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Memória e corpo de uma infância resistente: uma análise de Kamchatka, O ano em que meus pais saíram de férias e Infância clandestina

Memory and body of a resistant childhood: an analysis of Kamchatka, The Year My Parents Went on Vacation and Infância clandestina

Resumo

Com base na análise dos filmes O ano em que meus pais saíram de férias (2006)O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburger. Brasil, [s.n.], 2006., de Cao Hamburger; Kamchatka (2002)KAMCHATKA. Direção: Marcelo Piñeyro. Argentina, [s.n.], 2002., de Marcelo Piñeyro; e Infância clandestina (2011)INFÂNCIA clandestina. Direção: Benjamim Ávila. Argentina, [s.n.], 2011., de Benjamin Ávila, este artigo aborda o contexto ditatorial militar brasileiro em 1970 e o argentino em 1976 e 1979, tendo como aportes teóricos autores como Jeanne Marie Gagnebin (2014), Beatriz Sarlo (2012) e Márcio Selligman-Silva (2003) na discussão da memória como meio para construção de identidade. Os filmes expressam o trauma vivido nos dois países sob a perspectiva lúdica infantil dos filhos de militantes, cujos pais caíram na clandestinidade. O enquadramento traz para primeiro plano as consequências no corpo infantil que, ao serem narradas, suturam as lembranças de um passado marcado pela violência.

Palavras-chave
memória; corpo; narrativa infantil; cinema; ditadura militar

Abstract

Based on the analysis of the films The Year My Parents Went on Vacation (2006)O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburger. Brasil, [s.n.], 2006., by Cao Hamburger; Kamchatka (2002)KAMCHATKA. Direção: Marcelo Piñeyro. Argentina, [s.n.], 2002., by Marcelo Piñeyro; and Infância clandestina (2011)INFÂNCIA clandestina. Direção: Benjamim Ávila. Argentina, [s.n.], 2011., by Benjamin Ávila, the Brazilian military dictatorial context in 1970 and the Argentinean context in 1976 and 1979 will be approached, having as theoretical basis the discussion of the rescue of memory as means of identity construction, based on authors such as Jeanne Marie Gagnebin (2014), Beatriz Sarlo (2012) and Márcio Selligman-Silva (2003). The films express the trauma experienced in both countries under the playful perspective of the children of militants whose parents went underground. The framing brings to the foreground the marks experienced in the child’s body, which, when narrated, suture the memories of a past marked by the practice of torture.

Keywords
memory; body; children’s narrative; cinema; military dictatorship

Introdução

Você pode se perguntar, Diana, por que deixei passar tanto tempo sem contar esta história. Eu havia prometido a mim mesma fazer isso um dia, e mais de uma vez acabei me dizendo que não era a hora. Cheguei a acreditar que seria melhor esperar ficar velha. [...] Logo não quis esperar ficar tão sozinha, nem ficar tão velha. Como se não tivesse tido tempo. [...] Mas antes de começar esta pequena história, queria fazer uma última confissão: que se faço este esforço de memória para falar da Argentina dos Montoneros, da ditadura e do terror, do alto da menina que fui, não é tanto para lembrar como ver se consigo, afinal, esquecer de tudo um pouco

(ALCOBA, 2008ALCOBA, L. La casa de los conejos. Buenos Aires: Edhasa, 2008., p. 6-7, tradução nossa).

Na sutura com os fios da imaginação e da memória, a professora universitária e escritora argentina Laura Alcoba, radicada na França desde seu exílio em 1970, com então 10 anos de idade, elabora o testemunho de sua infância em forma de romance. La casa de los conejos foi escrito em francês (Manèges. Petite histoire argentine), em 2007, e traduzido e publicado no ano seguinte para o espanhol1 1 A autora publicou mais dois romances sobre suas memórias de infância na Argentina em meio à ditatura militar. Todos foram escritos na língua francesa e depois traduzidos para o espanhol. El azul de las abejas (2015) conta o encontro com a mãe em Paris e o começo de uma nova vida em outro idioma; e La danza de la araña (2017) narra a relação epistolar com seu pai, preso na Argentina. . A infância clandestina na Argentina no período do regime implantado após o golpe militar (1976-1983) toma corpo e voz na perspectiva de uma menina de 8/9 anos. Os medos, os esconderijos e os disfarces narrados conferem ao texto o lado humano da experiência. É a narrativa, que (re)organiza a experiência de Laura e permite sua comunicabilidade. Ao selecionar fragmentos da recordação e juntá-los como se fosse uma colagem2 2 Conforme entrevista da autora em 11 de junho de 2018, intitulada “Tejer memoria para no morir antes de tempo/entrevista a Laura Alcoba”. Disponível em: <https://evaristocultural.com.ar/2018/06/11/tejer-memoria-para-no-morir-antes-de-tiempo-entrevista-a-laura-alcoba/>. Acesso em: 16 nov. 2019. , as lembranças de Laura, escritas em primeira pessoa e na perspectiva infantil, tornam-se testemunhas de um passado sombrio recente e engrossam as fileiras da luta pelo não esquecimento dos crimes cometido pelos estados latino-americanos.

Com base em Marialva Carlos Barbosa (2007)BARBOSA, M. Percursos do olhar. Comunicação, narrativa e memória. Niterói: EdUFF, 2007., ao discutir a obra de Paul Ricouer, partimos do pressuposto de que a “vida imita a ação” e que o mundo ficcional funciona como laboratório para “ensaiarmos configurações possíveis da ação, experimentando sua consistência e plausabilidade” (BARBOSA, 2007BARBOSA, M. Percursos do olhar. Comunicação, narrativa e memória. Niterói: EdUFF, 2007., p. 17). Este artigo discute os filmes O ano em que meus pais saíram de férias (Brasil, 2006), de Cao Hamburger; Kamchatka (Argentina, 2002), de Marcelo Piñeyro, e Infância clandestina (Brasil-Argentina, 2011), de Benjamin Ávila, baseando-se em enquadramentos da memória infantil. Nas produções, a percepção da criança conduz a narrativa e apresenta o testemunho de uma infância roubada pelos embates familiares com os regimes militares que governaram tais países, apesar do jogo lúdico das brincadeiras que percorrem as histórias. Assim, apesar de a visão e a fala dos meninos comandarem a trama, é possível sentir também, por meio de suas expressões corporais, os traumas que imperaram durante o período.

Os anos de chumbo da ditadura brasileira são narrados do ponto de vista do menino Mauro em O ano que meus pais saíram de férias. O período ditatorial na Argentina aparece na retrospectiva do adulto que relembra os traumas familiares da sua infância em dois filmes aqui selecionados: Kamchatka e Infância clandestina, que, respectivamente, abordam dois momentos da ditadura Argentina - 1976 (logo após o golpe militar no país), e 1979 (época da ofensiva Montonera)3 3 Organização político-militar argentina e guerrilha urbana de extrema-esquerda. . Todas as obras analisadas partem da perspectiva de meninos de 10 a 12 anos, cujos pais caíram na clandestinidade. Afinal, “para compreender o presente, devemos aprender a olhá-lo de esguelha. Ou então, recorrendo a uma metáfora diferente: devemos aprender a olhar o presente à distância, como se o víssemos através de uma luneta invertida” (GINZBURG, 2014______. Medo, reverência, terror: quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 10). Assim, (re)contar fatos, independentemente do gênero ou do suporte, é um trabalho importante de tessitura da memória.

Em Cinema e história, Marc Ferro (2010)FERRO, M. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010. mostra a interseção entre os discursos cinematográficos e historiográficos apontando as escolhas, dentro do contexto histórico, dos produtores da ficção audiovisual. Contudo, o autor aponta ressignificações produzidas pela linguagem cinematográfica, que “não valem somente para aquilo que testemunha, mas, também pela abordagem sócio-histórica que autorizam” (FERRO, 2010FERRO, M. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010., p. 32). Assim, pretende-se neste artigo identificar determinados rastros da memória ficcionalizada que traduzam elementos de realidade.

Assim como Ginzburg (1989)GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. usa os paradigmas indiciários como pistas para se entender determinado momento, aqui busca-se seguir os rastros deixados pelos fragmentos das memórias da infância nos filmes selecionados. O olhar da criança mobiliza por sua capacidade de cristalizar imagens que nos intrigam, em que os focos das câmeras dos filmes aqui discutidos fecham nas expressões infantis. Imagens, segundo Didi-Huberman (2016)DIDI-HUBERMAN. Que emoção! Que emoção? São Paulo: Ed. 34, 2016., que “concentram muitas coisas” (p. 34), “que transmitem, e ao mesmo tempo, transformam, os gestos emotivos” (p. 35). Com base nesses gestos dos meninos protagonistas dos filmes analisados buscaremos discutir neste artigo a questão da memória e do testemunho como rastros que tornam presentes os signos ausentes (GAGNEBIN, 2014GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014.), bem como o corpo como memória e como atestado de traumas vivenciados, mesmo em narrativas que tiveram a experiência lúdica como resistência.

Castillo Gallardo (2019, p. 91)CASTILLO GALLARDO, P. Infancia/Dictadura. Testigos y actores (1973-1990). Santiago de Chile: LOM Ediciones, 2019. ressalta a importância de reconstruir essas memórias, principalmente por meio de relatos da infância, pois esses “estudos sobre a memória das infâncias surgidas nas ditaduras, das formas e expressões ocorridas nesses contextos, são pouco conhecidos na América Latina” (tradução nossa). Assim, recuperar tais filmes é também reavivar o interesse por pesquisas nessa área.

Laudia de Oliveira Bolzan (2015)BOLZAN, L. A ditadura civil-militar sob o olhar de uma criança. Orson - Revista dos Cursos de Cinema do Cearte UFPEL, v. 8, p. 149-165, 2015., em seu artigo “A ditadura civil-militar sob o olhar de uma criança”, considera a “metodologia como o processo de interpretação dos significados de imagem e linguagem através da desconstrução da película escolhida” (p. 150). Assim, usam-se aqui os filmes como elementos para recuperar questões de um período histórico marcado pela violência. Ao trazerem o foco para o olhar lúdico infantil, essas películas iluminam questões de experiências particulares com a repressão do Estado.

Da mesma forma que Ginzburg (1989)GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. discorre sobre o paradigma indiciário como uma maneira de enxergar o mundo, aqui, por meio de pistas e rastros deixados pelas imagens dos filmes analisados, busca-se percorrer esses índices para entender outros tipos de violência. Como exemplo, a perda das redes de referências e a solidão impostas a diversas crianças brasileiras e argentinas, filhas de militantes políticos. O olhar infantil desvenda a ditadura potencializando dramas referentes aos cotidianos e subjetividades de pessoas que supostamente não eram atingidas pelas práticas opressivas do Estado (MASIERO et al, 2014MASIERO, C. G. et al. A ditadura militar através do olhar infantil: representações e imaginário social no filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006). Oficina do Historiador, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 173-196, jul.-dez. 2014.).

Os fios da memória são tecidos nas películas e constituem uma reflexão sobre episódios de rotinas subtraídas e amizades deixadas às pressas, no ato da fuga. É o encontro do cinema com a velha arte de contar histórias. O cinema, assim, nas palavras de Rancière (2013, p. 11)RANCIÈRE, J. A fábula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2013., “diz sua verdade” que é extraída “das histórias que suas telas contam”. As angústias, os medos, os segredos ocultos, tudo isso emerge nas cenas e diálogos. E essas emoções são suturadas em uma trama que tem como base a narração. Jeanne Marie Gagnebin (2014, p. 24)GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014. aponta que “as formas de lembrar e esquecer, como as de narrar, são meios fundamentais da construção de identidade, pessoal, coletiva ou ficcional”. O cinema de ficção “cria um sentido”, porque segundo Gagnebin (2014, p. 24)GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014. pode ser “lid[o] tanto na chave da mentira como na da revelação de um sentido desconhecido”, que apresenta uma beleza e uma poética até então não percebidas.

No ensaio “Esquecer o passado”, Jeanne Marie Gagnebin (2014, p. 251-263)GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014. reflete sobre a necessidade de lembrar a importância do trabalho de “elaboração do passado”, em que a vítima possa ser respeitada como tal, em que se possa falar e denunciar os crimes de Estado, apontando os responsáveis. Gagnebin (2014)GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014. enfatiza que no Brasil, ao contrário dos países do Cone Sul4 4 A autora se refere à região da América do Sul marcada pela emergência de ditaduras militares nos anos 1960 e 1970, que engloba países como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No contexto da Guerra Fria, visando a afastar o perigo comunista, principalmente após a Revolução Cubana, os Estados Unidos intensificaram sua vigilância sobre a América Latina e atuaram no apoio a golpes militares no intuito de conter mudanças sociopolíticas. , “os assassinos da ditatura foram anistiados sob o pretexto de reconciliação” e, deste modo, “os torturadores nunca foram julgados”, o que significa “que a prática da tortura [no Brasil], ainda que seja hoje oficialmente rejeitada, continua a ser de fato tolerada” e perpetuada nos “interrogatórios policiais” que punem principalmente negros e pardos, naturalizando a violência contra esses grupos. A crítica literária argentina Beatriz Sarlo (2012)SARLO, B. Tiempo Pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Uma discusión. Buenos Aires: Siglo vinte uno editores, 2012. defende em Tiempo Pasado a importância de lembrar e a necessidade de as vítimas tomarem a palavra como ação fundamental para a restauração dos laços comunitários que haviam sido rompidos pela violência governamental. Algo que só ocorreu parcialmente no Brasil com a instauração da Comissão da Verdade em 20115 5 Sem prerrogativa de punir, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instaurada em 18 de novembro de 2011, Lei no 12.528/2011, para investigar e esclarecer as violações de Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. .

Márcio Seligman-Silva (2003)SELIGMANN-SILVA, M. História, memória e literatura. O testemunho na Era das Catástrofes. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2003., com base em Walter Benjamin, ressalta ser no presente que as imagens do passado se intercruzam e tomam forma. Para o autor, escavar é recordar. Os fragmentos aparecem em uma sutura narrativa como flashes inconscientes escavados nas ruínas da memória. Deste modo, a narração se aproxima do processo cinematográfico de montagem. Assim, as películas também inspiram a luta por uma história dos vencidos, feita a contrapelo. Também seguindo Benjamin, Ginzburg (2014)______. Medo, reverência, terror: quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. ressalta que nas disputas pela manutenção do poder, os Estados usam táticas que se impõem pelo terror como armas para obter submissão e supressão das liberdades individuais. As histórias são importantes na luta contra o biopoder teorizado por Foucault (1988)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Ligia M. Ponde Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1988., no qual políticas de Estado podem legitimar o direito sobre a vida e a morte.

Testemunho infantil como rastros do passado

Figura 1
Os olhares e gestos dos protagonistas de O ano em que meus pais saíram de férias, Kamchatka e Infância clandestina.

As imagens dos protagonistas dos três filmes analisados, todos meninos cujos pais eram perseguidos pelas ditaduras em seus países, podem ser visualizadas na Figura 1. Sem perceberem o perigo, eles observam o exterior pela janela de um carro em movimento. Sob enquadramento da câmera, os garotos veem a paisagem mudar. Não imaginam o destino final do veículo, mas seus semblantes indicam confiança em seus condutores, apesar de não conhecerem o destino. Ao fugir dos agentes da ditadura, os pais se deslocam rumo ao desconhecido, com risco de serem parados e presos a qualquer momento. Além do vidro do carro, um imprevisível mundo exterior. Também fora da ilusória proteção do carro, eles observam a vida cotidiana nas ruas e estradas, onde militares também se exibem com armas nas mãos. As crianças são transformadas em testemunhas involuntárias, vítimas colaterais da violência do Estado, sem se darem conta de que fazem parte de uma tentativa de fuga rumo a um destino ignorado.

Nos embates e nas disputas no campo da memória é importante que grupos coadjuvantes - simples testemunhas dos acontecimentos - apresentem sua versão, realizem sua guinada subjetiva. Só “existe a experiência quando a vítima se transforma em testemunho” (SARLO, 2012SARLO, B. Tiempo Pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Uma discusión. Buenos Aires: Siglo vinte uno editores, 2012., p. 31) e oferece relatos de sua história como matéria-prima seja para depoimentos, seja para obras documentais e/ou ficcionais. Assim, Laura Alcoba e os protagonistas dos filmes analisados - ao contarem suas histórias vividas ou conhecidas - transformam a memória em bem comum, em certa dimensão coletiva6 6 É importante destacar que a memória é construída por meio das questões do presente e submetida ao processo de seleção e à inexorabilidade do esquecimento. São versões que surgem de lutas de grupos pela representatividade de suas histórias no “teatro da memória” (SARLO, 2012, p. 162). Por isso, essas versões estão sempre sujeitas a enquadramentos e a deslocamentos (POLLAK, 1989). . Os testemunhos são fundamentais para a elaboração do luto e da superação do trauma coletivo.

Laura Alcoba, passados quase 30 anos, retornou à Argentina e visitou la casa de los conejos, onde viveu com a mãe e seus companheiros clandestinos. Os fragmentos das lembranças vão reaparecendo e tomando forma no fio narrativo. A autora compreendeu ali que, para esquecer e seguir, era preciso dar o testemunho à sua traumática experiência na “Argentina dos Montoneros, da ditatura, do terror” (ALCOBA, 2008ALCOBA, L. La casa de los conejos. Buenos Aires: Edhasa, 2008., p. 6). Esse também é o percurso da Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que em 2013 empreendeu7 7 Conforme o prefácio do Deputado Samuel Moreira (2014, p. 9). o difícil trabalho de ouvir “uma geração pouco conhecida, formada por crianças e adolescentes filhos de perseguidos políticos e desaparecidos durante o período autoritário, de 1964 a 1985” (MOREIRA, 2014MOREIRA, S. Prefácio. In: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO. São Paulo: Alesp, 2014., p. 9).

No processo de convencimento dos que muitas vezes preferiam apenas esquecer, foram coligidos cerca de 40 testemunhos de filhos de presos políticos desaparecidos na ditadura militar brasileira. Na época das entrevistas, adultos entre 40 e 50 anos narraram as histórias de quando eram crianças e testemunharam as práticas violentas do Estado, que deixaram marcas em suas vidas. Tais depoimentos foram compilados e publicados em um livro, em 2014, intitulado Infância roubada. Um desses depoimentos é de Ernesto Almeida Cunha Arantes, nascido em 1965, que, com quase 10 anos, descobriu pela caneta herdada do avô paterno recém-falecido que seu sobrenome era falso. Diante da descoberta, seus pais contaram a razão do sobrenome trocado e também revelaram seus nomes de batismo. Quando questionou o pai por ter mentido, ouviu como resposta: “Olha, filho, você vê o seriado do Zorro, não vê? Você acha que o Zorro pode sair contando para todo mundo qual é a identidade verdadeira dele?”. [...] “Pois é, filho, esta é nossa situação”. Ernesto concluiu haver desvendado o mistério da família: era filho do Zorro (MOREIRA, 2014MOREIRA, S. Prefácio. In: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO. São Paulo: Alesp, 2014., p. 23-25). A mesma estratégia foi utilizada pelos personagens de um dos filmes argentinos que serão analisados neste artigo.

Os relatos ficcionais ou ficcionalizados nos três filmes aqui discutidos têm a mesma força de elaboração do passado da autobiografia de Laura Alcoba - em La casa de los conejos - e do depoimento de Ernesto Arantes para a Comissão da Verdade. São relatos de vítimas colaterais, agora adultas, que testemunharam, quando crianças, momentos de violência e repressão do Estado contra seus pais. As narrativas traumáticas inspiram tramas como as que as películas nos contam, revelando pontos por vezes encobertos pela história oficial durante o período ditatorial nesses países. Para o historiador Michael Pollak (1989, p. 4)POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989., em “Memória, esquecimento e silêncio”, as versões dos excluídos e suas memórias subterrâneas devem ser privilegiadas por constituírem-se “parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, e se [oporem] à “memória oficial”.

Dessa forma, as obras que serão analisadas a seguir dialogam com a memória coletiva por meio do encontro da ficção com a história, pois permitem a elaboração do passado ao trazerem uma representação daquilo que ficou esquecido, oferecendo visões subterrâneas escondidas para não ferir a história oficial. Tecem os fios da memória comum por meio dos relatos ficcionais.

Corpo como fábula, resistência e memória da violência

É preciso, antes de tudo, compreender o corpo como lugar de existência, agregando signos culturais e sendo interpretado de acordo com exercícios de poder. A compreensão do que somos se dá, primeiramente, na observação sobre o outro. O corpo transmite a compreensão antes mesmo da fala. Enxergar o outro como um corpo e compará-lo ao nosso é o estágio inicial da criação de laços e graus de pertencimento. Levi Strauss (1974)LÉVI-STRAUSS, C. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EdUSP, 1974. p. 1-36. afirma que o corpo é a melhor ferramenta para aferir a vida de uma sociedade.

Antes disso, o também antropólogo Marcel Mauss (2003 [1934])MAUSS, M. Técnicas corporais. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac&Naïfy, 2003. já discutia a noção de técnica corporal ligada aos hábitos próprios de cada sociedade, que se traduz por posição das mãos, o modo como se corre, se anda e até se cava uma trincheira em épocas de guerra. Hábitos não são apenas padrões e repetições, Foucault (1988)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Ligia M. Ponde Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1988. aponta as questões políticas nas reproduções das técnicas corporais: “as relações de poder têm alcance imediato sobre eles [os corpos]; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais” (p. 28).

Apesar de não entenderem totalmente a situação política, os personagens infantis sofrem o trauma, o exílio e a solidão gerados nesses períodos, experiências que se refletem em suas próprias posturas corporais. Em O ano que meus pais saíram de férias, Mauro revela pelas expressões do corpo as contradições de sentimentos vivenciados durante o período ditatorial retratado no filme.

Aos 12 anos, o menino protagoniza a história passada às vésperas da Copa do Mundo de 1970. O contexto político é silencioso. Nada é dito claramente sobre as atividades políticas dos pais. A primeira cena do filme já anuncia o enredo. Mauro aparece em destaque brincando em casa com a mesa de botão. Ao ajeitar o goleiro, a voz do menino surge em off: “Meu pai disse que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro. Eles são jogadores diferentes, porque passam a vida ali sozinhos, esperando o pior”. A mãe, ao fundo, é enquadrada pela câmera. Apressa o filho para “guardar os botões”, porque “seu pai está chegando”. A câmera se desloca então para a mulher, que mantém uma conversa tensa com alguém pelo telefone: “Ele falou que está vindo? Eu tô esperando há um tempão já. Não se preocupe, a gente vai chegar na hora. Não, ele vai ficar na casa do avô. Beijo”.

Finalmente o pai chega e ouve a cobrança da mulher: “Daniel, você está super atrasado! Vem, Mauro. Vem, filho”. Daniel ainda se permite ajeitar o goleiro para o filho chutar a gol. Exclama: “Golaço!”. A cena coloca em relevo a relação do pai com o filho, permeada por referências ao futebol. Um jogo que tanto traduz a construção das memórias afetivas que conectam pais e filhos, como revela um momento histórico que sintetiza a identidade nacional: a Copa de 1970, quando o Brasil ansiava pelo tri.

Apesar da angústia dos pais com a fuga que se iniciara, a inocência do menino focado em fazer gol é revelada na Figura 2. Ele está em casa, ainda com sua família, brincando com seu jogo de botão. O corpo tranquilo, sentado na cadeira, com as mãos posicionadas na mesa indica um momento de normalidade. Mauro tem o controle do cenário e de suas opções, pois está com os jogadores de botão nas mãos. Mesmo com a urgência da fuga, o pai participa de um último instante com o filho lançando a bola a gol.

Figura 2
Mauro joga botão na mesa da sala de sua casa.

Os três, pai, mãe e filho, entram no carro e deixam a capital mineira. O pai lembra o menino de não esquecer a bola, antes de saírem. Liga o rádio e acompanham uma discussão sobre a escalação da seleção brasileira. De repente, Mauro olha para frente e vê um veículo do Exército com soldados exibindo armas. Mauro percebe a tensão muda, mas não entende. O fusca azul de Daniel e a família ultrapassa o veículo militar. No enquadramento do vidro traseiro do carro, o menino vê a imagem do caminhão militar diminuindo na distância. Finalmente, chegam a São Paulo, ao bairro do Bom Retiro, onde Daniel vai deixar o filho, enquanto ele e a mãe saem de férias.

As férias servem de justificativa para o abandono de Mauro, o goleiro, que fica ali sozinho tentando evitar sofrer o gol, enquanto espera pelo pior. O menino não quer ficar ali e pergunta aos pais quando eles voltam. A mãe, nervosa, diz que volta logo para pegá-lo, “assim que der”. Frisa que eles não estão indo porque querem. O pai diz que voltam a tempo de assistir aos jogos da Copa juntos. Mas repete que Mauro não deve esquecer que eles estão de férias, informação que deve dar quando perguntado.

Parado sozinho na porta de um prédio, com uma bola debaixo do braço e uma mala pousada ao seu lado no chão, Mauro — na Figura 3 — observa passivo o carro dos pais se distanciar. A postura de Mauro não é mais a mesma despreocupada do início do filme, agora reflete o estado de espírito de um menino deixado em local desconhecido. A câmera acompanha o andar lento do garoto no corredor escuro do prédio do avô, tendo a bola como único amparo, como mostra a outra imagem da Figura 3. A bola deve ser mantida de qualquer forma, pois ela simboliza o vínculo afetivo e protetor com o pai.

Figura 3
Mauro é deixado no portão do prédio do avô e procura pelo parente.

No filme, sabe-se que a militância é a razão que obriga os pais a abandonar às pressas Belo Horizonte, cair na clandestinidade e deixar o filho com a mala na porta do prédio do avô paterno em uma comunidade judaica. Porém, para infelicidade de Mauro, o avô morre no dia de sua chegada. O menino, que no início sente-se muito sozinho, aprende a contar com a solidariedade dos demais jogadores em campo, no caso, o vizinho de porta de seu avô, um idoso chamado Shlomo, e os moradores do condomínio.

A imagem insinuando desproteção e solidão é captada pelas lentes do filme na encenação dos atores, conforme a Figura 4. No primeiro quadro, Mauro olha pela janela com o corpo encolhido aparentando desalento, medo e, ao mesmo tempo, a expectativa do retorno dos pais. No segundo quadro, a solidão é compartilhada, mas vivenciada individualmente tanto por Mauro quanto por Shlomo. A câmera focaliza os dois personagens em suas mesas de jantar, separadas por uma parede. A imagem torna explícita a diferença entre as gerações, mas que vai unir os personagens por seus sentimentos em comum: a solidão e a sensação de abandono familiar.

Figura 4
Quadros de Mauro no novo ambiente.

A solidão, no entanto, começa a se dissipar à medida que o tempo passa e novos personagens surgem na história do menino: depois de Shlomo, que permanece em sua vida, a menina Hanna, com quem trava amizade. É ela quem integra Mauro à vizinhança infantil do prédio. As vitórias do Brasil na Copa tornam ainda mais intensa a interação do menino com os novos amigos de sua idade. A analogia fílmica presente na Figura 4 remete ao momento histórico brasileiro em que as conquistas esportivas conviviam com a repressão política que provocava vítimas entre os que se insurgiam contra o regime e também atingia vítimas colaterais.

Mauro passa a perceber as contradições daquele momento histórico. Na Figura 5, a truculência é explícita e podia ser vista por quem passasse na rua. A festa da Copa havia acabado, e é substituída por policiais a cavalo que invadem a cena à procura de estudantes que se opunham ao regime. Numa das sequências, Mauro testemunha as agressões ao lado de Hanna, de quem se distancia em meio ao caos. Ele é salvo da violência por Ítalo, um jovem vizinho que havia sido ferido pela polícia e de quem se torna amigo.

Figura 5
Violência pública.

O protagonista também presencia outro ato de violência: seu protetor Shlomo é preso, vai para interrogatório, mas é logo solto. O vizinho se compadece do menino e usa seu capital político e aparência religiosa para localizar os pais de Mauro. Daniel não é encontrado (numa sugestão de que está desaparecido, ou seja, fora assassinado). Bia (a mãe) aparece no fim, pálida e enfraquecida (marcas da tortura). Conseguem ir para o exílio. Mauro deixa para a companheira de aventuras, Hanna, a bola, seu bem mais precioso.

No filme, o diretor Cao Hamburger tece a história com fios de sua memória. Cao, filho de professores universitários presos durante a ditadura militar, revela8 8 Conforme entrevista concedida, em 2007, para Cristina Costa e Consuelo Ivo. ter escolhido o prisma de um menino para contar a história por ter sido assim que a viveu.

Já no filme argentino Kamchatka, o diretor Marcelo Piñeyro apresenta sua obra por meio de fragmentos visuais e narrativos que simulam a memória de alguém que já vivenciou a história, mas cujas lembranças foram embaralhadas pelas mãos de Cronos. Vestígios de uma infância que ficara para trás e agora é revivida pelo ato de narrar. Afinal, a memória é sempre uma narrativa. Não importa a sequência dos fatos, a palavra mágica que liga o protagonista à lembrança paterna é o jogo War, no território Kamchatka9 9 Região localizada no extremo leste da Rússia, gelada e de difícil povoamento. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/turismo/2017/06/1893000-kamchatka-no-leste-da-russia-deixa-de-ser-destino-mistico.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2022. , que se revela como metáfora para a resistência. Local onde é possível esquecer o entorno violento e a atmosfera do período ditatorial (e continuar vivo, que é uma forma de resistir) e se lembrar dos que desapareceram (outro modo de resistir e não permitir que se mate a memória dos que lutaram contra a opressão). O garoto, cujo nome de batismo não é revelado, conta a passagem de sua vida que o marcou para sempre: o período de clandestinidade no outono de 1976, dias após a tomada do poder pelos militares. Nesse período, o personagem viveu com os pais e o irmão até ser adotado definitivamente pelos avós, na casa deles, no interior da Argentina.

Dos pais restou o papel do maço de cigarro, amassado e com corações desenhados, que pertencia à mãe, e o jogo TEG (Tácticas y Estrategias de Guerra), entregue por seu pai na despedida. A história é narrada 30 anos depois, na perspectiva infantil. E se aparece apenas uma cena de militares e armas no início da película para ambientar o período, a tensão, o medo, a insegurança, as perdas dos laços afetivos (escola, amigos) estruturantes de identidade e a consciência de que é preciso resistir permeiam todas as ações do filme.

O jogo de tabuleiro (Figura 6) torna-se símbolo da unidade familiar, um vínculo do menino especialmente com o pai, assim como outras brincadeiras que têm a função de amenizar o estado permanente de tensão, criando estratégias de sobrevivência. É o caso de brincadeiras de ilusionismo e a adoção, por parte dos meninos, de nomes de super-heróis, que lhes conferiam identidades secretas, como nas obras de ficção infantil. No filme, a mão que conduz as peças para o desenho territorial de Kamchatka orienta o olhar infantil em direção a um horizonte seguro, de sobrevivência (Figura 6).

Figura 6
Kamchatka desenhada no mapa do jogo.

O protagonista, aos 10 anos, levava uma vida igual a dos outros meninos de sua escola. Tinha amigos, brincava, estudava inglês. A chegada repentina de sua mãe ao colégio, com seu irmãozinho de 5 anos, retira-o do seu mundo organizado e o leva a uma vida de fuga, clandestinidade e isolamento. Escapar ou ser pego, viver ou morrer, era decidido como em um lance de dados de um jogo. Por isso, seus pais, sem revelar o envolvimento com a militância política, criam novas narrativas para os filhos, dando novos nomes a todos e inventando profissões para si.

Na nova vida familiar no refúgio clandestino, o protagonista, mesmo contrariado, tem de se submeter a novas regras e abandonar os amigos, com os quais é proibido de fazer qualquer contato, como forma de proteção. Ele é obrigado a desenvolver um difícil equilíbrio: fazer novos amigos sem revelar nenhuma informação que venha a contribuir para a identificação de sua família. Na Figura 7, o corpo do menino curvado, sozinho, revela o desconforto do desconhecido: uma nova escola, nova identidade, a necessidade de novos códigos e amigos.

Figura 7
O protagonista em sua nova escola.

Enquanto pode, para amenizar as mudanças, o casal se esforça para conviver e desfrutar da vida em família. Obrigado a escolher um novo nome para si, o menino elege Harry, em homenagem ao escapista Harry Houdini, personalidade que descobriu no livro encontrado no esconderijo e por quem está fascinado, sem perceber que se trata da metáfora de sua vida. A relação entre pai e filho também se consolida por meio do jogo TEG. Os dias passam com pai e filho jogando e avançando nos territórios do tabuleiro. A última partida é épica. Demora muito. O pai, que sempre ganhou de Harry com facilidade, está sem sorte. Mas resiste e chega a Kamchatka, o último lugar a ser dominado.

Daí o nome do filme. Na cena final, quando o cerco aos oposicionistas vai se fechando na Argentina, os pais decidem deixar Harry e o irmão com os avós paternos. Na despedida, antes de seguir com o carro amarelo da família pela estrada, o pai pede ao filho nunca se esquecer de Kamchatka. O menino corre atrás do carro, mas não consegue alcançá-lo (Figura 8). O corpo ajoelhado no meio da rua reflete toda a dor da perda e a frustração da separação. Agora, para sobreviver, será preciso seguir sozinho.

Figura 8
O protagonista tenta alcançar os pais, mas não consegue

A voz de Harry em off resume o final do filme, reforçando a figura do jogo como objeto que materializa a memória da família e a trajetória de luta pela sobrevivência. “Meu pai falou de Kamchatka [...] e cada vez que o jogo ficava difícil, eu fazia como ele, e sobrevivia. Kamchatka é o lugar onde se pode resistir”, assim como a casa de seus avós. O menino, quando adulto, constata que precisava contar a história de seus pais, a qual se confundia com a da própria Argentina e de outros países do Cone Sul.

O filme Infância clandestina, de Benjamin Ávila, é baseado em fatos reais. Parte da história do próprio diretor, filho de Sara Zermoglio, militante pertencente à organização armada Montoneros. Após o golpe de 1976, ele parte com a mãe e o padrasto para o exílio. Passam pelo Brasil, México e, finalmente, por Cuba. Regressam no início de 1979 à Argentina para participar da primeira contraofensiva Montonera10 10 Os dirigentes do grupo Montoneros, que se encontravam exilados, organizaram-se e decidiram retornar à cena política argentina como combatentes, nos anos de 1979 e 1980. Cf. Confino, 2018. . Sua mãe desaparece em outubro do mesmo ano (AGUIAR, 2015AGUIAR, G. Infância clandestina ou a vontade da fé. Alea. v. 17, n. 2, p. 246-263, 2015.), e seu irmão menor, Diego, foi entregue a outra família nos Estados Unidos11 11 Em 1984, é recuperado graças ao trabalho das Abuelas de Plaza de Mayo. .

Em Infância clandestina, a odisseia do pequeno Ulisses, cujo nome de batismo é Juan - em homenagem a Juan Perón - se inicia na Argentina, em 1975. Logo no início do filme, o menino presencia o pai sendo baleado numa emboscada por agentes da repressão. A violência é representada na perspectiva de um garoto por desenhos ao estilo mangá japonês (Figura 9), que substituem os atores de carne e osso. Duas cores se fazem presentes, como uma tinta guache que se esparrama sobre a tela: o vermelho que escorre na rua representa o sangue que sai do ferimento de Horácio (o pai); e o amarelo da cor de urina, que sai da criança deitada, expressa possivelmente o medo, a sensação de fragilidade.

Figura 9
Cenas de violência no início de Infância clandestina.

A partir de uma elipse temporal correspondente a quatro anos, começa uma nova unidade do filme: o regresso de Juan à Argentina, agora com o nome de Ernesto (homenagem a Che Guevara), e da irmãzinha bebê, Vicky (Victória), levados por um casal amigo pela fronteira brasileira. Ao chegar, o Tio Beto, também revolucionário, mas com alma muito mais leve do que a de seus pais, o recebe. Juan/Ernesto se apresentará na escola como alguém que vem com sua família de Córdoba. O menino de 11 anos passa a viver com a família em um depósito de caramelos com sabor de amendoim com chocolate. Ele frequenta a escola, faz amizades e se enamora de uma menina. É por causa da experiência do primeiro amor que Juan/Ernesto deseja se libertar da clandestinidade (do nome e da data de nascimento falsos) e pensar em si, e não no projeto revolucionário coletivo-familiar.

O menino vivencia uma infância-adolescência militante. Ele sabe o que acontece no país, diferentemente dos protagonistas dos outros filmes analisados. O corpo do garoto mostra um desejo de proximidade que remete à descoberta de uma paixão. Na Figura 10, a mão de Ernesto, que encontra a da namorada, revela a vontade de tocar, enquanto o olhar e a expressão facial tentam explicar para a menina: “Eu sou quem você pensa, mas diferente”, já anunciando a dificuldade de manter um relacionamento, mesmo que adolescente.

Figura 10
O protagonista se aproxima de sua pretendente.

A aparente normalidade convive com armas ocultas e dinheiro escondido, guardado para financiar a guerrilha. A caminhonete transporta armas e pessoas vendadas para reuniões secretas, em que se homenageiam os companheiros mortos na militância com a saudação “Perón o muerte”. O delicado equilíbrio de Juan/Ernesto se rompe totalmente quando o tio (e conselheiro) é assassinado, o pai é morto em uma ação e a mãe desaparece, assim como a irmã.

O lúdico e a violência se misturam ao longo do filme: caramelos e chocolate com gosto de sangue. No parque de diversões a que leva a namorada, Ernesto atira no balão como forma de brincadeira. Contudo, o mesmo personagem dorme com uma arma para se proteger, caso a polícia chegue (Figura 11). O olhar atento do garoto precisará ficar alerta durante o período político. Aquele que brinca ao mesmo tempo aprende a se defender por meio das armas.

Figura 11
O menino com arma na mão em dois momentos distintos.

No final do filme, depois de um interrogatório marcado pela violência psicológica a cargo de um homem em trajes civis, provavelmente paramilitar, Juan recupera sua identidade e deixa Ernesto e o primeiro amor para trás. É largado na porta da avó, sem família, apenas com a foto da lembrança de seu primeiro amor.

A materialidade da memória aparece nos três filmes aqui discutidos: 1. A bola como símbolo da conexão do protagonista com o pai, em O ano que meus pais saíram de férias e dada depois como lembrança para a amiga Hanna, quando do seu exílio com a mãe. 2. O jogo de tabuleiro e o papel de cigarro amassado são os gatilhos para as memórias do protagonista de Kamchatka. Seus pais viveriam sempre nos jogos e no coração do maço de cigarro. 3. A foto da menina amada marca a perda do primeiro amor e é o que permanece na lembrança de Juan, que recupera sua identidade em troca da vivência da paixão.

Walter Benjamin (1987)BENJAMIN, W. O jogo das letras. In: ______. Rua de mão única. Obras escolhidas. v. II. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987., no ensaio “O jogo das letras”, diz que “nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido”, para nossa própria preservação, porque “o choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade” (1987, p. 98). Mas também não é possível apagar os rastros e recolher os restos e simplesmente seguir. O filósofo alemão adverte que “a verdadeira lembrança deve” tanto “fornecer uma imagem daquele que se lembra”, como escavar, como um arqueólogo, as “camadas das quais originaram seus achados” e, assim, encontrar as outras que “foram atravessadas anteriormente” (1987, p. 227).

É como trazer os vestígios de uma memória até então impedida e organizá-los em um fio narrativo que, como sugeriu Beatriz Sarlo (2012, p. 29)SARLO, B. Tiempo Pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Uma discusión. Buenos Aires: Siglo vinte uno editores, 2012., “una o corpo e voz a uma presença real do sujeito na cena do passado. Porque não há testemunho sem experiência, mas tampouco há experiência sem narração” (tradução nossa). A linguagem, lembra Sarlo, possibilita que os cacos da memória, encontrados no processo de escavação, possam ser comunicados para os demais, saiam da zona do esquecimento e sirvam de testemunhos que se contraponham aos discursos oficiais.

O cinema tem a potência de juntar os cacos da memória, que na mesa da montagem ganham cores, formas e movimento. Esquecer e lembrar fazem parte tanto do trabalho da memória quanto do ritual do luto. Se primeiro é preciso deslembrar12 12 Tomamos de empréstimo o título do filme ficcional de Flávia Castro, de 2018. Ela também é filha de militantes e experimentou a fuga, a clandestinidade e o exílio. O título do filme de Flávia Castro é inspirado no poema Deslembro, de Fernando Pessoa. para se preservar, depois é necessário organizar os pedaços de lembrança em um discurso e falar, seja em testemunhos como os da Comissão da Verdade, seja por meio da arte, como a literatura e o cinema.

Ao analisar os três filmes escolhidos, percebe-se o corpo como forma de narrar a memória da violência - mesmo que por meio de experiências lúdicas — e como o corpo infantil vivencia não apenas o medo, o abandono e a solidão, mas também sua infância, seus momentos de descobertas, seus sonhos e suas alegrias. Afinal, a emoção tem o poder de permitir que os indivíduos exponham seus sentimentos, “configurando-se em um gesto que é simultaneamente exterior e interior” (DIDI-HUBERMAN, 2016DIDI-HUBERMAN. Que emoção! Que emoção? São Paulo: Ed. 34, 2016., p. 26), “que nos possui, mas que não possuímos por inteiro, uma vez que ele é em grande parte desconhecido para nós” (DIDI-HUBERMAN, 2016DIDI-HUBERMAN. Que emoção! Que emoção? São Paulo: Ed. 34, 2016., p. 28). Didi-Huberman reflete assim que é possível, por meio das emoções, “transformar o nosso mundo, desde que, elas mesmas se transformem em pensamentos e ações” (idem, p. 38). E, pela perspectiva infantil, que julgamos tão frágil e desnuda, nos desarmamos e nos identificamos, conectados pelas cores da emoção.

Considerações finais

Hamburger, Piñeyro e Ávila, por meio de seus personagens tomados de empréstimo do mundo real, vivido ou observado, rememoram um passado recente e dramático da América Latina. Na tessitura entre “o lembrar (a trama) e o esquecer (a urdidura)” (GAGNEBIN, 2014GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Ed. 34, 2014., p. 235), os autores, roteiristas e diretores se transformam em testemunhas ao escrever memórias com a máquina cinematográfica.

Apesar de retratarem uma temática dramática, as obras analisadas abordam de forma leve um período de tensão, aproximando o trauma vivido no Brasil e na Argentina de uma perspectiva dócil da criança vítima e exilada, que tem os jogos e brincadeiras como forma de resistência. Mesmo assim, seus corpos expressam as dores que vivenciaram em meio às constantes ameaças de graves perdas familiares. Nessas obras, a memória tem papel central como articuladora da narrativa, que é fabulada pela narração em off dos meninos/protagonistas.

Memórias de gerações que tiveram a infância roubada; vítimas colaterais de um estado de exceção permanente. Crianças, entre 9 e 12 anos, já providas de consciência sobre sua condição, mas que não estavam sujeitas às próprias escolhas, precisando se esconder, mudar o nome, ocultar o passado, alterar a rotina, entrar no jogo dos disfarces para sobreviver. Algumas, como Juan/Ernesto e Laura Alcoba, sabiam tudo o que se passava com os pais e conviviam com armas e companheiros clandestinos. Outras, como Mauro, percebiam que os pais ocultavam a verdade para protegê-las. E ainda outras, como Harry, compreendiam que os pais estavam sendo perseguidos e que precisavam ter cuidado, mas sem conhecer os detalhes do envolvimento. Todas experimentaram o terror de ver os pais mortos ou presos. E, por tal experiência traumática, tiveram a inocência perdida. Mesmo as brincadeiras eram postas a serviço da luta ou da sobrevivência. O lúdico se transformava em jogo para enfrentar perigos iminentes e ajudar nos disfarces.

No poema Deslembro, Fernando Pessoa fala da arte do lembrar e deslembrar. “Deslembro incertamente. Meu passado não sei quem o viveu. Se eu mesmo fui, está confusamente deslembrado”. Esse mecanismo da nossa memória que opera por fragmentos e junta os cacos na sutura narrativa é também a operação de montagem do cinema. Por isso, o passado, confusamente deslembrado, como no poema, ganha força e forma novamente na literatura e nas películas. A linguagem e a arte estão a favor da elaboração do trauma e da necessidade de existir e resistir, para que tais experiências sirvam de políticas humanitárias que priorizem a memória como legado às futuras gerações e ajudem a impedir que não haja nunca mais outros estados de exceção.

  • 1
    A autora publicou mais dois romances sobre suas memórias de infância na Argentina em meio à ditatura militar. Todos foram escritos na língua francesa e depois traduzidos para o espanhol. El azul de las abejas (2015) conta o encontro com a mãe em Paris e o começo de uma nova vida em outro idioma; e La danza de la araña (2017) narra a relação epistolar com seu pai, preso na Argentina.
  • 2
    Conforme entrevista da autora em 11 de junho de 2018, intitulada “Tejer memoria para no morir antes de tempo/entrevista a Laura Alcoba”. Disponível em: <https://evaristocultural.com.ar/2018/06/11/tejer-memoria-para-no-morir-antes-de-tiempo-entrevista-a-laura-alcoba/>. Acesso em: 16 nov. 2019.
  • 3
    Organização político-militar argentina e guerrilha urbana de extrema-esquerda.
  • 4
    A autora se refere à região da América do Sul marcada pela emergência de ditaduras militares nos anos 1960 e 1970, que engloba países como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No contexto da Guerra Fria, visando a afastar o perigo comunista, principalmente após a Revolução Cubana, os Estados Unidos intensificaram sua vigilância sobre a América Latina e atuaram no apoio a golpes militares no intuito de conter mudanças sociopolíticas.
  • 5
    Sem prerrogativa de punir, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instaurada em 18 de novembro de 2011, Lei no 12.528/2011, para investigar e esclarecer as violações de Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988.
  • 6
    É importante destacar que a memória é construída por meio das questões do presente e submetida ao processo de seleção e à inexorabilidade do esquecimento. São versões que surgem de lutas de grupos pela representatividade de suas histórias no “teatro da memória” (SARLO, 2012SARLO, B. Tiempo Pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Uma discusión. Buenos Aires: Siglo vinte uno editores, 2012., p. 162). Por isso, essas versões estão sempre sujeitas a enquadramentos e a deslocamentos (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.).
  • 7
    Conforme o prefácio do Deputado Samuel Moreira (2014, p. 9)MOREIRA, S. Prefácio. In: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO. São Paulo: Alesp, 2014..
  • 8
    Conforme entrevista concedida, em 2007, para Cristina Costa e Consuelo IvoCOSTA, M. C.; IVO, C. Um filme com muitas portas. Comunicação & Educação, v. 12, n. 2, p. 69-77, 2007..
  • 9
    Região localizada no extremo leste da Rússia, gelada e de difícil povoamento. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/turismo/2017/06/1893000-kamchatka-no-leste-da-russia-deixa-de-ser-destino-mistico.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2022.
  • 10
    Os dirigentes do grupo Montoneros, que se encontravam exilados, organizaram-se e decidiram retornar à cena política argentina como combatentes, nos anos de 1979 e 1980. Cf. Confino, 2018CONFINO, H. E. La Contraofensiva Estratégica de Montoneros. Entre el exilio y la militancia revolucionaria (1976-1980). Tese (Doutorado em História). Instituto de Altos Estudios Sociales, Universidad Nacional de General San Martín, Buenos Aires, 2018..
  • 11
    Em 1984, é recuperado graças ao trabalho das Abuelas de Plaza de Mayo.
  • 12
    Tomamos de empréstimo o título do filme ficcional de Flávia Castro, de 2018. Ela também é filha de militantes e experimentou a fuga, a clandestinidade e o exílio. O título do filme de Flávia Castro é inspirado no poema Deslembro, de Fernando Pessoa.

Referências

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Referências Audiovisuais

  • INFÂNCIA clandestina. Direção: Benjamim Ávila. Argentina, [s.n.], 2011.
  • KAMCHATKA. Direção: Marcelo Piñeyro. Argentina, [s.n.], 2002.
  • O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburger. Brasil, [s.n.], 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2022
  • Aceito
    08 Mar 2023
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