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A LÓGICA INTERNA DO VOLEIBOL SOB AS LENTES DA PRAXIOLOGIA MOTRIZ

THE INTERNAL LOGIC OF VOLLEYBALL UNDER THE LENSES OF MOTOR PRAXEOLOGY

RESUMO

Como um dos esportes mais praticados no contexto brasileiro, o Voleibol configura-se como uma prática dinâmica, em que seus jogadores interagem cooperativa e opositivamente com os demais participantes. Nesse contexto, a Praxiologia Motriz surgi como uma teoria referente a jogos e esportes que objetiva desvelar a lógica interna dessas práticas motrizes, com base em suas regras. Com isso, esta pesquisa objetivou analisar a lógica interna do Voleibol, a partir do Sistema de Classificação CAI e dos Universais Ludomotores, bem como os momentos do jogo e as interações motrizes de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre eles, segundo a Praxiologia Motriz. Para isso, realizou-se uma pesquisa teórica, de caráter exploratório, por meio da qual constatou-se que, alicerçado dos conhecimentos da Praxiologia Motriz e de seus instrumentos de análise, é possível desvelar a lógica interna do Voleibol, com o intuito de compreender sua estrutura e características relevantes que devem ser contempladas durante todo seu processo de ensino. Os conhecimentos propostos por essa teoria científica dão embasamento teórico ao trabalho do professor ou treinador no desenvolvimento dos saberes referentes ao processo de ensino-aprendizagem-treinamento dessa modalidade esportiva, auxiliando, também, aqueles que nele atuam (alunos ou atletas), independentemente do ambiente em que estiverem inseridos.

Palavras-chave:
Voleibol; Lógica interna; Praxiologia Motriz; Sistema de Classificação CAI; Universais Ludomotores

ABSTRACT

As one of the most practiced sports in the brazilian context, Volleyball is a dynamic practice, in which its players interact cooperatively and oppositively with the other participants. In this context, the Motor Praxeology emerged as a theory regarding games and sports that aims to unveil the internal logic of these motor practices, based on its rules. Thus, this research aimed to analyze the internal logic of Volleyball, from the CAI Classification System and the Ludomotor Universals, as well as the moments of the game and the interactions motor cooperation and/or opposition established between them, according to the Motor Praxeology. For this, a theoretical research was carried out, of character exploratory, through which it was verified that, based on the knowledge of the Motor Praxeology and its instruments of analysis, it becomes possible to unveil the internal logic of Volleyball, with the intention to understand its structure and relevant characteristics that should be contemplated throughout its teaching process. The knowledge proposed by this scientific theory gives theoretical basis to the work of the teacher or coach in the development of the knowledge related to the teaching-learning-training process of this sport modality, also assisting those who work in it (students or athletes), independently of the environment in which they are inserted.

Keywords:
Volleyball; Internal logic; Motor Praxeology; CAI Classification System; Ludomotor Universals

Introdução

Atualmente, o esporte apresenta-se como uma manifestação cultural que possui diversificada abrangência na sociedade, em múltiplos âmbitos de atuação, como no lazer, no ambiente escolar, no alto rendimento, na prevenção da saúde, dentre outros11 Greco PJ, Benda RN. Iniciação esportiva universal. Belo Horizonte: UFMG; 2001.. Como uma das modalidades esportivas mais praticadas e difundidas no contexto brasileiro22 Brasil Ministério do Esporte [Internet]. Diagnóstico Nacional do Esporte [acesso em 18 maio 2018]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/diesporte/index.html
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, o Voleibol configura-se como um fenômeno de grande relevância e significado social, histórico e cultural para a humanidade. Ao longo de sua história, foram muitas as modificações sucedidas em sua estrutura, principalmente em decorrência das alterações em suas regras, devido, sobretudo, a influência dos meios de telecomunicação33 Matias CJAS, Greco PJ. De Morgan ao voleibol moderno: O sucesso do Brasil e a relevância do levantador. Rev Mackenzie Educ Fís Esporte 2011;10(2):49-63..

Sendo assim, o Voleibol se apresenta como um esporte dinâmico, pois as ações realizadas durante o jogo não podem ser individualizadas, o que impossibilita que os jogadores executem sucessivos toques na bola, e em virtude de que sua habilidade motora básica é o ato de rebater, o que inviabiliza seus jogadores de reterem a bola para si e monopolizá-la44 Fagundes FM, Oliveira RV, Lanes BM, Ribas JFM. As interações motrizes do saque e da recepção e suas influências no voleibol: Uma compreensão praxiológica. Motri 2017;29(esp.):225-242. Doi: 10.5007/2175-8042.2017v29nespp225
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. Nas diferentes situações do jogo, justamente por sua dinamicidade e pelas interações de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre os momentos do jogo e entre seus participantes, é de suma importância que esses, a todo o momento, estejam atentos às ações e ao comportamento de seus companheiros e adversários, para poder antecipar-se e, assim, atingir os objetivos do jogo. Para que o êxito nessas situações seja alcançado, torna-se imprescindível que os participantes realizem, constantemente, a leitura de diferentes elementos, como as ações motrizes de companheiro e adversários, seu posicionamento e sua movimentação, para, posteriormente, tomar a melhor decisão no decorrer do jogo a partir dessas percepções.

Mesmo com a existência de estudos que abordem conhecimentos referentes ao ensino do Voleibol, carece-se ainda de pesquisas mais detalhadas e aprofundadas acerca dessa prática motriz que contribuam para seu processo de ensino-aprendizagem-treinamento. Assim, como uma teoria científica que apresenta conceitos plausíveis em relação às diferentes práticas motrizes que constituem a área da Educação Física, destaca-se a Praxiologia Motriz. Ela caracteriza-se como uma área de conhecimento referente a jogos e esportes que dispõe de instrumentos que objetivam analisar seu funcionamento55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001..

A Praxiologia Motriz foi idealizada pelo professor francês Pierre Parlebas, com o intuito de construir e sistematizar um conhecimento científico que compreendesse as práticas motrizes, desde lúdicas até esportivas. Conforme Parlebas5:354, ela é definida pela “Ciência da ação motriz e especialmente das condições, modos de funcionamento e resultados de seu desenvolvimento”. Percebendo que essa conceituação utiliza de outros termos da Praxiologia Motriz que precisam ser explicados anteriormente, Lagardera e Lavega6 complementam esse entendimento destacando que ela se apresenta como uma teoria científica que objetiva estudar e desvelar a lógica interna de jogos e esportes a partir de suas regras.

Por lógica interna, entende-se o modo como estão preestabelecidas as ações motrizes de um jogo ou esporte, tornando-se possível, por meio dela, conhecer as interações estabelecidas entre os jogadores e as ações motrizes derivadas do sistema praxiológico66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003.. Parlebas5 compreende toda modalidade esportiva ou lúdica como um sistema praxiológico, no qual possui uma estrutura e uma lógica interna particular, constituída por um conjunto de elementos com distintas características. Para se compreender um sistema praxiológico, é necessário estabelecer uma relação com seu regulamento, seja ele institucionalizado (esporte) ou previamente definido por seus participantes (jogo lúdico). As regras do jogo têm por objetivo determinar seu funcionamento no que diz respeito ao espaço, ao material, ao tempo e às interações motrizes estabelecidas com os demais participantes, bem como definir as ações motrizes particulares e oriundas de cada sistema praxiológico66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003.,77 Ribas JFM. Praxiologia Motriz e a Didática da Educação Física. In: Kunz E, editor. Didática da Educação Física: Educação Física e Esportes na Escola. 4. ed. Ijuí: Unijuí; 2016, p. 129-151.. Sendo assim, a lógica interna é tida como a chave do jogo, pois ela possibilita “conhecer as características de todas as ações motrizes que podem surgir de um sistema praxiológico”6:68.

Partindo do pressuposto de que a Praxiologia Motriz tem como campo de pesquisa as mais variadas práticas motrizes e, como objeto de estudo, as ações motrizes de tais práticas, Parlebas ainda se refere à Praxiologia Motriz como a “Teoria da Ação Motriz”. A ação motriz está inteiramente relacionada ao sistema de regras que rege a prática, pois é ele quem determina a forma como os jogadores poderão atuar e por meio de quais ações motrizes. Exemplificando essa ideia, pode-se afirmar que no momento ataque do Voleibol, o jogador poderá atuar, conforme o regulamento oficial dessa modalidade esportiva, por meio das ações motrizes da cortada, do toque, da manchete ou de outros recursos, conforme as condições que lhes for empregada e considerando o objetivo desse momento ofensivo que é dificultar as ações aos jogadores adversários (bloqueadores e defensores). Conforme Hernández Moreno e Rodrigues Ribas88 Hernández Moreno J, Rodrigues Ribas JP. La Praxiología Motriz: fundamentos y aplicaciones. Publisher: INDE; 2004., a ação motriz é um elemento comum, presente em todas as práticas motrizes, que, no entanto, se diferencia das demais ações pelo seu objetivo e intencionalidade.

Desse modo, destaca-se que estes conhecimentos propostos pela Praxiologia Motriz dão suporte e embasamento teórico aos profissionais, desde professores de Educação Física escolar até treinadores do alto rendimento, no desenvolvimento dos saberes que são específicos da área, possibilitando a aprendizagem significativa do aluno ou atleta acerca do funcionamento das mais diversas práticas motrizes, assim como do Voleibol. Sendo assim, esta pesquisa objetiva analisar a lógica interna do Voleibol, a partir do Sistema de Classificação CAI e dos Universais Ludomotores, bem como os momentos do jogo e as interações motrizes de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre eles, segundo a Praxiologia Motriz.

Método

Para alcançar os objetivos do estudo, realizou-se uma pesquisa teórica, pois foram utilizadas e analisadas obras, como livros, capítulos de livros e artigos científicos, materiais que contribuíram para o levantamento do referencial teórico e para os resultados da pesquisa. De acordo com Demo9:35, a pesquisa teórica é “orientada para a (re)construção de teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes”. Ainda segundo o autor, a pesquisa teórica implica no rigor conceitual, argumentação diversificada, capacidade explicativa, desempenho lógico e análise apurada da literatura. Quanto ao nível da pesquisa, o estudo caracteriza-se por ser de cunho exploratório, pois tem como objetivo “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”10:27.

Na busca pela delimitação do referencial teórico e dos resultados da pesquisa, empregaram-se os critérios propostos por Salvador1111 Salvador AD. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. Porto Alegre: Sulina; 1986., sendo eles: parâmetro temático, principais fontes, parâmetro linguístico e parâmetro cronológico. Em relação ao parâmetro temático e às principais fontes, foram consideradas as obras bibliográficas que discorrem sobre o Voleibol, além de obras acerca da Praxiologia Motriz e alguns de seus conhecimentos, como o Sistema de Classificação CAI, os Universais Ludomotores, os momentos do jogo e as interações motrizes. Para cada uma das temáticas abordadas, pode-se citar os principais autores/obras que embasaram essa pesquisa: quando referente à Praxiologia Motriz e seus conhecimentos - Pierre Parlebas e sua obra “Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz”, como sendo a referência base para esse estudo ao se tratar dessa teoria científica; além dos autores Francisco Lagardera e Pere Lavega, com a obra “Introducción a la Praxiología Motriz”; e João Ribas acerca do Voleibol e da Praxiologia Motriz, com a obra “Praxiologia Motriz e Voleibol: elementos para o trabalho pedagógico”.

Considerando o parâmetro linguístico, foram selecionadas e analisadas principalmente obras em espanhol, por serem bases teóricas clássicas referentes à Praxiologia Motriz, e obras da literatura nacional. Já em relação ao parâmetro cronológico, não delimitou-se a literatura por meio de um recorte temporal, para não perder informações essenciais contribuintes para o desenvolvimento da pesquisa.

Resultados e Discussão

Com o objetivo de detalhar o universo dos jogos e esportes, bem como ampliar o entendimento de suas lógicas internas, a Praxiologia Motriz apresenta alguns instrumentos de análise, como o Sistema de Classificação CAI e os Universais Ludomotores. Sistematizado com o objetivo de avançar em relação às classificações até então propostas que, do ponto de vista de Parlebas, não apresentavam plena coerência em seus critérios, o autor elaborou o Sistema de Classificação CAI, no qual consiste na primeira ferramenta para conhecer a lógica interna de uma prática motriz. A partir do conceito de lógica interna, o Sistema de Classificação CAI tem como finalidade classificar determinada prática e categorizá-la conforme a presença ou a ausência de interação motriz entre seus companheiros de equipe (C) e/ou entre adversários (A) e a relação com o entorno físico, podendo esse ser ou não incerto (I)1212 Parlebas P. Perspectivas para una Educación Física moderna. Málaga: Unisporte; 1987.. Assim, o CAI configura-se como um dos instrumentos de análise que auxilia na organização didática dos conteúdos, possibilitando compreender o funcionamento das diferentes modalidades e suas principais características no que se refere às relações com os demais jogadores e com o meio de realização.

Dessa forma, no que tange à (in)existência de interações motrizes estabelecidas entre os jogadores, têm-se quatro grandes grupos: psicomotriz (sem interação); sociomotriz de cooperação (interação de cooperação); sociomotriz de oposição (interação de oposição); sociomotriz de cooperação e oposição (interação de cooperação e oposição simultâneas). Segundo Parlebas55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001., a interação motriz faz-se presente quando o comportamento motor e as ações de um indivíduo influenciam diretamente na atuação e na execução das ações motrizes de um ou mais jogadores durante a realização de uma tarefa. Já em relação ao entorno físico, o meio de prática pode ser padrão (estável) ou incerto (instável), sendo ele referente às informações que o participante precisa ler e interpretar do meio em que a prática se realiza, para executar as possíveis ações motrizes durante o jogo. Portanto, têm-se oito categorias a partir dos três critérios iniciais, como ilustrado na figura abaixo.

Figura 1
Sistema de Classificação CAI

Portanto, conforme o Sistema de Classificação CAI, o Voleibol configura-se como uma prática sociomotriz de cooperação e oposição, pelo fato dos jogadores manterem interações de comunicação entre companheiros e de contracomunicação entre adversários para atingir o objetivo do jogo. Além disso, o ambiente dessa modalidade coletiva é caracterizado como padrão, pois o espaço físico em que o jogo se realiza sempre será estável e conhecido por seus jogadores. Corroborando com isso, Duran et al.13 afirmam que o duelo coletivo instiga os jogadores a utilizar de seus melhores recursos e habilidades diante de seus adversários para alcançar o objeto do jogo que é comum a todos.

Outro instrumento de análise proposto pela Praxiologia Motriz são os Universais Ludomotores, caracterizados como “modelos operativos que representam as estruturas básicas de funcionamento de todo jogo esportivo e que contem sua lógica interna”5:463. Por meio desses modelos, torna-se possível ampliar o entendimento acerca da lógica interna de qualquer prática motriz. Os Universais constituem-se por sete modelos operacionais, com seus respectivos critérios, sendo eles:

  • Rede de Comunicação Motriz: esse modelo é relativo às interações motrizes que são estabelecidas entre os jogadores, evidenciando as diferentes formas como eles se relacionam, indo ao encontro das possibilidades de interações apontadas pelo Sistema de Classificação CAI.

  • Rede de Interação de Marca: diz respeito à interação motriz necessária para pontuar e vencer uma determinada prática motriz. Segundo Lagardera e Lavega66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003., a Rede de Interação de Marca pode ser de três tipos: antagônica (êxito a partir da oposição), cooperativa (êxito com base na cooperação) ou mista (resulta da cooperação e da oposição).

  • Sistema de Pontuação: referente às possíveis formas de pontuação em um jogo ou esporte, podendo ser do tipo: sistema por pontuação limite; sistema por tempo limite; sistema por pontuação e tempo limite; sistema de tempo invertido (por ponto/distância/altura obtida); jogos sem final/tempo estabelecido66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003..

  • Papel Sociomotor: são as funções exercidas no jogo, referente à classe de comportamentos motores associada ao regulamento de um jogo esportivo55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001..

  • Subpapel Sociomotor: refere-se às unidades comportamentais e às possibilidades de ação que um sujeito pode realizar em cada papel no jogo55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001..

  • Gestema: comunicação expressa por meio de gestos e códigos preestabelecidos que permitem a transmissão de mensagens entre os jogadores, de modo a facilitar a compreensão por parte dos companheiros e auxiliar na comunicação entre eles.

  • Praxema: linguagem não verbal expressa pelo corpo, cuja expressão corporal é passível de leitura e interpretação por parte dos demais jogadores66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003..

Fundamentado nestes conhecimentos torna-se possível desvelar a lógica interna do Voleibol, desde a forma como seus jogadores interagem, até as possiblidades de ações necessárias para atuar em jogo. Portanto, como explicitado pelos modelos dos Universais Ludomotores, o Voleibol apresenta, em sua essência, redes de cooperação e de oposição, de modo que os jogadores atuam de forma comunicativa e contracomunicativa (Rede de Comunicação Motriz), mediante gestos/códigos visuais (Gestema) e ações individuais, por meio da expressão e linguagem corporal (Praxema). Levando em consideração que a principal forma de pontuar no jogo é pelo saque, ataque e bloqueio, e que esses são exclusiva ou predominantemente momentos opositivos1414 Fagundes FM, Ribas JFM. A dinâmica do Voleibol sob as lentes da Praxiologia Motriz: uma análise praxiológica do levantamento. R bras Ci e Mov 2017;25(3):134-149. Doi: 10.18511/rbcm.v25i3.7575
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, constata-se que sua Rede de Interação de Marca é do tipo antagônica, pois é por meio da interação de oposição que a equipe marca pontos. Já no que tange à forma de pontuação (Sistema de Pontuação), o sistema vigente no Voleibol é de pontuação limite, uma vez que para uma das equipes vencer o jogo é preciso marcar 25 pontos, com diferença de dois, o que impede o empate no final da partida.

No que diz respeito às funções exercidas no jogo, o Papel Sociomotor refere-se à classe de comportamentos motores relacionada ao estatuto que codifica um jogo esportivo, estando diretamente associada à maneira como cada participante atua e ao que a regra lhe permite fazer, conforme sua lógica interna55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.. De acordo com Hernández Moreno e Rodrigues Ribas88 Hernández Moreno J, Rodrigues Ribas JP. La Praxiología Motriz: fundamentos y aplicaciones. Publisher: INDE; 2004. e Parlebas55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001., há diferentes possibilidades de papeis nos esportes coletivos, conforme o critério adotado. Ao considerar o critério relativo à posse de bola, há três alternativas de papeis: jogador com bola, jogador companheiro de quem tem a bola, e adversários de quem está com a bola. Se o critério for alicerçado no regulamento do jogo (estatuto), no caso do futsal, futebol e handebol, os papeis são jogador de linha e goleiro. No basquetebol, jogador de linha. Já no Voleibol: sacador, defensor, atacante e líbero.

Sendo assim, os Papeis Sociomotores estão estritamente atrelados ao que a regra permite ou proíbe a cada jogador, em concordância com a prática motriz, bem como ao critério adotado. Conforme as características do Voleibol, acredita-se que o critério mais adequado a ser utilizado é referente ao regulamento. Portanto, os papeis que os jogadores podem exercer no decorrer do jogo são sacador, defensor, atacante e líbero. Exemplificando essa afirmação, quando um jogador assume o papel de atacante (posições 2, 3 e 4), existem algumas atribuições que fazem menção a esse papel, como a permissão de bloquear e de atacar na zona de ataque (à frente da linha dos três metros), o que caracteriza, por outro lado, duas das principais restrições oriundas do papel de defensor (posições 5, 6 e 1). O mesmo acontece com o papel de sacador, frente à função unicamente de sacar, e com o líbero, sendo ele destinado, exclusivamente, a realizar ações defensivas (passar, defender e realizar a cobertura), atuando em um espaço limitado, com inúmeras restrições em suas ações.

A partir dos Papeis Sociomotores surgem seus respectivos Subpapeis Sociomotores, nos quais referem-se às unidades comportamentais que um jogador pode realizar ao assumir determinado papel55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.. Segundo Lagardera e Lavega66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003., o Subpapel desvela por meio de quais ações motrizes o jogador poderá atuar, conforme seu papel e de acordo com o que o regulamento aponta ser permitido. Com isso, a partir dos momentos do jogo de Voleibol, quando o jogador estiver exercendo o papel de sacador, de defensor, de atacante ou de líbero, suas possibilidades de ações serão conforme o exposto na figura abaixo.

Figura 2
Papeis e subpapeis do voleibol

Os Papeis e os Subpapeis proporcionam determinados indícios e informações acerca das ações motrizes que os jogadores podem executar e, consequentemente, de seu comportamento e de suas intencionalidades durante o jogo. Por exemplo, no sistema de jogo 5x1, quando um jogador está na função de levantador e no papel de defensor, ele precisa infiltrar da zona de defesa para a zona de ataque, com o intuito de posicionar-se melhor frente a seus atacantes. No entanto, o regulamento dessa modalidade atribui determinadas permissões e proibições a esse jogador, o que pré-determina os subpapeis que ele poderá realizar. Dessa forma, no momento em que o levantador for realizar o levantamento por meio da ação motriz de toque, os bloqueadores e defensores adversários já sabem, previamente, que suas alternativas de ações serão a de levantar para a entrada, meio ou saída de rede. Então, esses jogadores não precisam considerar um possível ataque do levantador (largada de segunda), pois essa ação, ao ser realizada acima do bordo superior da rede, só é permitida aos jogadores que estiverem no papel de atacante. Mesmo que o levantador emita “falsos” sinais a seus adversários, na tentativa de induzi-los a interpretações equivocadas acerca do ataque, o papel que esse jogador assume não lhe permite tomar essa decisão e realizar tal ação.

Além da compreensão de alguns dos elementos da lógica interna do Voleibol, propiciada pelo Sistema de Classificação CAI e pelos Universais Ludomotores, pode-se ainda destacar as características e especificidades de cada um dos momentos do jogo que compõem essa prática motriz: saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio, defesa e cobertura. Com isso, no que tange ao saque, esse configura-se pelo primeiro momento do Voleibol, sendo por meio dele que a bola é posta em jogo, dando início ao rali. Segundo Castro et al.1515 Castro HO, Cavalli I, Silva CJA, Greco PJ. Interação no Curso das Ações de Saque e Bloqueio no Voleibol Juvenil. Conex 2014;12(3):34-54. Doi: 10.20396/conex.v12i3.2158
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, o saque se caracteriza por ser a primeira arma de ataque da equipe, tendo por intuito conseguir o ponto direto ou possibilitar um controle maior das próximas ações. Por essa razão, o saque é considerado um momento exclusivamente ofensivo, uma vez que visa marcar o ponto ou colaborar para obtenção desse1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014..

Este momento tem como objetivo principal dificultar ao máximo a recepção adversária, fazendo com que a bola caia direto na quadra (ponto de ace) ou ainda prejudicar a organização de seu sistema ofensivo, caracterizando-se como uma importante ferramenta para obter vantagem no início da disputa de cada ponto1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Para isso, o jogador que assume o papel de sacador deve observar diversificados elementos referentes a seus adversários e ao espaço da quadra antes de executar determinada ação, realizando uma análise minuciosa da situação. Após sacar, o jogador passa a assumir outro papel no jogo, o de defensor, tendo que posicionar-se de maneira adequada para atuar defensivamente na construção do contra-ataque de sua equipe. As principais ações motrizes do saque, ou seja, os recursos utilizados pelos jogadores para intervir nesse momento, são principalmente o saque por baixo, o saque por cima, o saque viagem e o saque balanceado.

Sequencialmente, a recepção caracteriza-se como a primeira ação defensiva da equipe que não iniciou o rali, cujo objetivo é interceptar o saque adversário e evitar seu ponto de ace. No entanto, ela também se configura como um momento ofensivo, pois auxilia diretamente na preparação e construção do ataque de sua equipe1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Corroborando com isso, Frönher17 afirma que a recepção possibilita a sequência da disputa do ponto, pois é por meio dela que se inicia a organização ofensiva da equipe, sendo uma ação chave para a continuidade do jogo. Isso ocorre devido a finalidade desse momento em direcionar a bola com precisão ao levantador, para que ele consiga realizar sua função com êxito, escolhendo a melhor opção de ataque. Um passe não realizado adequadamente acarretará na dificuldade do levantador em atuar, com um número limito de opções1818 Shondell DS, Reynaud C. A Bíblia do treinador de voleibol. Porto Alegre: Artmed; 2005.. No que se refere às ações motrizes mais eficazes e comumente utilizadas na recepção, pode-se citar a manchete, o toque e a espalmada. Após o jogador realizar o passe por meio de uma dessas ações, ele deverá se posicionar para o próximo momento do jogo em que pode atuar, o ataque, quando estiver tanto nos papeis de atacante (zona de ataque), quanto de defensor (zona de defesa).

Após a recepção, o levantamento é o segundo momento da equipe que está se organizando ofensivamente. De acordo com Ribas1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014., esse momento possui um caráter exclusivamente ofensivo, cujo principal objetivo é deixar os atacantes de sua equipe nas melhores condições, ou seja, sem bloqueio ou, pelo menos, com bloqueio simples. Matias19 afirma que o levantador é o jogador responsável pela dinâmica e organização ofensiva de sua equipe, pois é função dele escolher qual jogador realizará o ataque, a partir de todo o contexto do jogo e da leitura realizada anteriormente. No sistema de jogo 5x1, por exemplo, em que há um jogador específico para exercer a função de levantador durante toda a partida, é ele o responsável por atuar sempre que possível nesse momento.

A construção do ataque é algo decisivo para alcançar os objetivos do jogo, em que o encarregado é, a priori, o levantador, pois depende muito de sua atuação, do critério por ele adotado, da leitura realizada e de sua tomada de decisão. Logo, esse jogador é o responsável pela criação das principais ações ofensivas da equipe2020 Ramos MHKP, Nascimento JV, Donegá AL, Novaes AJ, Souza RR, Silva TJ, et al. Estrutura interna das ações de levantamento das equipes finalistas da Superliga masculina de Voleibol. R bras Ci e Mov 2004;12(4): 33-37.. Após realizar o levantamento, o jogador deve preparar-se para posteriores momentos do jogo, como a cobertura (quando o bloqueio adversário intercepta o ataque de sua equipe). As fundamentais e mais precisas ações motrizes desse momento, por meio das quais o levantador poderá executar o levantamento, são o toque e a manchete, respectivamente.

O ataque, por sua vez, caracteriza-se pelo momento em que os jogadores responsáveis por nele atuar visam marcar o ponto e, assim, finalizar o rali1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. O ataque é um momento totalmente ofensivo, pois é por meio dele que, na maioria das vezes, se definem os pontos durante o jogo, sendo uma das principais armas ofensivas do Voleibol. Para todos os âmbitos de ensino, a cortada é considerada o recurso mais eficiente do ataque, devido a dificultada dessa ação para os adversários1818 Shondell DS, Reynaud C. A Bíblia do treinador de voleibol. Porto Alegre: Artmed; 2005.. Além da cortada, as principais ações motrizes desse momento são o toque, a manchete e a largada. Após o jogador executar o ataque por meio de uma dessas ações, ele, assim como os demais jogadores que estavam aptos a realizá-lo, deve preparar-se para a cobertura.

Já no que tange ao bloqueio, esse é o segundo momento realizado pela equipe que iniciou o rali. Ele pode apresentar um caráter tanto defensivo quanto ofensivo, pois tem como objetivo amortecer a bola vinda do ataque, facilitando a ação da defesa de sua equipe, ou ainda interceptá-la, rebatendo-a para a quadra adversária mediante a invasão do espaço1515 Castro HO, Cavalli I, Silva CJA, Greco PJ. Interação no Curso das Ações de Saque e Bloqueio no Voleibol Juvenil. Conex 2014;12(3):34-54. Doi: 10.20396/conex.v12i3.2158
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,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Os tipos de bloqueios existentes no Voleibol são simples (quando formado por um jogador), duplo (dois jogadores) e triplo (três jogadores)1818 Shondell DS, Reynaud C. A Bíblia do treinador de voleibol. Porto Alegre: Artmed; 2005.. As ações motrizes do bloqueio são justamente referentes ao caráter que ele assume, defensivo ou ofensivo. Logo após o jogador realizar o bloqueio, quando for defensivo, ele deve afastar-se da rede para a possibilidade do contra-ataque de sua equipe. Caso contrário, se o bloqueio for ofensivo, o jogador deve permanecer próximo a rede para bloquear novamente, se houver continuação na jogada. Além do saque, o bloqueio é o único momento do jogo exclusivo a um papel, sendo ele o de atacante. Assim, apenas os jogadores que estiverem nesse papel poderão bloquear, segundo seu regulamento.

Dependendo do objetivo e da atuação dos bloqueadores, o momento seguinte do jogo será a defesa ou a cobertura. Caso o bloqueio seja defensivo ou ainda se ele não acontecer, o momento seguinte será a defesa, quando a bola vier do ataque adversário. Com isso, a defesa tem por intuito manter a bola em jogo, de modo a passá-la ao levantador, dando início ao contra-ataque da equipe1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Para uma boa atuação dos defensores, torna-se necessário que eles se posicionem de forma adequada, individual e coletivamente, a partir da leitura que devem realizar de seus oponentes (atacantes).

Por outro lado, se o bloqueio for ofensivo e a bola voltar a quadra adversária, o momento seguinte será a cobertura. A cobertura apresenta os mesmos princípios e objetivos da defesa, porém com a diferença de que ela se caracteriza pelo momento posterior à atuação do bloqueio adversário, enquanto que a defesa, posterior ao ataque. Tanto a defesa quanto a cobertura são caracterizadas como momentos predominantemente defensivos, mas com intencionalidade ofensiva, a medida em que ambas têm a pretensão de auxiliar na construção do contra-ataque de sua equipe. Por isso, após a realização de ambos os momentos, seus respectivos jogadores devem preparar-se para o ataque, que ocorrerá logo após a atuação do levantador de sua equipe. No que se refere às ações motrizes da defesa e da cobertura, as principais são a manchete, o toque, a espalmada e o peixinho.

Com base nesse pressuposto, é possível perceber na caracterização de cada um dos momentos do jogo que, na maioria das vezes, torna-se inviável conceituar um determinado momento sem mencionar e considerar os demais, o que aponta a relação existente entre eles e a importância de um sobre o(s) outro(s). Corroborando com isso, Ribas1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014. afirma que as ações motrizes que emergem da lógica interna do Voleibol estão relacionadas e dependem diretamente das interações motrizes de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre os momentos do jogo. Sendo assim, é a partir dos conhecimentos e proposições da Praxiologia Motriz que se torna possível evidenciar os momentos do Voleibol e suas respectivas interações comunicativas e/ou contracomunicativas por meio das quais eles se relacionam44 Fagundes FM, Oliveira RV, Lanes BM, Ribas JFM. As interações motrizes do saque e da recepção e suas influências no voleibol: Uma compreensão praxiológica. Motri 2017;29(esp.):225-242. Doi: 10.5007/2175-8042.2017v29nespp225
https://doi.org/10.5007/2175-8042.2017v2...
,55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.,1414 Fagundes FM, Ribas JFM. A dinâmica do Voleibol sob as lentes da Praxiologia Motriz: uma análise praxiológica do levantamento. R bras Ci e Mov 2017;25(3):134-149. Doi: 10.18511/rbcm.v25i3.7575
https://doi.org/10.18511/rbcm.v25i3.7575...
,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014., como representado na figura abaixo.

Figura 3
Momentos do voleibol e suas interações motrizes

Como expresso na figura acima, diferiram-se as equipes pela cor amarela (equipe que inicia sacando) e verde, para melhor organização e compreensão dos momentos, partindo da premissa de que, nessa situação hipotética, o rali contaria com os sete momentos do jogo. Portanto, após o saque (equipe amarela) e a organização ofensiva de seus adversários (equipe verde), tem-se o bloqueio, que, a parir da tomada de decisão e da ação motriz de seus respectivos jogadores, pode resultar na cobertura adversária (opção 1) ou na defesa de sua própria equipe (opção 2). Em ambas as situações, elucida-se a continuidade dos momentos do jogo através da interação de cooperação com o levantamento, o que evidencia que os momentos do jogo são cíclicos, pois eles ocorrem repetidas vezes até que uma das equipes pontue.

Salienta-se que a sistematização dos momentos do Voleibol foi originalmente proposta por Ribas1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Considerando os mesmos critérios de análise adotados por esse autor, realizou-se uma reestruturação dos resultados de sua pesquisa, com o objetivo de melhor elucidar a dinâmica do jogo, incorporando novos elementos que são essenciais à lógica interna desse esporte. Em sua obra, Ribas considerou que os momentos do Voleibol são saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa. Porém, tendo em vista que, dependendo da atuação do bloqueio, há duas possibilidades de sequência no jogo, a cobertura ou a defesa, entende-se que a cobertura também deve ser considerada como um dos momentos do Voleibol, uma vez que possui interações e objetivos particulares.

Desse modo, constata-se que as interações de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre os jogadores variam de momento a momento e se fazem evidentes quando as ações de um jogador influenciam no comportamento dos demais. O mesmo se aplica ao processo de tomada de decisão que também é orientado pelas interações estabelecidas entre os momentos do jogo e, por isso, os participantes devem levar em consideração seu caráter e sua intencionalidade. Assim, é necessário que o aluno ou atleta considere, antes de tomar qualquer decisão, a interação que caracteriza o momento em que se encontra, seja ela de cooperação ou de oposição, para ler, analisar e interpretar criteriosamente os jogadores com quem se relaciona44 Fagundes FM, Oliveira RV, Lanes BM, Ribas JFM. As interações motrizes do saque e da recepção e suas influências no voleibol: Uma compreensão praxiológica. Motri 2017;29(esp.):225-242. Doi: 10.5007/2175-8042.2017v29nespp225
https://doi.org/10.5007/2175-8042.2017v2...
,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014..

A exemplo do momento ataque, isso pode ser evidenciado, no que se refere à interação de comunicação, quando o atacante estabelece interação apenas com o levantador, o que significa que ele precisa realizar leituras, antecipação e tomar decisões somente em relação a esse participante, pois, nesse caso, o levantamento é o único momento do jogo que se relaciona cooperativamente com o ataque. Suas mensagens devem ser de fácil compreensão e interpretação por parte do atacante que, por sua vez, precisa conhecer previamente as características e o comportamento desse jogador para melhor atuar. Já em relação à contracomunicação, o atacante deverá atentar-se às ações motrizes tanto dos bloqueadores quanto dos defensores adversários. Para obter êxito sobre esses jogadores, o atacante precisa dificultar ao máximo as ações motrizes que informam sobre suas intenções e informações que dizem respeito a sua tomada de decisão.

Segundo o exposto acima, constata-se que os momentos do Voleibol, juntamente com as interações de cooperação e/ou oposição que são estabelecidas entre eles, dão dinâmica às diferentes situações dessa modalidade coletiva, podendo orientar seu processo de ensino-aprendizagem-treinamento e seu funcionamento, ou seja, sua lógica interna. Isso justifica-se a medida em que esses conhecimentos evidenciam a relação que os jogadores estabelecem tanto com companheiros quanto com adversários durante a partida, bem como a leitura que precisam realizar em relação a eles, a análise, a interpretação, a antecipação e, baseado em todos esses processos, a decisão que precisam tomar considerando as ações e o comportamento desses jogadores.

Cabe ainda enfatizar a importância do profissional de Educação Física em conhecer aprofundadamente essas estruturas de funcionamento, para que possa elaborar situações/atividades de aprendizagem adequadas que sejam coerentes com a lógica interna e que tenham proximidade com os objetivos do esporte55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.,66 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003.,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Parlebas5 ratifica essa ideia ao trazer um visível exemplo de incoerência no planejamento do basquetebol em função de sua lógica interna. Ele afirma que ao pretender-se ensinar esse esporte coletivo que, por sua vez, apresenta interações constantes entre companheiros e adversários, muitos profissionais furmulam atividades que não atendem tais demandas do jogo, como, por exemplo, propor aos alunos que corram pela quadra quicando a bola “entre cones”, sem que haja qualquer interação entre eles. Com isso, não se está desenvolvendo processos táticos essenciais para essa modalidade (leitura, interpretação, tomada de decisão), pois os mesmos só podem ser desenvolvidos quando os demais jogadores estiverem presentes ativamente.

Diante destes resultados, destaca-se que o campo do Voleibol, assim como dos demais esportes coletivos, carece de aprofundamento teórico que de embasamento ao trabalho do profissional envolvido, superando o ensino tecnicista que ainda prevalece em alguns processos de ensino. Nesse sentido, a Praxiolgia Motriz vem com o objetivo de contribuir para superar o ensino puramente técnico dos esportes, trazendo conhecimentos consistentes, tanto para a melhor atuação de professores e treinadores, quanto para o melhor entendimento de alunos e atletas acerca da lógica interna da prática em questão44 Fagundes FM, Oliveira RV, Lanes BM, Ribas JFM. As interações motrizes do saque e da recepção e suas influências no voleibol: Uma compreensão praxiológica. Motri 2017;29(esp.):225-242. Doi: 10.5007/2175-8042.2017v29nespp225
https://doi.org/10.5007/2175-8042.2017v2...

5 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.

6 Lagardera F, Lavega P. Introducción a la Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2003.
-77 Ribas JFM. Praxiologia Motriz e a Didática da Educação Física. In: Kunz E, editor. Didática da Educação Física: Educação Física e Esportes na Escola. 4. ed. Ijuí: Unijuí; 2016, p. 129-151.,1414 Fagundes FM, Ribas JFM. A dinâmica do Voleibol sob as lentes da Praxiologia Motriz: uma análise praxiológica do levantamento. R bras Ci e Mov 2017;25(3):134-149. Doi: 10.18511/rbcm.v25i3.7575
https://doi.org/10.18511/rbcm.v25i3.7575...
,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014..

Salienta-se ainda que, além de sistematizações teóricas, há a necessidade de que estes conhecimentos sejam aplicados no contexto prático, junto à escolas, clubes esportivos e equipes de treinamento profissional. Entende-se que tais demandas não puderam ser supridas por este estudo, pelo fato de que optou-se por, primeiramente, realizar um aprofundamento teórico em relação ao tema da pesquisa, para ser suficientemente explorada em sua perspectiva teórica. No entanto, afirma-se que é objetivo de posteriores pesquisas aplicar os referidos conceitos ao contexto prático do Voleibol, para melhor complementar e aprofundar os conhecimentos até então tratados e discutidos.

Conclusões

Para melhor evidenciar os resultados desta pesquisa, faz-se necessário retomar seu objetivo, no qual consiste em: analisar a lógica interna do Voleibol, a partir do Sistema de Classificação CAI e dos Universais Ludomotores, bem como os momentos do jogo e as interações motrizes de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre eles, segundo a Praxiologia Motriz. Nesse sentido, defende-se a importância dessa teoria científica e de seus conhecimentos para o processo de ensino-aprendizagem-treinamento do Voleibol e para o entendimento daqueles que nele atuam (alunos ou atletas), independentemente do contexto no qual estiverem inseridos.

Com base no Sistema de Classificação CAI, no qual classifica o Voleibol como uma prática sociomotriz de cooperação e oposição, realizada em meio físico padrão, o professor ou treinador tem a possibilidade de desenvolver estruturas de atividades que caracterizem essa prática conforme sua lógica interna, conservando, em sua essência, elementos que dizem respeito aos processos comunicativo e contracomunicativo estabelecidos entre os jogadores. O mesmo se aplica aos Universais Ludomotores que, com base em seus sete modelos operacionais, podem auxiliar e balizar o ensino-aprendizagem-treinamento do Voleibol, pois eles evidenciam as principais características que devem ser contempladas durante todo seu processo de ensino.

Além disso, como um dos conhecimentos tratados neste estudo, os momentos do jogo e suas interações motrizes também são essenciais para que os jogadores compreendam a lógica interna do Voleibol e sua dinâmica. A divisão do jogo em momentos, proposta por esta pesquisa, visou contribuir para o ensino dessa modalidade, para o melhor entendimento de alunos e atletas e para o desenvolvimento de determinados elementos táticos relacionados, como os processos de leitura de jogo, interpretação, antecipação e tomada de decisão.

Portanto, ao planejar suas aulas ou sessões de treinamento, o professor ou treinador deve considerar as características fundamentais e a lógica interna da referida modalidade que, por sua vez, pode ser evidenciada pelo Sistema de Classificação CAI e pelos Universais Ludomotores: relação companheiro e adversário; relação com o meio de prática; leitura de códigos e da linguagem corporal; caráter cooperativo e opositivo dos momentos do jogo; sistema de pontuação; interações estabelecidas entre os momentos; compreensão e desenvolvimento de processos táticos; objetivos de cada momento55 Parlebas P. Juegos, deporte y sociedad. Léxico de Praxiología Motriz. Barcelona: Paidotribo; 2001.,77 Ribas JFM. Praxiologia Motriz e a Didática da Educação Física. In: Kunz E, editor. Didática da Educação Física: Educação Física e Esportes na Escola. 4. ed. Ijuí: Unijuí; 2016, p. 129-151.,1616 Ribas JFM. Praxiologia motriz e voleibol: Elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí; 2014.. Alicerçado nesses conhecimentos, objetivou-se apresentar alguns elementos relevantes, nos quais os profissionais da área devem basear-se e aprofundar-se para organizar sua proposta pedagógica e seu trabalho docente referente ao ensino do Voleibol, sempre considerando sua lógica interna e as características essenciais da prática.

Agradecimento:

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Finciamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2018
  • Revisado
    30 Jun 2019
  • Aceito
    01 Jul 2019
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