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“Na cozinha das ciências”: os usos do conceito de epistemologia na pesquisa em comunicação1 1 Uma das fontes deste trabalho é uma pesquisa realizada com auxílio do CNPq – Processo 311528/2019-8. Agradeço aos comentários dos pareceres pelas contribuições, assim como à Profa. Dra. Angela C. S. Marques (PPGCom/UFMG) pela leitura e comentários a uma versão inédita do texto.

In the science’s kitchen: the uses of epistemology concept in communication research

Resumo

Vinte anos atrás, o primeiro livro de epistemologia da comunicação foi publicado no Brasil, organizado por Lopes (2003). Embora já existissem investigações sobre o tema, a obra trouxe a discussão para um público acadêmico mais amplo. As décadas seguintes foram marcadas por um aumento sem precedentes de pesquisas sobre o tema, gerando um número crescente de publicações e eventos a respeito, como as de L. C. Martino (2017), Signates (2018) e Rüdiger (2022). Este texto delineia, com base em pesquisa bibliográfica, os usos do conceito de epistemologia da comunicação nesse período, desde as discussões iniciais até seu desdobramento em um corpo de conhecimento estabelecido. A observação desse movimento sugere uma ausência de consenso sobre o conceito, mas aponta esforços para sua construção no diálogo com perspectivas que ultrapassam a epistemologia clássica e dialogam com propostas não hegemônicas. Discute-se, a partir daí, algumas promessas e limites das trilhas percorridas nessas duas décadas.

Palavras-chave
epistemologia da comunicação; pesquisa em comunicação; genealogia

Abstract

Twenty years ago the first book about communication epistemology was published in Brazil, organized by Lopes (2003). The following decades were marked by an unprecedented increase in research on the subject, generating a growing number of publications and events on it, such as those by L. C. Martino (2017), Signates (2018) and Rüdiger (2022). This text outlines, based on bibliographic research, the uses of the concept of communication epistemology in this period, from the initial discussions to its unfolding into an established body of knowledge. Observation of this movement suggests a lack of consensus on the concept, but points to efforts to construct it in dialogue with perspectives that go beyond classical epistemology and dialogue with non-hegemonic proposals. We discuss, from then on, some promises and limits of the trails traveled in these two decades.

Keywords
epistemology of communication; research in communication; genealogy

Introdução

Pensar é uma ação. Para todas as pessoas que pretendem ser intelectuais, pensamentos são laboratórios aonde se vai para formular perguntas e encontrar respostas, o lugar onde se unem visões de teoria e prática

(hooks, 2020hooks, b. Ensinando pensamento crítico. São Paulo: Elefante, 2020., p. 31).

Há cerca de vinte anos, em 2003, o primeiro livro de epistemologia da comunicação foi publicado no Brasil, organizado por Maria Immacolata V. Lopes (2003)LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12.. Embora investigações sobre o assunto sejam anteriores a essa data, a obra pode ser considerada um dos marcos que levou o tema a um público mais amplo nas pesquisas em comunicação. As duas décadas seguintes foram caracterizadas por um crescimento sem precedentes na área, gerando novos debates epistemológicos e publicações, como as de Ferreira (2007)______. (Org.) Cenários, teorias e epistemologias da comunicação. Rio de Janeiro: E-papers, 2007., Maldonado et alli (2012)MALDONADO, A. E. et alli (org.) Epistemologia, investigação e formação científica em comunicação. Natal: Ed. UFRN, 2012., Morigi, Jacks e Golin (2016)MORIGI, V. J.; JACKS, N.; GOLIN, C. Epistemologias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016., Lopes (2016)______. (org). Epistemologia da comunicação no Brasil: em trajetórias autorreflexivas. São Paulo: ECA/USP, 2016., L. C. Martino (2017)______. Escritos sobre epistemologia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2017., Del Bianco e Lopes (2020)DEL BIANCO, N.; LOPES, R. S. (Orgs.) Comunicação: epistemologia e contribuições científicas. São Paulo: Socicom, 2020., Signates (2018)SIGNATES, L. A comunicação como ciência básica tardia. E-Compós, v. 21, n. 2, p. 1-15, 2018. e Rüdiger (2022)RÜDIGER, F. Epistemologia da Comunicação no Brasil. São Paulo: Milfontes, 2022..

Evidentemente, há algo de arbitrário ao se falar em vinte anos de pesquisa sobre o tema: cronologias não deixam de ser um exercício de classificação baseadas em alguns critérios prévios. E, por isso mesmo, representam uma possibilidade: há sempre uma alternativa, um fato deixado de lado, uma autora ou autor pioneiro, uma obra precursora que altera a linha temporal até então considerada. A indicação de uma data (“70 anos da pesquisa sobre mídia” ou “80 anos dos estudos de comunicação”) precisa ser tomada com cautela e entendida mais como uma referência — afinal, mesmo na desconstrução é preciso se basear em algum lugar, lembra Spivak (2008)SPIVAK, G. C. In other worlds. Londres: Routledge, 2008. ― do que como algo definitivo.

Na história de uma área do saber, lembra Bachelard (2006)______. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006., as rupturas, mudanças de rumo e os temas caminham lado a lado com as continuidades, em uma trama complexa de linhas de força: uma obra considerada hoje um divisor de águas sobre um assunto pode ter passado despercebida na época de sua publicação; ou, caso contrário, livros, autoras e autores muito conhecidos em seu tempo poderiam, hoje, estar quase esquecidos.

A transformação de uma autora, um autor, tema ou obra em um clássico de uma área está ligada, em alguma medida, a sua aceitação pelos participantes desse campo. Isso vai desde citações ocasionais (menções em artigos sobre temas próximos, referência secundária em programas de ensino) até as mais altas instâncias de consagração (convites para aulas magnas, eventos ou números de revistas acadêmicas sobre a obra, onipresença nas bibliografias de cursos, menção quase obrigatória em trabalhos monográficos). Soma-se a isso as recomendações em sala de aula ou em reuniões de orientação — que, em um nível mais cotidiano, se traduz também no entusiasmo da recomendação e no tempo utilizado para isso em uma aula, orientação ou palestra.

A consolidação de um tema não diz respeito somente à qualidade da discussão, nem apenas a um jogo mais ou menos orquestrado de relações interpessoais. Como recorda Bourdieu (1975BOURDIEU, P. La spécificité du champ scientifique et les conditions sociales du progrès de la raison. Sociologie et sociétés, v. 7, n. 1, p. 91-118. Paris: 1975., 1976)______. Le champ scientifique. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 2, n. 2-3, p. 88-104, jun. Paris: 1976., é necessário resistir à tentação de reduzir a importância de um tema apenas ao seu valor (postura às vezes com ressonâncias de certa resignação heroica de esperar o reconhecimento futuro) ou resumir a validade de uma ideia às relações pessoais de suas autoras ou autores (bastaria, para ter sucesso, participar do grupo correto). Se é possível admitir a existência de casos em um ou outro extremo, as trajetórias tendem a oscilar entre os dois polos, mantendo uma preocupação tanto com a qualidade quanto com o reconhecimento entre colegas. Tendo essas limitações em mente, mas também as potencialidades de análise, pode-se demarcar um início das reflexões sobre epistemologia da comunicação há cerca de vinte anos.

O Grupo de Trabalho Epistemologia da Comunicação, da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, a Compós, foi criado em 2001. Sua atividade ininterrupta sugere a vitalidade da discussão: há, até agora, mais de duzentos trabalhos de pesquisadoras e pesquisadores que se mobilizaram anualmente para debater questões teóricas, metodológicas e conceituais ligadas à prática de pesquisa. Esse movimento na comunidade acadêmica gerou um capital científico suficiente para se tornar, ele mesmo, objeto de estudos, como os de L. M. Martino (2014)______. Trilhas de um espaço de pesquisa: o GT Epistemologia da Comunicação da Compós. Comunicação, Mídia e Consumo, v. 11, n. 1, p. 159-177, 2014. ou Mattos e Soares (2023)MATTOS, M. A.; SOARES, T. (Orgs). Cartografias do comunicacional e subjetividades. Belo Horizonte: UFMG/Selo PPGCOM, 2023..

É possível também apontar uma segunda data, pautada na publicação mencionada inicialmente, do livro Epistemologia da comunicação, organizado por Lopes (2003)______.; LOPES, M. I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12.. É sintomático que, vinte anos depois, seja publicada outra obra de mesmo título, de Rüdiger (2022)RÜDIGER, F. Epistemologia da Comunicação no Brasil. São Paulo: Milfontes, 2022.. A datação de duas décadas entre as obras leva em consideração, como marco, a publicação de livros, e não de artigos. Essa escolha se pauta na questão do acesso, dentro de certa cultura acadêmica das ciências sociais que parece privilegiar a leitura do livro, e não a do artigo. O ponto traz alguma tensão quanto às questões de avaliação da área quando se pensa em um modelo embasado nas ciências duras, nas quais o artigo, e não o livro, é o instrumento de divulgação do saber ? como se vê nas discussões de França e Prado (2014)______.; PRADO, J. L. A. Comunicação como campo de cruzamentos, entre as estatísticas e o universal vazio. Questões transversais, v. 1, n. 2, , jul./dez. São Leopoldo: 2014, p. 76-82. ou L. M. Martino (2021)______. Publicar ou Perecer? Três dimensões da publicação em periódicos acadêmicos na epistemologia da comunicação. ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 30. Anais.... São Paulo: PUC-SP, 27 a 30 de julho de 2021..

Além desses livros, a segunda fonte empírica referente à formulação de um pensamento epistemológico em comunicação foram artigos publicados entre 1980 e 2018 em quatro revistas acadêmicas, Intercom, Comunicação & Informação, Logos e Famecos, selecionadas por sua longevidade cronológica e distribuição regional, totalizando 76 textos — amostra sem pretensão à representatividade estatística. Por razões de espaço, esses textos não estão citados nominalmente neste artigo.

Com base nesse material, questiona-se: O que vem sendo discutido sob esse tema? Quais as tensões e os questionamentos presentes nessas discussões? Não existe aqui a pretensão de chegar a respostas prontas e acabadas, mas a delinear essas perguntas em algumas de suas variadas expressões. Como indica Bourdieu, na citação de onde foi retirado o título deste texto:

Produto acabado, a opus operatum esconde o modus operandi. O que circula entre os pesquisadores e os não-especialistas, ou mesmo entre uma ciência e os especialistas em outra ciência, é no melhor dos casos um resultado, jamais a maneira como se chega a ele. Nunca se entra na cozinha das ciências

(BOURDIEU, 1983______. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983., p. 183).

Em obra intitulada, igualmente, La cocina de la investigación, os organizadores Rosa e Saur (2017)ROSA MARTINES, F.; SAUR, D. (orgs.) La cocina de la investigación. Córdoba, AR: Eduvim, 2017. indicam também a necessidade de olhar criticamente as práticas de elaboração do conhecimento acadêmico como parte integrante de uma pesquisa. Nessa perspectiva, não será feito aqui um estudo das obras intituladas epistemologia da comunicação em ordem cronológica, mas sim uma busca por seus aspectos comuns, delineando quais saberes ― e o uso dos conceitos, métodos e teorias — são colocados sob esse nome.

O texto está dividido em três partes: (1) situam-se, inicialmente, as discussões epistemológicas no contexto do desenvolvimento da área de comunicação para, então, (2) destacar a epistemologia como lugar de discussão e questionamentos sobre a prática, e não de imposição de normas, e, por fim, (3) problematizar seus limites e a crítica à formação de um pensamento epistemológico na comunicação.

As condições de formação de um pensamento epistemológico na comunicação

O desenvolvimento de estudos epistemológicos na comunicação pode ser considerado tardio, sobretudo quando se pensa que a área enfrenta, desde a origem, problemas a esse respeito (MARTINO, 2011______. O que foi teoria da comunicação? Um estudo da bibliografia entre 1967-1986. Comunicação Midiática, v. 6, n. 1, p. 28-39, 2011., 2018a______. Genealogia dos conceitos na teoria da comunicação: esboço de um panorama. Revista Alaic, v. 15, nº 1, p. 24-35. São Paulo: 2018a.). Desde os anos 1960, há textos discutindo teorias, métodos e conceitos da comunicação, bem como sua institucionalização e ensino (PIGNATARI, 1967PIGNATARI, D. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo: Perspectiva, 1967.; SÁ, 1971SÁ, A. (org.) Fundamentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1971.; MELO, 1973MELO, J. M. Comunicação social: teoria e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1973.; COHN, 1969COHN, G. Sociologia da comunicação. São Paulo: Pioneira, 1969., 1971______. (Org.) Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Pioneira, 1971.; DORIA, 1972DORIA, F. Dossiê. In: Revista de Cultura Vozes, No. Especial Escolas de Comunicação e Profissionalização. Petrópolis: Vozes, ano 66, vol. 66 nº 8, Outubro 1972.; LINS DA SILVA, 1978LINS DA SILVA, C. E. Teoria da comunicação. In: FADUL, A.; MELO, J. M. Ideologia e poder no ensino de comunicação. São Paulo: Cortez, 1978.). No entanto, essas discussões ganham contornos mais nítidos somente a partir dos anos 2000.

Na introdução do livro Epistemologia da comunicação, Lopes e França (2003)LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12. referiam-se ao momento como definidor de problemáticas em plena efervescência:

Uma das marcas distintivas dos atuais estudos de comunicação é o crescimento das análises auto-reflexivas, ou seja, críticas da própria prática de pesquisa. E elas não só são úteis mas também indispensáveis, pois traduzem a reflexão de uma ciência sobre si própria, a qual aclara seu campo de atuação, seus procedimentos, o valor de seus resultados e o âmbito de suas possibilidades

(LOPES; FRANÇA, 2003, p. 10).

Vale destacar, brevemente, alguns momentos da formação de um pensamento epistemológico da área. Toma-se, aqui, a liberdade de trabalhar com base em pontos debatidos em outros momentos (MARTINO, 2008MARTINO, L. M. S. A ilusão teórica no campo da comunicação. Famecos, v. 36, p. 120-130, 2008., 2011______. O que foi teoria da comunicação? Um estudo da bibliografia entre 1967-1986. Comunicação Midiática, v. 6, n. 1, p. 28-39, 2011., 2018a______. Genealogia dos conceitos na teoria da comunicação: esboço de um panorama. Revista Alaic, v. 15, nº 1, p. 24-35. São Paulo: 2018a., 2018b______. Dos “Fundamentos Científicos” à “Teoria da Comunicação”: uma controvérsia epistemológica nas origens da área. Comunicação & Informação, v. 21, nº 1, p. 107-122, 2018b., 2018c______. Esboço de um panorama das teorias da comunicação: uma aula inaugural. Líbero, v. 11, n. 21, p. 4-17, 2018c.).

Institucionalmente, a área de comunicação é criada no final dos anos 1960 e implementada ao longo da década seguinte. Dirigida com base em definições do governo federal, durante o regime militar, agrega os cursos existentes na área (jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas, cinema, editoração etc.) em um único curso universitário, ao qual se dá o nome de comunicação social.

O imbróglio começa aí: segundo Pignatari (1967)PIGNATARI, D. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo: Perspectiva, 1967., já não havia consenso em torno do nome (entre outras propostas, estavam comunicação coletiva, descartado por uma suposta carga ideológica). Um segundo desafio era o que ensinar em um curso de comunicação, sobretudo porque seu objetivo não era formar comunicólogas e comunicólogos, mas profissionais de relações públicas, publicitários, jornalistas, e assim por diante.

O problema rapidamente ultrapassou a esfera do ensino e chegou ao aspecto teórico: quais disciplinas, quais teorias, se ensina em comunicação? A julgar pelos livros-texto do período 1967-1981, os temas iam da biologia celular até efeitos da comunicação de massa, passando pela matemática e pelas relações interpessoais. A percepção de alunas e alunos sobre esse cenário estava longe de ser das melhores, como sugere o depoimento de um estudante da época: ao final do curso, receberia “um diploma de nada, porque uma Escola de Comunicação é uma escola de nada, é uma escola onde se leciona de tudo, tudo e nada” (DORIA, 1972DORIA, F. Dossiê. In: Revista de Cultura Vozes, No. Especial Escolas de Comunicação e Profissionalização. Petrópolis: Vozes, ano 66, vol. 66 nº 8, Outubro 1972.).

Os livros intitulados Teoria da comunicação publicados nesse período se voltam para o problema, ao mesmo tempo que os textos voltados para questões de ensino se perguntam como dar conta de reunir todas essas abordagens teóricas, conceituais e metodológicas em um todo coerente e ainda contribuir para a formação de profissionais (LIMA, 1983LIMA, V. Repensando as teorias da comunicação. In: MELO, J. M. Teoria e pesquisa em comunicação. São Paulo: Intercom: Cortez, 1983. p. 32-40., 2001______. Mídia. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.). Instalam-se algumas dicotomias — formação teórico-humanística versus formação técnico-prática; estudar a mídia versus estudar a comunicação; especificidade disciplinar versus interdisciplinaridade ? que parecem ter tido uma longa sobrevivência na área. Não por acaso, aparecem na época as primeiras reflexões críticas sobre o ensino, com questionamentos sobre os currículos (Quais disciplinas formam um curso de comunicação?) e as teorias em circulação na área (O que é teoria da comunicação?).

Esse debate sobre os fundamentos da comunicação acontecia em um momento de rápida e contraditória modernização socioeconômica do país, que demandava um quadro de profissionais capazes de lidar com a indústria cultural rapidamente estabelecida no país (ORTIZ, 1994ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1994.; ORTIZ, BORELLI, RAMOS, 1989ORTIZ, R.; BORELLI, S. H. S.; RAMOS, J. M. O. Telenovela, história e produção. São Paulo: Brasiliense, 1989.). Isso levou ao aumento de cursos superiores de comunicação para atender a essa demanda — Neotti (1972)NEOTTI, C. Editorial: In: Revista de Cultura Vozes, No. Especial Escolas de Comunicação e Profissionalização. Petrópolis: Vozes, Ano 66, , Vol. 66 no. 8, Out. 1972. listava 43 no início da década de 1970.

Em 1977, com a criação da Intercom e um amplo trabalho de interlocução com sociedades correlatas de outros países, observa-se a tematização dessas problemáticas iniciais. Esse movimento se confirma, nos anos 1990, com a formação da Compós, e o surgimento de outras associações científicas da área. Na década de 1970, surgem ainda os primeiros programas de pós- graduação. Sua expansão, nos anos 1990-2000, leva ao enfrentamento de problemas teóricos e práticos acumulados ao longo de mais de trinta anos. Para isso, tornava-se necessário retornar aos fundamentos da área. Datam desse momento, a título de exemplo, discussões sobre o objeto e as fronteiras do campo e das teorias da comunicação, como abordado em Cohn et alli (2001)______. et alli. Campo da Comunicação. João Pessoa: Ed. UFPB, 2001., Trivinho (2001)TRIVINHO, E. O mal-estar na teoria. São Paulo: Quartet, 2001., Hohfeld, Martino e França (2001)HOHFELDT, A.; MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. R. V. (Orgs.) Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001., L. C. Martino (2003)MARTINO, L. C. As epistemologias contemporâneas e o lugar da comunicação. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 69-101., França (2001)FRANÇA, V. Paradigmas da Comunicação: conhecer o quê? In: MOTTA, L. G.; FRANÇA, V., PAIVA, R. e WEBER, M. H. Estratégias e culturas da comunicação. Brasília: UnB, 2001. e L. C. Martino (2003)MARTINO, L. C. As epistemologias contemporâneas e o lugar da comunicação. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 69-101. e Weber, Bentz e Hohfeldt (2002)WEBER, M. H.; BENTZ, I.; HOHFELDT, A. (Orgs.) Tensões e objetos da pesquisa em comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2002..

É nesse contexto que surge o livro organizado por Lopes (2003)LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12., primeiro a trazer no título a palavra epistemologia. A obra era fruto do III Seminário Interprogramas de Pós-Graduação em Comunicação, realizado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) em 7 e 8 de novembro de 2002. O objetivo, assinalam Lopes e França (2003, p. 9), era trabalhar “aspectos que são cruciais” para o “reconhecimento intelectual e que dizem respeito à própria construção do conhecimento na área”. “Tais aspectos são notadamente de ordem epistemológica e teórico-metodológica”, destacam (LOPES; FRANÇA, 2003LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12., p. 9).

Ao que tudo indica, há um intervalo de mais de dez anos até a próxima publicação com esse título. A investigação sobre o assunto, no entanto, se manteve plenamente ativa, seja no GT Epistemologia da Comunicação, da Compós, seja na publicação de artigos, ou ainda em debates a respeito do tema em congressos de outras associações científicas.

Essa preocupação epistemológica vai se ramificar de várias maneiras. Há reflexões voltadas para a prática de pesquisa, como em Lopes (2006)______. O campo da comunicação: sua constituição, desafios e dilemas. Famecos, v. 1, nº 30, p. 16-30, ago. Porto Alegre: 2006., França e Lopes (2003)______.; LOPES, M. I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12. e em Peruzzo (2018)PERUZZO, C. M. K. Apontamentos para epistemologia e métodos na pesquisa em comunicação no Brasil. Comunicação e Sociedade, v. 33, p. 25-40. Lisboa: 2018.; sobre as transformações da comunicação no ambiente das mídias digitais, como em Felinto (2011)FELINTO, E. Da teoria da comunicação às teorias da mídia: ou, temperando a epistemologia com uma dose de cibercultura. Eco-Pós, v. 14, n. 1, p. 233-249. Rio de Janeiro: 2011., Correa (2008)CORREA, E. S. Reflexões para uma epistemologia da comunicação digital. Observatório, Vol. 4, , nº 1. Palmas: 2008, pp. 307-320., Soares (2018)SOARES, A. T. N. Epistemologia, métodos e teorias da comunicação na era do big data. Comunicação e Sociedade, v. 33, p. 151-166, 2018. e Lemos (2020)LEMOS, A. Epistemologia da comunicação, neomaterialismo e cultura digital. Galáxia, nº 43, p. 54-66, jan.-abr. São Paulo: 2020.; além de discussões sobre a história do campo e do saber comunicacional, como em França (2001)FRANÇA, V. Paradigmas da Comunicação: conhecer o quê? In: MOTTA, L. G.; FRANÇA, V., PAIVA, R. e WEBER, M. H. Estratégias e culturas da comunicação. Brasília: UnB, 2001., L. C. Martino (2017)______. Escritos sobre epistemologia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2017., Signates (2018)SIGNATES, L. A comunicação como ciência básica tardia. E-Compós, v. 21, n. 2, p. 1-15, 2018., L. M. Martino (2011)______. O que foi teoria da comunicação? Um estudo da bibliografia entre 1967-1986. Comunicação Midiática, v. 6, n. 1, p. 28-39, 2011., França e Prado (2014)FRANÇA, V. Paradigmas da Comunicação: conhecer o quê? In: MOTTA, L. G.; FRANÇA, V., PAIVA, R. e WEBER, M. H. Estratégias e culturas da comunicação. Brasília: UnB, 2001., Fiebig (2015)FIEBIG, M. F. “Me empresta esse conceito?”: uma tentativa de transpor noções da epistemologia da comunicação para o campo da cibercultura. VIII ENCONTRO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO. Anais… Curitiba: UFPR, 2015. ou Prado (2015)PRADO, J. L. A. Comunicação como epistemologia do sul: do reconhecimento à emergência do acontecimento. Matrizes, v. 9, n. 2, p. 109-125, jul.-dez. São Paulo: 2015.. A busca de um conceito de comunicação é objeto de debate entre Braga (2001BRAGA, J. L. Constituição do campo da comunicação. In: VVAA. Campo da comunicação. João Pessoa: Ed. UFPB, 2001; 2010______. Nem rara, nem ausente - tentativa. Matrizes. Vol. 4, nº 1. São Paulo: 2010, pp. 65-81.; 2012)______. Interação como contexto da comunicação. Matrizes, Vol. 6, nº 1-2. São Paulo: 2012, pp. 25-42., Marcondes Filho (2011)MARCONDES FILHO, C. Duas doenças infantis da comunicação: a insuficiência ontológica e a submissão à política. Matrizes. Vol. 5, nº 1. São Paulo: 2011, pp. 169-178. e Ferrara (2014)______. A comunicação: da epistemologia ao empírico. Trabalho apresentado no XXIII Encontro da Compós. Belém, maio 2014..

Outras ramificações derivam da contínua produção do GT Epistemologia da Comunicação, da Compós, como os livros organizados por Ferreira (2007)______. (Org.) Cenários, teorias e epistemologias da comunicação. Rio de Janeiro: E-papers, 2007., Ferreira, Pimenta e Signates (2010)______.; PIMENTA, F. J. P.; SIGNATES, L. (Orgs.) Estudos de comunicação: transversalidades epistemológicas. São Leopoldo: Unisinos, 2010. ou Braga et alli (2013)______; et alli (Orgs.) 10 perguntas sobre a produção de conhecimento em Comunicação. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2013, a revista Questões Transversais, dedicada ao tema, além de discussões em colóquios, encontros e seminários. A publicação, por Lopes (2016)______. (org). Epistemologia da comunicação no Brasil: em trajetórias autorreflexivas. São Paulo: ECA/USP, 2016., do livro Epistemologia da comunicação no Brasil: trajetórias auto-reflexivas, indica a consolidação desses debates.

Assim como o livro anterior, ele resultou de um seminário sobre o tema realizado na ECA/USP em 30 de março de 2015. Como Lopes (2016, p. VII)______. (org). Epistemologia da comunicação no Brasil: em trajetórias autorreflexivas. São Paulo: ECA/USP, 2016. afirma na introdução do livro, se o trabalho anterior “Respondia, então, a uma demanda ainda embrionária de debates sobre o tema da epistemologia da Comunicação”, o segundo trabalho apresentava um desenvolvimento nesse cenário:

Hoje, mais de 10 anos depois, verifica-se ter sido notável o crescimento das análises crítico-reflexivas sobre as práticas da pesquisa e dos estudos na área. Elas têm se mostrado não somente úteis, mas principalmente indispensáveis, pois traduzem a reflexão de uma ciência sobre si própria e contribuem para aclarar seu campo de atuação, seus procedimentos, o valor de seus resultados e o âmbito de suas possibilidades. Se, por um lado, essas análises são sinais de maturidade do campo, por outro, reproduzem-se críticas e insatisfações com o estado atual do campo

(LOPES, 2016______. (org). Epistemologia da comunicação no Brasil: em trajetórias autorreflexivas. São Paulo: ECA/USP, 2016., p. VII).

Vale notar a presença desse foco de investigação em pesquisas internacionais, ainda que nem sempre se use o termo epistemologia. O aspecto da comunicação como disciplina acadêmica é discutido, por exemplo, por Craig (1999)CRAIG, R. Communication Theory as a Field. Communication Theory, v. 9, nº 2, p. 24-32. Oxford: 1999., Nordenstreng (2007)NORDENSTRENG, K. Discipline or field? Nordicom Review, n. Especial, p. 211-222. Oslo: 2007., Herbst (2008)HERBST, S. Disciplines, intersections, and the future of Communication Research. Journal of Communication, 58, p. 603-614. Oxford: 2008., Pfau (2008)PFAU, M. Epistemological and disciplinary intersections. Journal of Communication, 58, v. 1, p. 597-602. Oxford: 2008. e Lang (2013)LANG, A. Discipline in crisis? The shifting paradigm of mass communication research. Communication Theory, v. 23, nº 1, p. 10-24. Londres: 2013.. Guardadas as diferenças, um ponto em comum é a dificuldade encontrada em reduzir a comunicação a uma disciplina, propondo-se a ideia de um campo formado pelo cruzamento de ideias e conceitos. Em sentido semelhante, Donsbach (2006)DONSBACH, W. The identity of communication research. Journal of Communication, v. 56, nº 1, p. 437–448. Oxford: 2006., Sherry (2010)SHERRY, J. L. The Value of Communication Science. Journal of Applied Communication Research, v. 38, n. 3, p. 302-306, 2010. e Calhoun (2011)CALHOUN, C. Communication as social science. International Journal of Communication, v. 1, n. 5, p. 1479-1496. California: 2011. discutem o que há de específico e científico na comunicação em diálogo com as ciências sociais; Löbisch e Scheu (2011)LÖBLICH, M.; SCHEU, A. M. Writing the History of Communication Studies: A Sociology of Science Approach. Communication Theory, v. 1, n. 21, p. 1-22. Londres: 2011., Jensen e Neuman (2013)JENSEN, K. B.; NEUMAN, W. R. Evolving paradigms of Communication Research. International Journal of Communication, v. 1, n. 7, p. 230-240. Londres: 2013. e McQuail (2013)McQUAIL, D. Reflections on paradigm change in communication theory and research. International Journal of Communication, v. 7, n. 1, p. 216-229. Califórnia: 2013. discutem as transformações nos estudos de comunicação, enquanto, em termos práticos, Hanitzsch (2013)HANITZSCH, T. Writing for Communication Theory. Communication Theory 23, n. 1. Oxford: 2013, p. 1-9. e Zelizer (2015)ZELIZER, B. Making communication theory matter. Communication Theory, v. 25, n. 1, p. 410-415, 2015. apresentam uma metarreflexão sobre o aspecto teórico da comunicação na produção científica. Os problemas epistemológicos, ao que tudo indica, atravessam toda a pesquisa em comunicação, mesmo quando esse nome não é diretamente usado.

O lugar da epistemologia na pesquisa em comunicação

Na apresentação de seu livro, Lopes e França assinalavam a necessidade de

[...] avançar nessas discussões reflexivas e no trabalho sistemático de reconhecimento das condições concretas e específicas de nossa prática científica feita de tensões entre tradições e inovações intelectuais, de convergências e divergências entre categorias, conceitos e noções, de perspectivas multi, inter e transdisciplinares, da consciência crescente da complexidade do objeto da comunicação

(LOPES; FRANÇA, 2003LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12., p. 10).

A produção epistemológica sugere essa direção. Toda pesquisa, em algum momento, levanta questões epistemológicas — cada pesquisa é um microcosmos de sua área. Ainda que não se escreva uma linha sobre epistemologia em um artigo, dissertação ou tese, as escolhas feitas, do tema ao referencial, significam algum posicionamento em relação às práticas científicas de sua área.

A reflexão é que vai dar sentido ao fenômeno inicial, sugerindo uma sequência orgânica de pesquisas, uma perspectiva racional de experiências. Não podemos confiar a priori na informação que o dado imediato pretende fornecer. Não é um juiz, nem mesmo uma testemunha; é um acusado, e acusado que mais cedo ou mais tarde será culpado de mentira. O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão

(BACHELARD, 2012______. Estudos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012., p. 13).

Saber incorporado, mas nem sempre mostrado, a epistemologia, na prática de pesquisa, muitas vezes é uma referência invisível e invisibilizada que aparece apenas em momentos de dificuldade, quando não de pânico (Minha pesquisa é de comunicação?; Posso estudar isto?). É, então, necessário retomar os fundamentos para orientar a prática. Em outro nível, chega-se a uma nova indagação (Por que esta pesquisa seria de comunicação?; O que é uma teoria da comunicação?).

A epistemologia parece se apresentar como um aglomerado de perguntas às quais se retorna quando é necessário fundamentar uma discussão (CARRILHO; SÁÀGUA, 1991CARRILHO, M. M.; SÁÀGUA, J. Objetivos e fronteiras do conhecimento. In: CARRILHO, M. M. (org.) Epistemologia: posições e críticas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1991, pp. VII - L.). Trata-se de fazer perguntas, e não de definir normas. Diante de uma pesquisa em comunicação, uma perspectiva epistemológica não diz deve ser assim, mas questiona Por que esse tema é de comunicação?, Que definição de comunicação está sendo usada aqui?, Quais teorias ou conceitos estão sendo acionados, e sob quais critérios? ou Qual sua validade para produzir conhecimento?. A escolha de um objeto, um recorte e uma forma de abordagem não são derivados de uma epistemologia fechada e acabada, o que talvez lhe atribuísse um caráter normativo, mas são, ao contrário, constituintes da dinâmica epistemológica da área.

Na prática acadêmica, isso pode ser notado tanto nas reuniões de orientação, quando se tem a oportunidade de verificar as potências e os limites epistemológicos de uma pesquisa, quanto na imagem que por vezes se faz dos saberes epistemológicos como uma normativa sobre as atividades de pesquisa.

Qual o lugar, nas práticas de orientação, para uma reflexão sobre a pesquisa? Como trabalhar a genealogia dos conceitos, a relação de um tema com as pesquisas da área ou a história da pesquisa sobre um objeto? Na velocidade das lógicas de produção e dos prazos a cumprir, isso tende a ser cada vez mais raro — o tempo de reflexão crítica nem sempre resiste às exigências do cronograma. Esse cenário parece dizer alguma coisa sobre a posição do debate epistemológico nas pesquisas em comunicação.

Discussões a respeito de questões epistemológicas, no ambiente universitário, seja em cursos de graduação ou pós-graduação, costumam estar situadas em disciplinas como teoria da comunicação ou metodologia de pesquisa, se tanto (MARTINO, 2011______. O que foi teoria da comunicação? Um estudo da bibliografia entre 1967-1986. Comunicação Midiática, v. 6, n. 1, p. 28-39, 2011.; 2018a______. Genealogia dos conceitos na teoria da comunicação: esboço de um panorama. Revista Alaic, v. 15, nº 1, p. 24-35. São Paulo: 2018a.). O nome também não é familiar quando se pensa nos objetos de pesquisa — em geral, sobretudo em um primeiro momento, pesquisas tendem a se orientar para objetos empíricos, digamos, uma notícia, uma série de TV ou uma interação em rede social. Não parece existir, de imediato, um fenômeno epistemológico no sentido que se poderia estudar um produto de comunicação. Não sem uma nota de ironia, Popper (2002, p. 5)POPPER, K. R. Conjectures and refutations. Londres: Routledge, 2002. lembra que a epistemologia “é reputada como a mais abstrata e remota, e completamente irrelevante, parte da filosofia pura”.

O recorte é pautado sobretudo pela metainvestigação, denominada por Mattos, Barros e Oliveira (2018)MATTOS, M. A.; BARROS, E.; OLIVEIRA, M. E. (Orgs.). Metapesquisa em comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2018. e Mattos e Soares (2023)MATTOS, M. A.; SOARES, T. (Orgs). Cartografias do comunicacional e subjetividades. Belo Horizonte: UFMG/Selo PPGCOM, 2023. como metapesquisa: a materialidade de um saber epistemológico estaria na investigação do próprio saber. Mas qual é a perspectiva dessa investigação? Com base em qual ponto de vista se estuda o saber? O que distinguiria um saber epistemológico de outras abordagens, como a sociologia da ciência, a teoria do conhecimento ou a metodologia de pesquisa?

No livro organizado por Lopes (2003)LOPES, M. I. V. FRANÇA, V. R. V. Introdução. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 3-12., Lucrécia Ferrara (2003, p. 55)FERRARA, L. D’A. Epistemologia da Comunicação: além do sujeito e quem do objeto. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 55-68. coloca essas questões sobre epistemologia questionando, justamente, “Por onde começar?”. A pesquisa, para a autora, é formada do encontro entre epistemologia, metodologia e teoria do conhecimento. Na mesma publicação, Duarte (2003)DUARTE, E. Por uma epistemologia da Comunicação. In: LOPES, Maria I. V. (Org.) Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 41-52. e L. C. Martino (2017)______. Escritos sobre epistemologia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2017. discutem a relação entre uma epistemologia da comunicação e os fenômenos empíricos ? e quais, em uma definição epistemológica, seriam os fenômenos comunicacionais. É necessário construir algum ponto em comum para erigir as discordâncias: uma das características de uma área do saber, recorda Bourdieu (2021)______. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Ed. 70, 2021., é o fato de seus participantes “concordarem em discordar”, assumindo um ponto de partida comum para, em seguida, derivar suas tomadas de posição.

O delineamento desse campo vem sendo feito com base no retorno sistemático a questões básicas da área: O que é comunicação? Qual seu objeto de estudos? O que é teoria da comunicação? Em quais condições políticas, sociais e subjetivas, se dá a produção de um conhecimento sobre comunicação? Que autoras e autores vêm contribuindo para isso? Quais fenômenos são trazidos para um olhar comunicacional? Como se constitui e o que caracteriza esse olhar?

A epistemologia da comunicação, nos trabalhos examinados, se pauta em problemas concretos, constituindo-se como um espaço entre a singularidade de cada pesquisa e o conjunto de problemáticas da área.

A epistemologia entre a norma, a pergunta e a inexistência

Dos impasses e debates teóricos até elementos práticos da pesquisa, a epistemologia está presente como pergunta sobre as atividades científicas. Nesse sentido, a comunicação “é ciência tanto quanto qualquer ciência social pode ser ciência”, recorda L. C. Martino (2017, p. 7)______. Escritos sobre epistemologia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2017., posição discutida também por Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004)ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004., Calhoun (2011)CALHOUN, C. Communication as social science. International Journal of Communication, v. 1, n. 5, p. 1479-1496. California: 2011., Martino (2018a)______. Genealogia dos conceitos na teoria da comunicação: esboço de um panorama. Revista Alaic, v. 15, nº 1, p. 24-35. São Paulo: 2018a. e Carvalho (2020)CARVALHO, C. Epistemologia das Ciências Sociais. Galáxia, v. 1, n. 44, p. 115-128, maio-ago. São Paulo: 2020.. “La ‘ciencia’ de la ‘comunicación’ es un oxímoron; conserva su ya señalado carácter paradojal en tanto ‘objeto’. Pero como todo oxímoron, supone un desafío, como con cualquier encuentro entre cosas extras”, recorda Sandra Valdettaro (2015, p. 19)VALDETTARO, S. Epistemologia de la comunicación. Rosário: Ed. Universidad de Rosario, 2015..

A epistemologia perderia sua razão de ser se tivesse uma postura normativa, pautada por uma auto-outorgada prerrogativa de dizer que é ou não é ciência. Isso tomaria, como pressuposto, a existência de um único conceito de ciência, aplicável com o mesmo rigor a todo e qualquer estudo. A epistemologia discute os critérios de validade em ação dentro de uma pesquisa, perguntando-se por que, e em quais condições, determinado conhecimento é entendido como válido em um contexto. Se é possível falar de perspectivas de ciência que se pautam em uma ruptura com o saber clássico, com Santos (2012)SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 2012., pode-se pensar na epistemologia não como guardiã de saberes estabelecidos, pronta a apontar um dedo normativo contra outras visões, mas como espaço dinâmico de reflexão a respeito da validade dos saberes produzidos em cada momento.

[A epistemologia] parte do que o pesquisador faz, tenta explicitar os modos de fazer, sua significação, por isso, nada tem a ver com a ideia de uma normatividade inibidora (tolher, proibir…), que se traduziria como privação da liberdade do pesquisador. Pelo contrário, a epistemologia ajuda a fazer o que se está fazendo; acima de tudo, é uma compreensão

(MARTINO, 2017______. Escritos sobre epistemologia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2017., p. 8).

A validade dos conceitos em circulação e das metodologias acionadas é pensada em conjunto com as condições institucionais da pesquisa, desde a presença de pesquisadoras e pesquisadores, cada um com sua trajetória social, até as relações de colaboração e competição entre os pares, bem como as condições mais ou menos favoráveis de realização de investigações. Seria possível ainda somar uma dimensão pedagógica à epistemologia: a maneira como um conhecimento é levado para as salas de aula, como parte do ensino em cursos de graduação e pós-graduação, está ligada ao estatuto epistemológico de uma área (SODRÉ, 2012SODRÉ, M. Comunicação: um campo em apuros teóricos. Matrizes, Vol. 5, nº 2, 2012, pp. 11-27.). A esse respeito, vale retomar a observação de Bachelard:

O ato de ensinar não se destaca tão facilmente quanto se crê da consciência de saber, e precisamente quando nos for necessário garantir a objetividade do saber por um apoio na psicologia da intersubjetividade, veremos que o racionalismo docente exige a aplicação de um espírito a outro

(BACHELARD, 1977BACHELARD, G. O racionalismo aplicado. Rio de Janeiro: Zahar, 1977., p. 19).

Dessa maneira, longe de qualquer concepção normativa, a epistemologia se preocupa com a produção, circulação e apropriação dos saberes de uma área. Na comunicação, as discussões epistemológicas parecem se pautar, desde o final dos anos 1990, pela tentativa de dar conta dessa pluralidade de abordagens, em uma perspectiva aberta de ciência, no sentido proposto por Wallerstein (1996)WALLERSTEIN, I. Para abrir as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1996., para a construção de teorias dinâmicas e aptas a lidar com objetos de estudos em constante mudança por meio do uso de conceitos (REYNOLDS, 1979REYNOLDS, P. D. A primer in theory construction. Indianápolis: Bobb-Metill, 1979.; FABIANI, 2013FABIANI, J. L. Faire son choix théorique en sciences sociales. In: HUNSMAN, M.; KAPP, S. Devenir chercheur. Paris: Ed. EHESS, 2013. p. 47-63.).

A contribuição mais recente aos estudos do tema, completando esse intervalo de vinte anos de publicações, é Epistemologia da comunicação no Brasil publicado por Rüdiger (2022)RÜDIGER, F. Epistemologia da Comunicação no Brasil. São Paulo: Milfontes, 2022.. Trata-se da reunião e ampliação de escritos pautados pelo questionamento de uma epistemologia da comunicação, definida pelo autor, no título original de um dos textos, como “fantasia acadêmica”. Para tanto, faz um levantamento histórico dos caminhos da pesquisa em comunicação, de sua matriz estadunidense às ramificações no Brasil.

Rüdiger procura sustentar sua tese no debate com cinco pesquisadores brasileiros em capítulos específicos: Luiz C. Martino, José Luiz Braga, Ciro Marcondes Filho, Muniz Sodré e André Lemos. Nota-se a ausência de interlocuções com outros nomes de fundamental importância no debate epistemológico, como Maria Immacolata V. Lopes, Vera R. V. França e Lucrécia Ferrara, para citar apenas três.

O livro opta pelo debate com autores brasileiros, aspecto que parece ganhar espaço na prática universitária — vejam-se as interlocuções entre Braga (2010)______. Nem rara, nem ausente - tentativa. Matrizes. Vol. 4, nº 1. São Paulo: 2010, pp. 65-81. e Marcondes Filho (2012)______. A comunicação no sentido estrito e o metáporo. Trabalho apresentado no XXI Encontro da Compós. Juiz de Fora, jun. 2012. ou Felinto (2011)FELINTO, E. Da teoria da comunicação às teorias da mídia: ou, temperando a epistemologia com uma dose de cibercultura. Eco-Pós, v. 14, n. 1, p. 233-249. Rio de Janeiro: 2011., Pimenta (2011)PIMENTA, F. J. P. Jogos, redes sociais e a crise no campo da Comunicação. In: 5º ABCIBER, 5, 2011, Florianópolis. Anais… Florianópolis: UFSC, novembro 2011, p. 1-16. e Ferreira (2012)______; Proposições que circulam sobre a Epistemologia da Comunicação. In: 21º COMPÓS. Anais… Juiz de Fora: UFJF, jun. 2012, p. 1-17.. Isso sugere um grau de maturidade acadêmica para os estudos de epistemologia, visto que as perspectivas em circulação na área se tornam objeto de atenção e debate.

Rüdiger (2022, p. 214-215) indica que o abandono de um paradigma voltado para o estudo dos meios, no campo da comunicação, e a adoção de um conjunto amplo de teorias, conceitos e metodologias de outras áreas estão ligados à perda de um objeto até então consagrado e à fragmentação da área em um “arquipélago” — termo do autor — de estudos sobre temas variados, unidas por um laço indeterminado denominado “comunicação”. Esse debate está ligado a debates existentes desde o surgimento da área, como assinalado no primeiro item deste texto ? as possibilidades de algum consenso teórico, a divisão entre teoria e prática, as questões profissionais e a busca de legitimidade como área de estudos. Reside, nesse ponto, uma de suas críticas à epistemologia da comunicação, que reivindicaria para si, na visão do autor, uma unidade pautada na cientificidade da área.

Vale questionar em que medida essa proposição crítica não se ancora em uma visão única de epistemologia, entendida como filosofia ou teoria da ciência. Essa concepção existe; no entanto, os estudos dessa área são um panorama mais amplo a respeito do que se entende como epistemologia.

A participação nos espaços de debate, como o GT Epistemologia da Comunicação da Compós, indica um circuito de trocas e proposições relativas não só a teorias, métodos e conceitos, mas à práxis epistemológica no âmbito de cada pesquisa (CASTELLS; IPOLA, 1982CASTELLS, M.; IPOLA, E. Prática epistemológica e ciências sociais. Lisboa: Afrontamento, 1982.). A redução a uma perspectiva única, sem dúvida, criaria problemas de ordem quase insolúvel ? algo longe, no entanto, de caracterizar a produção dessa área. Assim como não existe uma única concepção de ciência, menos ainda de ciências humanas, a epistemologia também se ramifica em uma pluralidade de vozes.

A proposição final do livro parece remeter à substituição de uma epistemologia da comunicação como exame dos fundamentos de uma ciência da comunicação por uma filosofia da técnica, mais próxima, segundo o autor, das demandas de um campo fragmentado. Observa-se, nesse ponto, a proximidade com um debate de longa data da área sobre as relações entre mídia e comunicação (MARTINO, 2014______. Trilhas de um espaço de pesquisa: o GT Epistemologia da Comunicação da Compós. Comunicação, Mídia e Consumo, v. 11, n. 1, p. 159-177, 2014.). Rüdiger, nesse ponto, parece se posicionar a favor da delimitação do campo da comunicação com base nos estudos de mídia. Seria possível perguntar se a elasticidade do conceito de mídia não poderia ser alvo de problemas semelhantes à de comunicação.

As práticas epistemológicas da comunicação não parecem se caracterizar pela fidelidade a uma noção única de ciência, mas pela avaliação da coerência interna dos trabalhos de investigação, bem como de suas ligações teóricas, históricas e institucionais.

A pesquisa se apresenta como uma trama epistemológica na qual o contato com os fenômenos de mídia e comunicação é apreendido em dimensões nas quais se entrelaçam desde as perspectivas do rigor teórico e a coerência metodológica em relação ao objeto até as questões subjetivas de quem pesquisa. Não se avalia a verdade de uma pesquisa, em termos absolutos, mas o que ela pode revelar sobre um objeto constituído por uma perspectiva teórica — e em que medida essa análise se mostra, em si, coerente.

Quando uma pesquisa em comunicação pode estar errada? Quais são as possibilidades, como lembra Bachelard (2012)______. Estudos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012., de retificação de um erro de uma pesquisa com base em outra? O que levaria, digamos, uma banca de avaliação de mestrado ou doutorado a dizer que o trabalho está errado? Ao que tudo indica, o critério de validade desse conhecimento não está ancorado na descoberta de uma verdade a respeito da realidade, mas na produção de uma verdade de validade restrita a seu respeito. O alcance do conhecimento produzido pelo saber comunicacional diz algo sobre essa perspectiva epistemológica: nas bancas avaliadoras, as críticas costumam ser endereçadas a problemas de coerência interna (por exemplo, usar um referencial teórico crítico e uma análise empírica funcionalista; justapor acriticamente conceitos diferentes; omitir ou deixar de lado estudos clássicos sobre o tema), não especificamente para a validade do saber ou para a análise de uma verdade a ser descoberta.

Se, para Bachelard (2012)______. Estudos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012., todo conhecimento é “uma retificação”, talvez uma das tarefas da epistemologia seja exatamente pensar quais os sentidos dessa expressão dentro de uma área, trabalhando no exame de sua própria produção, bem como de seus parâmetros — pensando que a prática acadêmica é também uma prática social, ligada a condições específicas com as quais dialoga.

Considerações finais

Os textos publicados com o nome de epistemologia da comunicação nas últimas duas décadas mostram uma pluralidade de sentidos atribuídos ao tema. Isso pode ser entendido como uma ressonância das concepções em outros espaços da produção de conhecimento. Nos estudos de comunicação, nota-se que a epistemologia é vista, às vezes, no sentido estrito de uma teoria do conhecimento ou filosofia da ciência, questionando as bases do saber e, em particular, de um saber que se apresenta como científico.

A epistemologia, nesse aspecto, é entendida como meta-estudo das teorias, conceitos e métodos acionados nos estudos da área. Mas há também concepções mais amplas de epistemologia, interessadas na práxis do conhecimento em suas dimensões institucionais, políticas e sociais, próxima de uma sociologia do conhecimento.

A produção corrente sobre epistemologia da comunicação, seja nos vinte anos que separam os dois livros com esse título, seja em intervalos ainda mais longos, sugere que o próprio conceito de epistemologia vem mudando. De uma reflexão estrita sobre um conceito de ciência, em um primeiro momento, está atualmente aberto a perspectivas críticas sobre as condições políticas e sociais de elaboração de um saber — e seus critérios de validade diante de outros. Na síntese de Carrilho e Sáàgua:

Se a epistemologia surge inicialmente como uma reflexão sobre o científico, ela se desenvolve de modos claramente diferenciados, sendo de distinguir a reflexão global e exterior sobre a ciência que a caracteriza nas suas origens da análise mais local e interna das ciências que pontuará muito de seu desenvolvimento posterior

(CARRILHO; SÁÀGUA, 1991CARRILHO, M. M.; SÁÀGUA, J. Objetivos e fronteiras do conhecimento. In: CARRILHO, M. M. (org.) Epistemologia: posições e críticas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1991, pp. VII - L., p. xi).

Nelson (1993)NELSON, L. H. Epistemological communities. In: ALCOFF, L.; POTTER, E. Feminist Epistemologies. Londres: Routledge, 1993. p. 121-135. reforça o fato de que a epistemologia não pode ser desvinculada dos sujeitos do conhecimento: fazer da epistemologia algum tipo de norma significaria deixar de lado as condições de possibilidade de cada pesquisa — e, porque não, da existência de epistemologias contra-hegemônicas. A área de comunicação mantém um espaço corrente de debates epistemológicos voltado para a reflexividade das práticas de pesquisa, seja dialogando com heranças epistemológicas consagradas, nas concepções de Popper ou Lakatos, no exame das condições de produção acadêmica, próximo de Bourdieu ou Merton, ou com base na formação de epistemologias negras, feministas e decoloniais, como sugere Alcoff e Potter (1993)ALCOFF, L.; POTTER, E. Introduction. In:______ Feminist Epistemologies. Londres: Routledge, 1993. p. 1-12., Guaratne (2009)GUARATNE, S A. Emerging global divides in media and communication theory. Asian Journal of Communication, v. 19, n. 4, p. 366-383, dez. Londres: 2009., Prado (2015)PRADO, J. L. A. Comunicação como epistemologia do sul: do reconhecimento à emergência do acontecimento. Matrizes, v. 9, n. 2, p. 109-125, jul.-dez. São Paulo: 2015., Cusicanqui (2015)CUSICANQUI, S. R. Sociologia de la Imagen. Buenos Aires: Tinta Limón, 2015., Hanchey e Asante (2022)HANCHEY, J. N.; ASANTE, G. A. African communication studies: applications and interventions. Review of Communication, v. 22, n. 1. Oxford: 2022, p. 1-6., Kulbaga e Spencer (2022)KULBAGA, T. A.; SPENCER, L. G. Outrage epistemology: affective excess as a way of knowing in feminist scholarship. Women’s studies in communication, v. 45, nº 2, p. 273-291. Londres: 2022. ou Collins (2022)COLLINS, P. H. Bem mais que ideias. São Paulo: Boitempo, 2022..

Por que uma epistemologia da comunicação? Porque uma prática de conhecimento que não reflete sobre si mesma não tem condições de avançar, mesmo deixando de lado qualquer concepção linear de progresso. O exame da produção de um conhecimento, a definição de seus objetos e seus critérios de construção, a especificação de um corpo teórico são temas recorrentes nas mais diversas áreas do saber, mesmo quando não são diretamente endereçados. As ciências naturais, desde seus clássicos, não parecem ter abandonado esse tipo de reflexão, discutindo a validade das teorias, conceitos e procedimentos.

É possível finalizar retomando a autora citada na epígrafe, bell hooks (2020b, p. 55): “Definições são pontos de partida fundamentais para a imaginação. O que não podemos imaginar não pode vir a ser. Uma boa definição marca nosso ponto de partida e nos permite imaginar saber aonde queremos chegar”. Se podemos imaginar outros caminhos epistemológicos, é igualmente possível pensar, no sentido da pergunta, naqueles ainda a serem construídos.

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    Uma das fontes deste trabalho é uma pesquisa realizada com auxílio do CNPq – Processo 311528/2019-8. Agradeço aos comentários dos pareceres pelas contribuições, assim como à Profa. Dra. Angela C. S. Marques (PPGCom/UFMG) pela leitura e comentários a uma versão inédita do texto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2023
  • Aceito
    30 Maio 2023
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