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Viver o Carnaval, criar a vida: performance, política e artivismo nas ruas do Rio de Janeiro

Experience Carnival, creating the life: performance, politics and artivism on the streets of Rio de Janeiro

Resumo

Ocupar a rua; promover e participar de um desfile de bloco de Carnaval, no Rio de Janeiro, têm conotações políticas que remontam à própria história da cidade. O deboche e a ofensiva contra governos e outras formas de opressão aparecem nas músicas, fantasias, comércios paralelos de bebidas e comidas, sobretudo nos desfiles não oficiais, que costumam denunciar abusos no controle burocrático da festa e investidas mercadológicas com anseios de privatizá-la - por exemplo, parcerias público-privadas têm tomado de assalto a folia momesca. Mas não só isso: o jogo da performance no Carnaval, o ativismo pós-manifestações de 2013, as revisões históricas e de linguagem nos permitem tecer, acerca desse evento, possíveis considerações sobre a emergência de estéticas da existência numa nova configuração do campo das lutas identitárias, assim como das políticas partidárias, da condução das gestões públicas, do sistema capitalista e das questões gerais do (sobre)viver na cáustica realidade da cidade.

Palavras-chave:
Carnaval; artivismo; performance; estética da existência

Abstract

Occupy street; promoting and participating in a Carnival block parade, in a public space, is a gesture with political connotations that invariably go back to the history of the city of Rio de Janeiro. Mokery and resistance against public power and the forms of oppression is expressed in musical compositions, fantasy and in unofficial parades, complaining the burocratics rules and the attempts to privatize the party, express in public-private partnerships that have taken account of King Momo’s festivity in the city. The performative play granted by Carnival, the activism post-demonstrations 2013, as historical and political review and political language, allowed us to yield potentials aesthetics of existence, in a new configuration of the field of identity struggles, as well as of party politics, the conceiving about the conduction of urban public administrations, about the capitalist system and about the possibilities of (sur)living in the caustic reality of the city.

Keywords:
Carnival; artivism; performance; aesthetics of existence

Introdução

O Carnaval, segundo Mikhail Bakhtin (1987)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987., possui uma relação intrínseca com as formas artísticas teatrais, remetendo aos elementos do jogo. Contudo, apesar da interconexão do teatro com o Carnaval, este não se insere, por completo, no domínio da arte, de acordo com Bakhtin (1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987., p. 6), e estaria na fronteira entre arte e vida: “[…] é a própria vida apresentada com elementos característicos da representação”. O jogo performático do Carnaval permite, portanto, o deslizar sobre um duplo que é coextensivo: a vida vivida e a representação da vida em fantasia. A brincadeira carnavalesca, com suas formas teatrais, é um abre-alas que mescla uma articulação de diferentes linguagens artísticas, permitindo uma experiência sinestésica de cores, sons e contatos na qual a multidão é elemento-chave. Diz o poeta Ferreira Gullar (cf. Trigo, 2010TRIGO, L. ‘A arte existe porque a vida não basta’, diz Ferreira Gullar. G1, Rio de Janeiro, 7 ago. 2010. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html . Acesso em: 28 set. 2022.
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): “A arte existe porque a vida não basta.” Parafraseando-o: e o Carnaval existe porque a crítica política/social usual da vida comum não é suficiente para suportar as atrocidades vividas e testemunhadas.

O Carnaval, cujo rei, o Momo, é figura mitológica reconhecida pela ironia e pelo sarcasmo, não poderia deixar de expressar, com humor, as insatisfações populares e as formas de sobreviver ao caos das opressões diárias, (re)criando, criativamente, as aflições cotidianas experimentadas pelos moradores e trabalhadores da cidade. As críticas - sobretudo as políticas - têm no entanto se avolumado entre os blocos de rua e ganharam mais força a partir de 2013, quando grandes manifestações políticas tomaram conta das ruas1 1 O período de 2013 marca o início das insatisfações populares em torno dos investimentos vultosos destinados a promover supostas melhorias, na cidade, em razão de dois megaeventos que ela abrigaria: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Indicativos de fraudes milionárias e lavagem de dinheiro e a remoção das populações mais vulneráveis em larga escala, além de um aumento substantivo do custo de vida na cidade, mobilizaram então a ira de muitos cariocas. e diversos músicos - alguns de blocos - começaram a levar seus instrumentos para os protestos, produzindo uma bricolagem artivista - um carnavrau.2 2 Livre alusão à palavra que ganhou as redes sociais: vrau!, que denota um duplo sentido - pode ser tanto a forma de “fechar” um comentário, acreditando-se ter apresentado o melhor argumento - numa variação da gíria lacrou! - como pode ser usada no sentido de prática de ato libidinoso sem envolvimento afetivo com um ou mais parceiros, por sinal muito comum no Carnaval. As críticas políticas foram se desenrolado, tais quais uma serpentina, nas letras musicais e em novas palavras de ordem e expressões de reivindicação, assim como emergiram fantasias que, inventivamente, souberam agregar o elemento político ao humor, e também pudemos observar a intensificação das maneiras subversivas de ocupação do espaço público e das produções de consumo alternativo, durante a festividade.

Como veremos, apoiados nas premissas de Bakhtin (1987)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987., reformulamos que o Carnaval é sim uma forma de arte “[…] que passa pelo crivo da vida, arte a favor da vida, e transforma-se em ética de existência” (Lemos; Dote, 2019LEMOS, A.; DOTE, A. O carnaval é hoje porque o amanhã é nunca: a festa como ritual no espetáculo Devorando Heróis. Proa: revista de antropologia e arte, [s. l.], v. 1, n. 9, p. 122-141, 2019., p. 140). De acordo com Lemos e Dote (2019LEMOS, A.; DOTE, A. O carnaval é hoje porque o amanhã é nunca: a festa como ritual no espetáculo Devorando Heróis. Proa: revista de antropologia e arte, [s. l.], v. 1, n. 9, p. 122-141, 2019., p. 140), a festa carnavalesca permite a abertura para a invenção de estados de percepção e possibilidades de vida. Trata-se de dobrar as linhas de força e constituir modos de existência, segundo “[…] regras facultativas que produzem a existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem modos de existência ou estilos de vida” (Deleuze, 2013, p. 127 apudLemos; Dote, 2019LEMOS, A.; DOTE, A. O carnaval é hoje porque o amanhã é nunca: a festa como ritual no espetáculo Devorando Heróis. Proa: revista de antropologia e arte, [s. l.], v. 1, n. 9, p. 122-141, 2019., p. 140).

Apresentaremos, neste artigo, como, em algumas performances carnavalescas ocorridas no intervalo de quatro anos, de 2014 a 2017, notamos uma mudança no tom da politização no evento, mais voltada à problematização de gênero, de raça, mas também de classe social, além de ele ter propiciado, nesse período, um ganho de importância e de visibilidade sobre o debate da burocratização e privatização dos desfiles dos blocos de rua por parte da prefeitura da cidade. Os dados informados são resultado de trabalho de campo e pesquisa para mestrado e doutorado concentrados ambos na região portuária e central do Rio de Janeiro e realizados junto a grupos de roda de samba e de Carnaval locais3 3 Durante o mestrado, foram dez os grupos implicados na pesquisa, entre blocos de Carnaval e rodas de samba: Escravos da Mauá, Filhos de Gandhi, Cordão do Prata Preta, Coração das Meninas, Banda da Conceição, Pinto Sarado, Fala Meu Louro, Roda de Samba da Pedra do Sal, Terreiro de Breque e Samba de Lei. No doutorado, somaram-se, aos listados, mais sete grupos locais: Velhos Malandros, Samba Honesto, Som das Artes, Charme da Gamboa, Teimosos do Porto, Feira do Cais, Moça Prosa e Samba da Saúde, a fim de observar as suas respectivas dinâmicas de ocupação do espaço público. e cujo interesse principal era saber como esses grupos lidavam com a transformação iminente da região citada, devido ao início das obras do projeto de reurbanização intitulado Porto Maravilha e dos preparativos e realização dos megaeventos de 2014 e 2016.

Em um contexto em que esses grupos ocupavam prioritariamente o espaço urbano e se serviam da arquitetura antiga como suporte de referência para a valorização do porto e seus entornos como ponto fundacional da cultura da cidade, cabia perguntar como seriam seus posicionamentos, como se portariam e negociariam sua permanência e trânsito no local diante das transformações visuais e sociais daqueles bairros.4 4 A região portuária do Rio de Janeiro se divide em quatro bairros: Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Caju. Pudemos acompanhar, entre os foliões, os quatro Carnavais do período citado e deles extrair relevantes informações. Além disso, realizamos entrevistas estruturadas com algumas lideranças dos blocos e grupos, assim como detivemos nossa atenção às diversas interações e debates acalorados nas redes sociais, nas quais, particularmente, muitos temas interessantes emergiram, ao longo desse período. O mesmo pode-se dizer sobre as reportagens que servem de fonte bibliográfica para os diversos fatos por nós abordados, de um jornalismo que cobria a intensa disputa entre quem definia o que sobre o Carnaval de rua.

Logo, como veremos, a eclosão da pauta política no Carnaval de rua é multifatorial, apesar de ser extremamente relevante a centralidade que as manifestações ganharam, nesse ínterim; mas, devemos considerar ainda que, do ponto de vista da aglomeração de grandes massas e da formação massiva de uma nova geração de blocos, o Carnaval vem sempre se reconstituindo, em um longo processo que remonta à virada deste novo século.

Brincando o Carnaval de rua: formas de resistir

Podemos situar no início dos anos 2000 os primeiros movimentos de uma dita retomada do Carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro, dinâmica que demonstrou sua força ao se ver ultrapassado, no Rio, em 2010, o número de foliões em comparação com os dados do Carnaval de Salvador, Bahia, até então o mais expressivo nesse quesito (O Rio…, 2010O RIO de Janeiro já ultrapassou a cidade de Salvador em número de pessoas que aderem ao chamado carnaval de rua. RTP Notícias, Lisboa, 16 fev. 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/o-rio-de-janeiro-ja-ultrapassou-a-cidade-de-salvador-em-numero-de-pessoas-que-aderem-ao-chamado-carnaval-de-rua_v319592 . Acesso em: 31 jan. 2018.
https://www.rtp.pt/noticias/mundo/o-rio-...
). Enquanto, no ano de 2007, desfilaram pelos bairros cariocas 281 blocos, bandas, ranchos e cordões de rua, no ano seguinte, 2008, o aumento foi de 15%, pulando para 324 o número de autorizações de licenças para coletivos carnavalescos se apresentarem pelas ruas da cidade (Freire, 2019FREIRE, Q. G. Desfiles da abertura não oficial do Carnaval do Rio. Diário do Rio, Rio de Janeiro, 5 jan. 2019. Disponível em: Disponível em: https://diariodorio.com/desfiles-da-abertura-nao-oficial-do-carnaval-do-rio/ . Acesso em: 16 fev. 2019.
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). O ano de 2012 testemunhou um crescimento vertiginoso do Carnaval, somando-se o total de 425 coletivos que solicitaram à prefeitura licença para desfilar, duplicando a porcentagem do aumento ocorrido de 2007 para 2008: 30% a mais, no número de agremiações. A organização dos desfiles desse número considerável de blocos, bandas, ranchos e cordões cariocas acarretou uma dilatação do calendário comemorativo, ampliando o tempo de folia para antes e depois da festa oficial de Momo. No mesmo ano de 2012, atingia-se a impressionante marca de 5,3 milhões de foliões (entre os quais 918 mil turistas), embalados pelos festejos e irreverências dessa forma que é o brincar nas ruas, fundante do próprio Carnaval (Vianna, 2012VIANNA, R. Blocos de rua do Rio atraem mais de 5,3 milhões de foliões, diz secretário. G1, Rio de Janeiro, 27 fev. 2012. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/blocos-de-rua-do-rio-atraem-mais-de-53-milhoes-de-folioes-diz-secretario.html . Acesso em: 21 set. 2014.
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). O número dos blocos seguiu, até o ano de 2016, em um crescimento contínuo, chegando então à marca de 505 no total, isto é, 49 a mais do que teriam desfilado no ano de 2015 (Lista…, 2016LISTA de blocos do carnaval 2016 do Rio é divulgada; consulte. G1, Rio de Janeiro, 8 jan. 2016. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/01/prefeitura-divulga-listagem-dos-blocos-de-rua-do-carnaval-2016-veja.html . Acesso em: 1 fev. 2018.
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). No que diz respeito à movimentação econômica que acompanha o incremento da festa, estima-se que o Carnaval de rua carioca alcance a cifra de mais de R$ 2 bilhões, ativando economias locais de forma importante para seus moradores (Carnaval…, 2015CARNAVAL de rua do Rio movimentará este ano mais de R$ 2 bilhões, estima Riotur. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 7 jan. 2015. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-01/carnaval-de-rua-do-rio-movimentara-este-ano-mais-de-r-2-bilhoes-estima-riotur . Acesso em: 1 fev. 2018.
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).

Para gerir a festa de rua, a prefeitura do Rio de Janeiro realiza, desde 2009, parcerias com o capital privado, delegando a uma empresa contratada a responsabilidade de elaborar e implementar um calendário oficial da temporada, tendo essa empresa que negociar, por conseguinte, junto às principais ligas e blocos, os horários e os percursos dos desfiles previstos. Desde o início desse novo processo gestionário e até o Carnaval de 2017, a ganhadora da disputa da concorrência aberta foi a empresa Dream Factory, que conta internamente com a interveniência de duas outras empresas: a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) e a Investimentos Itaú S.A. A Dream Factory é presidida por Roberta Medina, filha do publicitário Roberto Medina, e consta no histórico da empresa a organização, na cidade, de uma série de megaeventos de iguais proporções, como o Rock in Rio, a montagem da árvore natalina na Lagoa Rodrigo de Freitas, a Maratona da Caixa Econômica, a Jornada Mundial da Juventude Cristã em 2013, entre outros (Luoni, 2013LUONI, J. P. O empresariamento do carnaval de rua no contexto urbano da cidade do Rio de Janeiro. Revista Geo-Paisagem, v. 12, n. 23, jan./jun. 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.feth.ggf.br/CarnavaldeRua.htm . Acesso em: 11 fev. 2019.
http://www.feth.ggf.br/CarnavaldeRua.htm...
).

A dimensão alcançada pelo Carnaval de rua obriga a prefeitura a fornecer, em diversos pontos da cidade, importante infraestrutura para a recepção desse número considerável de foliões, como banheiros químicos, postos médicos, serviço de remanejamento do trânsito e também de cadastramento de milhares de ambulantes que vendem bebidas em caixas de isopor, em meio à multidão. De acordo com a parceria firmada, porém, os vendedores ambulantes só podem trabalhar quando cadastrados e devem ofertar para o público a cerveja oficial do Carnaval, produzida pela Ambev - coincidência ou não, uma empresa partícipe do contrato firmado pela prefeitura junto à Dream Factory.

O credenciamento desses trabalhadores, no entanto, tem sido limitado e o procedimento, em si, executado de maneira furtiva. Em 2013, por exemplo, muitos dos interessados em se submeter ao cadastro tiveram que aguardar em longas filas para obter a licença para o Carnaval, porém em vão. De acordo com alguns dos presentes no dia estipulado pela prefeitura para o cadastramento, haveria surgido, na parte de fora do prédio, um mercado ilegal de vendas de senha e kits de isopor por parte dos próprios funcionários da prefeitura, gerando desordem na progressão dos atendidos na fila e, consequentemente, muita indignação por parte dos trabalhadores.

A insatisfação relacionada ao esquema de negócios que se instaurou nos desfiles de rua tem crescido em meio aos foliões, que se sentem acossados pela falta de opções de cervejas vendidas durante o evento. Nos anos recentes, diversos sites de notícias vêm divulgando que as cervejarias - com destaque para a Ambev - têm omitido quais ingredientes usam na composição de suas marcas; e que a cerveja oficial do Carnaval conteria, em sua fórmula, alto índice de presença de milho entre os ingredientes - item apresentado em seu rótulo sob a imprecisa descrição de cereais não maltados -, índice quase próximo ao limite máximo estipulado pela legislação. O motivo disso estaria no fato de que o milho costuma ser mais barato que a cevada, o ingrediente principal das cervejas, em que pese às justificativas, por parte da empresa, de que cereais como o milho ajudariam a proporcionar leveza e refrescância à bebida (Siqueira Júnior; Bortoletto, 2015SIQUEIRA JÚNIOR, F.; BORTOLETTO, A. P. Cerveja: as grandes marcas omitem que o que você bebe é milho. Pragmatismo Político, Rio de Janeiro, 11 abr. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/04/cerveja-as-grandes-marcas-brasileiras-omitem-que-o-que-voce-bebe-e-milho.html . Acesso em: 1 fev. 2018.
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).

Para fazer frente ao monopólio comercial da Ambev e à qualidade duvidosa da cerveja oficial do Carnaval, muitos foliões têm produzido artesanalmente seus próprios sacolés - drinks congelados em que se misturam frutas e bebidas destiladas -, como alternativa de consumo à cerveja de milho. A prática tem se tornado até mesmo uma fonte de renda para alguns foliões, que se aventuraram na empreitada de produzir esses sacolés também para venda a terceiros (Torres, 2015TORRES, L. Pré-carnaval faz cariocas faturarem com sacolés de cachaça e vodca. G1, Rio de Janeiro, 22 jan. 2015. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2015/noticia/2015/01/pre-carnaval-faz-cariocas-faturarem-com-sacoles-de-cachaca-e-vodca.html . Acesso em: 1 fev. 2018.
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). Contudo, a venda desse produto é considerada ilegal pela prefeitura e, por isso, quem o comercializa encontra-se constantemente sob a ameaça de apreensão da bebida por parte da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) (Lisboa, 2013LISBOA, V. Prefeitura do Rio apreende mais de 36 mil bebidas com ambulantes ilegais no carnaval. EBC, Rio de Janeiro, 13 fev. 2013. Disponível em: Disponível em: https://memoria.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/02/prefeitura-do-rio-apreende-mais-de-36-mil-bebidas-com-ambulantes-ilegais-no . Acesso em: 1 fev. 2018.
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). O comércio de sucesso dos sacolés, mesmo combatido, parece ter encorajado o crescimento, ano após ano, das ofertas de outros produtos alimentícios por vendedores não cadastrados, como doces, salgados e até comidas alternativas, como quitutes veganos e alimentos chamados spaces, que levam maconha entre seus ingredientes. Contudo, como a produção desses gêneros alimentícios não costuma se dar em larga escala, sua apreensão torna-se mais difícil, sobretudo quando o potencial vendedor alega que os sacolés e comidas são para consumo pessoal. O sacolé tornou-se até tema de fantasias usadas entre os foliões, como forma de ironizar a tentativa de controle de sua circulação por parte do poder público, e se tornou um símbolo potente de resistência ao consumo padronizado de cerveja.

A onda de manifestações populares produzida em razão das insatisfações com os processos de intervenção na cidade devido aos megaeventos e aos processos decisórios com esses relacionados, iniciada em 2013, foi, aos poucos, invadida por estandartes, bandas e fantasias antes comuns apenas nas agremiações carnavalescas da cidade. Testemunhamos uma bricolagem entre palavras de ordem, marchinhas, reivindicações políticas e fantasias. De acordo com alguns pesquisadores, as manifestações de 2013 se caracterizaram por uma organização que seguia a lógica das redes sociais on-line - por sinal o espaço em que as chamadas para os protestos ocorriam - e cujos motores principais eram:

[…] necessidade de confrontar a ordem sociopolítica dominante e o próprio sistema que operacionaliza e constitui a cidade a partir das necessidades do capitalismo, uma vez, nas ruas, buscavam a lógica do enxame, juntar o maior número possível de pessoas em um espaço com a impressão de desorganização e sem unidade; negação a qualquer liderança; carnavalização dos protestos políticos com músicas, danças e fantasias cheias de significados; mistura de classes sociais […] (Andrade; Pinheiro, 2019ANDRADE, M. R. R. de; PINHEIRO, C. V. Q. Manifestações políticas de junho de 2013: um debate à luz dos conceitos de massa e multidão. Revista Psicologia Política, [s. l.], v. 19, n. 45, p. 170-185, 2019., p. 173, grifo nosso).

Carnavandalização, manifestashow, carnavrau, Ocupa Carnaval - o último de fato um movimento em alusão ao Ocupa Alerj de 20135 5 O Ocupa Alerj foi a manifestação política mais turbulenta e conturbada desse período e aconteceu no dia 8 de agosto de 2013: manifestantes invadiram a casa legislativa e foram retirados à força, encenando um verdadeiro motim na frente do prédio, lançando bombas, colocando fogo em lixos e derrubando e atirando as grades contra a entrada principal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). - foram algumas expressões que entraram em voga e que passaram a representar esse novo momento em que o elemento político é acionado intencionalmente, como uma forma de sinalizar que festa e disputa por poder não estão dissociadas. O black bloc6 6 Black blocs são identificados como aqueles que aderem às táticas de protesto anarquistas, associadas à violência performática (Solano, 2014). Sua vestimenta é preta e eles cobrem seus rostos, para não serem identificados pela polícia. virou fantasia de Carnaval; enquanto, por sua vez, diademas de flores coloridas, bandas com trompetes e trombones, portando estandartes com palavras de ordem tornaram-se cada vez mais presentes nos protestos políticos relacionados à vida urbana.

O direito à cidade, a recusa a aceitar a violência urbana como algo trivial, a revolta contra a corrupção, a opressão às minorias, a carestia da vida, entre outros temas, passaram a ser representados em canções, fantasias e identidades de novas agremiações. Nos discursos dos foliões, manifesta-se uma vontade clara de fazer da festividade um momento de troça com a própria desgraça, mas também de expressão do seu descontentamento, por meio do jogo, do teatro aberto da vida que é o Carnaval, e de sinalização de que ali há uma potência, a potência da multidão. Se, como afirma Roberto DaMatta (1997DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1997., p. 38), em qualquer sociedade há a necessidade de se transitar pelo extraordinário no qual a vida transcorreria num plano de plenitude, abastança e liberdade, é possível então compreender por que o Carnaval é “[…] a festa que reconstrói o mundo” (DaMatta, 1997DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1997., p. 16), pois nesse domínio especial abrem-se alternativas de ação que podem nos direcionar para a volta ao cotidiano de modo satisfeito ou não, talvez com a gana de provocar alguma alteração, transformação da realidade (DaMatta, 1997DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1997., p. 52).

Para Émile Durkheim (1968)DURKHEIM, É. Les formes élémentaires de la vie réligieuse. Paris: PUF, 1968., a festa aproxima os indivíduos, coloca a massa em movimento e suscita um estado de efervescência em que o indivíduo é transportado para fora de si e em que é possível observar excessos nos movimentos, nos cantos e nas danças, rompendo-se com o limite entre o lícito e o ilícito. A contribuição de Elias Canetti (1983)CANETTI, E. Massa e poder. Brasília: Ed. UnB, 1983. sobre o comportamento das massas e do indivíduo é de que as massas retomam um dilema humano: de um lado, há o temor de ser tocado, do contato com o estranho; e, de outro, uma tentação pelo contato, que só acontece quando se está imerso na massa. Na densa massa, na qual corpos encontram-se estreitados uns aos outros e não se sabe mais quais corpos se encostam uns nos outros, é que o indivíduo deixaria de temer o contato pelo fato de que todos se tornam uma figura única, coletiva. Quando essa figura coletiva se forma, ocorre uma certa descarga, um momento de densidade máxima, em que “[…] praticamente não existe mais espaço entre as pessoas, os corpos se pressionam uns contra os outros, e cada um fica tão perto do outro como de si mesmo” (Canetti, 1983CANETTI, E. Massa e poder. Brasília: Ed. UnB, 1983., p. 15). Essa descarga viria acompanhada tanto de um forte alívio como de uma impulsão à violência, à destruição de tudo que fundamenta as hierarquias. O encontro com a massa, o anonimato ou desindividualização provocados pelas fantasias, máscaras e maquiagens podem provocar a sensação de poder, força, esse alívio e violência que emergem no corpo e que impulsionariam os indivíduos dali em diante, podendo estes se engajar em partidos políticos, em coletivos culturais ou nas formas mais diversas que lhes convierem na tentativa de contribuírem com alguma mudança no mundo ao seu redor.

Como observamos ao longo das pesquisas de campo, nas palavras dos nossos interlocutores, o termo cultura aparece, de uma maneira geral, como uma panaceia para os males sociais, um caminho pelo qual os erros podem ser desfeitos e uma forma mais harmônica de se viver, encontrada. Todos os envolvidos estão, de alguma forma, tentando contribuir socialmente através do trabalho cultural que conduzem ou de que fazem parte. Além disso, as questões urbanas também serviram de argumento para que diversos deles justificassem suas ações artísticas e culturais. O bloco Escravos da Mauá7 7 O Escravos surgiu em 1993, na região portuária do Rio de Janeiro, e cresceu de maneira estrondosa, principalmente nos anos 2000. A grandiosidade que alcança é comumente explicada tanto pela irreverência marcante do bloco como pela sua contribuição para a reversão do imaginário simbólico sobre o local, que passa a despertar interesse e simpatia em muitos cariocas. E essa é uma façanha que tem feito história não somente no Carnaval, mas também nas dinâmicas urbanas da cidade (Couto, 2016). afirma a necessidade de ocupação do espaço público em uma época marcada pela segregação espacial resultante da violência urbana.8 8 Os formadores do bloco se defrontavam com as frustrações de viver em uma cidade fortemente desigual, marcada, nos anos 1990, por atos violentos que causaram grande comoção, como a chacina de meninos de rua por policiais nos arredores da Igreja da Candelária, em julho de 1993, e o massacre de Vigário Geral, em agosto do mesmo ano, quando um grupo de extermínio executou 21 moradores daquela favela. O desejo de superar o clima de guerra urbana ganha expressão tanto pela audácia do grupo, de ocupar um local marginalizado, o Largo da Prainha, no bairro da Saúde, como nas letras de seus sambas, que terminam por fomentar a ideia de que, em paz, o Rio teria total capacidade de se desenvolver em toda a sua potencialidade (Couto, 2016). O Samba da Pedra do Sal, por sua vez, menciona o compromisso com a formação cultural das crianças locais, cuja possível influência do tráfico era sempre iminente. Fabíola Machado, cantora do Moça Prosa,9 9 Fundado em 2012, o Moça Prosa se anuncia como um movimento de samba feminino, prestando homenagem a todas as mulheres compositoras e intérpretes do samba. A ideia de resgate também está presente no discurso do grupo, que se dedica a jogar luz sobre as composições e interpretações antigas de sambistas como Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Jovelina Pérola Negra e Leci Brandão. lembra que o assassinato de sua irmã, em São Gonçalo, durante um assalto, impulsionou-a em direção à arte como forma de sobrevivência psicológica e também de engajamento político nas pautas de mulheres negras. Fabíola menciona também o homicídio de Marielle Franco, vereadora do Psol no Rio de Janeiro, em 14 de março de 2018, como um acontecimento trágico, mas que também mobiliza para arte e para a luta.

O feminismo negro aparece na pauta, produzindo muitas desconstruções a respeito de questões como a fantasia da Nega Maluca,10 10 Personagem saído das histórias em quadrinhos e cantado em verso e prosa (Oliveira Neto, 2015), a Nega Maluca se torna uma fantasia carnavalesca com a prática do black face, em que brancos pintavam a cara de negro, numa prática social racista de transformar corpos femininos negros em objetos risíveis e grotescos. as letras racistas de certas marchinhas e as ditas apropriações culturais da estética negra no Carnaval, causando polêmica e controvérsias entre os próprios grupos engajados nas mudanças sociais através da festa. O espaço de discussão público - especialmente em redes sociais - alimentou o que Francisco Bosco (2017)BOSCO, F. A vítima tem sempre razão: lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017. nomeia carnival war, durante a qual se intensificou a problematização da relação entre linguagem, “[…] naturalização e reprodução de preconceitos e humilhação de minorias” (Bosco, 2017BOSCO, F. A vítima tem sempre razão: lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017., p. 94). Bosco (2017)BOSCO, F. A vítima tem sempre razão: lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017. defende ainda que polêmicas em torno das marchinhas de Carnaval foram desencadeadas por uma “consciência aguda em relação à natureza da linguagem” e, citando Lacan, lembra que não é somente o sujeito que fala a linguagem, mas é a “[…] linguagem que fala o sujeito” (Bosco, 2017BOSCO, F. A vítima tem sempre razão: lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017., p. 94). As revisões da linguagem - a fim de reverter opressões históricas - foram acusadas de chatice exagerada, enfatizando-se sempre a emergência do politicamente correto, numa festa de exageros e desregramento. A acusação, como nos lembra Bosco (2017)BOSCO, F. A vítima tem sempre razão: lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017., surge como forma de reação de conservadores, nos Estados Unidos, num período em que, justamente, elementos da vida social até então entendidos como “neutros, justos e meritocráticos, em suma, não políticos” passam a ser acionados como políticos e a terem defendida a sua desconstrução. Aos grupos reivindicatórios recai a pecha de inconvenientes, por politizarem o sistema de representação que organiza a vida social - que seria, ou deveria ser, apolítico.

O feminismo e a defesa do reconhecimento dos direitos das pessoas LGBTQIA+ formaram um eixo central de combate à significante violência sofrida por essa parcela da população. Em fevereiro de 2018, a própria vereadora Marielle Franco foi presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e esteve à frente da campanha Carnaval sem Assédio, que distribuiu leques com os dizeres “Não é não!”, em razão da escalada de 90% das denúncias de violência sexual contra mulheres durante o Carnaval do ano de 2017 (Marielle Franco, 2018MARIELLE FRANCO. Carnaval sem assédio. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.mariellefranco.com.br/carnavalsemassedio . Acesso em: 6 maio 2019.
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). No mesmo ano, foi lançada a música Rueira (2018)RUEIRA. Intérprete: Marina Iris. Compositores: R. Lessa e M. da Cuíca. In: RUEIRA. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2018. 1 CD, faixa 1., de Manu da Cuíca e Rodrigo Lessa, afirmando, no feminino, o pertencimento à boemia e à vida na rua, que, historicamente, sempre foram tidas como de primazia masculina. Com a rua postulada como um lugar também das mulheres, se depreende a possibilidade de a mulher estar no espaço urbano e se sentir segura na cidade que também é sua. Como forma de politização da letra e de marketing, foram distribuídas 600 tatuagens provisórias com a inscrição “Eu sou rueira”.

Antes, em 2015, surgira o primeiro bloco feminista do Carnaval carioca: Mulheres Rodadas. Mais uma vez, resultado da centralidade das discussões em redes sociais, nas quais se tornou viral uma postagem de um usuário que dizia “Não mereço mulher rodada!”. O bloco foi criado como forma de protesto a isso, e anunciado inicialmente como um evento, no Facebook, com um desfile de mulheres e que, em menos de 24 horas, já possuía mais de mil confirmações de presença. Em 2016 surgiria o Ocupa Carnaval, formado por um grupo de artistas que produziam paródias das marchinhas de Carnaval, trazendo sempre à pauta questões políticas - e, na época, os assuntos candentes eram os esquemas do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha; a candidatura a prefeito de Pedro Paulo, suspeito de agredir a ex-mulher; os gastos com as Olimpíadas; o aumento das tarifas do transporte público, entre outras. Em entrevista para o portal de notícias on-line G1, Julio Barroso, um dos responsáveis pelo bloco, salienta o teor político do Carnaval e critica a postura da prefeitura de então, que tinha à frente Eduardo Paes, então do (P)MDB:

O carnaval é uma festa politizada. Só de as pessoas estarem nas ruas, usando o espaço público, isso é um ato político, mas é possível aproveitar mais esse momento. No carnaval, eu só vi a Orquestra Voadora se posicionar contra as remoções [em razão da reurbanização do porto]. Hoje a gente vive um carnaval em que a prefeitura decide tudo, a hora do bloco que a gente vai, por onde passa, o que a gente vai beber, até que horas a gente tem que beber. (cf. Souza, 2016SOUZA, E. de. Bloco Ocupa Carnaval faz paródias politizadas de marchinhas; veja vídeo. G1, Rio de Janeiro, 13 fev. 2016. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/ocupa-carnaval-faz-parodias-politizadas-de-marchinhas-veja-video.html . Acesso em: 28 set. 2022.
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).

Em 2017, em seu início de governo, o então prefeito Marcelo Crivella foi “homenageado” pelo bloco, que, com o mote crivellada, recordava, entre outras coisas, que o prefeito abandonara a cidade durante a festa momesca, possivelmente pelo fato de ela não ser condizente com sua posição de líder evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus e apesar de se tratar do maior evento turístico da cidade. Em 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) abriu um inquérito para investigar as viagens do prefeito Marcelo Crivella ao exterior, durante o Carnaval. O inquérito abrange também a investigação do presidente da Riotur, Marcelo Alves, acusado de improbidade administrativa por falhas no planejamento do Carnaval. Desde 2017, Crivella teria sido negligente não somente com o Carnaval de rua, mas com aquele das escolas de samba, também: medidas de corte no repasse de recursos para essas escolas chegaram a provocar a fúria de carnavalescos e do setor cultural carioca, com repercussão nacional. No dia 12 de fevereiro de 2018 (Multidão…, 2018MULTIDÃO de foliões ocupa Aeroporto Santos Dumont e protesta contra Temer e Crivella; veja o vídeo. Congresso em Foco, [s. l.], 13 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/multidao-de-folioes-ocupa-aeroporto-santos-dumont-e-protesta-contra-temer-e-crivella-veja-o-video/ . Acesso em: 18 fev. 2019.
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), na Abertura Não Oficial do Carnaval, foliões, no centro da cidade, fizeram um cortejo até o Santos Dumont, adentrando no saguão do aeroporto, aos gritos, em protesto contra o prefeito e contra o então presidente Michel Temer, dando mostras da insatisfação com as condutas de ambos e, mais uma vez, evidenciando a mescla pública entre política e Carnaval.

Além de trazer à baila problemáticas sociais e políticas, o Carnaval de rua carioca reivindica, por meio de determinadas práticas, a revisão do sistema burocrático relacionado ao regramento dos cortejos, além das limitações comerciais e de patrocínio. A chamada Abertura Não Oficial do Carnaval é uma representação máxima dessa reivindicação: com explícita desobediência, organizam-se cortejos não autorizados pela área central da cidade. Esse evento ganha mais destaque a partir de 2014 e é liderado por blocos que questionam o excesso de burocratização e a mercantilização da festa popular, haja vista que muitos outros blocos têm recebido, além de patrocínio oficial do poder público, mediante cumprimento de uma série de exigências, patrocínio de um conglomerado de cervejarias que domina o setor de vendas nas ruas. Os blocos se organizam num coletivo antiligas de blocos - o que chamam de Desliga, um movimento congregado já em torno de lemas como liberdade, folia e luta. A sua fundação remonta a 2009 e, no blog atribuído ao grupo, datado de 2010, encontramos o Manifesto momesco, no qual se propaga a livre ocupação do espaço público pelos blocos de rua, numa clara oposição política entre a balbúrdia da festa da carne e o pregresso tempo de silêncio imposto pela ditadura:

A praça é do povo como o céu é do condor, já dizia Castro Alves. Depois de muitos anos de ditadura, nossos representantes garantiram na Constituição brasileira o direito à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e de reunirmo-nos pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. (Desliga dos Blocos, 2010DESLIGA DOS BLOCOS. Manifesto momesco. Rio de Janeiro: Desliga dos Blocos, 7 set. 2010. Disponível em: Disponível em: https://desligadosblocos.blogspot.com/2010/09/manifesto-momesco.html . Acesso em: 6 maio 2019.
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).

É flutuante a presença dos blocos na Desliga e, a cada ano, a Abertura Não Oficial ganha mais destaque, incorporando, assim, mais blocos interessados em participar do evento. Não se pode perder de vista, ainda, que surgem blocos novos a cada ano, apesar do boom de blocos anuais já não ser uma realidade, como nos anos anteriores. Contudo, o principal bloco que representa o movimento é o Cordão do Boi Tolo, dissidência do Cordão do Boitatá, bloco que conta com grandes patrocínios e importantes nomes da música brasileira entre seus organizadores.

No ano de encerramento da nossa pesquisa de campo, em 2019, os blocos elencados para desfilar na Desliga eram 16: Fanfarra Black Clube; Cordão da Bola Laranja; Vem Cá, Minha Flor; Orquestra Voadora; Maracutaia; Mulheres Rodadas; Me Enterra na Quarta; Sinfônica Ambulante; Bésame Mucho; Bloco das Tubas; Bloco do Afrojazz; Multibloco; Locomotiva da Baixada; Biquínis de Ogodô; Trombetas Cósmicas do Jardim Elétrico; Traz a Caçamba (Freire, 2019FREIRE, Q. G. Desfiles da abertura não oficial do Carnaval do Rio. Diário do Rio, Rio de Janeiro, 5 jan. 2019. Disponível em: Disponível em: https://diariodorio.com/desfiles-da-abertura-nao-oficial-do-carnaval-do-rio/ . Acesso em: 16 fev. 2019.
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). O acontecimento contou, no final, com um número maior, de 19 blocos, em razão justamente do caráter espontâneo e de improvisação do desfile. Na região portuária, um importante representante da Desliga é o Cordão do Prata Preta, que, desde sua formação, se alinha aos princípios políticos manifestados por essa postura crítica em relação aos usos da cidade e à mercantilização do Carnaval de rua.

Apesar de ter se tornado tradicional, a Abertura Não Oficial e, mais especificamente, os blocos não cadastrados foram fortemente criticados, em 2018, pelo então presidente da Riotur, Marcelo Alves, que afirmando que os blocos, chamados por ele de piratas, teriam sido um grande problema daquele ano e que os organizadores dos cordões seriam responsabilizados por isso, civil e criminalmente. A resposta a essa ameaça veio por meio de nota produzida pela Desliga dos Blocos, acusando a prefeitura de demonstrar “[…] total desconhecimento do que é o carnaval de rua” (Meyohas, 2018MEYOHAS, M. Blocos não oficiais reagem a crítica da Riotur: ‘Festa legítima do povo’. Extra, Rio de Janeiro, 22 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/blocos-nao-oficiais-reagem-critica-da-riotur-festa-legitima-do-povo-22422497.html . Acesso em: 18 fev. 2019.
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). O grupo ainda afirma que os ditos blocos piratas seriam formados por “[…] cidadãos cariocas que se encontram na rua para fazer a sua cultura popular” sem qualquer “figura burocrática ou jurídica de um organizador” por detrás deles (Meyohas, 2018MEYOHAS, M. Blocos não oficiais reagem a crítica da Riotur: ‘Festa legítima do povo’. Extra, Rio de Janeiro, 22 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/blocos-nao-oficiais-reagem-critica-da-riotur-festa-legitima-do-povo-22422497.html . Acesso em: 18 fev. 2019.
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). E segue atribuindo autenticidade à festa, mobilizando seu caráter histórico: “Isso acontece há mais de 200 anos e é a essência da festa” (Meyohas, 2018MEYOHAS, M. Blocos não oficiais reagem a crítica da Riotur: ‘Festa legítima do povo’. Extra, Rio de Janeiro, 22 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/blocos-nao-oficiais-reagem-critica-da-riotur-festa-legitima-do-povo-22422497.html . Acesso em: 18 fev. 2019.
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).

A Desliga ainda relaciona a falta de conhecimento do que é a folia carioca, por parte da prefeitura, com uma impossibilidade prática de contribuição para que

[…] a cidade funcione bem nesse período que não pode ser considerado de forma alguma como um problema para a cidade e sim como a festa popular que mais caracteriza a identidade do carioca e uma oportunidade especial de exposição positiva do Rio de Janeiro. (Meyohas, 2018MEYOHAS, M. Blocos não oficiais reagem a crítica da Riotur: ‘Festa legítima do povo’. Extra, Rio de Janeiro, 22 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/blocos-nao-oficiais-reagem-critica-da-riotur-festa-legitima-do-povo-22422497.html . Acesso em: 18 fev. 2019.
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).

Essa resistência e subversão promovidas pela Desliga sofrem, contudo, repressão constante da Guarda Municipal, órgão responsável por inibir supostas desordens, na cidade. Em 2016, durante a Abertura Não Oficial do Carnaval Carioca, foliões relataram uma confusão daquele órgão de repressão com camelôs não cadastrados pela prefeitura.11 11 Essas ações encontram-se no bojo do Plano Municipal de Ordem Pública (Pmop), implementado desde o início do governo do prefeito Eduardo Paes, em 2009. O plano previa o chamado Choque de Ordem, destinado a controlar, na cidade, a circulação de camelôs, ambulantes, população de rua, flanelinhas, entre outras iniciativas com a justificativa de tornar a cidade mais organizada e, assim, competitiva para a captação de recursos que subsidiassem as transformações necessárias para que o Rio recebesse eventos mundiais como as Olimpíadas 2016 (Fernandes, 2013). Esses trabalhadores comercializavam cervejas de outras marcas que não a oficial12 12 Vale reforçar que a venda de outras marcas de cerveja não é tolerada porque a empresa que organiza há oito anos, para a prefeitura, o Carnaval de rua, a Dream Factory, tem como parceira a Ambev, que, por sua vez, escolheu a cerveja Antarctica para ser a marca a ser celebrada e comercializada no Carnaval de rua carioca. A Seop funciona como principal articuladora no processo de pôr em prática a hegemonia da marca, credenciando e fornecendo kits com o logotipo da empresa aos vendedores ambulantes. Aqueles que são flagrados sem o credenciamento perdem suas mercadorias. e foram duramente reprimidos por guardas municipais. Foliões que organizavam a festa reagiram então à truculência dos agentes, na defesa do direito de aquelas pessoas exercerem sua atividade. A Guarda Municipal, por sua vez, recorreu ao uso indiscriminado de suas armas não letais, como as bombas de gás lacrimogêneo e as balas de borracha. A celeuma deixou o saldo de dois detidos, e muitas pessoas passaram mal com o gás, além de alguns foliões terem sido alvejados pelas balas de borracha (Confusão…, 2016CONFUSÃO na abertura não oficial do carnaval do Rio tem dois detidos. G1, Rio de Janeiro, 4 jan. 2016. Disponível em: Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/01/confusao-na-abertura-nao-oficial-do-carnaval-do-rio-tem-dois-detidos.html . Acesso em: 26 jan. 2016.
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).

Artivismo, performance e estética da existência

Utilizaremos o conceito de artivismo para compreender as práticas dos agentes culturais de que tratamos, apesar de esse ser um neologismo de apreensão ainda instável, quer no campo das ciências sociais, quer no campo das artes. O conceito apela a ligações, “[…] entre arte e política, e estimula os destinos potenciais da arte enquanto ato de resistência e subversão” (Raposo, 2015RAPOSO, P. “Artivismo”: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909 . Acesso em: 28 set. 2022.
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, p. 4). O artivismo pode ser produzido por pessoas ou coletivos que se utilizam de estratégias poéticas ou performativas com vistas a provocar intervenções sociais e políticas. “A sua natureza estética e simbólica amplifica, sensibiliza, reflete e interroga temas e situações num dado contexto histórico e social, visando a mudança ou a resistência” (Raposo, 2015RAPOSO, P. “Artivismo”: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909 . Acesso em: 28 set. 2022.
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, p. 4).

O teatro é mobilizado como uma ferramenta analítica; afinal, a antropologia da performance emerge da junção dos estudos sobre o social, o ritual e o teatral, de acordo com Jean Langdon (2006)LANGDON, E. J. Performance e sua diversidade como paradigma analítico: a contribuição da abordagem de Bauman e Briggs. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 8, n. 1-2, p. 163-183, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/18229/17094 . Acesso em: 20 maio 2023.
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. No campo da antropologia, a performance se estabelece nos anos 1970, a partir da combinação, segundo Carlson (2010CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaís Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: EDUFMG, 2010., p. 171), entre as obras de Schechner e Turner (Carlson, 2010CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaís Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: EDUFMG, 2010., p. 171). Cabe salientar dois pontos, identificados por Schechner (2013)SCHECHNER, R. Pontos de contato revisitados. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 23-66, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/82460/85440 . Acesso em: 24 maio 2023.
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, que nos parecem relevantes para o caso estudado: primeiro, a dramatização de uma experiência compartilhada pela performance, com base no conhecimento nativo; segundo, a ideia de performatividade. As culturas humanas são performativas. É do humano atuar reflexivamente, brincar e configurar o comportamento como “duplamente comportado” (twice behaved) (Schechner, 2013SCHECHNER, R. Pontos de contato revisitados. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 23-66, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/82460/85440 . Acesso em: 24 maio 2023.
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, p. 27).13 13 Esse conceito de performatividade poderia também ser discutido com base nos textos de Judith Butler, considerando-se a performatividade como algo constantemente regulado, haja vista que se elabora e se expressa em meio a dinâmicas culturais, mecanismos legais, códigos de significação e linguagem que a constrangem e a limitam (Borba, 2014). Além desses usos, a performance também é uma atividade ligada ao entretenimento ou à arte.

É crucial sustentar que performance serve como “metacomentário sobre a sociedade” e, por isso, Marvin Carlson (2010)CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaís Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: EDUFMG, 2010. orienta operar-se esse conceito com cuidado, afinal não é em todo caso estudado que se pode afirmar a existência de uma consciência dos performers e dos espectadores quanto à performatividade de uma ação. Contudo, é justamente essa possibilidade que se procura explorar neste artigo, sobretudo quando Carlson (2010CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaís Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: EDUFMG, 2010., p. 163) nos lembra do advento da arte da performance - claramente se referindo à cultura ocidental -, a partir dos anos 1970, como uma função social e/ou política que logo adquire formas manifestamente críticas: jogar luz sobre os excluídos, os marginalizados por classe, raça ou gênero.

A autorreflexão pessoal e cultural estaria indiscutivelmente no centro desse tipo de performance e condensaria uma forma expressiva que foi possível observar entre os foliões cariocas durante o período de campo, conforme veremos. Segundo Carlson (2010)CARLSON, M. Performance: uma introdução crítica. Tradução de Thaís Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: EDUFMG, 2010., o jogo da performance se dá justamente em uma atmosfera-limite entre o real e o imaginado, operando segundo uma dupla consciência: dentro da estrutura do jogo, o performer não é ele mesmo (por causa das operações de ilusão); mas também não é um não si mesmo (por causa das operações de realidade). Por fim, cabe ressaltar o caráter público da performance, vide a participação dos expectantes na criação da performance em si e a centralidade do corpo em cena. Ou seja, a performance é uma experiência multissensorial: ela é vivenciada através dos sentidos. E é justamente o engajamento do corpo na cena performática que permite o jogo de emoção e razão num trasbordamento, numa produção de significados emergentes (Langdon, 2006LANGDON, E. J. Performance e sua diversidade como paradigma analítico: a contribuição da abordagem de Bauman e Briggs. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 8, n. 1-2, p. 163-183, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/18229/17094 . Acesso em: 20 maio 2023.
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).

Diferenciando o ativismo cultural do artivismo, Miguel Chaia (2007)CHAIA, M. W. Artivismo: política e arte hoje. Aurora, [s. l.], n. 1, p. 9-11, 2007. argumenta que o ativismo cultural tende a aproximar-se da antiarte, ao sobrepor o objeto artístico em favor da intervenção social inspirada pela estética, afastando-se da contemplação em benefício do envolvimento da comunidade. Nesse caso, os sujeitos elaboram “[…] conceitos ou práticas tendo por base uma consciência crítica aguçada portada pelo artista individual ou por um coletivo” (Chaia, 2007CHAIA, M. W. Artivismo: política e arte hoje. Aurora, [s. l.], n. 1, p. 9-11, 2007., p. 4). Por sua vez, o artivismo “[…] distingue-se pelo uso de métodos colaborativos de execução do trabalho e de disseminação dos resultados obtidos”, sendo então caracterizado por “[…] participação direta, configurando formatos de situações que vai do artista critico até o engajado ou militante” (Chaia, 2007CHAIA, M. W. Artivismo: política e arte hoje. Aurora, [s. l.], n. 1, p. 9-11, 2007., p. 4). Resumidamente, o artivismo pode ser definido como uma prática que se consolida como “[…] causa e reivindicação social e simultaneamente como ruptura artística - nomeadamente, pela proposição de cenários, paisagens e ecologias alternativas de fruição, de participação e de criação artística” (Raposo, 2015RAPOSO, P. “Artivismo”: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909 . Acesso em: 28 set. 2022.
https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909...
, p. 4).

Considerando a ideia de estética da existência de Foucault (2011)FOUCAULT, M. A coragem da verdade: o governo de si e dos outros II: curso no Collège de France (1983-1984). São Paulo: Martins Fontes, 2011., defendemos que o Carnaval, com sua potência de jogo performático, de inversão e recriação do mundo, como nos diz Roberto DaMatta (1997)DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1997., abre uma fresta no duro cotidiano que impele o sujeito a normatizar sua subjetividade em prol da adesão ao projeto moderno de um sujeito dócil. Ao invés disso, a festa momesca permite ao indivíduo rasgar o terno e o vestido respeitosos do dia a dia e, por debaixo dessas vestimentas, se reencontrar com fantasias que acessam momentos de liberdade antes de esse sujeito retornar às modalidades simbólicas de prisão às quais está ligado e que o impedem de fazer de sua vida algo alinhado com sua vontade.

Contudo, o jogo performático da e na massa, expressando criativamente linguagens artísticas e políticas no Carnaval, expõe um projeto referente ao cuidado de si, do outro e do espaço público, ao combate da violência urbana e da truculência do poder público, à afirmação da liberdade sexual e à luta contra o racismo. Cada tema abordado funciona como um estandarte que o bloco ergue em plena praça pública, por meio de seus mil braços de criatura assustadoramente encantadora. Nos milhares de vozes, cantos e gritos de ordem, a vida comum e a vida de todos comuns, a vida coletiva, passam a ser tecidas como obras de arte, pretensiosamente distantes da normalização, das regras burocráticas, dos tiros e da imposição das cervejas de milho - uma estética da existência (Foucault, 2011FOUCAULT, M. A coragem da verdade: o governo de si e dos outros II: curso no Collège de France (1983-1984). São Paulo: Martins Fontes, 2011.) purpurinada e que se vê à luz do dia!

Notamos, igualmente, que o artivismo, ao convocar o coletivo, o envolvimento da comunidade, com seu potencial de resistência e subversão, encontra encarnação nas propostas dos blocos de rua estudados e nas propostas insurgentes de consumo dos foliões que pudemos acompanhar. Se considerarmos que o processo de privatização do Carnaval de rua já estava em andamento durante o mandato do prefeito Eduardo Paes, foi flagrante um ainda maior desejo de controle dos blocos na gestão do prefeito Marcelo Crivella, como no caso da proposta de construção da Arena Carnaval, nomeada vulgarmente de Blocódromo, na Barra da Tijuca (Resende, 2017RESENDE, D. Parque dos Atletas, na Barra, será transformado em Arena dos Blocos durante o carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 24 dez. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/parque-dos-atletas-na-barra-sera-transformado-em-arena-dos-blocos-durante-carnaval-22226638#ixzz55ylNeEoz. Acesso em: 1 fev. 2018.). Apesar de ela supostamente contar com entrada gratuita, há o debate sobre a possibilidade de haver espaços VIPs na arena, reforçando as desigualdades vividas no cotidiano da cidade, separando o público por sua origem e condição social.

A criatura que tece a sua estética da existência faz troça com a violência sofrida e se movimenta com mais fúria, alívio e certeza em direção ao seu alvo. A descarga da massa da qual fala Elias Canetti (1983)CANETTI, E. Massa e poder. Brasília: Ed. UnB, 1983. parece de fato fazer sumir qualquer medo, sobretudo quando se defende algo que se considera um patrimônio inegociável, como é o Carnaval carioca. Vejamos este caso: durante o Carnaval de 2016, no dia 13 de fevereiro, o Tecnobloco realizava seu cortejo, varando a madrugada. De forma improvisada, o trajeto iniciou-se no Largo de São Francisco, Centro, e terminou na Praça Mauá, já na região portuária. A praça, recém-remodelada para receber as Olimpíadas, estava sendo permanentemente guarnecida pela Guarda Municipal, que recebeu o bloco com truculência. Por volta das 5 horas da manhã, quando chegavam à praça, os foliões foram impedidos de manter o cortejo, sendo atingidos por balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. No Facebook, um dos foliões publicou foto com os ferimentos resultantes da repressão - ele apresentava escoriações severas nos glúteos - e reclamava o direito de ocupação da praça pelos foliões. Mais uma vez, vemos a defesa de a praça ser do povo. Disso se depreende uma crítica indireta à Praça Mauá vendida como cartão-postal estático, local de contemplação, para olhar passarinho, como chegou a defender, certa vez, um dado presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp)…

Cabe uma ressalva: algumas partes da região portuária, no centro da cidade, haviam sido recém-requalificadas e havia temor, por parte do poder público, de que a massa festejasse por ali e “destruísse” o novo cenário, apesar de o espaço ser constantemente cedido a eventos culturais de grandes proporções - todos controlados por megaempresários! Com isso, a disputa pelo espaço público se radicaliza de tal forma que vai se tornando bem evidente, no Carnaval, o crescimento de adeptos da Desliga ou de blocos que simplesmente não querem mais deixar na mão da prefeitura a decisão de como será o seu desfile, fazendo-o de forma que frua sem amarras, deixando o boca a boca cuidar do papel de propaganda para atrair os foliões. A intenção da prefeitura de cercear acessos a alguns espaços urbanos como a Praça Mauá, considerados impróprios a desfiles espontâneos de blocos, é denunciada como um controle que vai de encontro à própria dinâmica improvisada do Carnaval de rua.

Segundo Bakhtin (1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987., p. 240-241), a festa é pedra angular da civilização humana: “É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente num universo utópico” acessado pelo sonho, pela fantasia, pela esperança, pelo projeto de vida como obra de arte de que tratará Foucault (2011)FOUCAULT, M. A coragem da verdade: o governo de si e dos outros II: curso no Collège de France (1983-1984). São Paulo: Martins Fontes, 2011.. Podemos ainda pensar nisso em termos de manifestação da esperança de se garantir o direito à diferença e o direito à cidade, conforme entendido por Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991., como uma forma superior dos direitos, a estruturar formas de ação social peculiares. Assim como no bloco Escravos da Mauá é comum a ideia de integração, de inclusão e direito à cidade, de possibilidade de se ocupar espaços estigmatizados e pouco acessados normalmente pelos cariocas, contribuindo com a tessitura de um imaginário que trabalha contra a cidade cerzida.

No caso do Tecnobloco, a chamada nas redes sociais e o relato da truculência da polícia geraram revolta e mais engajamento dos foliões, que, numa agitação valente, com os ânimos aflorados, participaram, logo depois da repressão sofrida, de um desfile-manifestação exatamente na Praça Mauá, onde tinha se passado o ocorrido. Segundo relatos de foliões presentes, ao chegarem à praça, os foliões foram surpreendidos ao encontrarem, perfilada, a Guarda Municipal, na aparente intenção de guarnecer a praça. No entanto, ao se aproximarem, os guardas estavam ali para encenar uma espécie de trégua, com sua banda marcial tocando alegremente músicas carnavalescas e guardas mulheres - aparentemente destacadas para a tarefa de paz - distribuindo flores aos foliões. Cabe destacar a astúcia da gestão da prefeitura, até então sob o comando de Eduardo Paes, para contornar a situação de conflito e baixar a temperatura dos ânimos dos foliões revoltados. Paes jogou o jogo da performance carnavalesca, inverteu os papéis, tirando os guardas do papel de ameaça e transformando-os em supostos foliões - o que pode ter impedido que um conflito de ainda maior gravidade ali acontecesse.

Ainda em 2016, o Teimosos do Porto, bloco de pequenas proporções que conta com a participação de moradores da região portuária, promovia um cortejo com mais ou menos uma dúzia de pessoas. Os foliões se divertiam às margens da Praça Mauá quando foram parados por um guarda municipal que lhes exigiu a autorização para aquele desfile. Em razão da minúscula expressão e da presença de bem poucos músicos (improvisados, no esquema de bloco de sujos), os foliões acharam graça do disparate de o guarda querer parar a expressão de uma dúzia de pessoas a se divertirem, porque estavam num espaço público de grande visibilidade.

Pudemos observar, nesses anos em que a bricolagem artivista entre manifestação política e Carnaval projetou uma poderosa performance no jogo carnavalesco, a potência da massa que canta, toca, brilha com suas fantasias e dança com seu corpo gigantesco. Da perspectiva da antropologia da performance, pode-se entender o Carnaval como um ritual antigo, que fornece energia para a arte (Schechner, 2012SCHECHNER, R. Performance e antropologia. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012., p. 85). Na relação, no encontro dos corpos nesse tempo provisoriamente rompido, a promover quebras hierárquicas, experimenta-se, em seu extremo, a alteridade. Essa extrapolação é a mola propulsora para que se viva a brincadeira como maior possibilidade de existência e até única forma de convivência, naquele dado momento.

Nesse caso a proximidade física abre uma possibilidade para o ritual se expandir por todo o espaço; a partir daí, o conceito de tempo, espaço e ação, uma só unidade flexível, passa a ser o do ritual; nada mais acontece, nada mais é lembrado, nada mais é importante, só o que acontece a nossa volta importa e é real. (Zenicola, 2015, p. 79 apudLemos; Dote, 2019LEMOS, A.; DOTE, A. O carnaval é hoje porque o amanhã é nunca: a festa como ritual no espetáculo Devorando Heróis. Proa: revista de antropologia e arte, [s. l.], v. 1, n. 9, p. 122-141, 2019., p. 140).

A radicalização da proposta carnavalesca e do artivismo não é, contudo, uma particularidade dos blocos que participam diretamente da Desliga, sendo que esses têm como temas centrais combater o controle, a burocracia e a privatização da festa - a partir dos quais se desdobram diversos outros. A questão político-partidária, a discussão sobre o capitalismo, a luta de classes, o racismo, a homofobia e o machismo também têm emergido - por exemplo, com o bloco abertamente comunista, o Comuna que Pariu, formado por militantes e simpatizantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB); e, em diversas manifestações políticas, com a banda, que nunca chegou a constituir um bloco de Carnaval, organizada por militantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seus estandartes com inscrições brechtianas como “Nada é impossível de mudar”, para chamar a atenção dos populares.

O Comuna que Pariu desfila com sambas de embalo que têm feito bastante sucesso durante os carnavais. Em 2014, o bloco aproveitou o mote da Copa e cantou que “A revolução foi a Copa que pariu”14 14 Composição de Bil-Rait Buchecha, Rafael Maieiro, Gezuis da Cuíca, Nina Rosa, Débora Nunes, Mari Tristan, Victor Neves e Caio Martins (Comuna…, 2014). (“No Carnaval/ Ó nós de novo aqui na rua/ Fora Cabral/ E não tem gás que me destrua”); e, em 2015, que “Lugar de mulher é onde ela quiser!”15 15 Composição de Marina Iris, Manu Trindade, Nina Rosa, Belle Lopes, Victor Neves e Bil-Rait Buchecha (Comuna…, 2016). (“Sou santa, sou puta, sou filha da luta/ Machismo é porrada e piada sutil”). Intencionalmente, as letras do bloco abordam temas sociais e políticos nunca dissociados da questão da luta de classes. O Carnaval do Comuna que Pariu conclama explicitamente o público à resistência, à luta social e à revolução - como se espera de uma organização comunista.

No ano de 2014, o Cordão do Prata Preta foi homenageado na premiação do Prêmio Serpentina de Ouro, das Organizações Globo, no quesito Destaque, o que dividiu opiniões entre os integrantes da agremiação. O desfile do cordão - que tinha como tema (ou alvo) a ditadura civil-militar brasileira no ano em que se completavam 50 anos do golpe civil-militar de 1964 - foi celebrado, sem nenhum embaraço, em plena festa da emissora, fazendo com isso ressoar palavras recorrentes nas manifestações políticas que ocorriam intensamente, desde 2013, nas ruas da cidade: “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura (e ainda apoia!)”.16 16 Além da evidência de esse apoio estar presente na natureza de como eram enviesadas as reportagens do jornal O Globo da época, a anuência da empresa para com o governo militar também vem sendo desvelada, aos poucos, com a divulgação de documentos secretos e com relatos de jornalistas que trabalharam na época para a empresa. Há, por exemplo, arquivos do governo estadunidense que indicam que o fundador e presidente da empresa, Roberto Marinho, foi um dos principais articuladores da ditadura militar no Brasil (Documentos…, 2015). Um livro de 2015, Golpe de Estado: o espírito e a herança de 1964 ainda ameaçam o Brasil, escrito por Palmério Dória e Mylton Severiano (2015), ainda acusa o jornal O Globo de ter servido, por meio de sua agência de notícias, como um setor de delações para os militares, principalmente ao tentar descobrir secretamente informações, em primeira mão, junto a seus funcionários considerados de esquerda, mantidos ali para emitir uma imagem de independência do jornal e também para servirem como iscas, pois, ao desconhecerem que estavam sendo investigados e acompanhados no que faziam, ora ou outra, inocentemente, recebiam e processavam, na própria agência, e dividiam com pessoas que consideravam confiáveis, informações valiosas para o governo militar. O desfile de 2014 do Cordão do Prata Preta nos sugere uma forte influência dos protestos políticos de 2013, durante os quais as redes sociais formaram os meios de comunicação principais “[…] utilizados pelos manifestantes, em que estabeleciam debates, convocavam a população e organizavam as agendas das diversas manifestações nas cidades do país” (Andrade; Pinheiro, 2019ANDRADE, M. R. R. de; PINHEIRO, C. V. Q. Manifestações políticas de junho de 2013: um debate à luz dos conceitos de massa e multidão. Revista Psicologia Política, [s. l.], v. 19, n. 45, p. 170-185, 2019., p. 172). Essa forma de comunicação alternativa, pelas plataformas digitais, permitiu se promover uma crítica à ética do jornalismo oficial e mesmo uma certa rejeição da grande mídia - considerada manipuladora das informações - acontecia muito de repórteres desses veículos, presentes nos locais de protesto, ouvirem emergir gritos como “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”. Ainda sobre o desfile do Prata Preta em 2014, entre as fantasias dos foliões, contavam-se viúvas da ditadura, Leila Diniz, jornais manchados de sangue e várias menções críticas à mídia oficial e à relação das Organizações Globo com os militares, naquela quadra histórica tematizada.

Considerações finais

Conforme indicado por Couto (2019)COUTO, C. P. Entra cultura, sai política: práticas de boa governança na gestão das manifestações de rua por parte do Porto Maravilha. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., estaria em curso um esforço, por parte de empresários, investidores e poder público, em formas híbridas como terceiro setor e parcerias público-privadas, de engendrar um jogo ilusório com a plateia, fazendo crer ser possível a despolitização da cultura. A busca seria por se evitar, nos conteúdos e nas formas culturais, qualquer “polêmica”, como assuntos envolvendo problemas sociais, querelas raciais ou tendo partidos, propostas ou figuras políticas como temáticas. A pacificação, a domesticação dos assuntos parecem assim uma prioridade dessa proposta, visto que o entretenimento deveria prevalecer sobre qualquer tipo de arte provocativa.

Curiosamente, enquanto os espaços dos grandes espetáculos sofrem uma espécie de sufocamento em nome do entretenimento dito apolítico, outras expressões artísticas com um caráter político terminam por emergir quase como obrigatórias: o próprio Carnaval de rua vai tomando uma forma ainda mais política do que já possuía, produzindo novos modos de recriação performática, no jogo que ocorre no período espontâneo do agora, na fronteira entre a arte e a vida, como nos fala Bakhtin (1987)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987.. Esse caminhar num total desconhecimento do que virá no segundo seguinte é guiado pela criatura da massa de foliões que dá o ritmo do passo, no compasso, “no passinho”, num Carnaval que já misturou marchinha com funk e MPB. A massa entra no aeroporto, no túnel, na praça de ver passarinho, nas ruas perigosas e malfaladas: desbrava, enfrenta, subverte, luta para concretizar o inconcebível para aquela parcela que tenta promover a cultura apolítica.

As fantasias coletivas de crítica social, os corpos subversivos, nus, que questionam o padrão estético demonstram que viver o Carnaval é tentativa estética e artística de criar novas propostas e propósitos de vida. A cultura de rua, a grande massa - constantemente vista como uma ameaça em potencial aos olhos do poder público -, essa onda escancaradamente vulgar, debochada, de conteúdo divergente, inconveniente ao status quo tornam-se os traços do rosto desse gigante momesco que quer, além de amofinar os gestores da cidade, garantir sua festa insólita e sua potencialidade de ser e de propor vidas outras para seus súditos - mesmo que momentaneamente.

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  • RUEIRA. Intérprete: Marina Iris. Compositores: R. Lessa e M. da Cuíca. In: RUEIRA. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2018. 1 CD, faixa 1.
  • SCHECHNER, R. Performance e antropologia Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
  • SCHECHNER, R. Pontos de contato revisitados. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 23-66, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/82460/85440 Acesso em: 24 maio 2023.
    » http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/82460/85440
  • SIQUEIRA JÚNIOR, F.; BORTOLETTO, A. P. Cerveja: as grandes marcas omitem que o que você bebe é milho. Pragmatismo Político, Rio de Janeiro, 11 abr. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/04/cerveja-as-grandes-marcas-brasileiras-omitem-que-o-que-voce-bebe-e-milho.html Acesso em: 1 fev. 2018.
    » https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/04/cerveja-as-grandes-marcas-brasileiras-omitem-que-o-que-voce-bebe-e-milho.html
  • SOLANO, E. Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática black bloc. São Paulo: Geração Editorial, 2014.
  • SOUZA, E. de. Bloco Ocupa Carnaval faz paródias politizadas de marchinhas; veja vídeo. G1, Rio de Janeiro, 13 fev. 2016. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/ocupa-carnaval-faz-parodias-politizadas-de-marchinhas-veja-video.html Acesso em: 28 set. 2022.
    » https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/ocupa-carnaval-faz-parodias-politizadas-de-marchinhas-veja-video.html
  • TORRES, L. Pré-carnaval faz cariocas faturarem com sacolés de cachaça e vodca. G1, Rio de Janeiro, 22 jan. 2015. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2015/noticia/2015/01/pre-carnaval-faz-cariocas-faturarem-com-sacoles-de-cachaca-e-vodca.html Acesso em: 1 fev. 2018.
    » https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2015/noticia/2015/01/pre-carnaval-faz-cariocas-faturarem-com-sacoles-de-cachaca-e-vodca.html
  • TRIGO, L. ‘A arte existe porque a vida não basta’, diz Ferreira Gullar. G1, Rio de Janeiro, 7 ago. 2010. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html Acesso em: 28 set. 2022.
    » https://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html
  • VIANNA, R. Blocos de rua do Rio atraem mais de 5,3 milhões de foliões, diz secretário. G1, Rio de Janeiro, 27 fev. 2012. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/blocos-de-rua-do-rio-atraem-mais-de-53-milhoes-de-folioes-diz-secretario.html Acesso em: 21 set. 2014.
    » https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/blocos-de-rua-do-rio-atraem-mais-de-53-milhoes-de-folioes-diz-secretario.html
  • 1
    O período de 2013 marca o início das insatisfações populares em torno dos investimentos vultosos destinados a promover supostas melhorias, na cidade, em razão de dois megaeventos que ela abrigaria: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Indicativos de fraudes milionárias e lavagem de dinheiro e a remoção das populações mais vulneráveis em larga escala, além de um aumento substantivo do custo de vida na cidade, mobilizaram então a ira de muitos cariocas.
  • 2
    Livre alusão à palavra que ganhou as redes sociais: vrau!, que denota um duplo sentido - pode ser tanto a forma de “fechar” um comentário, acreditando-se ter apresentado o melhor argumento - numa variação da gíria lacrou! - como pode ser usada no sentido de prática de ato libidinoso sem envolvimento afetivo com um ou mais parceiros, por sinal muito comum no Carnaval.
  • 3
    Durante o mestrado, foram dez os grupos implicados na pesquisa, entre blocos de Carnaval e rodas de samba: Escravos da Mauá, Filhos de Gandhi, Cordão do Prata Preta, Coração das Meninas, Banda da Conceição, Pinto Sarado, Fala Meu Louro, Roda de Samba da Pedra do Sal, Terreiro de Breque e Samba de Lei. No doutorado, somaram-se, aos listados, mais sete grupos locais: Velhos Malandros, Samba Honesto, Som das Artes, Charme da Gamboa, Teimosos do Porto, Feira do Cais, Moça Prosa e Samba da Saúde, a fim de observar as suas respectivas dinâmicas de ocupação do espaço público.
  • 4
    A região portuária do Rio de Janeiro se divide em quatro bairros: Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Caju.
  • 5
    O Ocupa Alerj foi a manifestação política mais turbulenta e conturbada desse período e aconteceu no dia 8 de agosto de 2013: manifestantes invadiram a casa legislativa e foram retirados à força, encenando um verdadeiro motim na frente do prédio, lançando bombas, colocando fogo em lixos e derrubando e atirando as grades contra a entrada principal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
  • 6
    Black blocs são identificados como aqueles que aderem às táticas de protesto anarquistas, associadas à violência performática (Solano, 2014SOLANO, E. Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática black bloc. São Paulo: Geração Editorial, 2014.). Sua vestimenta é preta e eles cobrem seus rostos, para não serem identificados pela polícia.
  • 7
    O Escravos surgiu em 1993, na região portuária do Rio de Janeiro, e cresceu de maneira estrondosa, principalmente nos anos 2000. A grandiosidade que alcança é comumente explicada tanto pela irreverência marcante do bloco como pela sua contribuição para a reversão do imaginário simbólico sobre o local, que passa a despertar interesse e simpatia em muitos cariocas. E essa é uma façanha que tem feito história não somente no Carnaval, mas também nas dinâmicas urbanas da cidade (Couto, 2016COUTO, C. P. E o samba serpenteia com o Escravos da Mauá: uma nova perspectiva sobre o porto do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mórula, 2016.).
  • 8
    Os formadores do bloco se defrontavam com as frustrações de viver em uma cidade fortemente desigual, marcada, nos anos 1990, por atos violentos que causaram grande comoção, como a chacina de meninos de rua por policiais nos arredores da Igreja da Candelária, em julho de 1993, e o massacre de Vigário Geral, em agosto do mesmo ano, quando um grupo de extermínio executou 21 moradores daquela favela. O desejo de superar o clima de guerra urbana ganha expressão tanto pela audácia do grupo, de ocupar um local marginalizado, o Largo da Prainha, no bairro da Saúde, como nas letras de seus sambas, que terminam por fomentar a ideia de que, em paz, o Rio teria total capacidade de se desenvolver em toda a sua potencialidade (Couto, 2016COUTO, C. P. E o samba serpenteia com o Escravos da Mauá: uma nova perspectiva sobre o porto do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mórula, 2016.).
  • 9
    Fundado em 2012, o Moça Prosa se anuncia como um movimento de samba feminino, prestando homenagem a todas as mulheres compositoras e intérpretes do samba. A ideia de resgate também está presente no discurso do grupo, que se dedica a jogar luz sobre as composições e interpretações antigas de sambistas como Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Jovelina Pérola Negra e Leci Brandão.
  • 10
    Personagem saído das histórias em quadrinhos e cantado em verso e prosa (Oliveira Neto, 2015OLIVEIRA NETO, M. G. de. Entre o grotesco e o risível: o lugar da mulher negra na história em quadrinhos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, [s. l.], n. 16, p. 65-85, jan./abr. 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-335220151604 . Acesso em: 26 set. 2022.
    https://doi.org/10.1590/0103-33522015160...
    ), a Nega Maluca se torna uma fantasia carnavalesca com a prática do black face, em que brancos pintavam a cara de negro, numa prática social racista de transformar corpos femininos negros em objetos risíveis e grotescos.
  • 11
    Essas ações encontram-se no bojo do Plano Municipal de Ordem Pública (Pmop), implementado desde o início do governo do prefeito Eduardo Paes, em 2009. O plano previa o chamado Choque de Ordem, destinado a controlar, na cidade, a circulação de camelôs, ambulantes, população de rua, flanelinhas, entre outras iniciativas com a justificativa de tornar a cidade mais organizada e, assim, competitiva para a captação de recursos que subsidiassem as transformações necessárias para que o Rio recebesse eventos mundiais como as Olimpíadas 2016 (Fernandes, 2013FERNANDES, A. dos S. Escuta ocupação: arte do contornamento, viração e precariedade no Rio de Janeiro. 2013. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.).
  • 12
    Vale reforçar que a venda de outras marcas de cerveja não é tolerada porque a empresa que organiza há oito anos, para a prefeitura, o Carnaval de rua, a Dream Factory, tem como parceira a Ambev, que, por sua vez, escolheu a cerveja Antarctica para ser a marca a ser celebrada e comercializada no Carnaval de rua carioca. A Seop funciona como principal articuladora no processo de pôr em prática a hegemonia da marca, credenciando e fornecendo kits com o logotipo da empresa aos vendedores ambulantes. Aqueles que são flagrados sem o credenciamento perdem suas mercadorias.
  • 13
    Esse conceito de performatividade poderia também ser discutido com base nos textos de Judith Butler, considerando-se a performatividade como algo constantemente regulado, haja vista que se elabora e se expressa em meio a dinâmicas culturais, mecanismos legais, códigos de significação e linguagem que a constrangem e a limitam (Borba, 2014BORBA, R. A linguagem importa?: sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, Campinas, n. 43, p. 441-473, jul./dez. 2014.).
  • 14
    Composição de Bil-Rait Buchecha, Rafael Maieiro, Gezuis da Cuíca, Nina Rosa, Débora Nunes, Mari Tristan, Victor Neves e Caio Martins (Comuna…, 2014COMUNA que Pariu 2014: “A revolução foi a Copa que pariu!”. [S. l: s. n.], 11 fev. 2014. 1 vídeo (4min18s). Publicado no canal TV Boitempo. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=btP6YWLzRPo . Acesso em: 28 set. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=btP6YWLz...
    ).
  • 15
    Composição de Marina Iris, Manu Trindade, Nina Rosa, Belle Lopes, Victor Neves e Bil-Rait Buchecha (Comuna…, 2016COMUNA que Pariu! 2015: lugar de mulher é… É onde ela quiser! [S. l: s. n.], 17 nov. 2016. 1 vídeo (5min18s). Publicado no canal Comuna que Pariu!. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S-l3zE1xvHk . Acesso em: 28 set. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=S-l3zE1x...
    ).
  • 16
    Além da evidência de esse apoio estar presente na natureza de como eram enviesadas as reportagens do jornal O Globo da época, a anuência da empresa para com o governo militar também vem sendo desvelada, aos poucos, com a divulgação de documentos secretos e com relatos de jornalistas que trabalharam na época para a empresa. Há, por exemplo, arquivos do governo estadunidense que indicam que o fundador e presidente da empresa, Roberto Marinho, foi um dos principais articuladores da ditadura militar no Brasil (Documentos…, 2015DOCUMENTOS indicam que Roberto Marinho foi um dos principais articuladores da Ditadura Militar no Brasil. R7, [s. l.], 19 fev. 2015. Disponível em: Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/documentos-indicam-que-roberto-marinho-foi-um-dos-principais-articuladores-da-ditadura-militar-no-brasil-19022015 . Acesso em: 8 fev. 2019.
    https://noticias.r7.com/brasil/documento...
    ). Um livro de 2015, Golpe de Estado: o espírito e a herança de 1964 ainda ameaçam o Brasil, escrito por Palmério Dória e Mylton Severiano (2015)DÓRIA, P.; SEVERIANO, M. Golpe de Estado: o espírito e a herança de 1964 ainda ameaçam o Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2015., ainda acusa o jornal O Globo de ter servido, por meio de sua agência de notícias, como um setor de delações para os militares, principalmente ao tentar descobrir secretamente informações, em primeira mão, junto a seus funcionários considerados de esquerda, mantidos ali para emitir uma imagem de independência do jornal e também para servirem como iscas, pois, ao desconhecerem que estavam sendo investigados e acompanhados no que faziam, ora ou outra, inocentemente, recebiam e processavam, na própria agência, e dividiam com pessoas que consideravam confiáveis, informações valiosas para o governo militar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2022
  • Aceito
    29 Maio 2023
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