Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo

Resumos

Uma fração crescente das atividades clínicas dos nefrologistas é exercida nas unidades de terapia intensiva (UTIs). Ao avaliar pacientes com insuficiência renal aguda no contexto de choque circulatório, que também apresentam anasarca e/ou trocas gasosas ruins, o nefrologista precisa decidir entre duas condutas antagônicas: 1) remover volume através de diálise ou diureticoterapia para melhorar o quadro edematoso; 2) administrar volume para melhorar a hemodinâmica. Para minimizar a chance de decisões incorretas, é imperativo que o nefrologista conheça as ferramentas disponíveis para avaliação hemodinâmica invasiva e de estimativa de adequação da volemia no paciente com doença crítica. Neste artigo, fazemos uma breve revisão da fisiologia da regulação do volume do líquido extracelular e, em seguida, abordamos o diagnóstico de volemia, com base em critérios clínicos e hemodinâmicos.

choque; hemodinâmica; unidades de terapia intensiva; insuficiência renal aguda; débito cardíaco


A growing fraction of the clinical duties of Nephrologists is undertaken inside intensive care units. While assessing patients with acute renal failure in the context of circulatory collapse, which are also edematous and/or with impaired gas exchanges, the Nephrologist must decide between two opposing therapies: 1) remove volume with the aid of dialysis or diuretics to improve the edematous state; 2) volume expand to improve hemodynamics. To minimize the odds of making incorrect choices, the Nephrologist must be familiar with the tools available for determining the adequacy of volume status and for invasive hemodynamic monitoring in the critically ill patient. In this manuscript, we will briefly review the physiology of extra cellular fluid volume regulation and then tackle the issue of volume status assessment, based on clinical and hemodynamic criteria.

shock; hemodynamics; intensive care units; acute kidney failure; cardiac output


ARTIGO DE REVISÃO

Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo

Paulo Novis RochaI; Jorge Arnaldo Valente de MenezesII; José Hermógenes Rocco SuassunaIII

IDepartamento de Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

IIClínica de Doenças Renais (CDR), Nova Iguaçu, RJ e Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIFaculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rio de Janeiro, RJ e FMB-UFBA, Salvador, BA, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Paulo Novis Rocha Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia Departamento de Medicina Av. Reitor Miguel Calmon, s/n.º Vale do Canela Salvador - BA, Brasil CEP: 40110-100 Tel./Fax: (71) 3283-8862 / 3283-8863 / 3283-8864 E-mail: paulonrocha@ufba.br

RESUMO

Uma fração crescente das atividades clínicas dos nefrologistas é exercida nas unidades de terapia intensiva (UTIs). Ao avaliar pacientes com insuficiência renal aguda no contexto de choque circulatório, que também apresentam anasarca e/ou trocas gasosas ruins, o nefrologista precisa decidir entre duas condutas antagônicas: 1) remover volume através de diálise ou diureticoterapia para melhorar o quadro edematoso; 2) administrar volume para melhorar a hemodinâmica. Para minimizar a chance de decisões incorretas, é imperativo que o nefrologista conheça as ferramentas disponíveis para avaliação hemodinâmica invasiva e de estimativa de adequação da volemia no paciente com doença crítica. Neste artigo, fazemos uma breve revisão da fisiologia da regulação do volume do líquido extracelular e, em seguida, abordamos o diagnóstico de volemia, com base em critérios clínicos e hemodinâmicos.

Palavras-chave: choque, hemodinâmica, unidades de terapia intensiva, insuficiência renal aguda, débito cardíaco.

INTRODUÇÃO

Em virtude da alta incidência de insuficiência renal aguda (IRA) em pacientes criticamente enfermos, uma fração crescente das atividades clínicas dos nefrologistas é exercida em unidades de terapia intensiva (UTIs). A todo o momento, nefrologistas são convidados a avaliar pacientes com IRA, no contexto de choque circulatório, que, frequentemente, também apresentam trocas gasosas ruins ou anasarca. Essa situação gera um importante dilema terapêutico:

• Deve-se remover volume por meio de diálise ou diureticoterapia no intuito de melhorar as trocas gasosas e/ou o quadro edematoso, ou, ao contrário,

• a melhor conduta é administrar volume para melhorar o desempenho cardíaco, o choque circulatório e, consequentemente, a perfusão tecidual?

Esse problema, de alta complexidade, muitas vezes não é elucidado adequadamente, preferindo os médicos lançar mão de testes terapêuticos empíricos:

- "Vamos tirar líquido; se o paciente melhorar, saberemos que a decisão foi acertada."

- "Vamos dar líquido; se o paciente melhorar, sa beremos que a decisão foi acertada."

Em outros casos, o grau de indecisão é tão grande que o nefrologista é chamado para iniciar diálise com o intuito de remover volume de um paciente em choque, o qual o intensivista está ativamente expandindo com soluções cristaloides.

-"Eu vou continuar expandindo porque o paciente está em choque, mas preciso que você faça a diálise e remova líquido para melhorar as trocas gasosas."

Salvo essa última situação, que não faz nenhum sentido (embora ocorra na prática clínica diária!), não há nada de intrinsecamente errado com testes terapêuticos, desde que sigam um uso racional e sejam orientados por determinadas metas. Contudo, o que ocorre frequentemente é que, depois de tomada a decisão de remover ou administrar volume, a conduta é mantida por várias horas, ou até dias, sem a necessária verificação dos parâmetros que poderiam indicar se o procedimento foi - e continua sendo - acertado.

Para minimizar a chance de decisões incorretas, como, por exemplo, ultrafiltrar um paciente que deveria estar sendo expandido, é imperativo que o nefrologista conheça as ferramentas disponíveis para avaliação hemodinâmica invasiva e de estimativa de adequação da volemia no paciente com doença crítica. Neste artigo, fazemos uma breve revisão da fisiologia da regulação do volume do líquido extracelular e, em seguida, abordamos o diagnóstico de volemia, com base em critérios clínicos e hemodinâmicos.

REGULAÇÃO DO VOLUME DO LÍQUIDO EXTRACELULAR (LEC)

A regulação do volume do LEC assemelha-se à regulação da tensão arterial e é feita por meio de ajustes no metabolismo do sódio. O que é percebido é o volume intravascular efetivo (VIVE), que equivale grosseiramente ao volume intravascular contido no sistema arterial, que perfunde os tecidos e estimula barorreceptores situados no arco aórtico, no seio carotídeo e nos rins (sistema justaglomerular-mácula densa). Alterações no VIVE, percebidas pelo sistema sensor aferente dos barorreceptores, determinam ativação dos sistemas efetores que visam restaurar a normovolemia por meio de ajustes na resistência vascular periférica, débito cardíaco e, sobretudo, excreção renal de sódio.

Na vigência de depleção do VIVE, como no choque por hemorragia digestiva, ocorre uma resposta hemodinâmica imediata, mediada por catecolaminas, angiotensina e vasopressina, objetivando aumentar o débito cardíaco e a resistência vascular periférica. Ocorre também uma resposta renal, mediada sobretudo pelo sistema reninaangiotensina-aldosterona (SRAA) e pelo hormônio antidiurético (ADH), visando à reabsorção de água e de sódio para restaurar a volemia. Por outro lado, na hipervolemia, a resposta renal é a mais importante, e o aumento na excreção renal de sódio é a resposta desejada. Essa resposta é mediada por aumento no ritmo de filtração glomerular, natriurese pressórica e secreção de peptídios natriuréticos (Tabela 1).

Em geral, o VIVE varia diretamente com o volume do LEC. No exemplo mencionado antes, do paciente que sofre uma hemorragia digestiva, existe depleção do LEC e do VIVE. Da mesma forma, quando um paciente previamente euvolêmico recebe 1 litro de soro fisiológico endovenoso, ocorre expansão do LEC e do VIVE. No entanto, existem situações em que o volume do LEC está aumentado, mas o VIVE está contraído. Nas enfermarias clínicas, os principais exemplos são as síndromes edematosas, como insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática e síndrome nefrótica. Nas unidades de terapia intensiva (UTIs), encontramos situação semelhante nos pacientes com hemodinâmica instável, albumina baixa, aumento na permeabilidade capilar, que receberam um excesso de reposição de soluções. Nessa conjuntura complexa, o volume do LEC está evidentemente aumentado à custa de acúmulo de líquido em um terceiro espaço, mas coexiste hipotensão arterial, além de uma grande incerteza quanto ao estado do VIVE e, por conseguinte, do grau de adequação da volemia.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO DE VOLEMIA

O diagnóstico do estado osmolar de um paciente é relativamente simples, podendo ser feito por meio de exames laboratoriais como sódio, glicose, ureia e osmolaridade séricos (Tabela 1). Podemos dizer que um paciente hipernatrêmico se encontra hiperosmolar e - quase sempre - desidratado (salvo as raras exceções de hipernatremia iatrogênica por administração excessiva de sódio hipertônico, em geral evidentes pela história clínica).

Já o diagnóstico da volemia é bem mais desafiador, sobretudo quando o VIVE e o volume do LEC variam em direções opostas. Não existe um único achado de história, de exame físico ou de laboratório capaz de estabelecer a volemia com precisão (Tabela 2). Tomemos o sódio urinário como exemplo. Sabemos que a resposta renal a alterações na volemia envolve retenção ou excreção de sódio. Dessa forma, um paciente hipovolêmico deve ter um sódio urinário baixo (geralmente < 20 mEq/L). Embora isso seja frequentemente verdadeiro, pode não ajudar na tomada de conduta terapêutica. Evidentemente, um paciente que sofre uma hemorragia digestiva e tem um sódio urinário < 20 mEq/L necessita de expansão volêmica. Já o paciente com insuficiência cardíaca (ICC) que está edemaciado e com edema pulmonar precisa receber diurético, mesmo que seu sódio urinário esteja < 20 mEq/L, pois, nesse caso, a retenção renal de sódio representa uma resposta ao pobre desempenho cardíaco em perfundir tecidos e barorreceptores (redução no VIVE). O Quadro 1 mostra alguns exemplos em que o sódio urinário não se presta para avaliação de volemia.


Alguns estudos têm mostrado que o diagnóstico clínico de volemia não é confiável. Uma revisão da literatura de 1966 a 1988 mostrou que, considerando o cateter de Swan-Ganz padrão-ouro, a sensibilidade da avaliação clínica em detectar hipervolemia em pacientes clínicos foi de 73%; já em pacientes internados em UTIs, a sensibilidade foi de apenas 40%.1 De fato, o clínico consciencioso precisa dominar diferentes metodologias de avaliação hemodinâmica aplicáveis ao paciente grave e integrar ao seu raciocínio uma ampla gama de informações para estabelecer um diagnóstico mais preciso do estado volêmico e, assim, definir a conduta terapêutica com maior propriedade.

AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA NA UTI

Considerando a necessidade de se estabelecer um diagnóstico preciso de volemia nos pacientes internados em UTIs, principalmente naqueles que apresentam choque circulatório, e a dificuldade de se estabelecer esse diagnóstico com base apenas na avaliação clínica, torna-se necessária a utilização de medidas invasivas. A maioria dos pacientes internados em UTIs acaba necessitando de um cateter venoso central (CVC) para administração de medicamentos e coleta de exames, e de um cateter arterial, para monitoração contínua da tensão arterial e coleta de gasometrias. Esses cateteres são suficientes para a avaliação hemodinâmica invasiva da maioria dos pacientes. Em casos em que há maior dúvida, pode-se lançar mão de um cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz), embora este venha sendo cada vez menos utilizado nas UTIs.

MEDIDAS ESTÁTICAS DE PRÉ-CARGA

PRESSÃO VENOSA CENTRAL (PVC)

A medida da PVC é relativamente simples, porém requer a presença de um CVC na junção da veia cava superior com o átrio direito, geralmente inserido por meio de punção de veia jugular ou subclávia. A PVC é seguramente a medida mais largamente utilizada para avaliação de volemia. As diretrizes da Surviving Sepsis Campaign recomendam que, na fase precoce de ressuscitação volêmica do paciente séptico, as metas de PVC sejam de 8 a 12 mmHg para pacientes em ventilação espontânea e de 12 a 15 mmHg para pacientes em ventilação mecânica (em virtude do aumento da pressão intratorácica) ou com aumento da pressão intra-abdominal.2

Em indivíduos normais, a PVC reflete a pressão em átrio direito, que, por sua vez, espelha a pressão diastólica final do ventrículo direito, que, finalmente, reflete a pressão de enchimento do coração esquerdo. Essa pressão de enchimento apresenta, em geral, relação direta com o volume de enchimento. No entanto, a PVC não será uma medida fidedigna do volume de enchimento do coração esquerdo na presença de: 1) anormalidades no ventrículo direito; 2) anormalidades no ventrículo esquerdo; 3) anormalidades pulmonares. Infelizmente, boa parte dos pacientes internados em UTIs apresenta ao menos uma dessas anormalidades, o que prejudica a utilização da PVC como medida de avaliação de volemia.

Marik, Baram e Vahid revisaram cinco estudos que compararam a PVC com medidas mais sofisticadas de avaliação de volume sanguíneo (como albumina radiomarcada) em pacientes críticos e mostraram uma correlação muito pobre (r = 0,16 para todos os estudos combinados).3 Esses estudos revelaram que pacientes com PVC baixa podem estar hipervolêmicos; e pacientes com PVC alta, hipovolêmicos. Os mesmos autores revisaram 19 estudos que objetivaram determinar se a PVC é capaz de prever quais pacientes responderão a um desafio hemodinâmico mediante infusão rápida de líquidos (desafio ou teste de volume). Esses estudos mostraram que, em média, a PVC dos respondedores e dos não respondedores foi semelhante, sugerindo que um determinado valor de PVC não é capaz de prever quem responderá ao teste de volume.3

Muitos argumentam que a PVC pode ser um bom marcador de volemia em pacientes jovens, com boa função cardiopulmonar, internados em UTI com quadro de politraumatismo. Contudo, nos estudos disponíveis na literatura envolvendo um grupo heterogêneo de pacientes internados em UTIs, a PVC não foi capaz de determinar a volemia nem de prever resposta à expansão volêmica.3

PRESSÃO DE OCLUSÃO DE ARTÉRIA PULMONAR (POAP)

A determinação da POAP requer a presença de um cateter de Swan-Ganz. Como a inserção (e o posicionamento adequado) desse cateter é mais complexa e, principalmente, alguns estudos não mostraram benefício com seu uso - sugerindo até aumento na mortalidade4 -, a utilização do cateter de Swan-Ganz e, consequentemente, da PAOP vem perdendo espaço na prática clínica. Assim como a PVC, a POAP é utilizada para avaliar a pressão (como marcador de volume) de enchimento das câmaras cardíacas esquerdas. Entretanto, em um estudo recente, Osman et al. observaram grande superposição de valores da POAP entre os respondedores e os não respondedores, de tal sorte que não foi possível prever quais pacientes responderiam ao desafio com volume.5

AVALIAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO

Com a inadequação das medidas estáticas de pré -carga para diagnóstico de volemia e para previsão da resposta à administração de volume, tem havido interesse crescente em formas alternativas de monitoração hemodinâmica. Pode-se definir como resposta positiva ao teste de volume a capacidade do coração de aumentar seu volume sistólico em resposta à expansão volêmica. Isso se deve ao mecanismo de Frank-Starling, que prediz que, quanto maior a distensão do miocárdio na fase de enchimento, maior a força de contração. Na literatura de terapia intensiva, por exemplo, muitos autores definem como resposta positiva à expansão volêmica um aumento maior ou igual a 15% no índice cardíaco após desafio rápido com volume. Contudo, quando os limites fisiológicos são ultrapassados, distensões ainda maiores do miocárdio não resultam em melhor desempenho cardíaco. Percebe-se, então, a necessidade de verificar em que parte da curva de Starling se encontra o paciente, monitorando o débito cardíaco antes e após a infusão de volume.

CATETER DE SWAN -GANZ

O padrão-ouro para avaliação do débito cardíaco na UTI continua sendo o método de termodiluição por meio do cateter de Swan-Ganz. Além de obter as medidas estáticas de pré-carga, o Swan-Ganz pode ser usado de forma dinâmica, como, por exemplo, para avaliar o índice cardíaco antes e após uma prova com volume. Identificam-se, desse modo, aqueles pacientes que estão na fase ascendente da curva de Starling e ainda são capazes de melhorar a performance cardíaca em resposta a aumentos na pré-carga. No entanto, como mencionado anteriormente, o método caiu em desfavor em virtude da observação recorrente de que sua utilização não resulta em melhora do prognóstico.6 Cabe lembrar que o cateter de Swan-Ganz é um instrumento diagnóstico, e não terapêutico. Portanto, só se poderia esperar impacto positivo na sobrevida se as informações obtidas com o uso do Swan-Ganz se traduzissem em melhorias no manejo do paciente. A despeito de mais de 30 anos de uso clínico desse cateter, não há consenso sobre sua utilização diagnóstica, tampouco sobre estratégias terapêuticas a serem utilizadas em resposta às informações obtidas.

Por toda a controvérsia que envolve o cateter de Swan-Ganz, formas menos invasivas para determinação do débito cardíaco na UTI têm sido promovidas, mas ainda não são de uso corriqueiro na maioria das UTIs brasileiras.

DOPPLER ESOFAGIANO

O Doppler esofagiano é uma técnica que se baseia na mensuração da velocidade de fluxo sanguíneo na aorta descendente por meio de um transdutor localizado na extremidade distal de uma sonda flexível. Essa sonda é introduzida por via oral, avançada até que sua ponta esteja localizada aproximadamente no nível médio do tórax, girada para que o transdutor esteja defronte da aorta e ajustada a fim de obter o melhor sinal. O débito cardíaco pode, então, ser monitorado continuamente utilizando-se os mesmos princípios do Doppler e da ecocardiografia convencionais. Alguns estudos de validação sugerem que as estimativas do débito cardíaco por meio do Doppler esofagiano são clinicamente úteis.7 Embora a inserção e o posicionamento do aparelho sejam relativamente simples, há problemas de deslocamento da sonda com o passar do tempo e de mobilização do paciente, o que pode resultar em mensurações aberrantes.

MÉTODOS UTILIZANDO O PRINCÍPIO DE FICK

O primeiro método para estimar o débito cardíaco em humanos foi descrito por Fick em 1870. Ele postulou que o oxigênio captado pelos pulmões é inteiramente transferido para o sangue. Desse modo, o débito cardíaco pode ser calculado como a razão entre o consumo de oxigênio (VO2) e a diferença arteriovenosa de oxigênio (DavO2).

Com isso, monitores capazes de medir o VO2 podem ser utilizados para cálculo do débito cardíaco. Essa técnica é limitada em casos de instabilidade hemodinâmica severa e quando a fração de oxigênio inspirado é superior a 60%. Adicionalmente, há necessidade de coleta de sangue venoso central e arterial para cálculo da DavO2.

Modernamente, a aferição do débito cardíaco por oximetria foi substituída pela termodiluição, derivada do princípio de Fick. Nesses casos, o cateter possui um termistor em sua extremidade que fica posicionada na artéria pulmonar. O débito cardíaco do ventrículo direito é obtido mediante a injeção rápida, na proximidade do átrio direito, de um volume conhecido de líquido resfriado. O cálculo baseia-se na queda da temperatura do sangue venoso misto, mediante uma equação que considera o volume injetado, a diferença de temperatura e outras constantes. Aparelhos modernos permitem a monitoração quasi-contínua do débito cardíaco (a cada 3 a 6 minutos) através de um filamento térmico, localizado na proximidade do átrio direito, que emite pulsos de calor e calcula o débito pelo incremento de temperatura captada no termistor distal. No entanto, o sistema necessita de calibração a intervalos, com uso da técnica de injeção de líquido resfriado. Uma nova linha de monitores vem sendo desenvolvida com o intuito de estimar o débito cardíaco de forma não invasiva, aplicando o princípio de Fick ao CO2. Ainda há poucos estudos na literatura comparando essa nova técnica com métodos mais estabelecidos de estimativa de débito cardíaco, como a termodiluição, e os estudos existentes revelam certo grau de imprecisão (± 1,8 litro/minuto).7

ANÁLISE DA CURVA DE PULSO ( PULSE CONTOUR ANALYSIS )

A forma do traçado da curva arterial resulta da interação entre o volume sistólico e as características mecânicas da árvore arterial. Berton e Cholley revisaram recentemente alguns modelos propostos para descrever essas propriedades físicas da árvore arterial.7 Recentemente, foram desenvolvidos monitores capazes de estimar o débito cardíaco a partir do formato do traçado da curva de pulso arterial e de modelos da circulação sistêmica. Dois exemplos são o PiCCO (Pulsion Medical Systems, Munich, Germany) e o PulseCO (LiDCO Ltd., Cambridge, UK). O primeiro utiliza termodiluição transpulmonar, e o segundo, cloreto de lítio como técnica de diluição para calibração do débito cardíaco médio. Recalibrações frequentes (4/4 horas) podem ser necessárias para medidas acuradas. Estudos comparando essa técnica com termodiluição revelam uma imprecisão de ± 1,5 litro/minuto (que é o comum quando a termodiluição é usada como referência na comparação com qualquer outra técnica de estimativa de débito cardíaco).7 Traçados arteriais de má qualidade e arritmia cardíaca impossibilitam o uso dessa técnica.

MARCADORES DINÂMICOS

Os marcadores dinâmicos utilizam-se das variações do débito cardíaco ou da pressão arterial que ocorrem em resposta às variações na pressão intratorácica com a ventilação mecânica (Figura 1).


A ventilação mecânica com pressão positiva promove um aumento da pressão intratorácica na insuflação que, por sua vez, resulta em uma diminuição no enchimento e na ejeção do ventrículo direito, reduzindo sua performance. Quanto maior o volume corrente e/ou a pressão positiva expiratória final (em inglês, positive end expiratory pressure - PEEP), mais intensos os efeitos da insuflação mecânica sobre o desempenho ventricular direito. A redução no débito do ventrículo direito na insuflação reduz a pré-carga, o volume sistólico e, consequentemente, o débito do ventrículo esquerdo na expiração. Portanto, a ventilação mecânica promove alterações cíclicas no débito cardíaco: ocorre aumento na insuflação e queda na expiração.

Quatro marcadores dinâmicos têm sido estudados:

• Variação no volume sistólico (em inglês, systolic volume variation - SVV): percentual de mudança entre os volumes sistólicos máximo e mínimo ao longo de um intervalo pré-determinado.

• Delta down: queda na pressão arterial sistólica durante a expiração.

• Variação na pressão sistólica (em inglês, systolic pressure variation - SPV): diferença entre a pressão sistólica máxima e a pressão sistólica mínima ao longo de um ciclo respiratório.

• Variação na pressão de pulso, ou Delta PP (em inglês, pulse pressure variation - PPV): diferença entre a pressão de pulso máxima e a pressão de pulso mínima dividida pela média das duas ao longo de um ciclo respiratório.

Para determinação da variação no volume sistólico, é necessário um monitor de débito cardíaco; os demais marcadores dinâmicos requerem apenas um cateter de pressão arterial média (PAM) para análise do traçado do pulso arterial. Destes, vamos focar no Delta PP, que é o marcador que tem demonstrado melhor desempenho nos estudos clínicos.

VARIAÇÃO NA PRESSÃO DE PULSO (DELTA PP)

A pressão de pulso é dada pela diferença entre a TA sistólica e a diastólica. Ela é diretamente proporcional ao volume sistólico e inversamente proporcional à elastância aórtica; como esta última se mantém constante entre um batimento cardíaco e outro, a pressão de pulso pode ser utilizada como um marcador indireto do volume sistólico. Em 1999, Michard et al. demonstraram que a variação na pressão de pulso ao longo de um ciclo respiratório poderia ser utilizada na beira do leito para prever os efeitos hemodinâmicos adversos do PEEP.8 A fórmula utilizada para cálculo do Delta PP foi: Delta PP% = 100x {(PPmáx. - PP mín.) ÷ [(PPmáx. + PPmín.) ÷2]}.

Os autores mostraram que os pacientes com valores mais elevados de Delta PP antes da aplicação do PEEP eram também aqueles que sofriam maiores reduções no índice cardíaco após aplicação do PEEP.8 Em 2000, Michard et al. utilizaram o Delta PP como previsor de resposta a volume em pacientes com choque séptico.9 Trinta pacientes foram submetidos a um desafio com 500 mL de coloide sintético em 30 minutos. A resposta ao teste de volume foi definida como uma elevação no índice cardíaco maior ou igual a 15%. Entre os 16 respondedores, o Delta PP foi de 24 ± 9% contra 7 ± 3% entre os não respondedores (p < 0,001). Ao avaliar a performance diagnóstica do Delta PP em uma curva ROC, os autores demonstraram que um ponto de corte de 13% era capaz de discriminar entre respondedores (Delta PP > 13%) e não respondedores (Delta PP < 13%), com uma sensibilidade de 94% e especificidade de 96%. Adicionalmente, o Delta PP mostrou-se um indicador de resposta a volume mais confiável que a variação na pressão sistólica, a PVC e a POAP.9

De acordo com os estudos de Michard et al., um valor de Delta PP > 13% é um bom indicador de que o paciente vai responder a um desafio com volume. A Figura 2 ilustra como a análise da variação na pressão de pulso pode ajudar a identificar em que fase da curva de Frank-Starling se encontra o paciente. No entanto, algumas condições precisam ser satisfeitas:

1. Os pacientes precisam estar em ventilação mecânica, sedados e paralisados.

2. A ventilação mecânica deve estar em modo de controle de volume, com volume corrente > 8 mL/kg.

3. Não deve haver arritmia, shunt intracardíaco ou doença valvular significativa.

4. Os traçados do pulso arterial e da ventilação mecânica precisam ser impressos em uma mesma folha, e o Delta PP deve ser calculado com a fórmula mencionada anteriormente (sem recorrer ao "olhômetro"). De forma alternativa, o Delta PP pode ser monitorado continuamente (online) por meio do uso de um dos novos monitores mencionados (PiCCO ou PulseCO). Recentemente, Auler et al. desenvolveram uma técnica que permite cálculo automático do Delta PP utilizando-se um monitor convencional (DX 2020, Dixtal, São Paulo, SP, Brasil), o que pode ajudar a popularizar a técnica.10


A influência do volume corrente sobre a mensuração do Delta PP pôde ser demonstrada no estudo de De Backer et al.11 Os autores observaram que, em pacientes ventilados com volume corrente inferior a 8 mL/kg, o ponto de corte de 13% de Delta PP classificou corretamente apenas 51% dos pacientes. Em pacientes com volume corrente mais baixo, a redução do ponto de corte do Delta PP para 8% melhorou a performance diagnóstica, mas, mesmo assim, classificou corretamente apenas 61% dos pacientes.11 Esse fato não surpreende, pois, quanto maior o volume corrente, maiores as alterações cíclicas no débito cardíaco (e, consequentemente, na pressão de pulso) com a respiração.

Recentemente, Huang et al. avaliaram a capacidade do Delta PP em predizer resposta a volume em pacientes ventilados com volume corrente baixo e PEEP alto.12 Vinte e dois pacientes foram ventilados no modo de controle de pressão. O volume corrente médio foi de 6,4 ± 0,7 mL/kg; o PEEP, de 14 ± 1,4 cm de água. Nesses pacientes, o ponto de corte do Delta PP de 11,8% foi capaz de discriminar entre respondedores e não respondedores com uma sensibilidade de 68% e especificidade de 100%. Fica sugerido, portanto, que o volume corrente baixo é "compensado" pelo PEEP alto, fazendo com que as alterações cíclicas do débito cardíaco se tornem grandes o suficiente para avaliação do Delta PP. Tal dado é extremamente importante, pois essa estratégia de ventilação com volume corrente baixo e PEEP alto é muito utilizada nas UTIs em pacientes sépticos com síndrome de angústia respiratória do adulto.

TESTE DE ELEVAÇÃO PASSIVA DAS PERNAS

O teste de elevação passiva das pernas (EPP) a 45º não é propriamente um teste, mas manobra aplicada em associação com testes dinâmicos de avaliação de resposta a volume, e pode ser repetido com a frequência que se desejar sem risco de indução de hipervolemia (Figura 3). Assim como a posição de Trendelenburg, a EPP é frequentemente utilizada na abordagem inicial do paciente em choque hipovolêmico. Trata-se de manobra simples que, ao "autotransfundir" o sangue das veias de capacitância das pernas em direção ao compartimento intratorácico, mimetiza - de forma temporária e reversível - uma infusão rápida de volume. Boulain et al. demonstraram que a EPP por mais de 4 minutos promoveu alterações hemodinâmicas e no débito cardíaco semelhantes a uma infusão rápida de 300 mL de volume;13 a manobra aumenta a pré-carga e, em pacientes hipovolêmicos, o débito cardíaco. Inicialmente, a EPP foi utilizada em conjunto com técnicas de ecodopplercardiografia. Lafanechere et al. demonstraram que uma resposta positiva ao teste de EPP, definida como um aumento > 8% no fluxo sanguíneo aórtico medido através de doppler esofagiano, era capaz de predizer resposta a volume com sensibilidade e especificidades semelhantes a um Delta PP > 12%.14 A principal vantagem da EPP aliada ao ecodoppler sobre o Delta PP é a possibilidade de uso em pacientes em ventilação espontânea e com arritmia cardíaca. Mais recentemente, a manobra foi adaptada com sucesso à mensuração do fluxo sanguíneo nas válvulas aórtica ou pulmonar com um aparelho de ecodoppler transtorácico simplificado, o que torna o método totalmente não invasivo.15 Embora essa metodologia aparente aliar grande simplicidade e sensibilidade, ainda são necessários novos estudos e maior experiência para determinar sua real utilidade na prática clínica.


ÍNDICE DE VARIAÇÃO DO CALIBRE DA VEIA CAVA SUPERIOR E INFERIOR

A simples observação visual da coluna de sangue na veia jugular interna direita é largamente utilizada na prática clínica para estimar a pressão em átrio direito. De forma análoga, a avaliação ecocardiográfica do calibre da veia cava pode ser utilizada para determinar as pressões de enchimento e a resposta a volume no paciente criticamente enfermo. As variações nas pressões pleurais induzidas pela ventilação mecânica com pressão positiva produzem alterações cíclicas no diâmetro da veia cava. A veia cava superior (VCS), por exemplo, atinge seu diâmetro mínimo na insuflação (por compressão em virtude do aumento da pressão pleural) e máximo na expiração; essas alterações são mais acentuadas em pacientes hipovolêmicos. Nesse sentido, Vieillard-Baron et al. estudaram 66 pacientes com choque séptico em ventilação mecânica e mediram a variação respiratória do calibre da VCS por meio de ecocardiograma transesofágico.16 Grandes variações no diâmetro da VCS (> 50%) foram observadas apenas no grupo de pacientes responsivos a um desafio com volume, ao passo que, nos não respondedores, essa variação ficou, em geral, abaixo de 30%. O ponto de corte de 36% demonstrou-se capaz de discriminar os pacientes responsivos e não responsivos a volume com uma sensibilidade de 90% e especificidade de 100%.16

A veia cava inferior (VCI) tem comportamento oposto ao da VCS, atingindo seu diâmetro máximo no final da insuflação mecânica (em virtude da resistência a seu fluxo causada pelo aumento da pressão intratorácica) e diâmetro mínimo no final da expiração. Feissel et al. estudaram 39 pacientes sob ventilação mecânica com sepse grave ou choque séptico e demonstraram que um índice de variação respiratória do diâmetro da VCI > 12% era capaz de identificar os pacientes que respondiam a um desafio com volume (valor preditivo positivo de 93% e negativo de 92%).17 Em estudo semelhante, mas utilizando critérios ecocardiográficos diferentes, Barbier et al. demonstraram que o ponto de corte de 18% para variação respiratória do diâmetro da VCI era capaz de predizer resposta a volume com 90% de sensibilidade e de especificidade.18 Existem diversas limitações para o uso dessas técnicas: 1) os pacientes necessitam estar em ventilação mecânica em modo controlado por volume, profundamente sedados ou paralisados; 2) a técnica não foi testada em pacientes ventilados com volume corrente baixo e PEEP alto; 3) situações que aumentam a pressão intra-abdominal (obesidade, trauma, laparotomia) inviabilizam seu emprego; 4) falta de validação em pacientes com arritmias cardíacas ou doença cardiopulmonar grave.

MARCADORES DE PERFUSÃO TECIDUAL

O objetivo da ressuscitação volêmica dos pacientes criticamente enfermos em choque circulatório é a restauração da perfusão e da oxigenação tecidual. Do ponto de vista clínico, deve-se almejar uma PAM acima de 70 mmHg, um bom nível de consciência e diurese adequada (> 0,5 mL/kg/ hora). Do ponto de vista bioquímico, os marcadores mais utilizados são o lactato sérico e a saturação venosa central de oxigênio (ScvO2). A ScvO2 é um marcador de extração de oxigênio pelos tecidos (normal > 70%) e ganhou notoriedade com o artigo de Rivers et al.19 Nesse artigo, os autores compararam a mortalidade intra-hospitalar de 133 pacientes com sepse grave ou choque séptico submetidos à terapia-padrão com a de 130 pacientes submetidos ao protocolo de terapia guiada por metas. As metas do protocolo eram: 1) PVC entre 8 e 12 mmHg; 2) PAM entre 65 e 90 mmHg; 3) ScvO2 > 70%. Para atingir essas metas, os autores se valeram de ressuscitação volêmica; drogas vasoativas; inotrópicos; oxigenoterapia, para manter a saturação arterial de O2 > 93%; e transfusão sanguínea, para manter o hematócrito > 30%. No fim do estudo, a mortalidade intra-hospitalar nos pacientes submetidos à terapia-padrão foi de 46,5% contra 30,5% nos submetidos à terapia dirigida por metas (p = 0,009).19 Esse protocolo contempla todas as variáveis da equação de oxygen delivery (DO2), que rege a oferta de oxigênio aos tecidos: débito cardíaco e o conteúdo de oxigênio do sangue, que depende da concentração de hemoglobina e da saturação de oxigênio.

AVALIAÇÃO DE VOLEMIA NA DIÁLISE

A diálise, contínua ou intermitente, é frequentemente utilizada na UTI para remover volume de pacientes hipervolêmicos com insuficiência renal aguda (IRA). Embora as novas máquinas de diálise sejam bastante precisas e removam apenas a quantidade de volume prescrita pelo médico, essa prescrição continua sendo fundamentalmente empírica. Em outras palavras, não há nenhum cálculo sofisticado que permita ao médico decidir com precisão quantos litros de volume devem ser ultrafiltrados em um determinado intervalo de tempo. Comumente, o nefrologista utiliza-se apenas de sua experiência e de dados essencialmente clínicos (descritos na Tabela 1) para determinar se é necessário ultrafiltração e, nesse caso, sua taxa. Esses mesmos dados clínicos são reavaliados após a diálise para determinar se o volume de ultrafiltração foi adequado ou se é necessário aumentar ou diminuir as perdas. Em virtude da complexidade do paciente com IRA na UTI e das dificuldades descritas anteriormente para estabelecer um diagnóstico correto de volemia, muitas vezes o nefrologista só percebe que calculou mal a taxa de ultrafiltração quando o paciente desenvolve hipotensão grave durante a diálise. É recomendável, portanto, que, além dos dados clínicos, o nefrologista lance mão das medidas de pré-carga, do débito cardíaco (antes e depois do desafio com volume) e de marcadores dinâmicos, como o Delta PP, para melhorar a acurácia de seu diagnóstico volêmico e minimizar as chances de cálculos incorretos da taxa de ultrafiltração. Infelizmente, não há estudos bem conduzidos demonstrando que qualquer estratégia de avaliação de volemia no paciente com IRA está associada a menos hipotensão durante a diálise. Na prática, o empirismo acaba predominando, e o bom nefrologista começa com taxas de ultrafiltração mais conservadoras e vai tornando-se mais agressivo à medida que o paciente demonstra boa tolerância à ultrafiltração.

Nesse contexto, seria extremamente útil que as máquinas de diálise contassem com equipamentos capazes de determinar com precisão a volemia, permitind,o assim, que o nefrologista reduzisse a ultrafiltração antes de o paciente entrar em choque hipovolêmico. Ronco, Bellomo e Ricci publicaram, em 2001, sua experiência com o Crit-Line (Hema Metrics, USA), um equipamento de monitoração de volemia durante diálise. Esse equipamento contém um sensor que detecta, pelas variações na reflexão de um feixe luminoso, mínimas alterações no hematócrito. À medida que ocorre a ultrafiltração, há um aumento no hematócrito (por concentração), o que permite utilizar a variação no hematócrito como estimativa da variação na volemia. Os autores avaliaram 22 pacientes com ICC e hipervolemia, submetidos a duas modalidades de ultrafiltração: 2,5 litros em 4 horas (625 mL/hora) e 2,5 litros em 24 horas (104 mL/ hora). Como já era esperado, houve mais instabilidade hemodinâmica no grupo submetido à ultrafiltração intermitente (4 horas). Tal instabilidade hemodinâmica foi acompanhada de quedas significativas na volemia determinada pelo Crit-Line, o que não ocorreu no grupo submetido à ultrafiltração contínua.20 Contudo, esse estudo não avaliou se a queda na volemia determinada pelo Crit-Line precedia a instabilidade hemodinâmica, de modo a permitir que esta última fosse evitada. Essa questão foi avaliada por Tonelli et al. em 2002, usando aparelho semelhante (Hemoscan, Gambro).21 Os autores estudaram 57 tratamentos dialíticos consecutivos em 20 pacientes com IRA na UTI. Ocorreu hipotensão em 30% dos tratamentos; no entanto, o Hemoscan não foi capaz de mostrar quedas na volemia antes da ocorrência de instabilidade hemodinâmica. Tal estudo sugere que essa estratégia não deve ser capaz de reduzir hipotensão em pacientes com IRA na UTI submetidos à diálise intermitente.

CONCLUSÕES

O objetivo de determinar a volemia com segurança é identificar como conduzir a terapêutica volêmica do paciente: ofertar volume ou retirar volume. Contudo, o diagnóstico preciso da volemia de um paciente criticamente enfermo é altamente desafiador. A tendência atual é substituir as medidas estáticas de pré-carga por marcadores dinâmicos, com ênfase na resposta a um desafio com volume. Vale ressaltar que nenhuma medida usada isoladamente é 100% segura. O intensivista experiente raciocina a partir de uma combinação de dados da história, do exame físico, dos exames laboratoriais, das medidas estáticas e dinâmicas, e dos marcadores de perfusão tecidual. Essas habilidades cognitivas podem e devem fazer parte do treinamento do nefrologista, notadamente daqueles que se ocupam da atenção a pacientes criticamente enfermos. Não se deve esquecer que, em um ambiente de medicina de qualidade, nefrologistas e intensivistas devem colaborar e acordar na definição das metas de adequação volêmica e nas ferramentas para aferi-las, além de considerar que os pacientes devem ser reavaliados com frequência, e não uma vez por dia, e que os pacientes instáveis podem exigir diversas modificações nos objetivos e nas condutas hemodinâmicas ao longo de um único dia (Quadro 2).


Data de submissão: 30/09/2009

Data de aprovação: 19/01/2010

Paulo Novis Rocha declara ter recebido suporte financeiro da Fundação ABM de Pesquisa e Extensão na Área da Saúde (Fabamed).

  • 1. Duane PG, Colice GL. Impact of noninvasive studies to distinguish volume overload from ARDS in acutely ill patients with pulmonary edema: analysis of the medical literature from 1966 to 1998. Chest 2000;118(6):1709-17.
  • 2. Dellinger RP, Carlet JM, Masur H et al Surviving Sepsis Campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Intensive Care Med 2004;30(4):536-55.
  • 3. Marik PE, Baram M, Vahid B. Does central venous pressure predict fluid responsiveness? A systematic review of the literature and the tale of seven mares. Chest 2008;134(1):172-8.
  • 4. Connors AF, Jr., Speroff T, Dawson NV et al The effectiveness of right heart catheterization in the initial care of critically ill patients. SUPPORT Investigators. JAMA 1996;276(11):889-97.
  • 5. Osman D, Ridel C, Ray P et al Cardiac filling pressures are not appropriate to predict hemodynamic response to volume challenge. Crit Care Med 2007; 35(1):64-8.
  • 6. Shah MR, Hasselblad V, Stevenson LW et al Impact of the pulmonary artery catheter in critically ill patients: meta-analysis of randomized clinical trials. JAMA 2005; 294(13):1664-70.
  • 7. Berton C, Cholley B. Equipment review: new techniques for cardiac output measurement - oesophageal Doppler, Fick principle using carbon dioxide, and pulse contour analysis. Crit Care 2002; 6(3):216-21.
  • 8. Michard F, Chemla D, Richard C et al Clinical use of respiratory changes in arterial pulse pressure to monitor the hemodynamic effects of PEEP. Am J Respir Crit Care Med 1999; 159(3):935-9.
  • 9. Michard F, Boussat S, Chemla D et al Relation between respiratory changes in arterial pulse pressure and fluid responsiveness in septic patients with acute circulatory failure. Am J Respir Crit Care Med 2000; 162(1):134-8.
  • 10. Auler JO, Jr., Galas F, Hajjar L et al Online monitoring of pulse pressure variation to guide fluid therapy after cardiac surgery. Anesth Analg 2008; 106(4):1201-6, table.
  • 11. De Backer D, Heenen S, Piagnerelli M et al Pulse pressure variations to predict fluid responsiveness: influence of tidal volume. Intensive Care Med 2005; 31(4):517-23.
  • 12. Huang CC, Fu JY, Hu HC et al Prediction of fluid responsiveness in acute respiratory distress syndrome patients ventilated with low tidal volume and high positive end-expiratory pressure. Crit Care Med 2008; 36(10):2810-6.
  • 13. Boulain T, Achard JM, Teboul JL et al Changes in BP induced by passive leg raising predict response to fluid loading in critically ill patients. Chest 2002; 121(4):1245-52.
  • 14. Lafanechere A, Pene F, Goulenok C et al Changes in aortic blood flow induced by passive leg raising predict fluid responsiveness in critically ill patients. Crit Care 2006; 10(5):R132.
  • 15. Thiel SW, Kollef MH, Isakow W. Non-invasive stroke volume measurement and passive leg raising predict volume responsiveness in medical ICU patients: an observational cohort study. Crit Care 2009; 13(4):R111.
  • 16. Vieillard-Baron A, Chergui K, Rabiller A et al Superiorvena caval collapsibility as a gauge of volume status in ventilated septic patients. Intensive Care Med 2004; 30(9):1734-9.
  • 17. Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med 2004; 30(9):1834-7.
  • 18. Barbier C, Loubieres Y, Schmit C et al Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med 2004; 30(9):1740-6.
  • 19. Rivers E, Nguyen B, Havstad S et al Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2001; 345(19):1368-77.
  • 20. Ronco C, Bellomo R, Ricci Z. Hemodynamic response to fluid withdrawal in overhydrated patients treated with intermittent ultrafiltration and slow continuous ultrafiltration: role of blood volume monitoring. Cardiology 2001; 96(3-4):196-201.
  • 21. Tonelli M, Astephen P, Andreou P, Beed S, Lundrigan P, Jindal K. Blood volume monitoring in intermittent hemodialysis for acute renal failure. Kidney Int 2002; 62(3):1075-80.
  • Correspondência para:

    Paulo Novis Rocha
    Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia Departamento de Medicina
    Av. Reitor Miguel Calmon, s/n.º Vale do Canela
    Salvador - BA, Brasil CEP: 40110-100
    Tel./Fax: (71) 3283-8862 / 3283-8863 / 3283-8864
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      19 Jan 2010
    • Recebido
      30 Set 2009
    Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjnephrology@gmail.com