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As imagens tóxicas, as imagens pobres e o corpo confinado

Toxic Images, Poor Images and The Isolated Body

Resumo

O artigo discute o acontecimento da pandemia aliado ao bolsonarismo em um conjunto de curtas-metragens em que se destacam o espaço confinado da casa, os objetos domésticos e o tempo presente. Incorpora entrevistas, feitas com os diretores, focadas na urgência dessas produções e em suas imagens tóxicas e pobres. Conclui que esses filmes e entrevistas são um trabalho de memória para o futuro e pergunta se tais imagens serão capazes de reorganizar o que aconteceu em vistas do porvir.

Palavras chave
imagens tóxicas; imagens pobres; pandemia; corpo; cinema

Abstract

The paper examines the event of the pandemic combined with Bolsonarismo in a set of short films in which the confined space of the house, domestic objects and the present time are highlighted. It incorporates interviews with directors focused on the urgency of these productions as well as their toxic and poor images. It concludes that these films and interviews are a work of memory for the future and asks whether such images will be able to reorganize what happened in order to glimpse the future.

Keywords
toxic images; poor images; pandemic; body; cinema

Este ensaio nasce do desejo de pensar a pandemia e o bolsonarismo em um conjunto de curtas-metragens. Uma primeira tentativa de escrever sobre estes acontecimentos por meio do cinema resultou no ensaio Images that haunt II - the effect of the pandemic on Brazilian short films, publicado na revista Débordements (maio, 2021). Nele, a seleção de curtas é bastante variada porque interessava sobretudo a referência direta ao contexto histórico formulado pelos filmes. Este artigo desenvolve ideias lá esboçadas, porém restringe o escopo de filmes àqueles em que os realizadores se colocam na cena do filme para explicitar medos, temores, dúvidas e expectativas. Com base nesse recorte, entrevistamos os diretores por e-mail, fazendo perguntas estéticas, de produção e de exibição específicas a cada curta e questões relativas à pandemia e ao bolsonarismo da perspectiva de quem faz cinema e cultura no Brasil. As perguntas, cerca de cinco, foram estruturadas de modo a considerar: o contexto histórico e sanitário do país da perspectiva do artista; o surgimento da ideia do argumento/roteiro; as fronteiras entre a ficção e o documentário, o pessoal e o coletivo; o gesto de retomar no curta imagens do universo online; fazer arte contra o esquecimento.

A seleção dos curtas levou em conta, portanto, os modos de produção restritivos que surgiram no contexto de isolamento. Ganharam destaque a janela da casa e sua paisagem, o corpo e/ou a voz do cineasta, os espaços privados, os entes queridos como elenco, as telas da TV e do computador, a consciência aguda do presente vivido, da morte e da efemeridade do filme que é feito. Na perspectiva aberta pela curta duração e pela dimensão reflexiva, discutimos tais propostas como forma de pensamento que se exercem como experimentação, uma modalidade particular de documentário, ou talvez, nem ficção, nem documentário, simplesmente experimentos. Profundamente tributários do tempo como experiência — remetem ao nosso presente enquanto problema —, e do tempo como época — o contexto histórico —, esses experimentos exibem as restrições de corpos impedidos de circular e ausentes dos espaços públicos.

“Isolado, sozinho, arrancado da minha comunidade, o que eu poderia fazer?”, pergunta o cineasta Jorge Furtado, inspirado no escritor Albert Camus. Os realizadores que aceitaram dar entrevista aos autores e cujos experimentos interessam à pesquisa foram: Jorge Furtado (Cretinália, 2020), Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa (Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, 2021IGUAL/DIFERENTE/AMBAS/NENHUMA (2020, duração: 18’43). Direção, roteiro e montagem: Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa. Desenho de som e mixagem: Julia Teles.Design gráfico: Guilherme Falcão. Efeitos: Thiago Zanato.), Caio Sales (Angustura, 2021ANGUSTURA (2020, duração:10’01). Direção, roteiro, montagem e desenho de som: Caio Sales.), Beth Formaggini (Ar, 2021), Ariela Calanca (Eu também não te vejo daqui, 2020EU TAMBÉM NÃO TE VEJO DAQUI (2020, duração: 13’35). Direção e montagem: Ariela Calanca. Música: Fumio Miyashita, Mother Earth.), Cristina Amaral (Vai passar, 2020VAI PASSAR (2020, duração: 5’23). Direção e montagem: Cristina Amaral. Cor e finalização: Caio Lazaneo.) e a dupla Rubiane Maia e Tom Nóbrega (Minha bateria está fraca e está ficando tarde, 2020MINHA BATERIA ESTÁ FRACA E ESTÁ FICANDO TARDE (2020, duração: 27’20). Direção e roteiro: Rubiane Maia e Tom Nóbrega. Montagem e efeitos: Tom Nóbrega.).1 1 Uma curta biografia dos realizadores e a trajetória de exibição de cada curta entrarão em notas de rodapé. Como veremos, cada experimento tem uma história de produção, realização e inquietação.

Optamos por explorar, na análise dos curtas e das entrevistas, as defasagens entre acontecimento e imagem, de modo a considerar esta última portadora de tensões, e não expressão de uma verdade (DELEUZE, 1974DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.; POIVERT, 2007POIVERT, M. ‘ L’Événement comme expérience: les images comme acteurs de l’histoire. Paris: Hazan/Éditions du Jeu de Paume, 2007.). Tal gesto permitiu dar um corpo à rede discursiva que compõe o acontecimento da pandemia e mostrar os efeitos de sentido contraditórios que o sustentam. Se todo acontecimento instala uma crise de sentido na história (DELEUZE, 1974DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.), investigar esses pequenos filmes — espalhados em plataformas online e festivais de cinema — é fazer um trabalho de sedimentar as representações produzidas pela pandemia e o bolsonarismo, um trabalho de memória e de imaginação com as imagens como dado experimental.

A análise do corpus de filmes se dá com base em três conceitos-chaves que dividem o ensaio em três partes: as imagens tóxicas (ELSAESSER, 2014ELSAESSER, T. Found Footage Films and the Ethics of Appropriation. Keynote Recycled Cinema Symposium. DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 26 out. 2022.
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; FRANÇA e MACHADO, 2021FRANÇA, A.; MACHADO, P. Adendo sobre a história de três imagens tóxicas. DOC On-Line: Revista Digital de Cinema Documentário, v. 29, 2021.), a presença arquivada (DOANE, 2002DOANE, M. A. The Emergence of Cinematic Time. Cambridge, MA and London: Harvard University Press, 2002.), as imagens pobres (STEYERL, 2009STEYERL, H. In Defense of the Poor Image. E-flux journal, nov. 2009.). Para aprofundar a definição de imagens tóxicas, exploramos o jogo entre toxicidades latentes e toxicidades manifestas evocado pelas imagens; a proposta é ir além de enxergar certas imagens como impregnadas de traumas passados; retomamos a noção de presença arquivada porque, nos curtas, partilhamos da consciência aguda do tempo diante da possibilidade concreta da morte e do medo gerados pela covid-19; trazemos, por fim, a noção de imagens pobres porque essas propostas testemunham o universo onipresente das telas no ambiente doméstico e os deslizamentos fluidos de imagens recicladas.

Existe, nos experimentos, um gesto político e estético fundacional de um pensamento sobre o confinamento, a doença, o autoritarismo, a escrita e as imagens. A curta duração explicita o caráter de urgência dessas produções assim como o desejo de serem breves intervenções em um presente sombrio. Sem oferecer receitas de como viver melhor neste mundo, esses filmes fazem um trabalho de memória para o futuro ao devolver o sentimento de perplexidade e iluminar as toxicidades que persistem no tempo.

I – Imagens tóxicas e o corpo ameaçado de asfixia

Não gravei essa respiração no hospital. Depois que tive alta e fui pra casa, passei uns vinte dias tossindo, ainda com fraqueza e dor [...] comecei a pensar no filme a partir daí, como exercício de cura. Primeiro montei e, conversando com o editor de som, decidi gravar no celular o som da respiração do hospital. A gravação foi feita a partir dessa memória

(FORMAGGINI).2 2 Transcrição de entrevista com Beth Formaggini, diretora de Ar, feita por e-mail entre os meses de setembro e outubro de 2021.

Em Ar (2021), Beth Formaggini3 3 Dirigiu filmes como Memória para uso diário (2007), Pastor Claudio (2017). Trabalhou na produção e pesquisa de filmes de documentaristas brasileiros. Ar foi exibido no Festival de Curtas do Rio e no Festival Estação Virtual – 35 anos de Cinema Brasileiro, ambos em 2021. registra com seu celular o quarto de hospital onde está internada com covid-19. Registra também o retorno para casa, na cidade do Rio de Janeiro, 15 dias depois. O experimento, de quase 3 minutos, mostra flashes do quarto envidraçado do hospital, do corpo da diretora refletido na maca, dos enfermeiros e médicos em ritmo frenético, das luvas, aventais, respiradores e máscaras de proteção (figura 1), enfim, “o balé dos movimentos que observava e filmava sem câmera nos primeiros dias de internação em abril de 2021”. A respiração ofegante e ruidosa, gravada depois da saída do hospital, marca o experimento e contrasta com o mundo silencioso do quarto cercado por vidros.

Figura 1
Enfermeira no quarto de hospital com luvas e máscara.

Pegar o celular e filmar a si mesma confinada no hospital em um momento de tantos medos e incertezas é mostrar a passagem entre estar só com seu sofrimento e tornar-se cineasta na dor e na vulnerabilidade; é tomar consciência do que é um corpo ameaçado de asfixia. “Na primeira imagem que fiz, achava que ia morrer e estava me despedindo de tudo. Lá pelo décimo dia, saí da UTI e fui transferida para o quarto. Aí resolvi filmar.” A respiração ruidosa, gravada posteriormente, exibe um corpo exposto ao esgotamento físico e a todo tipo de risco, biológico ou outro. A respiração difícil mostra igualmente a toxicidade como dimensão do presente em que nem todos têm o direito de respirar/viver (MBEMBE, 2020MBEMBE, A. O direito universal à respiração. São Paulo: editora N-1, 2020.). O que podemos conhecer com base na pandemia do coronavírus? O que podemos saber a respeito das instituições? Conhecemos melhor um país em situação de crise ou de normalidade? O que o vírus nos permite ver na sua radical transparência? Para Boaventura de Sousa Santos, tais perguntas explicitam “a cruel pedagogia do vírus”. Talvez tenhamos perdido a imaginação ou a capacidade política de colocar a imaginação em prática, atiça o sociólogo (SANTOS, 2020SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: edições Almedina, 2020.).

A toxicidade refere-se ainda à tragédia que a pandemia provocou e tem provocado no mundo, mas também a um projeto autoritário de poder em curso no Brasil que tem colocado em prática uma política de morte (DUARTE; CÉSAR, 2020DUARTE, A.; CÉSAR, M. R. Negação da Política e Negacionismo como Política. Revista Educação & Realidade, n. 45, 2020.). Jair Bolsonaro aparece nas telas da TV e do computador em vários curtas, seja proferindo calamidades contra o vírus e a ciência, seja na forma de memes. Chamamos de bolsonarismo o contexto que tem início com o golpe parlamentar contra a então presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, que leva aos poderes executivo e parlamentar um grupo de políticos contrários às discussões democráticas, de gênero e cultura, com visão autoritária da política (Idem, 2020).4 4 A eleição de Bolsonaro, em 2018, torna-se tragédia humanitária por conta da pandemia, do boicote à vacina, ao uso de máscaras e ao distanciamento social. Durante seu governo, o Brasil torna-se um dos países com o maior número de mortes pelo coronavírus. O bolsonarismo é impulsionado por uma mistura de afetos negativos, tais como “ódio às minorias, indiferença à devastação do meio-ambiente (incluindo aí os animais), desprezo pela cultura (e a contracultura) e pela ciência, desejo de vingança contra o ativismo político e ecológico, pulsão de morte fascista e mesmo neo-nazista” (DANOWSKI, 2020DANOWSKI, D. Negacionismos. São Paulo: editora N-1, 2020., p. 20). A crise da covid-19 aliada ao bolsonarismo teve o mesmo efeito de uma “limpeza étnica entre aqueles que dependem de assistência pública” (VIVEIROS DE CASTRO, 2020VIVEIROS DE CASTRO, E. O que está acontecendo no Brasil é um genocídio. São Paulo: editora N-1, 2020.).

A toxicidade refere-se, para além da pandemia e da presença do líder político nos curtas, às imagens viralizadas do jornalismo da comoção e belicista, dos racismos, fascismos e machismos de todos os tipos. Segundo Elsaesser (2014)ELSAESSER, T. Found Footage Films and the Ethics of Appropriation. Keynote Recycled Cinema Symposium. DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 26 out. 2022.
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, imagens tóxicas são aquelas impregnadas de traumas passados e assombrações históricas (ditaduras, catástrofes, migrações em massa); aquelas que inscrevem uma experiência coletiva de sofrimento e que somente um trabalho de retomada e montagem pode contribuir para que nos impliquemos e vejamos as continuidades de suas toxicidades passadas no presente. Gostaríamos de acrescentar que tais imagens se constituem dentro de um jogo entre toxicidades manifestas (a presença atualizada em corpo e voz do trauma e da dor coletivas) e toxicidades latentes (dependem da memória e da atividade do espectador). As imagens tóxicas trabalham duas formas de toxicidade: uma atual e outra virtual. A toxicidade manifesta é atual, bruta; ela está diante de nós enquanto a vemos e/ou ouvimos, forçando o espectador a lembrar, mesmo contra sua vontade ou desejo. A toxicidade latente, por sua vez, suscita ecos da primeira justamente quando ela já não está mais lá; é latente porque depende da memória, da empatia e do trabalho do imaginário para que permaneça como aquilo que insiste, apesar de invisível e silencioso.

Ao restituir sentidos, imagens e afetos para projetos e modos de vida negados (nos campos da cultura, da arte, da educação), os experimentos falam da dor com imagens do presente — e não do passado histórico. Neles, a brutalidade das imagens tóxicas não está relacionada às “assombrações e traumas históricos” (ELSAESSER, 2014ELSAESSER, T. Found Footage Films and the Ethics of Appropriation. Keynote Recycled Cinema Symposium. DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 26 out. 2022.
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; FRANÇA; MACHADO, 2021______. Images that Haunt II - The Effect of the Pandemic on Brazilian Short Films. Revue Débordements, França, 2021. Disponível em: <https://www.debordements.fr/Images-that-haunt-II>. Acesso em: 26 out. 2022.
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) que as chancelam na sua dupla forma — atual e virtual; diferentemente, esses curtas mostram a brutalidade tóxica das imagens como catástrofe atual (e por vir). Em Ar, o som da respiração difícil e o corpo isolado da cineasta no hospital mostram a toxicidade manifesta, enquanto a câmera girando pelo jardim da casa no final evoca a latência tóxica. Na sua dupla forma, as imagens tóxicas demandam um posicionamento (empatia) do espectador para que possam mobilizar (contaminar). A anima de suas toxicidades depende do trabalho ativo do espectador, de uma tomada de posição diante delas.

Em alguns dos experimentos, a casa do cineasta solitário é um ambiente cognitivo (as telas) repleto de notícias bélicas, discursos de intolerância e ódio. A toxicidade manifesta grita. Empunhar a câmera (geralmente o celular), registrar o entorno doméstico e sobrepor a ele uma voz e um corpo passam a ser um trabalho de memória para o futuro, de ruminação da catástrofe atual enquanto latência sempre por vir.5 5 Esse trabalho de memória é uma montagem com imagens contemporâneas ao cineasta. Essa discussão dialoga com a reflexão de Didi-Huberman feita com base nos diários de trabalho do dramaturgo Bertold Brecht em seus anos de exílio, em The eye of history: When images take positions, 2018.

No início da pandemia, quando metade dos paulistas ficaram em casa, fiquei surpresa com o azul do céu. Fiz várias fotos em momentos diferentes do dia. O meu vaso com a flor de maio floriu depois de anos. Tive o privilégio de poder trabalhar em casa cercada de plantas e passarinhos. Doeu pensar em parte da população brasileira.

(AMARAL, 2021).6 6 Transcrição de entrevista com Cristina Amaral, diretora de Vai passar, feita por e-mail entre os meses de abril e junho de 2021.

Em Vai passar (2020), a voz de Cristina Amaral7 7 Montadora de filmes formada em cinema pela Universidade de São Paulo (USP). Editou filmes como A hora mágica (1997), de Guilherme Prado, Dois córregos (1999), de Reichenbach, Serras da desordem (2006), de Tonacci. Vai passar foi feito a convite do IMS/Quarentena Convida. Disponível em: <https://ims.com.br/convida/>. Acesso em: 11 mar. 2022. medita sobre os primeiros meses de confinamento, a nova rotina e as incertezas sobre o futuro. Com o celular, ela registra o entorno doméstico. Vemos a vista da janela, as plantas do jardim e os passarinhos (figura 2). A narração diz: “Depois de 5 meses de pandemia, os mais de 100 mil mortos são apenas números”. Por meio da voz doce e pausada, somos levados a transitar pelo jardim da casa da diretora. Não há pessoas. O que existe é uma natureza em risco que se renova com a distância dos homens.

Figura 2
O jardim, as plantas da casa e os passarinhos.

Das imagens e sons tranquilos do entorno doméstico, somos conduzidos para a tela do computador. Da toxicidade latente, o celular nos conduz para toxicidade manifesta. Planos de fumaça, destroços e sons de uma explosão anunciam a tragédia. “Não foi por falta de aviso”, diz a narração. Para além da catástrofe humana e sanitária que o Brasil tem enfrentado, há também a catástrofe política. O plano final anuncia a devastação. Finalizar o experimento com a explosão em Beirute e a nuvem de fumaça é lembrar que a explosão “foi uma das imagens emblemáticas desse mundo ‘externo’ trazidas pela tevê naquele momento. A constatação de que o inferno estava posto”, lembra.

Durante a pandemia, certo dia recebi um telefonema carinhoso do Kleber Mendonça Filho, me convidando a fazer um filme “de quarentena” para o IMS Convida. Deveria ser feito em casa, sem produção alguma. Surpresa, disse: “mas eu não sou diretora e, além disso, não tenho câmera digital em casa!” Ele riu, me pediu para ver os filmes que já tinham sido realizados pelo programa e para pensar. O IMS fornecia um pequeno aporte financeiro

(AMARAL, 2021).8 8 Transcrição de entrevista com Cristina Amaral, diretora de Vai passar, feita por e-mail entre os meses de abril e junho de 2021.

O experimento de Cristina Amaral mostra a natureza em risco de asfixia — o jardim da casa — ao evocar o desmatamento, os incêndios monumentais, a destruição dos ecossistemas, a ação nefasta de empresas poluidoras e destruidoras da biodiversidade. O confinamento, como aspecto da nossa condição atual, nos libera para refletir sobre os ecossistemas e todos os seres cujas vidas têm sido asfixiadas ante as barreiras simbólicas, territoriais e sociais. O confinamento, em Vai Passar, nos constrange a responder por nossa vida com outros seres nessa terra.

II – A presença arquivada, o corpo e a casa

Objetos domésticos, a janela e sua paisagem, o corpo do cineasta na cena, a tela do computador, são motivos visuais bastante presentes nesses experimentos. Há também motivos feitos com banco de imagens retiradas da internet e das redes sociais, muitas vezes misturando aspectos da casa do cineasta com as imagens do universo online (veremos na parte III). Em comum, há uma redução dos dispositivos técnicos e um destaque dado à interioridade e à vida doméstica como cenas do cotidiano.

Em Vai passar (Cristina Amaral), Cretinália (Jorge Furtado), Eu também não te vejo daqui (Ariela Calanga) e Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma (Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa), as imagens narradas pelos realizadores adquirem a forma de um filme-diário. Em diálogo com certo “cinema experimental” dos anos 1960/70, vemos os impasses de viver a vida privada como pública e vice-versa, as buscas por experimentações com o corpo, a casa, a imagem, a montagem.9 9 Em Avant-garde film – Motion Studies, MacDonald sublinha que usa avant-garde film como “termo genérico para designar um terreno cinemático que tem sido chamado, em sua história, de ‘underground film’, ‘The New American Cinema’, ‘experimental films’.” Acrescenta que a variedade de nomes demonstra a diversidade e amplitude dessa área na história do cinema e que avant-garde film não é necessariamente um termo mais preciso. (p. 15). Scott MacDonaldMACDONALD, S. Avant-Garde Film Motion Studies. [S.l.]: Cambridge University Press, 1993., na introdução a Avant-garde film, cita cineastas como Carolee Schneemann, Jonas Mekas e Andrew Noren, que teriam descoberto, em outro momento histórico, “incríveis mundos visuais nos detalhes de seus entornos domésticos” (1993, p. 7).

À luz dos movimentos da contracultura, das lutas pelos direitos civis, das reações às consequências humanas e econômicas da Segunda Guerra Mundial, o campo das artes e do cinema experimental faz sentir a conformidade e a monotonia por meio de procedimentos formais e críticos (NOGUEZ, 1999NOGUEZ, D. Éloge du Cinéma Expérimental. Paris: Éditions Paris Expérimental, 1999., p. 28). Nesses filmes, há um destaque dado à subjetividade como modo de favorecer “zonas de experiência ao indivíduo” e à imagem (NOGUEZ, 1999NOGUEZ, D. Éloge du Cinéma Expérimental. Paris: Éditions Paris Expérimental, 1999., p. 32). Vemos paralelos entre esse cinema e os curtas realizados em tempos de confinamento e de bolsonarismo. Lá, como aqui, procedimentos poéticos e de linguagem passam a explicitar os campos da subjetividade, da memória, da imaginação e da escrita do eu como base para a constituição de um processo autobiográfico, crítico e fabulatório.

O diálogo com o cinema experimental é importante para olharmos os experimentos da pandemia e compreendermos como articulam estética e ética em meio a vidas apartadas do convívio social; é fundamental para compreendermos como esses curtas dão lugar a uma experiência partilhada e sensível do presente e do espaço doméstico. Trata-se de uma presença arquivada (pela câmera do celular geralmente) do corpo e de objetos em tempos de morte, luto e negação. Se o advento do cinema torna a própria duração arquivável em toda sua diversidade e contingência (DOANE, 2002DOANE, M. A. The Emergence of Cinematic Time. Cambridge, MA and London: Harvard University Press, 2002., p. 22), o que revivemos com esses experimentos é uma presença das coisas e dos seres assombrada pela historicidade do coronavírus e pela morte; partilhamos da consciência aguda do tempo diante de um cinema que restaura às coisas que importam seu “acontecer contínuo” (Ibidem, p. 220-221) ao mesmo tempo que faz uma reflexão sobre o trauma do vírus, a dor e o lugar da imagem no mundo atual.10 10 Doane se inspira nas reflexões de Derrida sobre o arquivo, sobretudo Archive fever: a freudian impression. “O arquivável para Derrida — a morte como rota, a finitude — sempre assombra e formata o desejo de arquivo” (p. 222). Nos curtas, as imagens são assombradas pelas vidas que foram perdidas e o luto coletivo negado; assombradas também pelos documentos e obras destruídos nos incêndios na Cinemateca Brasileira (2021) e no Museu Nacional (2018).

Em Cretinália (2020), o cineasta Jorge Furtado,11 11 Furtado foi um dos fundadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, em 1987, realizando curtas muito premiados, como Barbosa (1988) e Ilha de Flores (1989). Nos anos 1990, passou a trabalhar com roteiros de séries, minisséries e especiais para a TV. Em 2002, estreia como diretor de longa com Houve uma vez dois verões. Durante a pandemia, criou uma série de quatro episódios para a emissora Rede Globo, Amor e Sorte, exibidos em setembro de 2020, com atores que estavam quarentenados em dupla nas suas casas. Cretinália foi feito para o site do IMS/Quarentena convida. Disponível em: <https://ims.com.br/convida/ Acesso em: 12 abr. 2022. sentado diante de seu computador (figura 3), especula em voz alta a respeito do que pode fazer a arte em tempos de catástrofe. Em meio à estante de livros de sua casa, na cidade de Porto Alegre (RS), e às imagens de Albert Camus na tela do computador, Furtado lê um trecho do discurso do escritor franco-argelino ao receber o prêmio Nobel de Literatura aos 44 anos. “O artista se forja nesse incessante ir e vir de si para os outros, a meio caminho da beleza, sem a qual não pode passar, e da comunidade, a qual não pode arrancar-se”. Furtado vagueia por entre a estante de livros, a janela da casa e as diversas imagens na tela do computador, especulando sobre o confinamento e o estado das coisas no Brasil. “Estamos sós, a peste e nós. Aqui dentro, os livros. Do outro lado do vidro, o país e a peste.” Os livros, o corpo e a casa são a presença arquivada. A peste é Bolsonaro. O presidente que faz propaganda de remédio contra a covid-19 que os médicos dizem não funcionar. O presidente que ergue o remédio como se fosse troféu. “Qual é a lógica?”, pergunta. “Nenhuma. Não há lógica”.

Figura 3 e 4
Furtado em casa diante de seu computador, e Bolsonaro com os filhos cara de cão.

Cretinália nasceu de um convite do cineasta Kleber Mendonça Filho, curador da mostra Quarentena Convida, do Instituto Moreira Salles. Ele me chamou para fazer um curta com verba de produção reduzida, cerca de mil dólares, no prazo de um mês. Este filme se insere num formato que chamo de filme gestual, numa referência ao seu equivalente na pintura, onde a origem da obra e a forma como foi concebida e executada, está inserida na obra

(FURTADO, 2021CRETINÁLIA (2020, duração: 7’06). Direção e roteiro: Jorge Furtado. Montagem: Giba Assis Brasil. Clipe: Alex Sernambi. Edição de som e mixagem: Rafael Rodrigues.).12 12 Transcrição de entrevista com Jorge Furtado, diretor de Cretinália, feita por e-mail no mês de maio de 2021.

Furtado folheia O jogo da lógica, de Lewis Carroll. Lê a epígrafe do livro em voz alta e investiga sua autoria. Trata-se de um fragmento do poema satírico- épico de Alexander Pope, The Dunciad. Durante o século 18, na Inglaterra, um rei torpe manda aprisionar a ciência, exilar a arte, amordaçar a lógica e, com sua estupidez infinita, arrasta todos em seu caminho. As analogias parecem evidentes. Furtado verte o poema para o português e coloca no seu blogue, escrevendo: “Dá um rap”. No dia seguinte, o artista Jonas Lewis compõe a letra do poema. O rap está pronto — e o curta também. Na irônica semelhança entre tempos e lugares distantes (Brasil-Inglaterra), descobrimos a repetição do absurdo, da loucura, da torpeza, da vergonha. A crise de sentido histórico e o mal-estar do Brasil bolsonarista são evidentes. “120 mil mortes. Quantas poderiam ter sido evitadas?” Para as perguntas que Furtado faz no curta de 7 minutos, não há respostas. Não há explicação para a política de morte, não há lógica para as imagens impressionantes de centenas de covas abertas, uma ao lado da outra. Há vergonha.

Ao receber o convite e ciente de todas as limitações do projeto — estava sozinho em minha biblioteca, a peste me impedia de chamar uma equipe, e ainda não sou ator —, passei a investigar esses impedimentos e me lembrei do discurso de Camus ao receber o prêmio Nobel

(FURTADO, 2021CRETINÁLIA (2020, duração: 7’06). Direção e roteiro: Jorge Furtado. Montagem: Giba Assis Brasil. Clipe: Alex Sernambi. Edição de som e mixagem: Rafael Rodrigues.).13 13 Transcrição de entrevista com Jorge Furtado, diretor de Cretinália, feita por e-mail no mês de maio de 2021.

“A arte não é, aos meus olhos, um prazer solitário. Ela obriga, por consequência, o artista a não se isolar”, afirma Camus no discurso. Se o bolsonarismo é a ruína da razão e da lógica, a arte é capaz de resistir à barbárie e enfrentar a ignorância “ao defender a beleza e a verdade que, como ensinou Emily Dickinson, são irmãs” (entrevista). O bolsonarismo, em Cretinália, é o desvario tóxico que semeia o caos, a doença e a morte. Bolsonaro e os filhos cara de cão (figura 4) ilustram a letra do rap na forma de colagem por meio do universo online de memes. Como em Minha bateria está fraca e está ficando tarde e em Angustura, no experimento de Furtado existem as imagens tóxicas (parte I) e as imagens pobres (parte III) que povoam a tela do computador e se sobrepõem ao cotidiano.

A presença da imaginação, o temor do confinamento, a suspensão da linearidade, a análise do contexto histórico colado a uma exploração do eu são marcas desses experimentos. Em todos, há uma interrogação sobre o mundo e o presente articulada à subjetividade autoral. Em Eu também não te vejo daqui (2020), existem as janelas, as pessoas solitárias dos prédios vizinhos, o céu azul, os pombos no telhado, o espaço doméstico e a voz da cineasta (figura 5). Ariela Calanca14 registra o entorno de seu prédio, no centro da cidade de São Paulo, “com uma câmera digital antiga, mas que tem um zoom de longo alcance que me permitiu vasculhar além do que meus olhos podiam” (entrevista). No curta, é possível identificar curiosidades como um senhor limpando uma coleção gigantesca de Mickeys, pessoas cantando e comendo nas varandas, vendo TV, fazendo exercícios, paredes que recebem quadros novos etc. “Comecei a gravar num misto de tédio e curiosidade [...]. Foram mais de 6 horas gravadas da perspectiva da minha janela.”

Figura 5
Olhar para fora da janela e olhar para dentro de si.

Escutamos fragmentos de mensagens em áudio que falam do desconforto, do pânico da pandemia e do medo de não mais encontrar os entes queridos, de estar confinado sozinho, de não poder viajar e abraçar os amigos. Essas vozes foram extraídas de videochamadas feitas entre a realizadora e amigos no início de 2020. Ao rever o material gravado da janela do seu prédio meses depois, Calanca decide ouvir também as conversas dela pelos aplicativos. Giram em torno da intimidade — sonhos, saudades e medo.

Ver nossa ingenuidade e medos postos de maneira tão simples me tocou demais e quis rever mais. Revisitei quatro meses de conversas por aplicativos de mensagens. Conversas que não foram feitas para compor uma narrativa e sim conversas corriqueiras, de uma intimidade partilhada, a única fuga que tínhamos pra toda aquela avalanche de sentimentos novos

(CALANCA, 2021).15 15 Transcrição de entrevista com Ariela Calanca, diretora de Eu também não te vejo daqui, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.

No final do curta, a noite chega pela janela e escutamos a voz de Calanca, que narra um sonho triste sobre gatos que fazem xixi na cama e a pessoa amada que não vem. A imagem chacoalha e perde a nitidez. Calanca, que nasceu em Taquaritinga, no interior de São Paulo, conta que “lá o único cinema municipal fechou quando ainda era adolescente” e que sente saudades do lugar. O sonho final fala da volta para cidade natal e da visita de pessoas amadas, mostrando como a pandemia tornou “a mais simples realidade uma imaginação” (entrevista, CALANCA, 2021).

Moro sozinha, e nos quatro meses iniciais eu não via ninguém. Saía raramente e fui cada vez sentindo menos vontade de falar com as pessoas. Fui parando de acompanhar as notícias sobre a pandemia. Me isolei num mundo imaginário e tentei passar isso pro filme. As falas das pessoas e sobre a doença vão sumindo. Ficam só as angústias (2021).16 16 Transcrição de entrevista com Ariela Calanca, diretora de Eu também não te vejo daqui, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.

Os trechos aleatórios de conversas vão dando lugar a uma sobreposição em camadas da voz da realizadora que revela aspectos da sua interioridade, da memória e do imaginário. A voz traz memórias afetivas fragmentadas que preenchem o espaço de seu apartamento, oferecendo seu corpo e as janelas como presença arquivada. Em Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma (2021), o cenário é também o ambiente doméstico na sua relação com o corpo físico das realizadoras, Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, e com as palavras escritas sobrepostas às imagens.17 17 O título do curta é homônimo do ensaio de Paul Arthur, presente no livro de Blaetz que comentamos adiante. Fernanda Pessoa vive em São Paulo e trabalha com documentário e videoinstalação. Em 2017, lançou seu primeiro longa-metragem Histórias que nosso cinema (não) contava (Netflix) e, em 2019, dirigiu seu segundo longa documental, Zona árida. Adriana Barbosa é mexicana-brasileira e mora em Los Angeles. Desde 2009, tem feito roteiros e dirigido diversos curtas, como Wax (2009). Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma foi exibido em festivais como: International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA) – Competição de Curtas, 2020; Vienna Shorts, 2021; Hamburg Short International Film Festival, e no Short Waves Festival, 2021. “Fizemos o curta sem dinheiro nenhum, apenas usando nossos próprios recursos e nós mesmas (ou nossos companheiros e pessoas próximas) como equipe e elenco”, contam. O experimento parte da proposta do livro Women 's Experimental Cinema, organizado por Robin Blaetz (2007)BLAETZ, R. (ed.). Women’s Experimental Cinema. Durham & London: Duke University Press, 2009., para formular sua construção epistolar. As duas realizadoras, uma morando em São Paulo (Pessoa) e a outra em Los Angeles (Barbosa), se comunicam por meio de videocartas, cada uma inspirada por uma das cineastas analisadas na coletânea de 16 artigos sobre o trabalho de mulheres do cinema experimental a partir dos anos 1960. “A gente tinha de duas a três semanas para fazer cada carta que deveria ter entre 3 e 6 minutos”. Fernanda Pessoa pensa a proposta do experimento como uma espécie de jogo, um dispositivo de filmagem em que, entre outras coisas, as duas diretoras deveriam seguir a ordem em que as cineastas do livro de Blaetz são apresentadas.

Figura 6 e 7
Adriana olha da janela no final da segunda carta e o panelaço “Fora Bolsonaro”.

Em meio ao jogo que nos propusemos, foi inevitável que fizéssemos paralelos entre Brasil e Estados Unidos porque tínhamos necessidade de compartilhar as similaridades e diferenças do que experimentávamos em cenários político-social parecidos. A incerteza do presente nos fazia indagar pelo futuro

(PESSOA; BARBOSA, 2021).18 18 Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.

Nas quatro videocartas trocadas em Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, há os espaços domésticos onde vivem as diretoras (a sala da casa, o banheiro, os livros espalhados pelo chão) e seus corpos na duração da cena ou de seus respectivos parceiros; elas aparecem tomando banho, olhando o espelho, ouvindo música, à janela (figura 6) — corpos e objetos traduzem a presença arquivada. Vemos também as mobilizações populares nas ruas — o panelaço “Fora Bolsonaro”, no Brasil (figura 7), e as bandeiras de vidas negras importam, nos Estados Unidos — e a hostilidade dos discursos de líderes políticos na TV. Bolsonaro e Donald Trump (ex-presidente dos Estados Unidos) são as imagens tóxicas de um mundo sem empatia e impregnado de preconceitos e violência.

Da perspectiva de duas realizadoras, acompanhamos a sensação do que era estar no Brasil no primeiro semestre de 2020 — os panelaços diários, as notícias na tevê (“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, pergunta Bolsonaro diante do dado das 5 mil mortes em abril de 2020), a cidade que deveria ter parado por um tempo, os trabalhadores que não puderam ficar em casa. Nos Estados Unidos, por sua vez, acompanhamos os protestos do Black lives matter nas ruas, após o assassinato de George Floyd pela polícia. Ficar dentro de casa, a partir de certo momento, não seria mais opção quando o mundo lá fora estava em chamas e as opressões se tornaram evidentes. Para os trabalhadores da construção civil no centro de São Paulo, para o imigrante persa que auxilia na mudança de casa de Adriana Barbosa ou para o caminhoneiro de sorvete que anuncia pelo alto-falante sua chegada, porém, ficar em casa nunca foi opção.

Barbosa conta que “morava há apenas quatro meses em Los Angeles quando o isolamento foi anunciado”. Ela começava a conhecer a cidade, em que o transporte público não é muito acessível, “e, portanto, tinha uma dificuldade enorme de me locomover e entender os espaços” quando o isolamento começou. A forma epistolar do curta, com a obrigação de ter que traduzir o mundo ao redor em imagens, de forma concisa e ao mesmo tempo poética e experimental, “nos fez elaborar e olhar com certo distanciamento para o que acontecia ao nosso redor e conosco”. Acompanhamos o diálogo dessas imagens epistolares com o trabalho de câmera e ritmo dos filmes de Marie Menken (primeira carta); com o olhar e o corpo deslocados de Joyce Wieland durante sua estadia nos Estados Unidos (segunda carta); com o feminismo irônico e as experimentações em camadas de som e imagem nos filmes de Gunvor Nelson (terceira carta); com a percepção de movimentos, individuais ou coletivos, e o uso de uma voz over que comenta a realidade, nos experimentos de Yvonne Rainer (quarta carta).

Ter essas quatro mulheres como inspiração foi uma forma de entender qual a possibilidade de fazer cinema em um momento cheio de restrições: restrições financeiras, porque a gente não tinha recursos financeiros; restrições técnicas, pois só podíamos usar o que tínhamos de equipamento em casa e a restrição mais marcante nesse momento, imposta pelo isolamento social: a restrição do local

(PESSOA; BARBOSA, 2021).19 19 Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.

Alguns aspectos aparecem com recorrência na obra das quatro cineastas homenageadas no curta. O espaço doméstico é usado de forma criativa, subversiva, em um jogo lúdico entre libertação e opressão. Como lembra Blaetz, o uso dos espaços privados provocou uma leitura redutora desse cinema por décadas, sendo considerado um “filme-diário mal feito” (2007, p. 11). Na coletânea, que serve de inspiração para o curta, não há, porém, como destacam as duas diretoras em entrevista, referências a artistas negras e latino-americanas. Tais lacunas funcionaram como gatilho criativo para o longa que acaba de ser feito.20

Queríamos encontrar nomes para incorporar à pesquisa e aplicá-los na nossa correspondência. Para o longa, chegamos a quatro nomes como contraponto de perspectivas, experiências e temas: Narcisa Hirsch, Zeinabu Irene Davis, Ximena Cuevas e Paula Gaitán

(PESSOA; BARBOSA, 2021).21 21 Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.

III – Um corpo para as imagens pobres

Angustura (2021) ficcionaliza uma personagem feminina e anônima que agrega muitas inquietações e dores comuns em tempos de pandemia. Não há traços biográficos, identitários ou sociais e tampouco um rosto. O que existe é uma carta sendo escrita na tela, e o que lemos são palavras que expressam mal-estar, saudade e abandono. Sem a centralidade de uma experiência individual específica, o realizador pernambucano Caio Sales22 define seu experimento como um “filme-carta experimental”.

A personagem feminina foi construída como um exercício de projeção, uma projeção que parte de mim e que se expande num certo estado de espírito coletivo, um mal- estar e certa carência compartilhados; é uma tentativa de falar de um desassossego íntimo, um vácuo no peito que não é necessariamente só meu

(SALES, 2021).23 23 Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

O experimento de Sales retoma imagens online da TV, do cinema, do telejornal e de home vídeos para construir a atmosfera de um tempo distópico em meio ao qual a carta é escrita. Isolada em meio às restrições da pandemia, a personagem se relaciona com o mundo lá fora por meio de imagens de proveniência diversas — clipes de filmes de Luis Buñuel e George Romero disputam espaço junto às imagens das covas abertas em Manaus (AM), ondas do mar, aviões no céu, flores no jardim — que entram na tela em formatos gráficos, ritmos e sonoridades variados. O curta nos conduz pelo mundo mental e emocional da personagem através das imagens pobres.

A artista e pesquisadora Hito Steyerl cunha o termo imagens pobres para investigar formas visuais contemporâneas que assumem explicitamente seu vínculo com a internet. São imagens carregadas, descarregadas, comprimidas, remixadas, partilhadas, reformatadas e reeditadas, são “o lixo que vem parar às margens da economia digital” (STEYERL, 2009STEYERL, H. In Defense of the Poor Image. E-flux journal, nov. 2009.). O ensaio discute a ambivalência dessas imagens que perdem resolução para ganhar velocidade e difusão, transformando qualidade em acessibilidade, filmes em clipes, contemplação em distração. Diferentemente das imagens tóxicas, as imagens pobres não têm orientação ideológica e não evocam necessariamente o mundo pandêmico ou bolsonarista; elas têm um estatuto ilícito ou deteriorado e testemunham a violenta alteração, aceleração e migração do mundo das imagens; testemunham o universo das telas, dos deslizamentos fluidos, dos brilhos e da irradiação.

“Nossa mediação com o mundo ficou inicialmente limitada às telas — pelo menos para quem, como eu, teve o privilégio de poder ficar em casa no período mais crítico da contaminação”, diz Sales. Angustura mostra que, se não há saída em tempos de confinamento e medo, o jeito é reempregar as imagens que estão à nossa volta, “ressignificar para não ser soterrado”. São imagens, como informa nos créditos, colecionadas nas noites de insônia. Antes de Angustura, Sales lembra que realizou um experimento sobre o fluxo de informação em tempos pandêmicos, a infodemia.24

Como fazer reconhecer que, de todas as imagens que nos assaltam diariamente pelas telas, nada é visto? Como olhar o que não nos olha? Além do espaço doméstico e do corpo do cineasta que ocupam a cena como presença arquivada (parte II), há as imagens pobres que se aglomeram, invadem e se sobrepõem. Em vez da indiferença e do esquecimento diante da proliferação de imagens, esses experimentos buscam reconstruir a possibilidade de ver e de escutar, remontando o que chega a nós diariamente. Aprender a ver e a escutar as imagens pobres talvez seja reencontrar a dimensão didática própria à relação do cinema com o espectador.

Eu não queria que as imagens das valas em Manaus fossem exatamente isso, tivessem esse índice com o real, ou que o filme de Romero fosse o filme de Romero, uma citação cinéfila; pra mim, essas imagens tinham que coabitar o filme de modo a criar seu tempo-espaço ficcional. Porque não é uma citação histórica, mas sim montagem de uma realidade própria do filme que se funda nesse trânsito iconográfico

(SALES, 2021).25 25 Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

Angustura, por meio da personagem feminina, traz uma possibilidade de leitura do presente, marcado pelo repertório de imagens de temporalidades diversas. A relação engenhosa entre texto escrito, imagem e sons busca criar, sem qualquer hierarquia, o fluxo de pensamento e da escrita da personagem sem rosto. A correspondência, portanto, não se estabelece como troca de mensagens e não associa o tempo do filme a qualquer tecnologia do nosso tempo. Trata-se de investir na materialidade da carta, da duração longa e cheia de pausas da escrita, da mensagem que viaja pra chegar, talvez, ao seu destino.

Foi em Gravatá, no interior de Pernambuco, que me deparei com a imagem que foi embrião do roteiro: móveis cobertos por um pano branco no terraço de uma casa. Essa imagem despertou um sentimento de suspensão e sufocamento que era o que eu sentia nos primeiros meses da pandemia. Daí também a imagem de alguém com rosto coberto

(SALES, 2021).26 26 Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

Sales refere-se ao plano de uma mulher com o rosto coberto que foi o único feito para o curta (figura 8), não proveniente da internet, realizado “na casa da minha família, em Gravatá, cerca de 1h30 de carro da cidade de Recife”. A dimensão reflexiva, confessional e gráfica do curta dialoga com a obra do fotógrafo estadunidense Duane Michals, inspiração confessa ao explorar “narrativas construídas com fotos e texto escrito à mão”. Escrever sobre as imagens pobres da internet, borrar seu movimento e criar sequencias de textos, figuras e sons evocam dilemas existenciais, criam efeitos sonoros e poéticos.

Figura 8
O plano de uma mulher com o rosto coberto.

Em Minha bateria está fraca e está ficando tarde (2020), os diretores Rubiane Maia e Tom Nóbrega27 27 Rubiane cresceu na cidade de Vitória (ES). Vive em Folkestone, Reino Unido. É artista visual e mestre em psicologia institucional, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Integra o coletivo internacional de artistas Speculative Landscapes, desde 2020. Tom nasceu na cidade de São Paulo e estudou filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Encontramos uma parte de seus trabalhos artísticos online assinados como “Luísa Nóbrega”. Vive entre residências artísticas pelo Brasil e pelo mundo. Os dois têm realizado trabalhos performativos em parceria, como: Banquete (s/d), Jardim (2015), etc. Minha bateria está fraca e está ficando tarde foi exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2021, e no 28º Festival de Cinema de Vitória, em 2021. relatam em entrevista que se deram conta, ainda no início do projeto, que o curta “não era apenas uma conversa sobre a pandemia, mas uma conversa sobre a internet, já que a pandemia de muitas formas hipostasiou nossa relação com o mundo virtual”. Nóbrega acrescenta que não era possível ignorar o fato de que “nossas conversas se davam na mesma interface em que a gente olhava notícias do Brasil, mapas, tabelas e gráficos da pandemia, trocava mensagens com pessoas, assistia falas, trabalhava”.

O curta nasce de uma open call chamada Blue Skies Conversation Series, que convidava artistas, curadores ou criativos em geral a enviarem uma proposta de conversa com outra pessoa com foco na impossibilidade do encontro diante da pandemia.28 28 Disponível em: <https://www.internationalcuratorsforum.org/blue-skies/>. Acesso em: 10 jul. 2021. A conversa poderia abordar qualquer coisa e ter diferentes perspectivas. No entanto, diz Rubiane Maia, “deveria gerar algo que pudesse ser compartilhado com um público no website do International Curators Fórum [ICF]”. Doze propostas foram selecionadas e a de Maia e Nóbrega foi uma delas. “Com isso, recebemos um pequeno grant.” O experimento é uma troca de imagens e impressões entre os dois no primeiro semestre de 2020. Como no curta Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, o tema da amizade entre os realizadores é o mote. A pandemia faz descobrir que os dois amigos, embora próximos do coração, estão distantes no mapa: Rubiane Maia, brasileira, mudou-se para Inglaterra em 2017; Tom Nóbrega, brasileiro, residia no Peru.

A gente, em situações diferentes, compartilhava a angústia de estar fora do Brasil durante a pandemia, o medo de não rever pessoas queridas era muito presente [...] é uma solidão bem específica a de saber que coisas brutais estão acontecendo no teu país, de longe, e não ter alguém por perto para partilhar a mesma agonia e espanto. Então essa troca nos serviu de fio condutor, de amparo

(NÓBREGA, 2021).29 29 Transcrição de entrevista com Rubiane Maia e Tom Nóbrega, diretores de Minha bateria está fraca e está ficando tarde, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

Não se trata, porém, de um curta epistolar. Há encontros pelo Zoom entre os dois diretores que falam sobre estados interiores, o sentido da casa e de viver fora do país, a ideia de morte. Maia evoca imagens do prato com abóbora da infância, da mãe, fala de saudades e medos. Nóbrega fala da sensação de não ter mais rosto, de mudar de pele e de gênero, isto é, de uma ruptura biográfica.

A gente começou a fazer gravações da nossa própria tela enquanto usava o computador e navegava na internet. Esse material acabou por ser tão importante quanto as conversas em si. Começamos a trocar referências sobre o que estávamos lendo e assistindo — porque precisávamos de outras vozes para dar conta da catástrofe. Além de nossas conversas, sentimos necessidade de incluir outras vozes que nos ajudassem a atravessar o momento de uma experiência radicalmente partilhada e traumática mundo afora. Dava vontade de segurar virtualmente a mão das pessoas que estavam nos ajudando a atravessar esse túnel

(NÓBREGA, 2021).30 30 Transcrição de entrevista com Rubiane Maia e Tom Nóbrega, diretores de Minha bateria está fraca e está ficando tarde, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

O realizador refere-se ao trabalho de montagem com as imagens retomadas do universo online, as imagens pobres. “Segurar virtualmente a mão das pessoas que estavam nos ajudando” é selecionar e dar sentido às imagens de Grada Kilomba falando sobre trauma, de Eduardo Viveiros de Castro falando sobre a troca de pele, à performance de Maya Angelou, de Laerte Coutinho, de Ailton Krenak. Segundo os realizadores, a confusão dos primeiros meses da pandemia tornara-se mais digerível graças não apenas aos encontros e às conversas dos dois pela plataforma Zoom, mas também à conexão com essas vozes e imagens disponíveis da internet. “A ideia de ir sobrepondo camadas de imagens, vozes dos outros, nossas vozes, certas cores, texturas acentuavam esse aspecto de confusão e avalanche de informações” (figura 9).

Figura 9
O fluxo das imagens pobres do universo online.

No experimento, vemos também as imagens tóxicas de vozes e vídeos que assombraram as telas dos dois diretores durante os primeiros meses de pandemia — Bolsonaro em meio a avestruzes, as covas abertas em Manaus, as estátuas de senhores de escravos derrubadas na Inglaterra, etc. A maioria das imagens foi retirada da internet e recombinada, com exceção das conversas pelo Zoom. Em alguns diálogos, os fundos do aplicativo são explorados de modo que partes do corpo desapareçam à medida que os diretores se movem. Essas “desaparições pixeladas” (NÓBREGA, 2021) evocam o caráter fantasmagórico das imagens pobres, multiplicadas, deslocadas e apropriadas ao infinito, entre presença e ausência. A escolha pelos jogos de sobreposição de imagens simultâneas surge igualmente para fazer eco às “telas luminosas retangulares onipresentes no nosso cotidiano” (entrevista, NOBREGA, 2021).

Confinados em suas casas, apartados do mundo social e com a vida em risco por causa da presença do coronavírus e de suas variantes, as chances dos cineastas de filmar o mundo lá fora se restringem, dizem os filmes. A presença das coisas e dos seres passa a estar assombrada pela historicidade da covid-19 e pelas configurações espaciais restritivas. Registrar o confinamento do corpo evoca uma experiência do presente arquivada em tempos de morte e negação. O espaço doméstico torna-se gatilho para uma exploração da interioridade, da memória e da imaginação. Diante desse cinema, partilhamos de uma consciência aguda do tempo, porque cada filme restaura às coisas do entorno sua anima e nos ajuda a pensar nas vidas que valem mais, naquelas que valem menos, e naquelas que podem ser descartadas por meio de sua máxima exposição ao risco de contaminação e de morte.

**

Quando criam, discutem e exibem seus experimentos, os diretores atuam como testemunhas de uma experiência histórica traumática. A circulação desses filmes em festivais e sites da internet produzem críticas, ensaios e entrevistas que são breves intervenções na urgência de um presente sombrio. Sem oferecer respostas a esse quadro de extenuação coletiva (DUARTE; CÉSAR, 2020DUARTE, A.; CÉSAR, M. R. Negação da Política e Negacionismo como Política. Revista Educação & Realidade, n. 45, 2020.), os experimentos pelo menos devolvem o sentimento de perplexidade como antídoto ao esquecimento, à indiferença e aos discursos de ódio e intolerância. “William Burroughs e Brion Gysin diziam que quando você faz incisões no presente, o futuro começa a se infiltrar”, lembra Nóbrega. Incisões no presente. Bela imagem para pensar esses experimentos que iluminam as latências tóxicas e que buscam no mundo degradado das imagens pobres suas conexões para fazer um trabalho de memória visando o futuro. São incisões na pele fina do tempo.

No final da entrevista, Furtado diz que “uma das tarefas da arte é produzir memória. O que foi feito está feito e pode ser capaz, de alguma forma, de reorganizar o passado para iluminar o futuro. Tomara”. De modos diferentes, os experimentos analisados fazem perguntas, exibem dúvidas e mostram emoções ambivalentes de impotência e de crença no porvir. Talvez possamos saber no futuro o que tais experimentos terão significado. Talvez não. Sabemos, de todo modo, que não cabe à arte e à cultura postular políticas públicas para um mundo igualitário e justo. O que podemos esperar de ambas é a invenção de novas linguagens e procedimentos poéticos; é o incentivo a novas formas políticas de imaginação que afirmem uma posição crítica aos modos de identificação fáceis. Se há uma potência política na imaginação, como sinaliza Boaventura Santos (na esteira de Hannah Arendt), é porque com ela podemos fazer frente à laboração do passado, edificar o presente e inventar o porvir.

  • 1
    Uma curta biografia dos realizadores e a trajetória de exibição de cada curta entrarão em notas de rodapé.
  • 2
    Transcrição de entrevista com Beth Formaggini, diretora de Ar, feita por e-mail entre os meses de setembro e outubro de 2021.
  • 3
    Dirigiu filmes como Memória para uso diário (2007), Pastor Claudio (2017). Trabalhou na produção e pesquisa de filmes de documentaristas brasileiros. Ar foi exibido no Festival de Curtas do Rio e no Festival Estação Virtual – 35 anos de Cinema Brasileiro, ambos em 2021.
  • 4
    A eleição de Bolsonaro, em 2018, torna-se tragédia humanitária por conta da pandemia, do boicote à vacina, ao uso de máscaras e ao distanciamento social. Durante seu governo, o Brasil torna-se um dos países com o maior número de mortes pelo coronavírus.
  • 5
    Esse trabalho de memória é uma montagem com imagens contemporâneas ao cineasta. Essa discussão dialoga com a reflexão de Didi-Huberman feita com base nos diários de trabalho do dramaturgo Bertold Brecht em seus anos de exílio, em The eye of history: When images take positions, 2018.
  • 6
    Transcrição de entrevista com Cristina Amaral, diretora de Vai passar, feita por e-mail entre os meses de abril e junho de 2021.
  • 7
    Montadora de filmes formada em cinema pela Universidade de São Paulo (USP). Editou filmes como A hora mágica (1997), de Guilherme Prado, Dois córregos (1999), de Reichenbach, Serras da desordem (2006), de Tonacci. Vai passar foi feito a convite do IMS/Quarentena Convida. Disponível em: <https://ims.com.br/convida/>. Acesso em: 11 mar. 2022.
  • 8
    Transcrição de entrevista com Cristina Amaral, diretora de Vai passar, feita por e-mail entre os meses de abril e junho de 2021.
  • 9
    Em Avant-garde film – Motion Studies, MacDonald sublinha que usa avant-garde film como “termo genérico para designar um terreno cinemático que tem sido chamado, em sua história, de ‘underground film’, ‘The New American Cinema’, ‘experimental films’.” Acrescenta que a variedade de nomes demonstra a diversidade e amplitude dessa área na história do cinema e que avant-garde film não é necessariamente um termo mais preciso. (p. 15).
  • 10
    Doane se inspira nas reflexões de Derrida sobre o arquivo, sobretudo Archive fever: a freudian impression. “O arquivável para Derrida — a morte como rota, a finitude — sempre assombra e formata o desejo de arquivo” (p. 222). Nos curtas, as imagens são assombradas pelas vidas que foram perdidas e o luto coletivo negado; assombradas também pelos documentos e obras destruídos nos incêndios na Cinemateca Brasileira (2021) e no Museu Nacional (2018).
  • 11
    Furtado foi um dos fundadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, em 1987, realizando curtas muito premiados, como Barbosa (1988) e Ilha de Flores (1989). Nos anos 1990, passou a trabalhar com roteiros de séries, minisséries e especiais para a TV. Em 2002, estreia como diretor de longa com Houve uma vez dois verões. Durante a pandemia, criou uma série de quatro episódios para a emissora Rede Globo, Amor e Sorte, exibidos em setembro de 2020, com atores que estavam quarentenados em dupla nas suas casas. Cretinália foi feito para o site do IMS/Quarentena convida. Disponível em: <https://ims.com.br/convida/ Acesso em: 12 abr. 2022.
  • 12
    Transcrição de entrevista com Jorge Furtado, diretor de Cretinália, feita por e-mail no mês de maio de 2021.
  • 13
    Transcrição de entrevista com Jorge Furtado, diretor de Cretinália, feita por e-mail no mês de maio de 2021.
  • 14
    Calanca começou a trabalhar em produtoras de cinema na área de montagem, participando de filmes de Luiz Bolognesi, Paula Gaitán e Eryk Rocha. Eu também não te vejo daqui é seu primeiro trabalho solo. Foi exibido no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro, em 2021.
  • 15
    Transcrição de entrevista com Ariela Calanca, diretora de Eu também não te vejo daqui, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.
  • 16
    Transcrição de entrevista com Ariela Calanca, diretora de Eu também não te vejo daqui, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.
  • 17
    O título do curta é homônimo do ensaio de Paul Arthur, presente no livro de Blaetz que comentamos adiante. Fernanda Pessoa vive em São Paulo e trabalha com documentário e videoinstalação. Em 2017, lançou seu primeiro longa-metragem Histórias que nosso cinema (não) contava (Netflix) e, em 2019, dirigiu seu segundo longa documental, Zona árida. Adriana Barbosa é mexicana-brasileira e mora em Los Angeles. Desde 2009, tem feito roteiros e dirigido diversos curtas, como Wax (2009). Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma foi exibido em festivais como: International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA) – Competição de Curtas, 2020; Vienna Shorts, 2021; Hamburg Short International Film Festival, e no Short Waves Festival, 2021.
  • 18
    Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.
  • 19
    Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.
  • 20
    Para o longa-metragem, os diretores conseguiram apoio de um fundo suíço e estão participando de laboratórios internacionais para encontrar parceiros e possibilidades de distribuição.
  • 21
    Transcrição de entrevista com Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa, diretoras de Igual/Diferente/Ambas/Nenhuma, feita por e-mail entre os meses de junho e julho de 2021.
  • 22
    Nasceu em Pernambuco e estudou cinema na Faculdade Maurício de Nassau. Fez intercâmbio na Itália e participou do curso de direção na Scuola Nazionale di Cinema Indipendente (Florença). Fez curtas como Os filmes que moram em mim e Flash warning (2020). Angustura foi realizado com recursos da Lei Aldir Blanc em Pernambuco e, como contrapartida, precisa ficar disponibilizado na internet, por força do edital. Foi selecionado para o Dobra, Festival de cinema experimental, para o Cine PE, para a Mostra Sesc de Cinema, todos em 2021.
  • 23
    Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.
  • 24
    Refere-se a Flash warning (2020), de 3 minutos. Disponível em: <https://vimeo.com/437441943>. Acesso em: 26 out. 2022.
  • 25
    Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.
  • 26
    Transcrição de entrevista com Caio Sales, diretor de Angustura, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.
  • 27
    Rubiane cresceu na cidade de Vitória (ES). Vive em Folkestone, Reino Unido. É artista visual e mestre em psicologia institucional, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Integra o coletivo internacional de artistas Speculative Landscapes, desde 2020. Tom nasceu na cidade de São Paulo e estudou filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Encontramos uma parte de seus trabalhos artísticos online assinados como “Luísa Nóbrega”. Vive entre residências artísticas pelo Brasil e pelo mundo. Os dois têm realizado trabalhos performativos em parceria, como: Banquete (s/d), Jardim (2015), etc. Minha bateria está fraca e está ficando tarde foi exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2021, e no 28º Festival de Cinema de Vitória, em 2021.
  • 28
    Disponível em: <https://www.internationalcuratorsforum.org/blue-skies/>. Acesso em: 10 jul. 2021.
  • 29
    Transcrição de entrevista com Rubiane Maia e Tom Nóbrega, diretores de Minha bateria está fraca e está ficando tarde, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.
  • 30
    Transcrição de entrevista com Rubiane Maia e Tom Nóbrega, diretores de Minha bateria está fraca e está ficando tarde, feita por e-mail entre os meses de junho e agosto de 2021.

Referências

  • BLAETZ, R. (ed.). Women’s Experimental Cinema. Durham & London: Duke University Press, 2009.
  • DANOWSKI, D. Negacionismos São Paulo: editora N-1, 2020.
  • DELEUZE, G. Lógica do sentido São Paulo: Perspectiva, 1974.
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Filmografia

  • AR (2020, duração: 2’48). Direção: Beth Formaggini. Montagem: Marcia Medeiros. Finalização de Som: Damião Lopes.
  • VAI PASSAR (2020, duração: 5’23). Direção e montagem: Cristina Amaral. Cor e finalização: Caio Lazaneo.
  • CRETINÁLIA (2020, duração: 7’06). Direção e roteiro: Jorge Furtado. Montagem: Giba Assis Brasil. Clipe: Alex Sernambi. Edição de som e mixagem: Rafael Rodrigues.
  • EU TAMBÉM NÃO TE VEJO DAQUI (2020, duração: 13’35). Direção e montagem: Ariela Calanca. Música: Fumio Miyashita, Mother Earth.
  • IGUAL/DIFERENTE/AMBAS/NENHUMA (2020, duração: 18’43). Direção, roteiro e montagem: Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa. Desenho de som e mixagem: Julia Teles.Design gráfico: Guilherme Falcão. Efeitos: Thiago Zanato.
  • ANGUSTURA (2020, duração:10’01). Direção, roteiro, montagem e desenho de som: Caio Sales.
  • MINHA BATERIA ESTÁ FRACA E ESTÁ FICANDO TARDE (2020, duração: 27’20). Direção e roteiro: Rubiane Maia e Tom Nóbrega. Montagem e efeitos: Tom Nóbrega.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2022
  • Aceito
    19 Out 2022
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