dizer que ela se sente investida do “poder da comunidade” quando busca alguma coisa em nome do bairro. Não à toa, como é conhecido na literatura sobre o tema, a Associação pode servir como um trampolim de acesso à política tradicional: tanto Jozelucia quanto Aurineide são, atualmente, candidatas nas eleições de 2020 ao cargo de vereadora do município de Juazeiro do Norte. Interessante destacar ainda que, atualmente, ambas as líderes possuem contas ativas no Instagram, o que demonstra a importância da internet quando há a necessidade de aumentar a escala de publicidade do impacto das ações - fundamental para uma eleição municipal.

Aos 58 anos de idade, Maria Rosário Fátima Sousa nos concedeu uma entrevista no Centro Comunitário de Arte, Cultura, Esporte e Cidadania - doravante denominada CCACEC, anteriormente chamada pelo nome Associação Produtiva do Bairro Timbaúba. Nessa entrevista, declarou que iniciou a associação em 2009 com um movimento cultural de um grupo junino para as crianças. Sua mudança do bairro Timbaúba para o bairro Campo Alegre (note-se na figura que a mudança de bairro é algo recente) ocorreu devido ao corte realizado na gestão do ex-prefeito Raimundo Macedo (então PMDB) à associação, pois era com aquele incentivo que Rosário pagava o aluguel da casa onde morava e funcionava como sede para a associação. Ao comentar que desde o início é a representante da associação, Rosário afirma que, na mudança, ela levou consigo a associação para o outro bairro. Segundo a entrevistada, sua principal reivindicação para o CCACEC é uma sede própria, pois o espaço seria muito importante para o desenvolvimento do Centro. Rosário foi a entrevistada que falou de forma mais empolgada sobre o uso da internet e sua relação com os associados, já que, segundo ela, foi criada uma página no Facebook para a quadrilha junina que atingiu mais de cinco mil pessoas, sendo necessário criar outra página.

O caso do CCACEC nos convida a refletir sobre outra importância da materialidade dos espaços políticos: a despersonalização da política local. A construção de um fixo espacial ligado à Associação impossibilitaria a mudança de logradouro do CCACEC junto à sua líder. Algo comum a todos os três casos pesquisados e já apontado por diferentes pesquisas e reportagens em outros municípios (AZEVEDO, 2016AZEVEDO, D. A. A democracia participativa como um sofisma: uma interpretação geográfica da democracia. Tese de doutorado. PPGG, UFRJ, 2016.), é a falta de rotatividade do cargo, tornando a Associação, muitas vezes, um espaço de domínio de certas lideranças. No terceiro caso aqui analisado essa situação preocupante chegou ao extremo: a associação e a líder se confundem, tornando-se uma só. Sem dúvida, a existência pura e simplesmente de um espaço físico não seria suficiente para eliminar esse problema e tornar as associações mais democráticas, porém, é um começo importante. Como defendido nas seções anteriores, o exercício da democracia não se limita ao voto. Neste sentido, há a possibilidade de quanto melhor a qualificação da materialidade dos espaços políticos limitados, maior a probabilidade para fomentar a participação nesses importantes canais de intermediação.

As três associações escolhidas apresentam elementos distintos que nos ajudam a compreender a importância da materialidade dos espaços políticos para a democracia, especialmente a de escala local. O segundo caso apontou a necessidade de acordos entre o poder público e as associações, cedendo espaços e exigindo contrapartida social da líder. Já quanto ao uso da internet como ferramenta para a comunicação, vimos que as duas primeiras se encontraram em um cenário que valorizam a ideia do corpo a corpo e a documentação e comunicação por outras vias, como figurass e projetos, enquanto a terceira relata o uso da página do Facebook como forma de animar a participação nos encontros. Pesquisas também revelam que o uso dessas tecnologias tem relação com a idade e o sexo, notando-se que as mulheres usam menos do que os homens e quanto maior a idade, menor o uso9 9 Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/02/conheca-as-redes-sociais-mais-usadas-no-brasil-e-no-mundo-em-2018.ghtml> Acesso em 16 jul 2020. .

Em resumo, de acordo com as lideranças, a existência de melhores condições físicas fomentaria a expansão da quantidade de associados, a aquisição de mais recursos, a promoção de encontros sistemáticos entre os associados, atendendo uma maior escala espacial, entre outros aspectos. Na pesquisa de campo, vimos que a existência da sede significa uma maior legitimidade para a participação em diversos projetos, fazendo com que todos os líderes entrevistados apresentassem motivação, organização e interesse em adquirir uma infraestrutura capaz de produzir melhores resultados.

CONCLUSÃO

Apesar de diferentes cientistas que lidam com fenômenos sociais já estarem criticando abertamente a internet como panaceia para todos os problemas, esse artigo teve como objetivo reforçar essa crítica e acrescentar uma perspectiva geográfica sobre esse tema relacionado à democracia. Apesar de não pretendermos abandonar o papel revolucionário que a internet e as redes sociais possuem na ativação dos espaços políticos ou mesmo na promoção de uma melhor accountability, ao trazer o trabalho recente de Dalton (2017DALTON, R. J. The participation gap: social status and political inequality. Oxford Editor, 2017.) sobre o aumento do hiato social na participação política, ressaltamos que o ciberespaço como “democracia digital” pode aprofundar ainda mais as diferenças sociais no sistema democrático, especialmente em países com graves desigualdades socioespaciais, como o Brasil.

Porém, a contribuição da Geografia nesse debate vai além de apontar as assimetrias de apropriação da tecnologia no território. Buscamos também revelar a importância da materialidade dos espaços políticos, mesmo se a almejada ampliação do uso da internet no Brasil ocorresse na próxima década. A democracia cotidiana se constrói espacialmente.

Por último, nossa análise também demonstrou a importância de se pensar o sistema democrático de modo escalar, isto é, apesar de o fenômeno global de diminuição da participação eleitoral ser sentido até mesmo na cidade média de Juazeiro do Norte, razões e soluções perpassam escalas distintas e relacionadas. É na escala mais próxima do cidadão que a materialidade dos espaços políticos se faz, talvez, mais necessária. É, portanto, no uso da internet como modo de ativação e revalorização dos espaços políticos que se encontra um efetivo modo de requalificar a democracia.

NOTA

  • 1
    Importante distinguir o que se considera como voter alienation e voter apathy. Aquele implica uma rejeição ativa do sistema político, quando o eleitor acredita que não há diferença entre as escolhas apresentadas em um claro sentimento de rejeição a todo o sistema, enquanto este significa a falta de responsabilidade individual, sem o sentimento de obrigação pessoal em participar (CREWE et al, 1992CREWE, I 1992, ‘Changing votes and unchanging voters’, Electoral Studies, 11, 4, p. 335-345, Scopus®, EBSCOhost, viewed 12 January 2018).
  • 2
    Cabe, aqui, destacar que “resources” na língua inglesa não se limita a “dinheiro”, como em geral a palavra se associa na língua portuguesa. Resources tem um sentido amplo, incluindo tempo, condições físicas etc., além, claro, de recursos financeiros.
  • 3
    Outras importantes críticas ao papel da internet na política atual já foram feitas e são também importantes nesse debate, apesar de, por fatores práticos de um artigo, não serem nosso foco. O fenômeno das fakenews e o problema do slacktivism (“ativismo da preguiça”) são salutares. O primeiro é apontado como novo meio duvidoso usado para eleger candidatos nos últimos anos (EMPOLI, 2020EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo, Vestígio, 2020.) e o segundo se refere à ilusão de ter um grande impacto político no mundo apenas por participar de um grupo político em redes sociais, como o Facebook (MOROZOV, 2011MOROZOV, E. (2011). The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom. New York: PublicAffairs.).
  • 4
    ‘group-forming has gone from hard to ridiculously easy, we are seeing an explosion of experiments with new groups and new kinds of groups’ - T.L.A.
  • 5
    Importante destacar que essa discussão teórica da democracia ganha novos contornos nas configurações das estruturas político-administrativa dos países. No Brasil, o sistema eleitoral não segue essa regra na formação do Senado Federal, nem na eleição da Câmara dos Deputados Federais, cuja representação demográfica gera uma sub-representação dos estados mais populosos e uma sobre-representação dos estados menos populosos. Autores já afirmaram (NICOLAU, 2002NICOLAU, J. Sistemas eleitorais. São Paulo: FGV Editora, 2002.; CASTRO, 2005CASTRO, I. E. Geografia e Política: território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.) que, apesar de esse fato distorcer, a princípio, a ideia básica de democracia, isso seria fundamental em um contexto geográfico de imensas disparidades regionais no território nacional.
  • 6
    Veja, por exemplo, a declaração de posse do novo ministro das Comunicações, ao afirmar que sua principal meta é ampliar a inclusão digital no Brasil, porque sua precariedade havia sido denunciada pela crise do coronavírus. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-06/em-posse-fabio-faria-diz-que-buscara-pacificacao-e-inclusao-digital Acessado dia 18 de junho de 2020.
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    Foram 1090 pontos geolocalizados e raio de 50 metros.
  • 8
    Todas as pessoas entrevistadas aqui autorizaram o uso de seus nomes verdadeiros.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2020
  • Aceito
    30 Nov 2020
  • Publicado
    15 Mar 2021
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