Acessibilidade / Reportar erro

Insucessos em empreendimentos nucleares devido a falhas em processos de Comunicação Pública

Failures in nuclear enterprises due to mistakes in processes of Public Communication

Fracasos en proyectos nucleares debido a fallas en los procesos de Comunicación Pública

Resumos

A energia nuclear é um tema amplamente discutido em todo o mundo. O acidente nuclear de Chernobyl e o acidente radiológico de Goiânia contribuíram decisivamente para que a sociedade brasileira tivesse uma imagem negativa sobre o tema. A operação da usina de Angra 3, atualmente em obras, está vinculada à construção de um repositório para armazenar os rejeitos radioativos, o que provavelmente será explorado pelos opositores do setor nuclear. Um dos grandes desafios dos profissionais envolvidos nesse tipo de construção não é a engenharia em si, mas sim a aceitação pública do projeto, em razão do receio da sociedade sobre esse tema. O objetivo do estudo é levantar e apresentar experiências internacionais e nacionais sobre a aceitação pública de empreendimentos nucleares, com foco nos repositórios de rejeitos radioativos onde houve insucessos em razão de falhas nos processos de Comunicação Pública. É importante conhecer também os insucessos, de modo a não incorrer em erros semelhantes.

Energia nuclear; Rejeitos radioativos; Estratégias de Comunicação; Aceitação pública; Experiências internacionais


The nuclear energy is a subject widely discussed all over the world. The nuclear accident of Chernobyl and the Goiânia radiological accident contributed decisively to create a negative image of the nuclear area in the Brazilian society. The operation of the Angra 3 nuclear power plant, which is under construction, is linked to the construction of a radioactive wastes repository, what surely will be explored by the nuclear energy opponents. A big challenge for the professionals of the area in such constructions is not the engineering itself, but the public acceptance of the project, due to the great fear of the society in relation to this subject. The goal is to research and to show some international and national experiences about the public acceptance of nuclear enterprises are presented, giving focus on nuclear waste repositories where unsuccessful processes of public communication happened. It is important also to know such failures in order to not repeat them.

Nuclear energy; Nuclear waste; Communication strategies; Public acceptance; International experiences


La energía nuclear es un asunto ampliamente discutido por el mundo. El accidente nuclear de Chernobyl y el accidente radiológico de Goiânia contribuyeron decididamente para crear una imagen negativa del área nuclear perante la sociedad brasileña. El funcionamiento de la planta nuclear de Angra 3, actualmente en obras, se une a la construcción de un repositorio para el almacenamiento de los residuos radiactivos, lo que ciertamente se explorará por los antagonistas de la energía nuclear. Un gran desafío para los profesionales del área, en estos tipos de construcciones no es la propia ingeniería, pero la aceptación pública del proyecto, debido al gran miedo de la sociedad vinculado a este asunto. El objetivo es revelar algunas experiencias internacionales y nacionales acerca de la aceptación pública de empresas nucleares, en particular de los repositorios de residuos radiactivos onde hubo fallas em los procesos de comunicación pública. És también importante conocer los fracasos para que equivocos similares no ocurran.

Energia nuclear; Resíduos radioactivos; Estratégias de comunicación; Aceptación del público; Experiencias internacionales


ARTIGO

A COMUNICAÇÃO NAS CORPORAÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

Insucessos em empreendimentos nucleares devido a falhas em processos de Comunicação Pública

Failures in nuclear enterprises due to mistakes in processes of Public Communication

Fracasos en proyectos nucleares debido a fallas en los procesos de Comunicación Pública

Vinícius V. M. FerreiraI; Wellington A. SoaresII

IDoutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Tecnologista Sênior do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN/CNEN, Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte-MG, Brasil. Email – vvmf@cdtn.br

IIDoutor em Tecnologia de Reatores pela USP. Pesquisador Titular do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear-CDTN/CNEN, Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte-MG, Brasil) . E-mail – soaresw@cdtn.br

RESUMO

A energia nuclear é um tema amplamente discutido em todo o mundo. O acidente nuclear de Chernobyl e o acidente radiológico de Goiânia contribuíram decisivamente para que a sociedade brasileira tivesse uma imagem negativa sobre o tema. A operação da usina de Angra 3, atualmente em obras, está vinculada à construção de um repositório para armazenar os rejeitos radioativos, o que provavelmente será explorado pelos opositores do setor nuclear. Um dos grandes desafios dos profissionais envolvidos nesse tipo de construção não é a engenharia em si, mas sim a aceitação pública do projeto, em razão do receio da sociedade sobre esse tema. O objetivo do estudo é levantar e apresentar experiências internacionais e nacionais sobre a aceitação pública de empreendimentos nucleares, com foco nos repositórios de rejeitos radioativos onde houve insucessos em razão de falhas nos processos de Comunicação Pública. É importante conhecer também os insucessos, de modo a não incorrer em erros semelhantes.

Palavras chave: Energia nuclear. Rejeitos radioativos. Estratégias de Comunicação. Aceitação pública. Experiências internacionais.

ABSTRACT

The nuclear energy is a subject widely discussed all over the world. The nuclear accident of Chernobyl and the Goiânia radiological accident contributed decisively to create a negative image of the nuclear area in the Brazilian society. The operation of the Angra 3 nuclear power plant, which is under construction, is linked to the construction of a radioactive wastes repository, what surely will be explored by the nuclear energy opponents. A big challenge for the professionals of the area in such constructions is not the engineering itself, but the public acceptance of the project, due to the great fear of the society in relation to this subject. The goal is to research and to show some international and national experiences about the public acceptance of nuclear enterprises are presented, giving focus on nuclear waste repositories where unsuccessful processes of public communication happened. It is important also to know such failures in order to not repeat them.

Keywords: Nuclear energy. Nuclear waste. Communication strategies. Public acceptance. International experiences.

RESUMEN

La energía nuclear es un asunto ampliamente discutido por el mundo. El accidente nuclear de Chernobyl y el accidente radiológico de Goiânia contribuyeron decididamente para crear una imagen negativa del área nuclear perante la sociedad brasileña. El funcionamiento de la planta nuclear de Angra 3, actualmente en obras, se une a la construcción de un repositorio para el almacenamiento de los residuos radiactivos, lo que ciertamente se explorará por los antagonistas de la energía nuclear. Un gran desafío para los profesionales del área, en estos tipos de construcciones no es la propia ingeniería, pero la aceptación pública del proyecto, debido al gran miedo de la sociedad vinculado a este asunto. El objetivo es revelar algunas experiencias internacionales y nacionales acerca de la aceptación pública de empresas nucleares, en particular de los repositorios de residuos radiactivos onde hubo fallas em los procesos de comunicación pública. És también importante conocer los fracasos para que equivocos similares no ocurran.

Palabras clave: Energia nuclear. Resíduos radioactivos. Estratégias de comunicación. Aceptación del público. Experiencias internacionales.

Introdução

A energia nuclear é um tema sempre em discussão por todo o mundo. O acidente nuclear de Chernobyl, as bombas atômicas liberadas sobre o Japão em 1945 e o acidente radiológico de Goiânia em 1987 contribuíram decisivamente para que a sociedade brasileira formasse uma imagem negativa sobre o tema. Em contraponto, a energia nuclear encontra aplicações em diversas áreas como saúde, meio ambiente, engenharias de materiais, alimentos, metalúrgica e aeronáutica, dentre outras, sendo estas desconhecidas por grande parte da população. Assim, a opinião pública tende a ser formada com base nas informações que se encontram disponíveis na mídia, e focada em acidentes nucleares. Um dos grandes questionamentos do público em relação à energia nuclear está concentrado na destinação final dos rejeitos radioativos oriundos da utilização dessa tecnologia.

Atualmente, os rejeitos radioativos gerados nas diversas atividades nucleares no Brasil estão adequadamente armazenados dentro de depósitos iniciais, que são operados pelas empresas e instituições geradoras, e nos depósitos intermediários, sob guarda da CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear. Entretanto, a entrada em operação da usina nuclear de Angra 3, que atualmente encontra-se em construção, e a previsão de construção de outras usinas nucleares no Brasil, demanda a existência de um repositório nacional para armazenar os rejeitos provenientes das diversas atividades com materiais radioativos no país.

Embora haja no mundo um grande número de repositórios de rejeitos radioativos, para os quais existem técnicas de construção que estabelecem um armazenamento seguro, o receio da população ainda remete à lembrança das bombas de Hiroshima e Nagazaki. Assim, um dos grandes desafios dos profissionais da área não é a engenharia em si e sim a aceitação pública do projeto, em razão do receio da sociedade sobre o tema.

O objetivo desse artigo é disponibilizar informações sobre insucessos que ocorreram na implantação de repositórios de rejeitos radioativos em vários locais no mundo, devido principalmente a falhas nos processos de Comunicação Pública. Além disso, são apresentadas também experiências no Brasil com a disseminação de informações referentes a aplicações da tecnologia nuclear, elemento essencial no processo de formação do público e que pode contribuir para minimizar as falhas citadas.

1. Rejeitos radioativos

Um repositório é uma instalação para o armazenamento seguro dos rejeitos radioativos e deve ser construído, operado e fechado, respeitando a legislação e a vida humana. Deve-se garantir que as premissas estabelecidas nos estudos de análise de segurança sejam mantidas durante todas as fases do projeto. Para ser aceito para deposição em um repositório, os rejeitos devem estar em conformidade com critérios de aceitação estabelecidos no projeto conceitual e que estipulam a forma de acondicionamento, o tipo de rejeito que pode ser armazenado e outras características correlatas.

Os riscos reais de um repositório podem ser explicitados durante seu projeto ao se definir os aspectos referentes à proteção radiológica, à engenharia, aos materiais que serão armazenados e aos requisitos de aceitação pública. No entanto, quando se trata das questões sociais, a definição de risco pode ter inúmeras dimensões, em decorrência da tendência de se basear estes conceitos em valores subjetivos como controle do risco e confiabilidade. Assim, os riscos são avaliados em função da forma pela qual a sociedade os percebe (NIELSEN, 1996), (BIRKMANN, 2007). Estudos recentes indicam que a associação da energia nuclear a uma imagem negativa diminuiu bastante para uma significativa parcela da população. Porém, qualquer acidente ou incidente pode trazer de volta todos os medos (PIDGEON et al., 2008).

A experiência com o armazenamento de rejeitos radioativos não é nova, sendo que vários países já possuem repositórios com essa finalidade. A forma de interagir com a sociedade para discutir as questões nucleares tem variado ao longo do tempo e é influenciada pelas culturas locais. A análise de experiências de fracassos e sucessos, no que se refere à aceitação pública da área nuclear, ajuda a entender os pontos importantes desse processo, considerando os aspectos específicos locais e as condições em que se deram essas iniciativas (PETTERSON, 1988).

2. Experiências na aceitação pública de rejeitos radioativos

Como deve ocorrer a interação dos vários atores da área nuclear com a população, em relação à aceitação da implantação de repositórios de rejeitos radioativos? Neste item são apresentadas informações que buscam dar resposta a essa questão.

A aceitação pública de um empreendimento nuclear é resultado de um longo trabalho. Todavia, a principal preocupação do órgão regulador deve ser a obtenção da confiança do público em todo o processo. Para isso, alguns aspectos como clareza e Comunicação bem formulada são fundamentais para uma boa aceitação por parte da comunidade local ou vizinha a um repositório de rejeitos radioativos (VUORINEN, 2008).

O processo de Comunicação e interação com o público pode durar um longo tempo. O ideal é que as comunidades dos locais candidatos sejam consultadas de forma frequente ao longo de todo o processo de seleção e desde seus estágios preliminares. Desta forma, um resultado positivo pode ser obtido, desde que se mantenha, desde o início do processo, um clima aberto e interativo que proporcione reais possibilidades do público obter, de modo compreensível, a informação desejada, além de se discutir com o mesmo os impactos percebidos e de permitir sua participação no processo de tomada de decisão (MAYS e PESCATORE, 2007).

3. Pesquisa de Opinião

3.1. União Europeia

Uma pesquisa realizada em 27 países da União Europeia (EUROPEAN COMMISSION, 2008) avaliou o quanto os cidadãos destes países gostariam de participar no processo de tomada de decisão na construção de um repositório de rejeitos radioativos. Em um dos itens do questionário, foi avaliada a preferência dos entrevistados em relação ao nível de tomada de decisão, no caso da escolha de um sítio para construção de um repositório de rejeitos radioativos próximo a sua casa. Com base nos resultados obtidos, pode-se afirmar que a maioria dos europeus quer ser diretamente consultada e gostaria de participar do processo da tomada de decisão. No Quadro 1, são apresentados os resultados da pesquisa.


3.2. África do Sul

Na África do Sul, quando da implantação de um repositório em 1986, não foram consideradas as questões referentes à aceitação pública do empreendimento, mas somente os aspectos técnicos e econômicos. O processo de seleção de local considerou inicialmente apenas regiões pouco habitadas, sem que houvesse consulta às comunidades envolvidas. Os proprietários rurais da área onde se construiu o repositório Vaalputs, foram indenizados pela desapropiação de suas terras, num total de dez mil hectares. O fato gerou ressentimento e oposição por parte dos fazendeiros reassentados, e até mesmo nas comunidades dos municípios vizinhos ao repositório, que também nunca foram consultadas sobre o assunto.

Nos anos subsequentes, as atividades que surgiram na região não geraram os benefícios esperados, entre os quais um aumento nas oportunidades de emprego. Promessas referentes ao desenvolvimento posterior da infraestrutura local e ao suprimento de eletricidade em áreas rurais não foram cumpridas. A população concluiu que o repositório tinha afetado a imagem local e a venda de produtos agropecuários típicos da região, e que as contribuições geradas com a sua operação eram desprezíveis quando comparadas às reais necessidades de crescimento na área. O envolvimento do operador (NECSA – Companhia Sul Africana de Energia Nuclear), no início da década de 1990, gerou expectativas irreais nas comunidades, o que trouxe grandes decepções. A NECSA procurou financiar projetos educacionais e de saúde nas comunidades vizinhas. Todavia, as dificuldades encontradas não possibilitaram grande êxito nesta tarefa. Diante deste quadro de rejeição pública, em 1996 foi estabelecido um Fórum de Comunicação, que envolvia os representantes das comunidades rurais que viviam no entorno do repositório, visando esclarecer diversos questionamentos e obter a confiança da população (AFRA/IAEA, 2000).

Entretanto, a pressão de grupos ambientalistas e organizações não governamentais contra a energia nuclear se tornava a cada dia mais intensa. Paralelamente a este fato, alguns incidentes ocorridos nos anos posteriores chamaram a atenção da mídia e geraram uma repercussão bastante negativa. Em 1997, surgiram fissuras em alguns tambores de concreto que continham rejeitos de nível intermediário de atividade. Uma missão especial da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica, declarou que o repositório era seguro, mas que certos assuntos exigiam uma maior atenção, como o estabelecimento de um melhor programa de Comunicação e a necessidade de melhoria na qualidade dos tambores concretados. Em 2001, eventos sísmicos aconteceram na área onde o repositório está situado e, em 2002, houve vários questionamentos de ex-empregados do repositório que ainda causaram mais problemas. Surgiram denúncias de que eles haviam contraído diversas doenças como resultado da exposição à radiação durante o período de trabalho. Houve, também, alguns problemas em que fazendeiros alegavam que o seu gado tinha morrido devido ao transporte de resíduos radioativos através de suas propriedades. Todavia, os resultados das investigações mostraram que as alegações careciam de fundamentação (IAEA, 2005).

Lições importantes foram extraídas destes incidentes. Apesar de todos os argumentos técnicos apresentados pelos responsáveis, a percepção pública sobre o empreendimento continuava a ser negativa, não havendo a confiança necessária. As autoridades da área nuclear da África do Sul concluíram que através de fóruns públicos, e somente após um período longo de esforços contínuos, a transparência desejável poderia ser alcançada.

3.3. Hungria

Em 1978, foi iniciado o processo de seleção de local para a instalação de um repositório na Hungria, que culminou com a seleção do município de Ófalu. Em 1983, este município foi recomendado como sendo um local potencialmente candidato a receber a instalação, sendo que, em 1985, foram realizados os primeiros trabalhos técnicos no local. Em 1987, representantes da usina nuclear de Paks, situada na mesma região, realizaram uma apresentação ao público local sobre a possível instalação de um repositório na região. Nas semanas subsequentes, municípios vizinhos também receberam a visita destes profissionais, que abordaram em detalhes questões referentes ao projeto, à construção e à operação de um repositório. Entretanto, parte do público questionou bastante os argumentos técnicos apresentados, apesar de as melhores práticas e técnicas recomendadas por agências internacionais terem sido seguidas. O processo foi totalmente rejeitado pela comunidade local, tendo sido encerrado em 1987. A rejeição foi resultado da atitude "não no meu quintal" somada a uma crescente antipatia pelas iniciativas governamentais, cuja Comunicação com as comunidades locais foi considerada desonesta. A pressão popular resultante culminou com a negativa da concessão da licença de construção pela autoridade competente, apesar das várias tentativas de se reafirmar a segurança do empreendimento. Grande parte da comunidade não visualizou nenhum benefício nesta possível instalação do repositório. Protestos foram realizados pelos residentes, o que surpreendeu sobremaneira os profissionais da área nuclear, que não souberam lidar com as reações da população, visto somente possuírem habilidade para trabalhar com as questões técnicas pertinentes.

A experiência anterior, referente à construção da usina nuclear de Paks, sugeria que o processo de licenciamento de um repositório seria apenas uma formalidade, desde que as questões técnicas fossem atendidas. Uma possível oposição local sequer foi considerada. Um Comitê Social foi formado para defender os interesses populacionais, e após convidar um grupo de especialistas a opinar sobre o processo, o local inicialmente proposto para a instalação do repositório foi declarado pelo Comitê como sendo impróprio, sendo esta decisão alicerçada por argumentos sólidos e uma petição com milhares de assinaturas. Nenhuma autoridade desejou assumir o ônus de seguir com o projeto, face às circunstâncias existentes (ORMAI, 1999).

Contando com o apoio da imprensa e da opinião pública de todo o país, os moradores locais denunciaram que o presidente do Conselho Municipal recebera oferta de compensação financeira para aceitar a implantação do repositório, o que contribuiu para que a desconfiança se tornasse ainda mais intensa. O empreendedor imaginou que apenas uma pequena parte da população estivesse contrária ao projeto, e enviou cartas a cada residente local. Contudo, a assembléia de moradores mostrou-se unida e aprovou uma carta aberta, publicada pela imprensa, onde a possível compensação financeira foi declarada como sendo uma equivocada tentativa de suborno. A questão chegou até mesmo à Academia Húngara de Ciências, que foi convidada a expressar seu parecer sobre o assunto. A Academia considerou a questão como sendo bastante delicada e declarou ser o local previamente escolhido adequado, dentro de critérios puramente técnicos. Entretanto, foi ressaltado que um debate científico era de pequena importância quando comparado à frustração dos residentes locais. O assunto se tornou tão relevante que possibilitou inclusive a posterior eleição do presidente do Conselho Municipal para o Parlamento Nacional.

Em 1993, o processo de escolha de local para o repositório foi reiniciado, considerando-se, desta vez, além do critério de segurança ambiental e radiológica, a busca da aceitação social, tendo sido dada a mais alta prioridade à cooperação direta com os municípios, à informação ao público e à alguma forma de compensação (VARI, 1996). A participação voluntária das comunidades foi vista como sendo um fator chave neste novo processo. Em abril de 1997, seis municípios candidatos a hospedarem o repositório fundaram uma Associação para o gerenciamento correto das informações associadas à seleção de local. O contato com o público durante a construção, a operação, o fechamento e até mesmo no período pós-fechamento, foi um fator considerado fundamental pela população e pelos peritos envolvidos no processo (ORMAI, 2006).

Dentro deste novo cenário, em 2005, 90% da população consultada votou favoravelmente à construção do repositório, tendo sido a decisão acatada posteriormente pelos governos locais. Em 6 de outubro de 2008, o repositório húngaro subterrâneo de Bátaapáti foi inaugurado.

No relatório final de um painel internacional de revisores sobre o processo de seleção de local, foi feita uma menção especial sobre as atividades de relações públicas realizadas. O texto publicado dizia que o processo que conduziu à seleção do local considerou a geologia do local e a aceitação do público de modo adequado, tendo sido estabelecido, entre as partes envolvidas, um programa de Comunicação transparente.

3.4. Outros exemplos

Entre 1990 e 1993, o governo belga realizou estudos para a implantação de um repositório em seu território, sendo os resultados divulgados em 1994. Na ocasião, 98 zonas foram indicadas como possíveis sedes do empreendimento, considerando-se apenas os aspectos técnicos associados ao projeto. Todavia, todos os conselhos municipais citados no relatório rejeitaram o projeto devido à não aceitação pública do empreendimento, o que surpreendeu as autoridades da área nuclear. Na ocasião, acreditava-se que apenas os aspectos técnicos seriam suficientes para a implantação do projeto, visto que todas as recomendações dos organismos internacionais tinham sido seguidas. Devido ao insucesso do empreendimento, questões referentes aos aspectos ambientais e sócio-econômicos das comunidades candidatas foram incorporadas posteriormente ao processo de seleção de local, sendo este limitado aos municípios onde já havia alguma instalação nuclear e a outros que se mostraram inicialmente interessados em receber o repositório.

Os empreendedores entenderam que toda parte que fosse direta ou indiretamente afetada pelo projeto teria direito a expressar sua opinião. A Comunicação foi considerada como fator chave para que um processo de tomada de decisão fosse considerado transparente, flexível e sustentável por todos os envolvidos. Como resultado de todo este novo processo de seleção de local, o governo belga pretende inaugurar seu repositório de rejeitos entre 2015 e 2020 no município de Mol, onde o Conselho Municipal se manifestou-se favoravelmente à instalação da obra (FERREIRA, 2009).

Na Polônia, a agência nacional para gerência de rejeitos radioativos opera o repositório de Rozan desde 1961, construído no local de um antigo forte militar. O acesso da comunidade à informação sobre o processo de seleção de local, projeto e construção do repositório polonês foi mínimo. Durante sua operação, de 1961 a 1988, os resultados do programa de monitoração radiológica e ambiental só foram divulgados de maneira muito limitada para a comunidade. A situação mudou em 1988, quando os peritos da AIEA visitaram a Polônia para avaliar a segurança da instalação. As conclusões da missão foram tornadas públicas, o que melhorou as relações da comunidade local e das autoridades com o operador do repositório. Estes fatos, porém, fizeram a comunidade perceber que as informações haviam sido ocultadas, o que aumentou a desconfiança geral da população. As queixas da comunidade incluíam o capital perdido devido à relutância em aplicações de outros investimentos na área e à perda do potencial turístico na região.

Segundo o governo da República Tcheca, as relações e o modo de se comunicar com o público são os fatores mais importantes para aceitação da indústria nuclear, pois a mesma necessita, diferentemente de outros empreendimentos, defender sua existência perante à população. A energia nuclear é vista, pela maioria do público tcheco, como um ramo industrial específico, cuja comparação com outras indústrias é difícil. Parte da população não tem informação suficiente sobre o tema e o vê com desconfiança, sentindo-se ameaçada por não compreendê-lo. Por isso, muitas vezes se identifica com as posições de organizações antinucleares, que geralmente sabem exatamente como se comunicar com o público. Um exemplo deste fato ocorreu na Argentina, quando grupos antinucleares convenceram a maioria da comunidade que havia contaminação radioativa nas águas subterrâneas localizadas na área de gerenciamento de rejeitos radioativos em Ezeiza, criada no começo da década de 1970 (CNEN, 2011).

Na Lituânia, o governo federal realizou audiências públicas e estudos de impactos ambientais em dois locais que reuniam condições para a instalação de um repositório. A princípio, a população consultada não se mostrou contrária ao empreendimento, mas os Conselhos Municipais locais declararam que a presença de instalações nucleares causaria grande desconforto psicológico à população, diminuiria os investimentos e afetaria negativamente o turismo e as atividades de recreação, entre outros possíveis problemas. Desta forma, exigia-se uma contrapartida do empreendedor. Bielo-Rússia e Letônia, países vizinhos cujas fronteiras estariam próximas ao repositório no caso de sua construção, foram consultados pelo governo Lituano sobre o projeto. Os países não somente não concordaram, como ameaçaram construir outros empreendimentos considerados perigosos em locais próximos à fronteira, caso o repositório fosse implantado. O Parlamento Bielo-russo solicitou formalmente ao governo Lituano a não construção do repositório. O governo da Lituânia solicitou então a vinda de peritos internacionais da AIEA ao país, para uma melhor avaliação da situação, e convidou representantes dos países vizinhos para participarem de encontros realizados (LEIIGG, 2005).

Finalmente, em 2007, um dos locais inicialmente considerados – Stabatiškė – foi escolhido para abrigar o repositório. Apesar de não reunir as melhores condições geológicas, foi o local aceito pela comunidade e, além disso, era o sítio mais próximo da central nuclear do país.

4. Experiências no Brasil com a disseminação de informações sobre a tecnologia nuclear

Como visto anteriormente, a desinformação é um fator crucial no processo de aceitação pública de empreendimentos nucleares. Em busca de suprir essa lacuna no Brasil, profissionais da área vêm intensificando as ações de divulgação dos benefícios sociais da energia nuclear, de modo que os cidadãos possam ter informações suficientes e bem embasadas sobre essa tecnologia.

Na interação desses profissionais com a sociedade brasileira nos últimos anos, em eventos tais como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no Portas Abertas em institutos da CNEN e nas reuniões anuais da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), dentre outros, têm-se constatado significativa carência de informações sobre o tema por parte do público. Isto ressalta a necessidade de se investir na Comunicação com a sociedade.

Em 2006, o projeto "Energia Nuclear - Exposições Itinerantes", financiado pela FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, percorreu diversas escolas públicas de Belo Horizonte para discutir questões associadas à área nuclear com estudantes secundaristas. Nesse projeto, iniciou-se um processo de avaliação da retenção de conhecimentos pelos estudantes atingidos pelo mesmo (SOARES; MARETTI, 2007), tendo-se observado que a informação pode contribuir para melhoria na aceitação da tecnologia nuclear.

Em 2009, alunos da Universidade Federal de Lavras – UFLA assistiram a um minicurso sobre aplicações da energia nuclear, considerando seus aspectos positivos e negativos. Resultados da pesquisa realizada antes do minicurso mostraram que os temas associados à energia nuclear foram as usinas nucleares, as armas atômicas, os rejeitos radioativos e o acidente de Chernobyl. Após o minicurso e discussão com os estudantes, resultados de nova pesquisa indicaram desta vez, que os temas assinalados pelos estudantes foram a conservação de alimentos, medicina, energia elétrica e saúde. Antes da palestra, a percepção geral dos estudantes sobre o tema tecnologia nuclear era majoritariamente negativa: 59,3%. Após o evento esse número caiu para 12,9%.

Em trabalho similar realizado na Universidade UNIFENAS, em Divinópolis – MG, os temas armas nucleares, rejeitos radioativos, aplicações na indústria e saúde, e o acidente de Goiânia eram os que mais chamavam a atenção dos estudantes. Contudo, após a apresentação de uma palestra, os resultados assinalados quando da realização de nova pesquisa foram a energia elétrica, as aplicações na indústria e saúde e a conservação de alimentos. 57% dos estudantes avaliavam a tecnologia nuclear de forma negativa antes da palestra; todavia esse número caiu para 15,1% após a apresentação realizada. Esses números demonstram a importância do diálogo com a sociedade para uma melhor percepção da área nuclear (SOARES, 2009). Experiências similares, sem a utilização de questionários), ocorreram na Semana de Engenharia Elétrica do CEFET-MG e na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de Goiás, ambas ocorridas em outubro de 2010.

Conclusões

A percepção pública sobre a utilização da energia nuclear varia de um país para outro. Há uma forte correlação entre as preocupações do público e a falta de informação sobre os rejeitos radioativos. Verifica-se também que, as preocupações são maiores nos locais onde a informação é inadequada ou insuficiente. De acordo com várias pesquisas de opinião conduzidas nos países analisados, a maioria dos cidadãos se considera pouco informada sobre o tema e gostaria de saber mais. Pesquisas sobre as questões de risco envolvidas em todo o processo evidenciam que o envolvimento do público tende a ser maior quando a comunidade é voluntária ou possui a opção de recusar o projeto (JENCIC, 2008). A maioria acredita ainda que a energia nuclear deva permanecer como uma opção, desde que os rejeitos radioativos resultantes sejam administrados de forma segura.

Há, contudo, um longo caminho a ser percorrido para que a energia nuclear receba a necessária aprovação social. O público em geral e políticos de muitos países são contrários ao setor nuclear, e até mesmo procuram (ou criam) mecanismos legais para proibir a realização de atividades desta área.

A informação efetiva ao público é essencial em qualquer processo de consulta. Esta é uma responsabilidade de governos, agências de gerenciamento de rejeitos e geradores de rejeitos, dentre outros. A Comunicação com o público deve ser objetiva e transparente para aumentar sua confiança e apoio. As discussões conduzidas durante os processos de consulta devem estar baseadas em fatos, muito mais do que em emoções, e as ações de Comunicação na área nuclear devem incluir formas de medir se os esforços de divulgação estão sendo percebidos pelo público alvo. A experiência obtida demonstra que o empenho do público no processo de tomada de decisão é estimulado quando o mesmo verifica que seus pontos de vistas estão sendo considerados (MORTON et al., 2009).

Por fim, deve-se sempre ter em mente que os especialistas têm que fornecer ao público todas as informações pertinentes ao processo, mas também saber escutar e atender à população em suas preocupações, que podem incluir inclusive a consideração de assuntos não-técnicos. É fundamental que todo o processo seja uma via de mão dupla.

Recebido: 25.01.2012

Aceito: 30.08.2012

  • AFRA/IAEA - African Regional Co-Operative Agreement for Research, Development and Training Related to Nuclear Science and Technology / International Atomic Energy Agency – AFRA Procedures and Operational Guidelines, AFRA 0001. Viena, Jul, 2000.
  • BIRKMANN, Joern. Risk and vulnerability indicators at different scales: Applicability, usefulness and policy implications. Environmental Hazards, v. 7, n. 1, p. 20-31, 2007.
  • CNEN – COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR. Comunicação e Interação com a Sociedade dentro de um processo de construção de repositório de rejeitos - aspectos relevantes. Rio de Janeiro, 2011.
  • EUROPEAN COMMISSION. Attitudes towards radioactive waste. SPECIAL EUROBAROMETER 297 / WAVE 69.1 – TNS OPINION & SOCIAL. Field Report, jun. 2008 Disponível em: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_297_en.pdf Acesso em: 14 nov. 2010.
  • FERREIRA, Vinícius Verna Magalhães et al. Public Perception on Nuclear Energy and Radioactive Waste Storage. In: INTERNATIONAL NUCLEAR ATLANTIC CONFERENCE. Rio de Janeiro, 29 set. 2009. Anais... Rio de Janeiro, ABEN, 2009.
  • IAEA - INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. WATRP Review Report on the Borehole Concept for the Disposal of Disused Sealed Sources developed by the Nuclear Energy Corporation of South Africa (Necsa) in the frame of the IAEA TC Project RAF/4/015. Pelindaba, África do Sul, abr 2005.
  • IAEA – INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. Low and Intermediate Level Waste Repositories: Socioeconomic Aspects and Public Involvement. TECDOC-1553. Viena 2005. Anais... Viena, IAEA, 2007. Disponível em <http://www-pub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/te_1553_web.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2011.
  • JENCIC, Igor. Information Strategy of Nuclear Training Center Ljubljana in the Area of Radioactive Waste Management 8250. In: WASTE MANAGEMENT CONFERENCE. Phoenix, Arizona, EUA. 2008.
  • LEIIGG – LITHUANIAN ENERGY INSTITUTE/INSTITUTE OF GEOLOGY AND GEOGRAPHY. Environmental Impact Assessment Report for Construction of a Near Surface Repository. Version 4, Vilnius, mar, 2005.
  • MORTON, Alec, AIROLDI, Mara e PHILLIPS, Lawrence. Nuclear Risk Management on Stage: a Decision Analysis Perspective on the UK's Committee on Radioactive Waste Management. Risk Analysis, vol. 29, n. 5, p. 764-779, 2009.
  • MAYS, Claire e PESCATORE, Claudio. Fostering a durable relationship between a waste management facility and its host community. NEA News 2007, n. 25.1, 2007. Disponível em <http://www.oecd-nea.org/pub/newsletter/2007/NEA_News-25-1-fostering.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2011.
  • NIELSEN, Torben Hviid. Risks in technology, society and the mind. Radiation Protection Dosimetry, v. 68, n. 3, p. 181-1844, 1996. Disponível em <http://rpd.oxfordjournals.org/content/68/3-4/181.full.pdf>. Acesso em : 25 nov. 2011.
  • ORMAI, Peter. Changing of Hungarian Infrastructure in Radioactive Waste Management a Step Forward. In: WM SYMPOSIA, Tucson, 1999. Anais... Tucson, 1999.
  • ORMAI, Peter et al. Current Activities and Future Plans for Geological Disposal of Radioactive Waste in Hungary. In: GEOLOGICAL CHALLENGES IN RADIOACTIVE WASTE ISOLATION: FOURTH WORLDWIDE REVIEW. Bekerley, 2005. Anais... Bekerley, 2006.
  • PETTERSON, John. Perception vs. reality of radiological impact: the Goiania model. Nuclear News, n. 31, p. 84-90, nov. 1988.
  • PIDGEON, Nick, F, LORENZONI, I, e POORTINGA, W. Climate change or nuclear powerNo thanks! A quantitative study of public perceptions and risk framing in Britain. Global Environmental Change, v. 18, n.1, p. 6985, 2008.
  • SOARES, Wellington Antonio e MARETTI JUNIOR, Fausto. Popularizing nuclear science and technology to students of some Brazilian schools. In: EUROPEAN NUCLEAR CONFERENCE: EDUCATION, TRAINING AND KNOWLEDGE MANAGEMENT Bruxelas, 2007. Anais... Bruxelas, 2007.
  • SOARES, Wellington Antonio. The Value of Communication in Changing Public Perception on Nuclear Technology: an Experience with College Students. In: INTERNATIONAL NUCLEAR ATLANTIC CONFERENCE. Rio de Janeiro, 29 set. 2009. Anais... Rio de Janeiro, ABEN, 2009.
  • VARI, Anna. Public Perceptions about Equity & Fairness: Siting Low-Level Radioactive Waste Disposal Facilities in the U.S. and Hungary. Risk: Health, Safety & Environment. v. 7, p. 181, 1996.
  • VUORINEN, Antti. Regulators' role in development of Finnish nuclear waste disposal program. Progress in Nuclear Energy, n. 50, p. 674-679, mar./ago. 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2012
  • Aceito
    30 Ago 2012
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) Rua Joaquim Antunes, 705, 05415-012 São Paulo-SP Brasil, Tel. 55 11 2574-8477 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: intercom@usp.br