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Retomadas (tekoharã) no Mato Grosso do Sul e enfrentamento da lógica de financeirização do território

Resumo

O trabalho concentra sua análise na propriedade privada, nas dinâmicas agrícolas e de financeirização da terra no Mato Grosso do Sul, partindo da premissa de que o Estado tem sido o principal agente legitimador do processo de apropriação das terras dos povos originários, competindo com as formas de luta na recuperação de seus territórios tradicionais. O trabalho inicia-se com uma breve contextualização etnohistórico-geográfica dos Kaiowá e Guarani frente ao processo de constituição da propriedade privada da terra, incorporando e consolidando essa fração do espaço ao Estado nacional, e como se estabelecem as determinações territoriais, compreendendo-as como estado e movimento das práticas socioespaciais dos sujeitos na consolidação da hegemonia e das formas de resistência. Conclui-se que, em oposição à forma valor, centro das determinações territoriais do agronegócio, engendram-se retomadas (tekoharã) como uma ação metabólica de unicidade de seres (inorgânicos, orgânicos e sociais), que representam o enfrentamento e a resistência dos povos originários ao projeto genocida do Estado/capital.

Palavras-chave:
Financeirização do território; Resistência indígena; Retomada (tekoharã); Propriedade privada da terra; Kaiowá e Guarani.

Abstract

The work focuses its analysis on private property, on the agricultural and financial dynamics of the land in Mato Grosso do Sul, based on the premise that the State has been the main legitimizing agent of the process of appropriation of the lands of the original towns that compete with the forms of struggle for the recovery of their traditional territories. The work begins with a brief ethno-historical-geographic contextualization of the Kaiowá and Guaraní with respect to the constitution of private land ownership, and the incorporation of this fraction of space in the national State and how territorial determinations of this social conflict are analyzed, understanding them as the state and movement of the socio-spatial practices of the subjects in the consolidation of hegemony and resistance projects. It is concluded that in opposition to the form of value, the centrality of the territorial determinations of agribusiness, the resumption of land (tekoharã) is generated, which represents the confrontation, the resistance, of the native peoples to the genocidal project of the capital-State.

Keywords
Financialization of the territory; Indigenous resistance; Retaken (tekoharã); Private land ownership; Kaiowá and Guarani

Resumen

El trabajo centra su análisis en la propiedad privada, en la dinámica agrícola y financiera de la tierra en Mato Grosso do Sul, desde la premisa de que el Estado ha sido el principal agente legitimador del proceso de apropiación de las tierras de los pueblos originales que compiten con las formas de lucha por la recuperación de sus territorios tradicionales. El trabajo comienza con una breve contextualización etno-histórica-geográfica de los Kaiowá y Guaraní con respecto a la constitución de la propiedad privada de la tierra, y la incorporación de esta fracción de espacio en el Estado nacional y se analizan las principales determinaciones territoriales de este conflicto social, entendiéndolas como el estado y movimiento de las prácticas socioespaciales de los sujetos en la consolidación de proyectos de hegemonía y resistencia. Se concluye que en oposición a la forma valor, centralidad de las determinaciones territoriales de la agroindustria, se engendran las reanudaciones de tierras (tekoharã), que representan la confrontación, la resistencia, de los pueblos originarios al proyecto genocida del Estado-capital.

Palabras clave
Financiarización del territorio; Resistencia indígena; Retomada (tekoharã); Propiedad privada de la tierra; Kaiowá y Guaraní

Introdução

No atual estágio de mundialização econômica, as grandes corporações têm conseguido realizar hegemonicamente o valor e sua reprodução ampliada. No Brasil, dada a articulação com os interesses de setores oligárquicos tradicionais, esse mecanismo se estabelece historicamente com a intermediação do Estado, em que a propriedade privada da terra e sua financeirização, a partir de sistemas de produção agropecuária e apropriação dos fundos públicos, potencializam a lógica de acumulação sobrepondo-se aos territórios dos Guarani-Kaiowá.

Este trabalho centra a análise desse processo no Mato Grosso do Sul, identificando as determinações territoriais, compreendendo-as como estado e movimento das práticas socioespaciais dos sujeitos em direção à hegemonia e consolidação de seu projeto de classe e ou de resistência (contra-hegemônica) (Borges; Souza, 2019BORGES, A. C. G.; SOUZA, J. G. Território financeirizado: as determinações territoriais dos desembolsos do BNDES ao setor sucroenergético no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - Brasil. Confins, n. 39, p. 17223-17263, 2019. doi: https://doi.org/10.4000/confins.17223.
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), que se materializam nas lógicas de capitalistas-latifundiários e se confrontam com os povos originários na luta pela recuperação de seus territórios tradicionais, a partir das retomadas como nova determinação territorial. Assim, apresenta-se incialmente breve contextualização etnohistórica e geográfica dos Kaiowá e Guarani frente à constituição da propriedade privada da terra, altamente concentrada, quando da incorporação dessa fração do espaço ao Estado nacional e as determinações que se estabeleceram para os diversos grupos étnicos.

Neste processo, as principais determinações territoriais de capitalistas-latifundiários correspondem à commoditização da agricultura; a apropriação dos territórios indígenas e a supressão da produção alimentar, na lógica de vincular a produção à exportação de grãos e à produção de biocombustíveis, à mercantilização da terra e sua especulação, considerando as formas de obtenção de renda e, efetivamente, sua articulação com a apropriação dos fundos públicos para reprodução do valor. Portanto, não se trata de uma vinculação ao determinismo econômico, mas de compreender as formas históricas de determinação da vida social, que destituem os elementos fundamentais à vida dos povos originários, seu vínculo ao tekoharã, como síntese de resistência e reprodução de unicidade do seres (inorgânicos, orgânicos e sociais) em oposição à fratura metabólica com a natureza (Foster, 2005FOSTER, J. B. Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.) que as relações capitalistas de produção impõem.

Dada a diversidade e complexidade de históricas resistências que envolvem os diferentes grupos/nações indígenas no Brasil, nos limitamos a apontar, particularmente, a luta dos Kaiowá e Guarani, contra os quais se consolidam a grilagem,8 1 Nesse sentido, reafirmamos a centralidade do conceito de grilagem na análise da questão agrária brasileira, considerando tratar-se da forma (como conteúdo e método) mais violenta e absoluta de apropriação fundiária, diante da naturalização e fragmentação de classe que implica a ideia de controle da terra (land grabbing) e estrangeirização de terras. a apropriação privada da terra e seus contraditórios mecanismos de acumulação.

O Mato Grosso do Sul e os povos indígenas

Vivem atualmente no Mato Grosso do Sul 11 grupos étnicos: os Kaiowá e Guarani, estes últimos também conhecidos como Nhandeva (da família linguística Tupi-Guarani, tronco Tupi), os Ofaié, Guató e Bororo (família linguística Ofaié, Guató e Bororo, respectivamente, tronco linguístico Macro-Jê), os Terena e Kinikinau (família linguística Aruak), os Chamacoco (família linguística Zamuco), os Kamba (família linguística românica, tronco linguístico indo-europeu), os Kadiwéu (família linguística Guaikuru) e os Atikun (família linguística românica, tronco linguístico indo-europeu) (Martins; Chamorro, 2018MARTINS, A. M. S.; CHAMORRO, G. Diversidade linguística em Mato Grosso do Sul. In: CHAMORRO, G.; COMBÉS, I. (Org.). Povos indígenas em Mato Grosso do Sul. Dourados-MS: Ed. UFGD, 2018. p. 729-744.). O IBGE (2010IBGE. Censo demográfico. Rio de Janeiro: IBGE , 2010. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9677&t=sobre . Acesso em: 10 dez. 2020.
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) menciona ainda a autodeclaração de pessoas pertencentes a outros grupos étnicos, como os Ayoreo, os Kari Xocó, os Warekena, os Xavante, os Gavião Parkatejê e os Paresi.

Nessa unidade da federação, a realidade desses povos é bastante complexa e diversa, no que tange tanto às diferentes formas de organização social, política, religiosa e cosmológica quanto às formas de resistência. Contudo, a história recente desses grupos sociais tem um marcador comum: trata-se das transformações às quais são submetidos, notadamente por um modo de produção radicalmente oposto a suas formas de existência, sendo que a resistência e a atual forma social hegemônica de relação com a natureza (a forma capitalista) têm levado ao extermínio9 2 Os processos genocidas decorrem de várias mecanismos: assassinato, apagamento cultural e de direitos e expropriação. desses grupos étnicos e, concomitantemente, de seus habitats.

No Mato Grosso do Sul, o subgrupo Kaiowá constitui a maioria da população originária e se concentra mais ao sul do estado (municípios de Rio Brilhante, Dourados, Antônio João até Mundo Novo e Sete Quedas). Os Kaiowá também vivem na região oriental do Paraguai (departamentos de Amambaí, Canindeyú), mas a constituição dos Estados nacionais Brasil e Paraguai e da fronteira que os separa fragmentou o território dos Kaiowá, que no Paraguai são denominados Pãi-Tavyterã (Brand, 1993BRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.). O termo Kaiowá deriva de Ka’agua, aqueles que viviam na mata (Chamorro, 2015CHAMORRO, G. História Kaiowá: das origens aos desafios contemporâneos. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2015.).

A partir de evidências arqueológicas, Bartomeu Melià (1990BARTOMEU MELIÀ, S. J. A terra sem mal dos Guarani: economia e profecia. Revista de Antropologia, n. 33, p. 33-46, 1990. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213.
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) avalia que os Guarani teriam ocupado as melhores terras do sapé da Cordilheira dos Andes e da bacia dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. O autor destaca que, embora não fosse homogênea, essa ocupação seguia um padrão de pluviosidade, proximidade a grandes rios, lagos, formações florestais úmidas, enfim, uma série de características do meio ecológico, evidenciando o estreito vínculo entre modo de ser Guarani e a terra. Destaca ainda que os Guarani entendem a terra como modo de produção de existência, de uma cultura, como lugar onde podem realizar seu modo de ser, concebido como tekoha.

Analisar a organização social Kaiowá, Pereira (1999PEREIRA, L. M. Parentesco e organização social Kaiowá. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999., p. 169, grifo nosso) reforça a ideia de vínculo grupal e da centralidade de relações de parentesco:

O ideal de todo Kaiowá é pertencer a uma parentela suficientemente ampla, para disputar o prestígio e o poder político em boas condições. O pertencimento a uma parentela é pré-condição de existência social, na medida em que estabelece padrões de distinção entre as pessoas e, consequentemente, constitui um componente fundamental de identidade social. Na ausência desta inserção, o indivíduo está impedido de operar dentro do sistema, e fica comprometido seu processo de desenvolvimento como pessoa.

Menciona o autor que cada parentela dispunha de autonomia político-religiosa,10 3 Situação que muda significativamente após o confinamento compulsório nas reservas, como apontam estudos de Brand (1993) e Pereira (2007). atuando como fator de coesão, distinção e (re)existência dos Kaiowá e Guarani, destacando elementos de vivência social: o fogo familiar (na língua guarani, che ypyky kuera), a família extensa (ou Che ñenoñá, Che jehuvi ou Che re’yi, ou, como tem sido mais uso na literatura, o te’yi, (forma não flexionada de re’yi). Segundo Pereira (1999PEREIRA, L. M. Parentesco e organização social Kaiowá. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999., p. 82), o “fogo familiar” pode ser traduzido aproximadamente como “meus descendentes diretos” e “[...] pode reunir pessoas unidas por quatro tipo de relações: consanguinidade, descendência, aliança, e uma relação de pseudo-parentesco, através da instituição da adoção ou criação de uma criança”. Tem, portanto, características muito dinâmicas na sua forma e composição. Chamorro (2018CHAMORRO, G. Povos indígenas falantes no atual estado de Mato Grosso do Sul (séculos XVI-XXI). In: CHAMORRO, G.; COMBÉS, I. (Org.). Povos indígenas em Mato Grosso do Sul. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2018. p. 293-322.) relata que família nuclear é aquela que no interior de uma casa partilha o “fogo comum”. Já a família extensa, ou te’yi:

[...] são unidades de residência que reúnem um número variável de fogos familiares. [...] Atualmente, a disposição dos fogos familiares em casas separadas é, aparentemente, aleatória. Entretanto, a observação mais atenta revela uma série de liames a cimentar um leque variável de relações entre um conjunto de casas, formando uma espécie de aglomerado em torno de um centro político, ocupando uma determinada porção do território de uma área indígena. O agrupamento dos fogos em um espaço contíguo é pautado por laços de consanguinidade e afinidade, e por relações de alianças políticas e religiosas, que mantém certa regularidade no tempo. O centro político - não necessariamente geográfico - do nucleamento compreendido pelos fogos que compõem um te’yi é a residência do cabeça de parentela - hi’u, e o território é identificado à figura de seu controlador (Pereira, 1999PEREIRA, L. M. Parentesco e organização social Kaiowá. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999., p. 85-86).

Como norteadora dessa estrutura organizacional, uma importante categoria destacada por Brand (1993BRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.) é o ñande reko (nosso modo de ser). Esse modo de ser é regido pelo princípio do teko katu, “o autêntico e verdadeiro modo de ser Pãi”, e está ligado ao ideal de comportamento, atitudes, leis e normas, ou seja a consolidação de uma ética social, e não de uma moral, como preceituam os karai (os não indígenas). O teko katu se realiza pelo teko marangatu, relativo a virtudes ligadas à religiosidade, e pelo teko porã, a virtudes sociais e comportamentos individuais importantes na relação com a coletividade, em que a reciprocidade é uma virtude valorizada.

A efetivação do teko se dá no tekoha: “onde se fundem terra, território, subsistência, relações sociais e festas religiosas”, produzindo uma inter-relação de dimensões existenciais. (Brand, 1993BRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993., p. 95). É importante demarcar que, para esse antropólogo, a leitura de território se apresenta como um dado cultural de “cercamento” de área de convivência, enquanto para nós, geógrafos, ele (tekoha - território) é um constructo que se materializa como totalidade dos elementos que o autor expõe: terra, subsistência, relações sociais e festas religiosas.

É como explica Bartomeu Melià (1990BARTOMEU MELIÀ, S. J. A terra sem mal dos Guarani: economia e profecia. Revista de Antropologia, n. 33, p. 33-46, 1990. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213.
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, p. 36):

Teko é, segundo o significado que lhe dá Montoya em seu Tesoro de la lengua guarani (1639, f. 363s), “modo de ser, modo de estar, sistema, lei, cultura, norma, comportamento, hábito, condição, costume...”. Pois bem, o tekoha é o lugar onde se dão as condições de possibilidade do modo de ser guarani. A terra concebida como tekoha é, antes de tudo, um espaço sócio-político. “O tekoha significa e produz ao mesmo tempo, relações econômicas, relações sociais e organização político-religiosa essenciais para a vida guarani... Ainda que pareça um paralogismo, temos que admitir, juntamente com os dirigentes guarani, que sem tekoha não há teko”. [...] É “o lugar onde vivemos segundo nossos costumes”.

Essa compreensão é compartilhada por Pereira (1999PEREIRA, L. M. Parentesco e organização social Kaiowá. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.), que enfatiza que no tekoha a dimensão político-religiosa é mais relevante, sendo flexível e dinâmico quanto ao número e à forma de articulação das parentelas. O principal articulador da coesão dessa natureza é o líder religioso, de reconhecida sabedoria e prestígio. Trata-se da capacidade de um cabeça de parentela (hi’u) estabelecer alianças e manter a coesão do grupo, que possibilita sua influência em diversas parentelas, “[...] constituindo um dos fundamentos básicos de estruturação dos tekoha, como unidades políticas de caráter ampliado” (Pereira, 1999, p. 97).

Nos enfrentamentos com agentes externos se manifestam a coesão e a solidariedade entre os te’yi. Redes de relações, alianças construídas entre parentelas. Uma vez cessado o conflito, retomam sua rotina, e os conflitos internos que ressurgem são resolvidos com a fragmentação e o deslocamento de um grupo (Pereira, 1999PEREIRA, L. M. Parentesco e organização social Kaiowá. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.).

Os contatos de não indígenas com a população originária no atual Mato Grosso do Sul se iniciaram com as expedições coloniais e suas diferentes estratégias de apropriação espacial. Diante dos limites do trabalho, destacamos que os principais fatos históricos, de maior impacto na organização social dos Kaiowá e Guarani, foram a guerra com o Paraguai (1864-1870) e a posterior exploração do trabalho desses povos nos ervais pela Companhia Mate Laranjeira, a imposição das oito reservas pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) entre 1915 e 1928 e seu confinamento nesses espaços, a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (Cand) em 1943 em pleno território Kaiowá e a apropriação de territórios tradicionais por empresas privadas de colonização na década de 1950 (Brand, 1993BRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.).

No final dos anos 1970, outro processo afetou a vida dos povos originários, com a territorialização da agricultura capitalista mecanizada da cultura da soja consorciada com o trigo. Trata-se da expansão da fronteira agrícola que atinge o atual Mato Grosso do Sul, impulsionada pela migração de “sulistas” (gaúchos)11 4 O termo sulista designa todos os migrantes originários de São Paulo ao Rio Grande do Sul, e gaúcho, os oriundos do Paraná ao Rio Grande do Sul. que impuseram esse modelo produtivo (Silva, 1992SILVA, M. C. T. Expansão do complexo agroindustrial e o processo de mudança no espaço de Dourados-MS. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.). Muitos grupos familiares Guarani e Kaiowá continuaram vivendo nas “matas de fundo” das fazendas, constituindo-se refúgios, mas que com a expansão dos projetos agropecuários os Guarani e Kaiowá foram sendo expropriados. Esse processo de perda de seus territórios foi denominado pelos indígenas sarambi, que foi traduzido para o português como “esparramo”, considerando a desarticulação e desestruturação socioespacial dos mesmos (Brand; Ferreira; Azambuja, 2008BRAND, A. J.; FERREIRA, E. M. L.; AZAMBUJA, F. Os Kaiowá e Guarani e os processos de ocupação de seu território em Mato Grosso do Sul. In: ALMEIDA, R. A. A questão agrária em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: UFMS, 2008. p. 27-51.; Pereira, 2010PEREIRA, L. M. Demarcação de terras Kaiowá e Guarani em MS: ocupação tradicional, reordenamentos organizacionais e gestão territorial. Tellus, Campo Grande, v. 10, n. 18, p. 115-137, 2010.).

A partir dos anos 2000, verifica-se um novo processo territorial, com a expansão do setor sucroenergético impactando os povos originários, num contexto nacional e internacional de demandas energéticas decorrentes da alta do preço do petróleo e do apelo por produtos com menor emissão de CO2.12 5 É importante sublinhar essa características do álcool combustível, tendo em vista que o setor procura caracterizar sua produção como energia renovável, energia limpa, biocombustível, que são em verdade representações que obscurecem seus necrorresultados, ou suas externalidades negativas, como preferem os economistas clássicos. Esse “novo movimento” se estabelece com notória participação do Estado, como atestam os trabalhos de Silva (1992SILVA, M. C. T. Expansão do complexo agroindustrial e o processo de mudança no espaço de Dourados-MS. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.), Backes (2009BACKES, T. R. O capital agroindustrial canavieiro no Mato Grosso do Sul e a internacionalização da produção. Dissertação (mestrado em Geografia), Faculdade de Ciências Humanas. Dourados-MS:UFGD, 2009. Disponível em: http://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/2001. Acesso em: 10 dez. 2020.
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), Domingues (2010DOMINGUES, A. T. A territorialização do grupo agroindustrial canavieiro Louis Dreyfus no Mato Grosso do Sul. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2010.) e Borges e Souza (2019BORGES, A. C. G.; SOUZA, J. G. Território financeirizado: as determinações territoriais dos desembolsos do BNDES ao setor sucroenergético no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - Brasil. Confins, n. 39, p. 17223-17263, 2019. doi: https://doi.org/10.4000/confins.17223.
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).

A consolidação desse modelo possibilitou a expansão e o desenvolvimento do capital industrial e financeiro nos campos sul-mato-grossenses, baseados no monocultivo, e no uso intensivo de tecnologias e insumos de origem industrial, transformando e/ou desterritorializando antigas relações e agravando sobremaneira as condições de existência dos povos originários.

Terras e financeirização: a lógica de apropriação do valor e o fundo público

A lógica da produção do agronegócio, embora seja “traduzida” como produção de alimentos e de modernização, configura-se em um mecanismo de produção e de reprodução-consumo de mercadorias, tendo como finalidade precípua a realização do valor.

As águas, o ar, a natureza biológica, sementes, gens humanos, etc. eram elementos naturais ou sociais sobre os quais não incidia propriedade e que vêm sendo arrancados da totalidade dos seres humanos e convertidos em propriedade. O que vem ocorrendo não é apenas “converter” em mercadoria algo que não o era, mas um efetivo processo social de expropriação. Não se trata apenas de converter coisas em mercadorias, mas de assegurar a permanência e expansão das relações sociais que nutrem o capitalismo (Fontes, 2008FONTES, V. Capitalismo, imperialismo, movimentos sociais e lutas de classes. Em Pauta, Rio de Janeiro, v. 21, p. 23-36, 2008., p. 28).

Esse sentido de expropriação atravessa a vida das comunidades originárias na apropriação de suas terras para a intensiva produção de commodities. O fundamento é a terra em sua dimensão potencial de geração de valor futuro na exploração do trabalho e na extração de renda da terra (Monerato, 2018MONERATO, L. R. Terra fictícia: capital financeiro e especulação no campo. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade de Brasília, Brasília, 2018.). A materialidade desse processo resulta na formação do valor da produção amparada por uma processualidade histórica de expropriação e violência.

Para análise das dinâmicas de espoliação e violência produzidas pela expansão territorial e realização do valor, são apresentados os dados de área e valor da produção, crédito rural e preço de terras.

O Gráfico 1 apresenta a área plantada das principais lavouras temporárias no MS em 2005 e 2016, quando se expande a cultura da cana-de-açúcar. Evidenciam-se uma radical diferença entre a dinâmica das três commodities frente às demais culturas e um crescimento exponencial da área plantada da cana-de-açúcar (381,2%) e do milho (197,9%), seguidos da soja (20,1%). Por outro lado, com exceção da aveia (14,8%) e da mandioca (5,2%), que tiveram aumento irrisório da área plantada, as demais sofreram reduções maiores: arroz (-72,7%), feijão (-25,6%), sorgo (-87,2%), trigo (78,4%), algodão (-53,6%) e girassol (-75,8%).

Gráfico 1 -
Mato Grosso do Sul - Área plantada (ha) das principais lavouras temporárias - 2005-2016)

Assim, os dados refletem as características relevantes da forma hegemônica de uso e apropriação do espaço, dilatando o caráter mercantil da terra como propriedade privada, e que de forma mais grave se expande sobretudo nos municípios da porção meridional do estado (Tabela 1), a mesma espacialidade de vida dos povos originários, acentuando a situação de conflito territorial e violência.

A Tabela 1 mostra o comportamento da produção do valor nas atividades agrícolas (culturas permanentes e temporárias) e pecuárias (produção animal) nos municípios em que ocorrem as ações de retomada dos Kaiowá e Guarani. Observa-se o crescimento anual da produção do valor entre 2000 e 2017, quando são identificadas, sobretudo a partir de 2004, as lutas dos Guarani pelo reconhecimento de seus direitos territoriais. No período em análise, a variação média de crescimento do valor da produção nesses municípios é de 413%.

Tabela 1
Valor total da produção (R$) dos municípios selecionados - Mato Grosso do Sul - 2000-2017

Analisando a variação absoluta (2000-2017), os municípios que apresentam maior crescimento são Paranhos, com 989%, e Antônio João, com 592%. Bela Vista apresenta trajetória negativa (-24%), mas se trata de uma área mais vinculada à pecuária de corte extensiva.

Importa destacar que a terra representa não apenas reserva de valor, expectativa de produção do valor, mas, sobretudo um mecanismo de acesso aos fundos públicos e, nesse sentido, o Sistema Nacional de Crédito Rural tem um papel fundamental na lógica de produção e amplificação da expectativa de ganhos futuros e com reflexo no preço das terras, sua demanda e ampliação dos conflitos.

Na Tabela 2, se verifica a liberação de crédito agrícola. Destaque-se que se trata da apropriação dos fundos públicos num volume inigualável nos últimos 25 anos, o que ratifica as críticas de Souza (2009SOUZA, J. G. A geografia agrária e seus elementos de crítica sobre os avanços do capital monopolista no campo brasileiro. Canadian Journal of Latin American and Caribbean Studies, v. 34, n. 68, p. 147-176, 2009. doi: https://doi.org/10.1080/08263663.2009.10816978.
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) à subordinação dos governos trabalhistas aos interesses do agronegócio.

Tabela 2
Valores liberados pelo crédito rural (R$) para os municípios selecionados - Mato Grosso do Sul - 2000-2018

organização: Os autores, 2019.

Nos municípios analisados, a variação absoluta média de crescimento dos créditos é superior a 1.000% entre 2000 e 2018. As maiores variações positivas foram nos municípios de Antônio João (3.742%) e Coronel Sapucaia (2.202%). A única inflexão negativa apresentada é em Japorã, que atingiu uma variação absoluta da ordem de -24%, oscilação negativa que não pode ser considerada, dado o comportamento das liberações nos anos intermediários.

A Tabela 3 apresenta as proporções dos financiamentos em relação ao valor da produção, mostrando que tanto os fundos públicos, resgatando o conceito de antivalor (Oliveira, 1988OLIVEIRA, F. O surgimento do antivalor. Novos Estudos Cebrap, n. 22, p. 8-28, 1988.), como os valores sociais (tributos), que se colocam como contrapartida do Estado na realização do capital em suas diversas esferas de realização (desde a manutenção da força de trabalho à alavancagem da produção e circulação de mercadorias), são fundamentais para a produção da região, o que põe em xeque a eficiência produtiva e a lógica de “riqueza” que propala o agronegócio, se considerarmos os efeitos negativos de sua produção.

Tabela 3
Porcentagem do crédito rural em relação ao valor da produção nos municípios selecionados - Mato Grosso do Sul - 2000-2018

Cabe assinalar que a proporção de créditos ao setor do agronegócio em relação ao valor da produção apresenta uma trajetória de crescimento significativa diante do início do período analisado, uma vez que a proporção média anual está na casa dos 60% nos nove municípios que compõem a área de estudo. Ainda que alguns dados precisem ser pontuados quanto à significativa paridade entre crédito e valor da produção, considerando as modalidades creditícias (investimento, custeio e comercialização) é fundamental ter em conta a elevada proporção que atingem frente ao valor total da produção. Há uma oferta substantiva de crédito, o que denota a necessidade de análise de eficiência e custo de oportunidade do capital do agronegócio em comparação aos efeitos e à equidade que se observariam nos investimentos na produção camponesa e na reforma agrária.

É imperativo considerar que os volumes não se vinculam unicamente ao custeio, que corresponde a sua inversão num único ciclo/safra/ano produtivo. O fato é que, se os valores apresentassem tais percentuais de proporcionalidade (próximos de 100%), seria muito evidente a ineficiência do setor, sobretudo a ineficiência do custo de oportunidade do capital. Mas isso descarta a necessidade de uma análise mais detalhada da relação custo/benefício, principalmente nas proporções superiores a 30%, considerando os níveis de competitividade, bem como o comportamento do preço das commodities agrícolas no mercado internacional, que beneficia o setor a partir de uma grave desvalorização cambial. Todos esses fatores suscitam um questionamento sobre a eficiência do agronegócio brasileiro, que está claramente lastreado por crédito público.

Outra evidência que atesta esse processo é o preço da terra (Tabela 4), que ultrapassa, em média, o patamar dos 150%.

Tabela 4
Preço da terra e variação (R$) entre 2000 e 2015 nos municípios selecionados - Mato Grosso do Sul

A terra representa mais do que a expectativa de ganhos futuros com sua inserção no processo de produção e de sua especulação ao longo do tempo como reserva de valor, a terra define o acesso aos fundos públicos, o que para o setor do agronegócio reúne uma particularidade muito distinta na sua relação com o Estado: o perfil de inadimplência e não por acaso os setores conservadores buscam acordos para perdão de dívidas (Souza; Mizusaki, 2018SOUZA, J. G.; MIZUSAKI, M. Y. A “(re)conquista” do Estado: antipolítica, agronegócio e genocídio no Brasil. Okara, João Pessoa: UFPB, v. 12, n. 2, p. 507-532, 2018. doi: https://doi.org/10.22478/ufpb.1982-3878.2018v12n2.41328.
https://doi.org/10.22478/ufpb.1982-3878....
; Ruralistas podem..., 2019RURALISTAS PODEM obter anistia de dívida de R$ 17 bilhões. O Estado de S.Paulo, 18 jun. 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/economia/ruralistas-podem-obter-anistia-de-divida-de-r-17-bilhoes . Acesso em: 18 ago. 2019.
https://exame.abril.com.br/economia/rura...
).

Os dados sobre a estrutura fundiária do estado estão no Gráfico 2, onde se evidencia a extrema concentração da terra: 69,7% dos estabelecimentos ocupam apenas 3,3% da área e 30,3% dos estabelecimentos ocupam 96,7% da área. Os dados também mostram claramente que, por trás desses números, existem relações sociais desiguais expressas em diferentes formas de apropriação do espaço no curso do processo histórico, que despojou a maioria do campesinato, dos povos indígenas e quilombolas do acesso à terra. Indicam ainda que a pequena e a grande propriedade têm conteúdos históricos diferentes e, portanto, não devem ser analisados da mesma perspectiva categorial, como se fossem todos simplesmente produtores rurais.

Gráfico 2 -
Número de estabelecimentos por grupo de áreas (%) - Mato Grosso do Sul - 2017

Portanto, dado esse conjunto de determinações hegemônicas, os povos originários se contrapõem a essa forma de apropriação da terra e destruição da natureza a partir da retomada de seus territórios.

Retomadas (tekoharã) como resistência ao genocídio

A partir dos anos 1980, com o avanço da agricultura capitalista no sul do estado e a expulsão de muitas famílias originárias que viviam nos chamados fundos de pasto, os Guarani e Kaiowá iniciam o movimento de recuperação de seus territórios. Pereira (2010PEREIRA, L. M. Demarcação de terras Kaiowá e Guarani em MS: ocupação tradicional, reordenamentos organizacionais e gestão territorial. Tellus, Campo Grande, v. 10, n. 18, p. 115-137, 2010.) destaca o esforço e o desafio das lideranças para reagrupar suas comunidades e parte de suas terras tradicionais, uma vez que a perda do território significou fragmentação em vários níveis de sua organização social como o de parentesco, o religioso, a produção material das condições de vida, as festas e tudo o que conforma suas relações comunitárias. Destaca o autor que sarambi não significa apenas dispersão, esparramo, mas também falta de sentido e orientação, o que denota o vínculo territorial que as ações do agronegócio procuram cindir.

O movimento de recuperação do território dos Guarani e Kaiowá tem sido as ocupações/retomadas, entendidas como determinação de resistência, na qual estão imbricadas a luta pela vida e pela terra e, nesse sentido, um processo constitutivo de territórios identitários.

As famílias normalmente ocupam áreas onde vivam seus tekoha tradicionais ou próximos a elas, em beiras de rodovias. Pereira (2012PEREIRA, L. M. Expropriação dos territórios Kaiowá e Guarani: implicações nos processos de reprodução social e sentidos atribuídos às ações para reaver territórios - tekoharã. Revista de Antropologia da UFSCar, v. 4, n. 2, p. 124-133, 2012. Disponível em: http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/vol4no2_07.LEVI_.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uplo...
), Chamorro (2015CHAMORRO, G. História Kaiowá: das origens aos desafios contemporâneos. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2015.) e Crespe (2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015.) esclarecem que os acampamentos de retomada têm sido entendidos por lideranças indígenas como tekoharã, que é o futuro tekoha, e têm o objetivo de “[...] desconstruir o termo ‘acampamento’, vinculado a lazer entre não indígenas urbanos e a ‘terra em litígio’, onde não pode ser distribuída a cesta básica do Estado nem serem construídos postos de saúde ou escolas” (Chamorro, 2015, p. 219-220).13 6 Neste trabalho, adotamos o termo acampamento, muito comum e conhecido no meio acadêmico e em instituições não governamentais, mas com a identificação da língua nativa entre parênteses, proposta pelas lideranças indígenas, de tekoharã.

A primeira vez que se designaram as retomadas como tekoharã, explica Crespe (2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015.), foi no I Encontro de Acampamentos Indígenas, em novembro de 2011, estabelecido diante da necessidade de encontrar formas de resistência aos conflitos vivenciados.

O tekoharã para nós é uma vida. É onde nós nascemos, os nossos antepassados estão lá. Nós fomos expulsos de lá e estamos retornando para lá para ser tekoha de novo. O tekoharã só existe agora porque ele já foi tekoha. O tekoharã é para mostrar para a sociedade que aquela “ilha” agora é o tekoharã, por que existem dois momentos, o de tekoha e de tekoharã. Por exemplo, para nós indígenas, na nossa cosmologia é tekoha, só que para a maioria dos não índios e para os políticos não é tekoha. Para não criar mais confusão sobre isso nós começamos a falar do tekoharã, por que é futuro. Mas na nossa cosmologia, quando a gente retorna lá nós vamos permanecer aí não vai ser mais futuro como é agora. Nós estamos pedindo “nós vamos entrar, nós vamos entrar” então chama “nós vamos entrar no tekoharã”, onde é o nosso tekoha, que a gente tem nossa pertença. O tekoharã pode ser também só um pedaço da terra, mas que a gente ainda tem um pedaço maior que era tekoha e que a gente quer entrar também, como é o caso de Passo Piraju. Lá eles estão em um pedacinho da terra, mas o tekoha é muito também de tekoharã (Otoniel Ricardo, 201414 7 Entrevista concedida na Aty Kunhã (reunião organizada por mulheres), realizada na Terra Indígena Sucuruy, em 27 de junho de 2014. apud Crespe, 2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015., p. 164). Crespe (2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015., p. 163-164) explica o tekoharã: Na palavra tekoharã o sufixo é um indicativo para o futuro. Tekoharã é o tekoha que precisa ser novamente, é para os Kaiowá e Guarani o tekoha das quais eles foram expulsos e que deve renascer a partir da demarcação das terras indígenas. Tekoharã é o tekoha que deve ser no futuro, mas só pode ser no futuro por que já existiu no passado, assim como existe no presente através da memória das pessoas mais velhas.

O depoimento de Otoniel e a análise de Crespe (2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015.) demonstram a enorme capacidade de ressignificação, resistência e reconstrução das lutas indígenas em movimento e o movimento de construção de significados e sentidos de luta. Ao mesmo tempo em que procura desconstruir a perspectiva não indígena da ideia de acampamento, áreas de conflito, ou mesmo do uso de uma palavra em português como “retomada”, a criação da categoria tekoharã pelas lideranças marca a clareza do lugar de onde falam e como falam, pois:

Anteriormente a noção de tekoharã outros termos eram utilizados para se referirem às áreas reocupadas pelos índios a partir da década de 1980, estando a maior parte delas em processo litigioso. Acampamento, área de retomada e área de conflito eram termos utilizados pelos indígenas e pelas instituições em diálogo com os índios. [...] O problema, como apontou Otoniel, é que estes termos não deixa claro que se trata de terra indígena e eles desejam que os brancos saibam disso, isto é, que são terras indígenas. O uso do termo tekoharã indica, por sua vez, indica que se tratam de terras indígenas as terras que eles reivindicam e que elas devem tornar a ser tekoha novamente (Crespe, 2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015., p. 164).

A dimensão espacial e territorial das resistências tem se expressado de várias formas, que podemos distinguir a partir de suas diferentes configurações. Pereira (2007PEREIRA, L. M. Mobilidade e processos de territorialização entre os Kaiowá atuais. História em Reflexão, v. 1, n. 1, 2007.) faz várias distinções ao analisar algumas modalidades de assentamento dos Kaiowá no Mato Grosso do Sul: as reservas, denominadas “áreas de acomodação”, os “índios de fazenda”, os “índios de corredor”, os “indígenas dos acampamentos” e os que “vivem nas periferias de cidades”.

Os povos originários das reservas são aqueles que vivem nas terras reconhecidas pelo Estado para seu usufruto. Nelas, os indígenas passaram por processos de reorganização social decorrentes do confinamento compulsório e da introdução de outros personagens políticos, como o chefe do Posto Indígena e a figura do capitão. Os “índios de fazenda” são remanescentes dos fundos das fazendas que se formaram em torno de seus antigos tekoha. Os “índios de corredor” são os que vivem às margens da rodovia, próximos a seus antigos tekoha ou a atuais “assentamentos” (Pereira, 2007PEREIRA, L. M. Mobilidade e processos de territorialização entre os Kaiowá atuais. História em Reflexão, v. 1, n. 1, 2007., p. 23). Os indígenas que vivem nas periferias das cidades são aqueles que “[...] não se adaptaram às condições de vida nas reservas demarcadas e insistiram em permanecer nas proximidades das terras que historicamente ocupavam, trabalhando como mão-de-obra volante nas propriedades agrícolas que se instalaram na região” (Pereira, 2007, p. 15-16). A situação fundiária dessas retomadas é bastante diversa; há terras que foram homologadas, regularizadas, interditadas, declaradas, delimitadas e em estudo, conforme nosso levantamento de processos na Funai.

Embora possamos identificar formas de resistência nessas diferentes modalidades, nosso enfoque são as lutas e a resistência dos Guarani e dos Kaiowá nas retomadas e no corredor, ou o tekoharã, futuro tekoha, como dizem Pereira (2012PEREIRA, L. M. Expropriação dos territórios Kaiowá e Guarani: implicações nos processos de reprodução social e sentidos atribuídos às ações para reaver territórios - tekoharã. Revista de Antropologia da UFSCar, v. 4, n. 2, p. 124-133, 2012. Disponível em: http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/vol4no2_07.LEVI_.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uplo...
), Chamorro (2015CHAMORRO, G. História Kaiowá: das origens aos desafios contemporâneos. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2015.) e Crespe (2015CRESPE, A. C. L. Mobilidade e temporalidade Kaiowá: do tekoha à reserva, do tekoharã ao tekoha. Tese (Doutorado em História Indígena) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2015.). No Gráfico 3, dados sobre ocupações/retomadas e acampamentos (tekoharã) de povos originários e sem-terra no Mato Grosso do Sul.

Gráfico 3 -
Ocupações/retomadas e acampamentos (tekoharã) - Mato Grosso do Sul - 2001-2018

No período analisado, verifica-se, que a partir de 2004, o processo de retomada de terras tradicionais é praticamente contínuo (exceto no ano de 2006), tendo a maior parte ocorrido entre 2012 e 2016. O “movimento dos povos originários” indica aparentemente um sentido oposto ao movimento dos sem-terra, pois, no período em que reduzem as ocupações dos sem-terra, aumentam as retomadas. Podemos considerar que as condições econômicas favoráveis ao país no período do neodesenvolvimentismo dos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016), com políticas sociais favoráveis à produção campesina, concorreram para reduzir os movimentos de luta dos sem-terra. Contudo, essa mesma política desenvolvimentista intensificou o processo de apropriação das terras tradicionais que estão nas faixas planas e férteis do sul do estado. Acrescente-se a isso o processo de demarcação das terras, que nos governos trabalhistas se caracterizava pela morosidade e omissão (Cordeiro, 2021CORDEIRO, I. M. A razoável duração do processo e a demarcação das terras indígenas: uma análise do acesso à justiça à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2021.).

Como destaca o relatório Violência contra os povos indígenas (Cimi, [2019?]CIMI. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2019. Relatório. [S.l.]: Cimi, [2019?]. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
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), a partir de 2017, aumentam os processos judiciais contrários às demarcações de terras e o uso da tese do Marco Temporal da Constituição de 1988, que teve como origem uma petição no julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Ainda segundo esse relatório, havia em 2017 no Mato Grosso do Sul 102 terras indígenas com alguma pendência administrativa, sendo 10 a identificar, seis identificadas, nove declaradas, três homologadas e 74 sem providências, mostrando a omissão do Estado frente às reivindicações dos povos originários. Destaca-se que se trata de áreas de ocupação e de reivindicação, sendo que parte já conta com estudos antropológicos que confirmam a ancestralidade ocupacional, como o caso da Terra Indígena Guyraroka, declarada TI pelo Ministro da Justiça pela Portaria n. 3.219, de 7 de outubro de 2009, mas, até pelo menos 2019, o processo está parado.

As ocupações e retomadas (tekoharã) têm sido acompanhadas por conflitos e violência, transformando, especialmente o sul do estado, num campo de guerra e genocídio dos povos originários. Nas Tabelas 5 e 6, verificam-se os conflitos por terra registrados no Mato Grosso do Sul em 2013, quando se registram os maiores números, e, a título de comparação, em 2018, dado mais recente disponível.

Os dados revelam que em 2013, os conflitos por terra envolveram exclusivamente povos originários, totalizando 61 conflitos, de um total de 30 ocupações envolvendo povos indígenas e uma envolvendo o movimento de sem-terra (Gráfico 2).

Tabela 5 -
Conflitos por terra - Mato Grosso do Sul - 2013
Tabela 6 -
Conflitos por terra - Mato Grosso do Sul - 2018

Os conflitos estão por quase todo o sul e sudoeste do estado, sendo os mais frequentes em Caarapó, Douradina/Itaporã, Dourados, Iguatemi, Japorã, Juti, Miranda e Sidrolândia, o que não exclui a gravidade ou a violência dos conflitos em outras áreas. Em 2018, 23 conflitos envolveram povos indígenas e três, o movimento sem-terra. Nesse mesmo ano, houve sete ocupações de sem-terra e duas indígenas. Os municípios de Dourados, Caarapó, Japorã e Miranda continuam figurando entre os maiores índices de conflitos. Os dados nos evidenciam, ainda, que a violência praticada contra os movimentos de luta por terra/território tem sido bem maior contra os povos originários. Há que destacar que esses dados se referem apenas aos anos de 2013 e 2018, mas têm havido conflitos em outros municípios também.

As considerações acerca desses processos de retomada (tekoharã) ganham importância significativa, não apenas porque denotam a centralidade do conflito na área de estudo, mas também o número de pessoas e principalmente de crianças que estão expostas à ação violenta do agronegócio. Em 2018, os conflitos envolveram 2.075 famílias (Cimi, [2019?]CIMI. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2019. Relatório. [S.l.]: Cimi, [2019?]. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2...
).

A dramaticidade se agrava com outras formas de violência que são praticadas contra os povos originários, evidenciando o quadro de genocídio. Em 2017, houve 17 assassinatos, sete tentativas de assassinato, cinco ameaças de morte, três homicídios culposos e 31 suicídios (Cimi, [2018?]CIMI. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2018. Relatório. [S.l.]: Cimi, [2018?]. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2...
). Embora nem todos esses crimes estejam diretamente ligados a conflitos por terra, pois envolvem também conflitos familiares e brigas por consumo de bebidas alcóolicas, não se pode desconsiderar que a desagregação do ambiente familiar e a dificuldade e/ou impossibilidade de praticarem seu modo de vida concorrem para a falta de perspectivas e para o próprio consumo de álcool. No Gráfico 4, dados sobre assassinatos de indígenas entre 2003 e 2017.

Gráfico 4 -
Assassinatos de povos originários - Brasil e Mato Grosso do Sul - 2003-2017

É possível verificar que em todo o período considerado é contínuo e significativo o número de assassinatos de indígenas, sendo que os casos ocorridos no estado em 2005 e de 2007 a 2013 superaram a soma dos demais estados brasileiros, colocando o Mato Grosso do Sul como o de maior violência contra os povos originários, violência essa que continua nos anos seguintes, e com um aumento assustador em outros estados, particularmente do norte do país.

Em pesquisa de campo, identificamos alguns desses casos de violência contra povos originários. Trata-se de um caso envolvendo conflito entre indígenas e o setor sucroalcooleiro, o tekoha Apyka’i, liderado pela cacique Damiana Cavanha. Damiana e sua família estão hoje nas proximidades da BR-463, no município de Dourados, desde seu último despejo, em 6 de julho de 2016. Ocupavam uma área que denominam tekoha, nas proximidades de uma mata no interior de uma propriedade que está arrendada para a plantação de cana-de-açúcar pela usina São Fernando, de José Carlos Bumlai. Damiana e a família viveram anos ali sob tensão (ameaças, violência, mortes, despejos, atropelamento), o acarretou a morte de seis de seus membros.

Na Foto 1, registramos um desses momentos de tensão, quando o fogo que queimava a cana-de-açúcar se alastrava, aproximando-se dos barracos de lona onde viviam. Na ocasião, Damiana e a família estavam em desespero, momento em que conseguimos que o corpo de bombeiros fosse conter o fogo.

Na Foto 2, veem-se familiares que já morreram. O último despejo aconteceu sob chuva, tendo a Polícia Federal desalojado nove pessoas, entre elas quatro crianças de idade entre 2 e 11 anos. Seus barracos foram destruídos e seus pertences deixados na beira da estrada, do outro lado da BR-463, onde vivem atualmente (Batarce; Mizusaki, 2017BATARCE, A. P. C.; MIZUSAKI, M. Y. Processos de des-re-territorialização: o acampamento Apika’y em Dourados-MS, Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 8., 1-5 nov. 2017, Curitiba. Anais. Curitiba: UFPR, 2017. Disponível em: https://singa2017.files.wordpress.com/2017/12/gt03_1505488213_arquivo_mizusakiebatarce-singa-20171.pdf . Acesso em: 10 dez. 2020.
https://singa2017.files.wordpress.com/20...
). Desde então, uma parte da família migrou para outro lugar, resistindo ainda no local três pessoas, inclusive Damiana.

Foto 1 -
Município de Dourados-MS - Tekoha Apyka’i

Nesse processo de apropriação de seus territórios tradicionais, as condições sub-humanas dos povos originários vêm se agravando com o crescimento populacional no interior das reservas e o aumento de relações e agentes externos a seu modo de vida, comprometendo sua reprodução física e cultural, interferindo em sua organização política, nas relações de parentesco, nos eventos festivos e rituais religiosos, na caça, na pesca, na agricultura, enfim, nas relações que formam e dão sentido a seu modo de vida. Conformando um exército de reserva no interior desses espaços, que Brand (1993BRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.) chamou de confinamento, a superexploração do trabalho indígena tem sido frequente, como os casos de trabalho análogo ao da escravidão em usinas de açúcar e álcool.

Foto 2 -
Acampamento Apyka’i, na beira da BR-463

Aliado ao comprometimento de seu modo de vida dentro das reservas, muitas famílias que haviam permanecido em matas no interior das fazendas foram sendo expulsas com a expansão da agricultura, e a única forma de existência é a luta por um novo tekoha.

Considerações finais

A subordinação das atividades produtivas ao capital industrial e financeiro, que progressivamente foi sendo controlado por grandes corporações transnacionais, estabeleceu uma nova correlação de forças que tem conseguido, no Brasil, caminhar em aliança com os setores oligárquicos. A classe dos proprietários de terra, que foram tendo sua renda drenada pelo capital, tem criado novos mecanismos compensatórios. Assim, o processo de produção e reprodução-consumo de mercadorias e que tem a mediação do processo de produção do valor desconsidera totalmente a vida humana, realizando-se sob o marco da violência no processo de uso e apropriação dos elementos naturais e sociais, literalmente arrancados de outros seres humanos; no caso, dos povos originários.

Para a geração de commodities, a propriedade privada da terra é um elemento fundante, não só pelo potencial de gerar valor futuro, explorar o trabalho e extrair a renda da terra, mas também pelo antivalor gerado na apropriação do fundo público, cujo crédito destinado aos municípios analisados foi muito superior ao valor da produção. Somem-se a esses condicionantes os processos de inadimplência e perdão das dívidas, como expressão política e econômica da força dessa classe.

Os dados analisados refletem também o agravamento dos conflitos territoriais entre indígenas e proprietários de terras, revelando a perversidade dessa desigual correlação de forças. Independentemente de partido ou governante que tenha chegado ao poder, a omissão histórica do Estado tem revelado a continuidade do poder da classe dos proprietários de terra, que se agrava no atual governo, declaradamente contrário aos direitos dos povos indígenas e quilombolas e à defesa do armamento dos setores ruralistas. No processo de financeirização do território, não há lugar no Mato Grosso do Sul para outras formas de existir, ou melhor, não se reservou lugar para o modo de ser Guarani. Há mais de 500 anos, os povos originários seguem resistindo. Na histórica omissão do Estado, o posicionamento do atual governo, de incentivo ao armamento no campo, tem agravado ainda mais os conflitos, escancarado a face mais perversa da lógica de financeirização do território. O presente e o futuro são sombrios no Brasil.

References

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  • 1
    Nesse sentido, reafirmamos a centralidade do conceito de grilagem na análise da questão agrária brasileira, considerando tratar-se da forma (como conteúdo e método) mais violenta e absoluta de apropriação fundiária, diante da naturalização e fragmentação de classe que implica a ideia de controle da terra (land grabbing) e estrangeirização de terras.
  • 2
    Os processos genocidas decorrem de várias mecanismos: assassinato, apagamento cultural e de direitos e expropriação.
  • 3
    Situação que muda significativamente após o confinamento compulsório nas reservas, como apontam estudos de Brand (1993) e Pereira (2007).
  • 4
    O termo sulista designa todos os migrantes originários de São Paulo ao Rio Grande do Sul, e gaúcho, os oriundos do Paraná ao Rio Grande do Sul.
  • 5
    É importante sublinhar essa características do álcool combustível, tendo em vista que o setor procura caracterizar sua produção como energia renovável, energia limpa, biocombustível, que são em verdade representações que obscurecem seus necrorresultados, ou suas externalidades negativas, como preferem os economistas clássicos.
  • 6
    Neste trabalho, adotamos o termo acampamento, muito comum e conhecido no meio acadêmico e em instituições não governamentais, mas com a identificação da língua nativa entre parênteses, proposta pelas lideranças indígenas, de tekoharã.
  • 7
    Entrevista concedida na Aty Kunhã (reunião organizada por mulheres), realizada na Terra Indígena Sucuruy, em 27 de junho de 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2020
  • Aceito
    30 Nov 2021
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