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Internação devido a infecção pelo vírus sincicial respiratório em pacientes menores de 2 anos com doença cardíaca congênita hemodinamicamente significativa

Resumos

OBJETIVO: Descrever taxas de hospitalização, carga de doença e fatores de risco associados a infecções agudas respiratórias (IRAs), especialmente aquelas causadas pelo vírus sincicial respiratório (VSR) e as causadas por outros vírus, em uma coorte de pacientes menores de 2 anos com doença cardíaca congênita (DCC). MÉTODOS: Um estudo de coorte observacional e prospectivo foi realizado com pacientes com DCC que receberam alta da unidade neonatal e foram acompanhados em um centro de referência. Foram registradas variáveis demográficas, tipo de DCC e necessidades médicas. O desfecho primário foi a internação por IRA (em valores totais e referentes apenas à infecção pelo VSR e por outras causas), e o secundário a carga da doença em pacientes hospitalizados. As taxas de internação foram calculadas considerando os valores totais de IRA e também os referentes apenas à IRA pelo VSR. Também foi calculada a densidade de incidência. RESULTADOS: Foram incluídos 71 pacientes com peso de nascimento de 3.043±720 g (média ± DP); 74% necessitaram de cirurgia e 8,4% faleceram em decorrência da DCC. No total, 22/71 pacientes foram hospitalizados por IRA (31%; IC95% 20-43), 15 deles pelo VSR (21%; IC95% 12-32), e ocorreram 1,35 episódios de internação por IRA/1.000 dias de seguimento (0,92 episódios de internação por IRA causada pelo VRS/1.000 dias). Quarenta por cento dos pacientes com IRA causada pelo VSR necessitaram de admissão em UTI pediátrica, e 30% necessitaram de VM versus nenhum nos casos de IRA por outros vírus. CONCLUSÕES: Na população estudada, a internação por IRA era comum, sendo o VSR a causa mais frequente. A carga da doença associada à IRA pelo VSR foi considerável, embora nenhum paciente tivesse falecido em decorrência da IRA. Com exceção da pouca idade, nenhum outro fator de risco biológico ou social esteve associado à internação por IRA causada pelo VSR.

Vírus sincicial respiratório; infecções respiratórias; cardiopatia; lactentes


OBJECTIVE: To describe hospitalization rates, burden of disease, and associated risk factors of acute respiratory infections (ARI), particularly those caused by respiratory syncytial virus (RSV) and non-RSV-ARI, in a cohort of patients under 2 years of age with congenital heart disease (CHD). METHODS: A prospective, observational cohort study was conducted with CHD patients discharged from the neonatal unit and followed up at a referral center. Demographic variables, type of CHD, and medical needs were recorded. Study primary outcome was hospitalization for ARI (overall, due to RSV, and due to other causes). Secondary outcome was burden of disease in hospitalized patients. Incidence rates of hospitalization were calculated for overall ARI and RSV-ARI. Incidence densities were additionally calculated. RESULTS: Seventy-one patients with birth weight 3,043±720 g (mean ± SD) were included; 74% required surgery and 8.4% died of CHD during the study. Overall, 22/71 patients were hospitalized due to ARI (31%; 95%CI 20-43), 15 of them RSV-associated (21%; 95% CI 12-32), and there were 1.35 episodes of hospitalization for ARI/1,000 days of follow-up (0.92 episodes of hospitalization for RSV-ARI/1,000 days). Forty per cent of patients with ARI due to RSV needed admission to pediatric ICU and 30% required mechanical ventilation vs. none in non-RSV-ARI. CONCLUSIONS: In the studied population, ARI hospitalization was common, and RSV was its most frequent cause. Disease burden associated with RSV-ARI was considerable, although no patient died from ARI. Except younger age, no other biological or social risk factors were found associated with RSV-ARI hospitalization.

Respiratory syncytial virus; respiratory tract infections; heart disease; infants


ARTIGO ORIGINAL

Internação devido a infecção pelo vírus sincicial respiratório em pacientes menores de 2 anos com doença cardíaca congênita hemodinamicamente significativa

Silvia AndresI; Gabriela BauerI; Susana RodríguezII; Luis NovaliI; Diego MicheliIII; Diana FariñaIV

IAssistant pediatrician of the Neonatal Follow Up Program, Hospital Garrahan, Buenos Aires, Argentina

IIResearch department coordinator, Hospital Garrahan, Buenos Aires, Argentina

IIICardiologist of the Neonatal Follow Up Program, Hospital Garrahan, Buenos Aires, Argentina

IVChief, Neonatal Intensive Care Unit, Hospital Garrahan, Buenos Aires, Argentina

Correspondência Correspondência: Silvia Andres, MD Calle 37, no. 372, Dto 4, La Plata 1900 - Buenos Aires - Argentina Tel.: +54 (221) 427.5747, +54 (221) 555.7211 E-mail: silviabandres@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever taxas de hospitalização, carga de doença e fatores de risco associados a infecções agudas respiratórias (IRAs), especialmente aquelas causadas pelo vírus sincicial respiratório (VSR) e as causadas por outros vírus, em uma coorte de pacientes menores de 2 anos com doença cardíaca congênita (DCC).

MÉTODOS: Um estudo de coorte observacional e prospectivo foi realizado com pacientes com DCC que receberam alta da unidade neonatal e foram acompanhados em um centro de referência. Foram registradas variáveis demográficas, tipo de DCC e necessidades médicas. O desfecho primário foi a internação por IRA (em valores totais e referentes apenas à infecção pelo VSR e por outras causas), e o secundário a carga da doença em pacientes hospitalizados. As taxas de internação foram calculadas considerando os valores totais de IRA e também os referentes apenas à IRA pelo VSR. Também foi calculada a densidade de incidência.

RESULTADOS: Foram incluídos 71 pacientes com peso de nascimento de 3.043±720 g (média ± DP); 74% necessitaram de cirurgia e 8,4% faleceram em decorrência da DCC. No total, 22/71 pacientes foram hospitalizados por IRA (31%; IC95% 20-43), 15 deles pelo VSR (21%; IC95% 12-32), e ocorreram 1,35 episódios de internação por IRA/1.000 dias de seguimento (0,92 episódios de internação por IRA causada pelo VRS/1.000 dias). Quarenta por cento dos pacientes com IRA causada pelo VSR necessitaram de admissão em UTI pediátrica, e 30% necessitaram de VM versus nenhum nos casos de IRA por outros vírus.

CONCLUSÕES: Na população estudada, a internação por IRA era comum, sendo o VSR a causa mais frequente. A carga da doença associada à IRA pelo VSR foi considerável, embora nenhum paciente tivesse falecido em decorrência da IRA. Com exceção da pouca idade, nenhum outro fator de risco biológico ou social esteve associado à internação por IRA causada pelo VSR.

Palavras-chave: Vírus sincicial respiratório, infecções respiratórias, cardiopatia, lactentes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe hospitalization rates, burden of disease, and associated risk factors of acute respiratory infections (ARI), particularly those caused by respiratory syncytial virus (RSV) and non-RSV-ARI, in a cohort of patients under 2 years of age with congenital heart disease (CHD).

METHODS: A prospective, observational cohort study was conducted with CHD patients discharged from the neonatal unit and followed up at a referral center. Demographic variables, type of CHD, and medical needs were recorded. Study primary outcome was hospitalization for ARI (overall, due to RSV, and due to other causes). Secondary outcome was burden of disease in hospitalized patients. Incidence rates of hospitalization were calculated for overall ARI and RSV-ARI. Incidence densities were additionally calculated.

RESULTS: Seventy-one patients with birth weight 3,043±720 g (mean ± SD) were included; 74% required surgery and 8.4% died of CHD during the study. Overall, 22/71 patients were hospitalized due to ARI (31%; 95%CI 20-43), 15 of them RSV-associated (21%; 95% CI 12-32), and there were 1.35 episodes of hospitalization for ARI/1,000 days of follow-up (0.92 episodes of hospitalization for RSV-ARI/1,000 days). Forty per cent of patients with ARI due to RSV needed admission to pediatric ICU and 30% required mechanical ventilation vs. none in non-RSV-ARI.

CONCLUSIONS: In the studied population, ARI hospitalization was common, and RSV was its most frequent cause. Disease burden associated with RSV-ARI was considerable, although no patient died from ARI. Except younger age, no other biological or social risk factors were found associated with RSV-ARI hospitalization.

Keywords: Respiratory syncytial virus, respiratory tract infections, heart disease, infants.

Introdução

O vírus sincicial respiratório (VSR) é a causa mais frequente de infecções respiratórias agudas (IRAs) das vias aéreas inferiores em crianças pequenas, e sua manifestação clínica mais comum é a bronquiolite1-3.

O Ministério de Saúde da Argentina afirmou que a IRA é a terceira maior causa de mortalidade infantil, depois de malformações perinatais e congênitas. Além disso, é a principal motivo de consulta entre criança menores de 2 anos e representa mais de 40% das altas hospitalares nos meses de4.

Há cada vez mais evidências de que a bronquiolite causada pelo VSR está associada a eventos respiratórios mais graves5. Existem populações pediátricas que apresentam risco aumentado de morbimortalidade por infecção pelo VSR6; uma delas é a de crianças nascidas com doença cardíaca congênita (DCC). Vários relatos indicam aumento na susceptibilidade à IRA em crianças com DCC, principalmente naquelas com comprometimento hemodinâmico significativo, com uma maior taxa de internação em unidades de terapia intensiva e maior risco de mortalidade do que a população pediátrica em geral. Entre os agentes etiológicos da IRA nesse grupo, o VSR causa maior morbidade do que outros vírus respiratórios7-9.

Aproximadamente 5.000 crianças com DCC nascem por ano na Argentina. Setenta por cento (70%) delas necessitarão de intervenção cirúrgica antes do primeiro ano de vida10. Enquanto aguardam a correção completa do problema ou a cirurgia paliativa, esses pacientes continuam apresentando comprometimento hemodinâmico, com ou sem hipertensão pulmonar, e geralmente necessitam de terapia medicamentosa cardiovascular11. A sobrevida das crianças com DCC aumentou consideravelmente; no entanto, faltam dados, ou eles são escassos, sobre a incidência e o impacto da IRA - tanto em termos gerais quanto em relação à IRA associada ao VSR -, principalmente durante os primeiros anos, quando a DCC resulta em comprometimento hemodinâmico persistente.

O uso do anticorpo monoclonal palivizumabe para a prevenção de IRA grave causada pelo VSR em crianças menores de 2 anos com DCC é atualmente o tratamento padrão em muitos países do mundo12,13. As recomendações atuais da Sociedade Argentina de Pediatria para o uso de profilaxia passiva contra o VSR em crianças incluem recém-nascidos prematuros e crianças com DCC14. Embora os recém-nascidos prematuros que atendem aos critérios estabelecidos tenham amplo acesso ao palivizumabe, a cobertura universal ainda é um desafio em se tratando das crianças com DCC. Conhecer a epidemiologia da infecção por VSR em crianças com DCC da nossa região ajudará a estabelecer critérios mais precisos para o uso racional desse medicamento de alto custo.

O principal objetivo do nosso estudo foi determinar a taxa de internação por IRA causada pelo VSR e outros agentes etiológicos e carga da doença em pacientes menores de 2 anos com DCC hemodinamicamente significativa que participaram de um programa multidisciplinar de seguimento ambulatorial de longo prazo. Em segundo lugar, examinamos fatores de risco biológicos ou sociais associados à internação por IRA.

Métodos

Desenho

Estudo observacional, longitudinal e prospectivo de uma coorte de pacientes com DCC acompanhados em um programa ambulatorial multidisciplinar.

Local

O Hospital de Pediatría Prof. Dr. J. P. Garrahan, localizado em Buenos Aires, Argentina, é um centro de referência terciário para pacientes de alta complexidade. A unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) atende apenas pacientes transferidos de outros hospitais. Oitenta e cinco por cento dos pacientes da UTIN provêm de famílias de baixa renda e não possuem plano de saúde. Os pacientes liberados participam de um programa multidisciplinar de seguimento ambulatorial de longo prazo no ambulatório de alto risco.

População

Pacientes menores de 2 anos com DCC hemodinamicamente significativa acompanhados no ambulatório de alto risco foram consecutivamente incluídos entre 2006 e 2008. Todos os pacientes foram avaliados por um cardiologista pediátrico. A DDC hemodinamicamente significativa foi diagnosticada segundo os critérios da Academia Americana de Pediatria publicados em 200315, ou seja, se fosse constatada uma das seguintes situações: (1) medicação contínua para insuficiência cardíaca congestiva, (2) hipertensão pulmonar de moderada a grave, diagnosticada por ultrassonografia Doppler, (3) doença cardíaca cianótica (saturação de oxigênio abaixo de 90%). Os critérios de exclusão foram: profilaxia passiva prévia contra o VSR com palivizumabe e/ou mau prognóstico da DCC (expectativa de vida inferior a 6 meses). O critério de eliminação foi a perda do paciente durante o seguimento. Definiu-se que o estudo estaria concluído na ocorrência dos seguintes eventos: óbito, resolução do comprometimento hemodinâmico ou chegada do segundo aniversário.

O desfecho primário do estudo foi a internação por IRA causada por VSR e outros agentes. O desfecho secundário foi a carga da doença em pacientes hospitalizados, mensurada pelas variáveis tempo de internação, admissão na unidade de terapia intensiva (UTI), uso de ventilação mecânica e curso clínico.

No início do estudo, as famílias foram treinadas para prevenir e detectar os primeiros sinais da IRA nas crianças. Durante o seguimento, esse treinamento foi reforçado por um dos pesquisadores principais em visitas mensais regulares e por meio de telefonemas a cada 2 semanas. Os pais foram orientados a marcar uma consulta se houvesse suspeita de infecção respiratória. O diagnóstico de IRA e o seu manejo, além da necessidade de internação, foram definidos de acordo com diretrizes clínicas institutionais16.

Os pacientes hospitalizados foram acompanhados por um dos pesquisadores até receberem alta. Foram registradas as seguintes informações de cada paciente: número de dias de internação, necessidade de cuidados intensivos, uso de ventilação mecânica e curso clínico.

Os testes para o diagnóstico de infecção viral foram realizados de forma rotineira em cada um dos pacientes hospitalizados. Secreções nasofaríngeas foram aspiradas em um coletor de muco com cateter de sucção de 8 ou 10 Fr ligado a um aparelho de sucção de parede. As amostras foram imediatamente encaminhadas para o laboratório e analisadas por imunofluorescência rápida com mistura policlonal. Se o resultado fosse positivo, a amostra era pareada com anticorpos monoclonais para a detecção de VSR, adenovirus, influenza A e B e parainfluenza 1, 2 e 3 (Chemicon International, Temecula, EUA). Esse método tem uma especificidade de 99% e uma sensibilidade de 72,8% (dados do fabricante).

Os dados foram coletados prospectivamente, e foram consideradas as seguintes variáveis: peso de nascimento, idade gestacional, gênero, tipo e forma de tratamento da doença cardíaca, presença de hipertensão pulmonar, convivência com irmãos ou crianças menores de 10 anos, grau de escolaridade da mãe e local de moradia. A condição socioeconômica foi definida de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina (Instituto Nacional de Estadística y Censos, INDEC. A expressão "necessidades básicas insatisfeitas" refere-se às seguintes situações: moradia em condições graves de superlotação, habitação inadequada ou precária, criança em idade escolar fora da escola e/ou chefe da família analfabeto17.

Análise estatística

Os dados foram resumidos por meio de tabelas de frequência, médias e medidas de dispersão; a incidência de internação foi calculada considerando os valores totais de IRA e também apenas a IRA pelo VSR. Devido ao fato de as crianças apresentarem diferentes períodos de seguimento, também foi calculada a densidade de incidência. Todos os valores aparecem com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para a estimativa dos fatores de risco, as variáveis independentes foram comparadas por meio do teste t ou do teste de Wilcoxon para as variáveis contínuas, de acordo com a sua distribuição, e por meio do teste exato de Fisher para as variáveis categóricas. Utilizamos um modelo de regressão logística para avaliar os fatores de risco independentes. Foram consideradas significativas as diferenças com p < 0,05. Para a análise dos dados, foi utilizado o pacote STATA 9.0 para Windows.

Em todos os casos, ou um dos pais ou o responsável legal pelo paciente confirmou o seu desejo de participar do estudo assinando o termo de consentimento, após ser informado detalhadamente sobre todos os aspectos da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital.

Resultados

Dos 123 pacientes menores de 2 anos com DCC acompanhados no ambulatório de alto risco durante o período de estudo, 71 atenderam aos critérios de elegibilidade. Todos eles foram recrutados e constituem a coorte do estudo. Nenhum paciente atendeu aos critérios de exclusão. Essa coorte foi acompanhada por um período de 1 a 22 meses, com mediana de 6 meses; um paciente foi perdido no seguimento. Seis crianças faleceram durante o seguimento em decorrência da doença cardíaca. As características da coorte encontram-se resumidas na Tabela 1.

Setenta e quatro por cento das crianças (52/71) foram tratadas cirurgicamente, mas na maioria dos pacientes (75%) a cirurgia foi paliativa; 33 crianças (47%) necessitaram de terapia medicamentosa para a doença cardíaca e 25 pacientes (36%) apresentaram hiperfluxo pulmonar.

As crianças entraram no estudo com idades diferentes; 60 crianças (85%) tinham menos de 6 meses no início do seguimento. No país, o período de epidemia do VSR é entre maio e setembro; 39 crianças (54%) entraram no estudo durante esses meses de alto risco.

Vinte e duas crianças foram hospitalizadas em decorrência de IRA; em 15 casos (68%), a infecção havia sido causada pelo VSR. A taxa total de internação por IRA foi de 22/71 ou 31% (IC95% 20-43%), enquanto que a taxa de internação da IRA pelo VSR foi de 15/71 ou 21% (IC95% 12-32%). A coorte foi acompanhada durante 543 meses (16.290 dias); a densidade de incidência total para a internação por IRA foi de 1,35 episódios por 1.000 dias de seguimento, enquanto a densidade de incidência da IRA pelo VSR foi de 0,92 episódios por 1.000 dias (essa última densidade aumenta para 3,42 episódios por 1.000 dias se considerados somente os meses da época de circulação do VSR).

A Figura 1 apresenta a distribuição sazonal dos casos graves, que levaram à internação.

A internação por IRA causada pelo VSR ocorreu de maio a setembro (meio do outono ao meio do inverno), com pico máximo em junho e casos esporádicos em outros meses. Não foi observado um padrão de distribuição consistente com relação aos outros vírus. As principais características e desfechos durante a internação dos grupos com IRA pelo VSR e com IRA causada por outros vírus são apresentados na Tabela 2. As crianças com VSR demonstram um curso clínico mais complicado, com internações mais prolongadas, e um terço delas precisou ser internada na UTI e receber ventilação mecânica, embora essas diferenças não tenham alcançado significância estatística. Nenhuma criança faleceu em decorrência de IRA ou apresentou sequelas quando recebeu alta hospital. As complicações respiratórias nesse grupo não causaram prejuízo hemodinâmico ou o cancelamento de intervenção cirúrgica anteriormente agendada.

A Tabela 3 apresenta as características basais e os fatores de risco dos controles (pacientes na coorte sem internação por IRA) e dos grupos hospitalizados (pacientes infectados pelo VSR e por outros vírus). As comparações realizadas por análise bivariada demonstram que os pacientes do grupo com IRA eram mais jovens e apresentaram maior tendência a receber aleitamento materno do que os controles. Nenhuma outra variável alcançou significância estatística. Na análise multivariada, a pouca idade foi um fator de risco independente para IRA grave causada pelo VSR, ao mesmo tempo em que desaparece o efeito do aleitamento materno, o que muito provavelmente reflete um efeito confundidor relacionado à pouca idade.


Discussão

A IRA das vias aéreas inferiores tem sido associada a níveis significativos de morbimortalidade em crianças com DCC e comprometimento hemodinâmico5-7,18. A infecção pelo VSR parece ser significativamente mais grave se esse vírus comparada a infecções por outros vírus respiratórios8,9,19-22. Os resultados do nosso estudo são consistentes com essa evidência. Enquanto que, na população sadia, menos de 3% dos recém-nascidos sem fatores de risco necessitam de internação devido a IRA, em nosso estudo, 31% das crianças necessitaram, na maioria dos casos em decorrência do VSR. Em uma publicação recente, Meissner et al. estimaram que o risco de internação por infecção causada pelo VSR em pacientes menores de 2 anos com DCC e comprometimento hemodinâmico que não receberam profilaxia com palivizumabe foi de cinco a sete vezes maior do que o observado na população pediátrica em geral22; nosso estudo incluiu crianças com características semelhantes, e o risco encontrado está de acordo com os valores mais elevados da variação descrita pelos autores. Foram relatados achados semelhantes em nossa região a respeito de outra população pediátrica de alto risco, isto é, a de ex- prematuros com e sem displasia broncopulmonar23-26.

As taxas de internação e mortalidade em decorrência de IRA em crianças com doença cardíaca são provenientes de estudos que consideram como denominador o número total de pacientes pediátricos hospitalizados por IRA; nosso estudo, em vez disso, estimou a incidência em uma coorte de pacientes com DCC. Dois grandes estudos multicêntricos em crianças menores de 2 anos com DCC servem de referência para a comparação dos índices. No estudo randomizado controlado duplo-cego realizado por Feltes et al.27 para avaliar a eficácia do palivizumabe, foram incluídos 1.287 pacientes provenientes de 76 centros diagnosticados com DCC e comprometimento hemodinâmico; a taxa de internação por VSR entre aqueles que receberam palivizumabe (n = 639) foi de 5,3% versus 9,7% no grupo placebo (n = 648). No estudo descritivo realizado por Medrano López et al. em 53 hospitais da Espanha, foram analisadas 1.248 crianças com critérios semelhantes; somente 5,8% (n = 72) não receberam profilaxia contra o VSR; nesse grupo, a taxa de internação da IRA causada pelo VSR foi de 6,8%28.

Em nosso estudo, a taxa de internação e a densidade de incidência foram maiores do que as relatadas por Feltes e Medrano López, mesmo considerando que os achados desses autores correspondem ao seguimento durante a época de circulação do VSR, e em nosso estudo o seguimento continuou enquanto houve a presença de comprometimento hemodinâmico ou até que a criança completasse dois anos. Cogitamos que um viés de recrutamento poderia explicar nossos resultados, mas não conseguimos encontrá-lo. A proporção de pacientes com os três diagnósticos cardíacos mais comuns foi semelhante em nosso estudo e no de Feltes et al.27.

Com relação à carga da doença, a média do tempo de internação foi de 22 dias (variação 1-88) entre as crianças hospitalizadas pelo VSR, 40% delas foram internadas na UTI pediátrica, e 30% necessitaram de ventilação mecânica. Em um estudo anterior realizado no mesmo hospital, Giubergia et al.29 descobriram que 6,3% dos recém-nascidos sem fatores de risco hospitalizados por IRA causada pelo VSR necessitaram de ventilação mecânica. Crianças com DCC hospitalizadas em decorrência de IRA, especialmente a causada pelo VSR, apresentam maior morbidade do que a população pediátrica em geral. Nossos achados estão de acordo com os de outros autores7,9,18, com números até maiores do que encontrados por Navas et al.18, que relataram porcentagens de 33,4% e 18,8% para admissão na UTI e necessidade de ventilação mecânica, respectivamente. A carga da doença foi mais elevada no grupo infectado pelo VRS quando comparado aos pacientes infectados por outros vírus. Embora essas diferenças não tivessem atingido significância estatística, são clinicamente relevantes, e cogitamos que o pequeno tamanho da amostra tenha impedido que a significância estatística fosse alcançada.

Não encontramos diferença entre o tipo de doença cardíaca e o risco de internação. Outros autores relataram risco aumentado no grupo de pacientes com hipertensão pulmonar30. Fatores genéticos, número de cirurgias e a presença de shunt também foram descritos como fatores de risco de internação por IRA em outros estudos20, mas não foram investigados no nosso.

A mortalidade em nossa casuística foi mais elevada do que a de outras, embora nenhum óbito tenha sido atribuído à IRA. A mortalidade relatada por Feltes et al.27 para o grupo placebo foi de 4,2% (metade do valor encontrado em nosso estudo) e a mortalidade atribuída à IRA foi de 0,3%.

Por fim, quando os fatores de risco para internação em decorrência do VSR em nossa população foram investigados por meio de análise multivariada, o único fator encontrado foi a pouca idade em meses; esse fator de risco também foi encontrado em estudos da população em geral realizados em nossa região29. Existem muitos motivos pelos quais as crianças pequenas são mais propensas a desenvolver IRA grave, incluindo-se certas características anatômicas e fisiológicas do trato respiratório, especialmente o tamanho menor das vias aéreas e menor complacência pulmonar.

Concluindo, nossos dados demonstram que, em nosso país, o impacto do VSR em crianças com DCC, mensurado como necessidade de internação, está duplicando aquele relatado em pacientes sem imunoprofilaxia em países industrializados. A carga da doença associada à IRA pelo VSR foi considerável, embora, no grupo estudado, nenhum paciente tivesse desenvolvido sequelas ou falecido em decorrência da IRA. Com exceção da pouca idade, nenhum outro fator de risco biológico ou social esteve associado à internação por IRA causada pelo VSR nessa coorte de crianças com DCC.

Artigo submetido em 15.12.11, aceito em 28.03.12.

Conflito de interesses: A Dra. Silvia Andres recebeu apoio financeiro da Abbott Laboratories Inc. durante o término do estudo. A Abbott Laboratories Inc. não participou nem da elaboração do estudo, nem da coleta e análise dos dados, nem das conclusões obtidas pelo estudo, nem de qualquer outra forma. Nem a Dra. Andres nem os outros autores recebem apoio financeiro contínuo nem possuem qualquer interesse comercial com a Abbott Laboratories Inc.

Como citar este artigo: Andres S, Bauer G, Rodríguez S, Novali L, Micheli D, Fariña D. Hospitalization due to respiratory syncytial virus infection in patients under 2 years of age with hemodynamically significant congenital heart disease. J Pediatr (Rio J). 2012;88(3):246-52.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2011
    • Aceito
      28 Mar 2012
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