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Fabricando números: uma análise sobre dados de visualização das séries Originais Netflix

Fabricating numbers: an analysis of Netflix Original series’ viewership data

Resumo

Este artigo investiga quais estratégias são utilizadas pela Netflix para anunciar informações sobre o desempenho de suas obras com o intuito de debater as problemáticas e inconsistências da mensuração da audiência em plataformas de streaming. A partir dos relatórios trimestrais divulgados pela empresa entre 2013 e 2020, são analisados os dados referentes à performance das séries ficcionais presentes no catálogo. Argumentamos que, para além da fragmentação da audiência e da espectatorialidade não-linear, a opacidade da plataforma também contribuiria para uma maior flexibilidade na decisão dos parâmetros considerados ao se quantificar uma visualização e quais números são publicitados. Tendo em vista que o mercado de streaming tem sido marcado pela intensa competitividade, a divulgação de números de visualizações seria feita com o intuito de apresentar as séries Originais Netflix, produções exclusivas da empresa, como casos de sucesso.

Palavras-chave
números de audiência; séries Originais Netflix; plataformas de streaming

Abstract

This paper investigates which strategies Netflix employs to publicize information about its titles’ performance to discuss the issues and inconsistencies of audience measurement in streaming platforms. We analyzed Netflix’s quarterly earnings reports released between 2013 and 2020, focusing on the data referring to the performance of fictional series available in the catalog. We argue that, besides the audience fragmentation and non-linear spectatorship, the platform’s opacity would also contribute to greater flexibility in the methods used to measure the audience. At the same time, these allow Netflix more freedom to choose which information it makes public. Considering the competitiveness of the streaming market, the announcement of the number of views frames Netflix Original Series, the company’s exclusive productions, as successful cases.

Keywords
ratings; Netflix Original series; streaming platforms

Introdução

Em julho de 2019, a Netflix celebrou o desempenho da terceira temporada de Stranger Things (Netflix, 2016 – presente), série desenvolvida pelo serviço de streaming. Segundo a empresa, 64 milhões de assinantes assistiram aos novos episódios da produção durante os primeiros 28 dias após seu lançamento, tornando-se “a temporada [de Stranger Things] mais vista até o momento” (NETFLIX INVESTORS, 2019______. 2019 Third Quarter Earnings, 2019. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2019/q3/FINAL-Q3-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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, tradução nossa). Watercutter (2019)WATERCUTTER, A. What Stranger Things’ High Viewership Numbers Actually Mean. WIRED. São Francisco: Condé Nast, 2019. Disponível em: <https://www.wired.com/story/stranger-things-viewership/>. Acesso em: 05 mar. 2021.
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tece uma comparação com outros sucessos da televisão linear: no mesmo ano, o episódio final de The Big Bang Theory (CBS, 2007 – 2019), veiculado na rede aberta, havia sido assistido por 23 milhões de espectadores nos Estados Unidos, enquanto o episódio final de Game of Thrones (HBO, 2011 – 2019), da rede paga, havia sido visto por 19,3 milhões de espectadores ao redor do mundo. Meses depois, a plataforma anunciou mais um recorde: durante as primeiras quatro semanas disponíveis no catálogo, The Witcher (Netflix, 2019 – presente) já havia sido assistida por 76 milhões de contas, tornando-se a série com “a primeira temporada mais assistida da Netflix” (ROLLING STONE, 2020ROLLING STONE. Recorde de The Witcher: série tem a primeira temporada mais assistida da Netflix. 2020. Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/noticia/recorde-de-witcher-serie-tem-primeira-temporada-mais-assistida-da-netflix/. Aceso em: 01 set. 2021.
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).

Contudo, as marcas alcançadas por Stranger Things e The Witcher não são, necessariamente, equiparáveis. No período entre o lançamento das duas séries, a Netflix alterou os parâmetros utilizados para se quantificar a espectatorialidade: enquanto antes era preciso consumir a 70% de uma obra para se contabilizar a visualização, agora basta que o assinante assista a pelo menos dois minutos (NETFLIX INVESTORS, 2020______. 2019 Fourth Quarter Earnings, 2020. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2019/q4/FINAL-Q4-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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). Essa mudança acontece em paralelo com a proliferação de plataformas audiovisuais voltadas para o modelo de assinatura e a intensificação da competição entre elas, momento que tem sido apelidado de streaming wars ou, em português, guerra do streaming (ALEXANDER, 2020ALEXANDER, J. The streaming wars are finally beginning, but it’s more of a polite quarrel than an all-out war. The Verge. Nova York: VoxMedia, 2020. Disponível em: <https://www.theverge.com/2020/2/6/21126156/streaming-wars-disney-plus-netflix-wall-street-subscribers-hbo-max-peacock>. Acesso em: 01 set. 2021.
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; LOTZ, 2020______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020.). Além disso, ao contrário da televisão tradicional, cujas métricas durante muito tempo foram pautadas sobretudo pela transmissão linear e que ainda hoje são diariamente divulgadas por institutos de pesquisa (MEEHAN, 1984MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984.; LOTZ, 2007LOTZ, A.D. The television will be revolutionized. Nova York: New York University Press, 2007.), na Netflix o consumo é desvinculado da ideia de fluxo e a publicação de dados sobre o catálogo é algo esporádico.

Nesse sentido, o artigo investiga quais estratégias a Netflix tem utilizado para anunciar o desempenho dos títulos de seu catálogo com o objetivo de discutir problemáticas e inconsistências observadas nos modos de mensuração da audiência em plataformas de streaming. Em outras palavras: quais os parâmetros implementados pela Netflix para divulgar números de visualizações da plataforma e o que eles podem nos dizer sobre o mercado de streaming contemporâneo?

Segundo Van Es (2018)VAN ES, K. Sobre os desafios enfrentados na segunda tela: o dilema da participação em The Voice. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018., a fragmentação da audiência e o surgimento de lógicas de espectatorialidade desvinculadas do fluxo televisivo linear colocam à prova métodos tradicionais de mensuração da audiência, problema que se intensificou com os serviços de streaming. Argumentamos que, para além dessas duas tendências, a própria estrutura das plataformas digitais, marcada pela falta de transparência (VAN DIJCK et al., 2018VAN DIJCK, J; POELL, T; DE WAAL, M. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.), também contribuiria para aprofundar esse processo. Com isso, a fabricação, a apuração e a comparação de dados referentes à audiência se tornam cada vez mais turvas. Em decorrência disso, a Netflix possuiria uma maior liberdade para decidir 1) quais parâmetros são considerados para contabilizar uma visualização e 2) quais números são tornados públicos.

Em um contexto mais amplo, os dados divulgados funcionariam como estratégia para, discursivamente, posicionar a Netflix como vitoriosa nas streaming wars, afastando-a das demais concorrentes. Considerando que o atual cenário é marcado por uma disputa “entre canais consolidados se adaptando a novas condições, de um lado, e novos portais que ameaçam substituí-los, de outro” (JOHNSON, 2018JOHNSON, D. From Networks to Netflix. Londres: Routledge, 2018., p. 8, tradução nossa), um dos investimentos da Netflix e de outros serviços semelhantes tem sido a criação de conteúdos próprios e a aquisição de obras com direitos de distribuição exclusiva (PENNER; STRAUBHAAR, 2020). Assim, embora o catálogo da plataforma seja formado por títulos de canais e estúdios variados, acredita-se que a maior parte das informações divulgadas sejam referentes às Originais Netflix1 1 Conforme desenvolvido ao longo do artigo, a categoria foi criada pela Netflix para indicar os conteúdos exclusivos da plataforma. , como são chamadas, para enquadrá-las como casos de sucesso da empresa.

Para tanto, são analisados os relatórios trimestrais divulgados pela Netflix entre os anos de 2013 e 2020, focando nos dados referentes às séries de ficção2 2 Aqui, o termo série é utilizado para se referir às ficções audiovisuais serializadas produzidas tanto no modelo de televisão linear quanto no não-linear. presentes no catálogo. Embora também tenha se dedicado a confeccionar produtos audiovisuais variados, como filmes de ficção, documentários e reality shows, as séries ainda hoje se constituem como o principal gênero midiático da empresa, o que é visível tanto na quantidade de títulos comissionados quanto no capital investido nessas produções (TRYON, 2015TRYON, C. TV got better: Netflix’s original programming strategies and the on-demand television transition. Media Industries Journal, v. 2, n. 2, p. 104-116. Ann Arbor (EUA): Michigan Publ., 2015.; JENNER, 2018JENNER, M. Netflix and the re-invention of television. Cham (SUI): Springer, 2018.). Somado a isso, a produção, circulação e consumo de séries passaram por profundas mudanças nos últimos vinte anos (MITTELL, 2004MITTELL, J. Genre and television:from cop shows to cartoons in American culture. Nova York: Routledge, 2004.; SILVA, 2014SILA, M. V. B. Cultura das séries: forma, contexto e consumo de ficção seriada na contemporaneidade. Galáxia, v. 14, n. 27, p. 241-252. São Paulo: PUC-SP, 2014.), o que tem afetado, inclusive, as formas de se contabilizar a audiência da televisão linear. Por exemplo, os números dos dois casos apresentados anteriormente, The Big Bang Theory e Game of Thrones, não são referentes apenas à transmissão linear: o primeiro foi gerado a partir de uma janela de três dias de exibição, enquanto o último foi composto tanto pela exibição no canal quanto nas plataformas de streaming da empresa3 3 Emissoras de televisão linear também procuram novos métodos de mensuração. A CBS, que veiculava The Big Bang Theory, e outros canais da rede aberta começaram a utilizar métricas quantificando a audiência em três, sete e trinta dias. Em paralelo, conglomerados que possuem suas próprias plataformas, como a HBO, passaram a divulgar números de audiência somando consumo linear e não-linear. .

Embora dados digitais sejam frequentemente tratados como “o novo petróleo” — presentes na natureza à espera de serem extraídos —, eles, na verdade, são objetos fabricados a partir do contato entre sujeitos e plataformas, e cujos parâmetros de definição e análise ficam a cargo das empresas que os controlam (COULDRY; YU, 2016COULDRY, N.; YU, J. Deconstructing datafication’s brave new world. New Media & Society, v. 20, n. 12. Nova York: SAGE Publ., 2018.; GROHMANN, 2019GROHMANN, R. Financeirização, midiatização e dataficação como sínteses sociais. Mediaciones de la Comunicación, v. 14, n. 2, p. 97-117, 2019. Montevideu: Universidade ORT, 2019.). Todavia, não se questiona a veracidade das informações divulgadas pela Netflix, mas sim quais as estratégias são implementadas pela empresa para divulgá-las. Por mais que, de forma geral, as plataformas digitais sejam opacas (VAN DIJCK et al., 2018VAN DIJCK, J; POELL, T; DE WAAL, M. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.), os títulos analisados obtiveram um visível engajamento em sites de redes sociais e muitos aparecem em relatórios divulgados por institutos de pesquisa alternativos. De todo modo, ressalta-se a importância em analisar como discursos são expostos para que, assim, seja possível ter um melhor entendimento sobre a articulação das métricas de audiência no mercado de streaming contemporâneo.

Netflix e o mercado da audiência

Na indústria televisiva comercial, a audiência se configura como uma moeda de troca. Nos Estados Unidos, o setor privado da televisão linear é dividido em três modelos econômicos principais, cada um deles com regulações e formas de financiamento distintas que balizam a escolha do que é exibido na grade de programação (LOTZ, 2007LOTZ, A.D. The television will be revolutionized. Nova York: New York University Press, 2007.). Na rede aberta (broadcast) e na rede paga básica (basic cable), os canais são financiados por anunciantes, vendendo patrocínio de programas e espaços em intervalos comerciais4 4 No país, a rede aberta é palco de canais generalistas, enquanto a rede paga básica possui majoritariamente canais voltados para nichos de mercado. Enquanto os anunciantes da rede aberta costumam ser empresas de consumo massivo, os da rede paga geralmente fazem parte de segmentos específicos. Dessa forma, canais de nicho se importam menos com a quantidade de espectadores, mas sim se essa audiência faz parte do público-alvo desejado (LOTZ, 2007). . Nesses modelos, os espectadores são expostos aos anúncios e transformados em consumidores em potencial, de forma que os programas são confeccionados para prender a atenção dos sujeitos (WILLIAMS, 2016WILLIAMS, R. Televisão:tecnologia e forma cultural. São Paulo: Boitempo, 2016.). Já na rede paga por assinatura (premium cable), os canais sobrevivem convertendo espectadores em membros pagantes, eliminando a necessidade de anunciantes. Canais como HBO, por exemplo, não exibem intervalos comerciais, entendidos como um empecilho para uma “boa espectatorialidade”, e atraem novos assinantes posicionando-se discursivamente como criadores de conteúdos de qualidade (MCCABE; AKASS, 2007MCCABE, J.; AKASS, K. Quality TV:Contemporary American television and beyond. Londres: I.B.Tauris, 2007.; LEVERETTE et al., 2009LEVERETTE, M; OTT, B. L.; BUCKLEY, C. L. (Ed.). It’s not TV:watching HBO in the post-television era. Nova York: Routledge, 2009.)5 5 Qualidade televisiva é apresentada como um discurso de distinção utilizado pelas empresas e não algo inerente ao objeto (MCCABE; AKASS, 2007). .

Assim, “a produção televisiva deve ser compreendida em torno de uma lógica industrial que atende às demandas de seus executores e/ou financiadores” (MEIMARIDIS, 2017MEIMARIDIS, M. A Indústria das Séries Televisivas Americanas. Culturas Midiáticas, v. 10, n. 18, p. 1-17. João Pessoa: UFPB, 2017., p. 3). Ao longo das décadas, podemos observar o desenvolvimento de metodologias e convenções utilizadas para mensurar e classificar espectadores (LOTZ, 2007LOTZ, A.D. The television will be revolutionized. Nova York: New York University Press, 2007.), transformando-os em uma commodity valiosa (NAPOLI, 2003NAPOLI, P. Audience Economics:Media Institutions and the Audience Marketplace. Nova York: Columbia University Press, 2003.; 2011______. Audience Evolution:New technologies and the transformation of media audiences. Nova York: Columbia University Press, 2011.; SMYTHE, 2006SMYTHE, D. W. On the audience commodity and its work. In: MEENAKSHI, G. D.; KELLNER, D. M. (Eds.). Media and cultural studies: Keyworks, p. 230-256. Oxford (ING): Blackwell Publishing, 2006.). A audiência televisiva, portanto, “é uma construção retórica da indústria para intermediar as relações econômicas entre emissoras e patrocinadores, e o significado do termo pode variar ao longo do tempo” (BIANCHINI, 2018BIANCHINI, M. S. A Netflix no campo de produção de séries televisivas e a construção narrativa de Arrested Development. 2018. 219f. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 68). Complementar a isso, Meehan (1984)MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984. afirma que os números de audiência6 6 Aqui, há uma tradução de ratings, no inglês, para “números de audiência”. Em seu trabalho, Meehan (1984) refere-se aos conceitos de audience commodity, espectadores vistos como consumidores, e ratings commodity, informações estatísticas vistas como produto. , ou seja, a quantificação de espectadores em métricas estatísticas, também são uma commodity das mídias de massa. Para a autora, institutos de pesquisa como a Nielsen, principal do segmento nos Estados Unidos, têm papel ativo nesse mercado e, portanto, dados de audiência desenvolvidos por essas empresas não devem ser lidos como meros reflexos do comportamento humano, mas sim como produtos “formulados a partir de exigências empresariais e estratégias corporativas” (MEEHAN, 1984MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984., p. 221, tradução nossa).

Considerando que a televisão tradicional é pautada pela lógica do fluxo, os números de audiência foram delimitados durante muito tempo apenas pela transmissão linear, ou seja, quantas pessoas assistiram a um determinado canal em um momento específico. Contudo, Van Es (2018)VAN ES, K. Sobre os desafios enfrentados na segunda tela: o dilema da participação em The Voice. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018. argumenta que essa forma de mensuração está defasada devido a dois movimentos. Primeiro, a fragmentação da audiência, fenômeno visto nos Estados Unidos desde a década de 1980 e que foi intensificado pelo meio digital, especialmente com a popularização dos serviços de streaming. Segundo, o desenvolvimento de tecnologias que possibilitam à recepção um maior controle da espectatorialidade, como o VHS e o DVR. Para a autora, “essas tendências colocam em xeque o modelo tradicional de medição de audiência utilizado pela indústria” (p. 88), obrigando empresas e pesquisadores a encontrarem outras formas de entender e lidar com esse fenômeno.

Plataformas de streaming como a Netflix estão no olho desse furacão. A empresa, criada em 1997 como um serviço de aluguel de DVDs, migrou para o meio digital em 2007. Tal como a HBO, o modelo de negócios da plataforma se sustenta por meio de assinaturas mensais. Contudo, diferentemente da televisão linear, na Netflix o consumo se dá a partir da lógica do catálogo, o que permite aos sujeitos uma maior autonomia na construção da espectatorialidade (MASSAROLO; MESQUITA, 2018MASSAROLO, J.; MESQUITA, D. Autoprogramação e engajamento nas plataformas de vídeo sob demanda: uma análise da Netflix. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.). Nessa estrutura, “os espectadores compram acesso a um pacote de mercadorias, em vez de bens individuais” (LOTZ, 2018______. Um modelo para a produção de cultura: o modelo do assinante. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018., p. 17). Ou seja, por mais que alguns títulos possam ser usados para atrair consumidores, na verdade o que é vendido é o acesso ao catálogo. De todo modo, ainda que tanto a grade de programação linear quanto o catálogo sejam comparáveis, uma vez que “indexam a variedade de conteúdo disponível por meio de um sistema de distribuição específico” (LOBATO, 2018LOBATO, R. Rethinking international TV flows research in the age of Netflix. Television & New Media, v. 19, n. 3, p. 241-256. Nova York: SAGE Publ., 2018, p. 243, tradução nossa), as duas possibilitam à audiência relações distintas com o tempo. Considerando a estrutura da Netflix e de plataformas semelhantes, métricas de análise provenientes do modelo linear perdem a força.

Jenner (2018)JENNER, M. Netflix and the re-invention of television. Cham (SUI): Springer, 2018. defende que a consolidação da Netflix é sintoma de um longo processo de mudança no meio televisivo. Esse fenômeno é salientado não apenas pelo caráter tecnológico, que permite assistir conteúdos em diversos aparelhos, como notebooks e smartphones, mas também pelas práticas culturais7 7 Dentre elas, destacamos a prática da maratona (binge-watching), que consiste em assistir múltiplos episódios de forma sequenciada. Embora tenha surgido antes das plataformas, ela é incentivada pela Netflix, enfatizada como um modo de consumo “superior” ao da televisão linear (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016). desenvolvidas a partir desse consumo não-linear (SCALEI; FINGER, 2020SCALEI, V.; FINGER, C. Televisão, big data e algoritmos: o que fazer com tantos dados sobre a audiência? In: MARQUIONI, Carlos E., FISCHER, Gustavo D (Org.). Da televisão às televisualidades:continuidades e rupturas em tempos de múltiplas plataformas. Belo Horizonte: Selo PPGCOM/UFMG, p.313-330, 2020.). Serviços que proporcionam esse tipo de espectatorialidade, expandida e espalhada por múltiplas telas, complexificam a própria definição do que é televisão. Para além disso, nota-se que a própria Netflix tem se vendido como um agente da indústria televisiva, por vezes afirmando-se como concorrente de canais da mídia tradicional e produzindo obras que dialogam diretamente com códigos consagrados do meio televisivo linear (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016CASTELLANO, M.; MEIMARIDIS, M. Netflix, discursos de distinção e os novos modelos de produção televisiva. Contemporânea-Revista de Comunicação e Cultura, v. 14, n. 2, p. 193-209, 2016. Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA).; JENNER, 2018JENNER, M. Netflix and the re-invention of television. Cham (SUI): Springer, 2018.). Como apontam Castellano e Meimaridis (2016CASTELLANO, M.; MEIMARIDIS, M. Netflix, discursos de distinção e os novos modelos de produção televisiva. Contemporânea-Revista de Comunicação e Cultura, v. 14, n. 2, p. 193-209, 2016. Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA).; 2021)______. A “televisão do futuro”? Netflix, qualidade e neofilia no debate sobre TV. Matrizes, v. 15, n. 1, p. 1-25, 2021. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP)., a Netflix deliberadamente constrói sua marca para se aproximar do meio televisivo ao mesmo tempo em que se distingue do mesmo, posicionando-se hierarquicamente acima das emissoras tradicionais.

Para além das tendências de fragmentação da audiência e do rompimento com o fluxo linear, a Netflix traz consigo mais uma característica que aprofunda o enfraquecimento dos métodos de mensuração tradicionais: a pouca transparência na divulgação dos números de visualizações dos títulos do catálogo. Nos estudos de plataformas, é comum o uso da metáfora da caixa- preta (PASQUALE, 2015PASQUALE, F. The black box society. Cambridge (EUA): Harvard University Press, 2015.) para se referir ao aspecto restrito desses serviços, em que o funcionamento da tecnologia e os dados gerados a partir de seu uso “se tornam privados, escondidos e muitas vezes desconhecidos” (BEER, 2016BEER, D. Metric power. Londres: Palgrave Macmillan, 2016., p. 107, tradução nossa). Considerando que informações sobre o desempenho das obras do catálogo se configuram como propriedade privada, a escolha de divulgá-las ou não fica a cargo da empresa. Nesse sentido, a própria noção de números de audiência tem sido trancafiada nas caixas-pretas de plataformas como a Netflix. Devido a isso, confiar em afirmações sobre a popularidade de uma produção se torna uma tarefa arriscada, uma vez que são poucos os mecanismos à disposição para que possamos questioná-las substancialmente (WAYNE, 2021).

Apesar da Netflix ter um destaque considerável no mercado, ressaltamos que essas questões perpassam inúmeras plataformas. Com isso, é possível notar o surgimento de métricas alternativas para medir a audiência de serviços de streaming. Por exemplo, Kosterich e Napoli (2016)KOSTERICH, A.; NAPOLI, P. Reconfiguring the Audience Commodity: The Institutionalization of Social TV Analytics as Market Information Regime. Television & New Media, v. 17, n. 3, p. 254-271. Nova York: SAGE Publ., 2016. pontuam sobre a institucionalização do Social TV Analytics, que verifica o desempenho de programas a partir do engajamento em redes sociais. E a própria Nielsen tem investido em mecanismos para mensurar plataformas de streaming via assinatura. A empresa divulga relatórios periódicos com os programas mais vistos e seus respectivos números de audiência. No entanto, apenas quatro serviços são verificados até agora (Netflix, Amazon Prime Video, Hulu e Disney+) e, além disso, a iniciativa analisa apenas o consumo no território estadunidense feito a partir de Smart TVs. Contudo, ambos os casos apontam para a efervescência de disputas tanto entre os agentes envolvidos quanto entre os métodos utilizados, frutos de uma paisagem cada vez mais difusa.

Streaming wars e as Originais Netflix

Netflix é uma das pioneiras no sistema de distribuição audiovisual por streaming, especialmente entre as plataformas financiadas via assinatura (LOTZ, 2018______. Um modelo para a produção de cultura: o modelo do assinante. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.; JENNER, 2018JENNER, M. Netflix and the re-invention of television. Cham (SUI): Springer, 2018.). Mas muita coisa mudou desde que a empresa migrou para o meio digital. Durante boa parte da década de 2010, dois concorrentes se sobressaíam no mercado estadunidense: o Prime Video, braço comandado pela Amazon, e a Hulu, criada a partir da parceria entre grandes emissoras do país. Entretanto, nos últimos anos, o número de serviços de streaming tem crescido consideravelmente: Apple TV+ e Disney+ foram lançados em 2019 como grandes apostas do segmento e, em 2020, entraram no mercado a HBO MAX, que reúne em seu catálogo a biblioteca do canal HBO e demais títulos da Warner Media, e a Peacock, comandada pela NBCUniversal.

Esse fenômeno, marcado pela proliferação de plataformas e intensa competição entre elas, tem sido chamado de streaming wars (ALEXANDER, 2020ALEXANDER, J. The streaming wars are finally beginning, but it’s more of a polite quarrel than an all-out war. The Verge. Nova York: VoxMedia, 2020. Disponível em: <https://www.theverge.com/2020/2/6/21126156/streaming-wars-disney-plus-netflix-wall-street-subscribers-hbo-max-peacock>. Acesso em: 01 set. 2021.
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; LOTZ, 2020______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020.). A analogia de guerra não é usada de forma banal. Srnicek (2016)SRNICEK, N. Platform capitalism. Cambridge (ING): Polity Press, 2017. aponta que, no capitalismo de plataformas, há uma acentuação das dinâmicas de competição, centradas cada vez mais na concentração de dados. No mercado de streaming audiovisual, o segmento é disputado tanto por conglomerados midiáticos quanto por empresas da tecnologia, que investem capital no desenvolvimento de seus próprios serviços (JOHNSON, 2018JOHNSON, D. From Networks to Netflix. Londres: Routledge, 2018.). Tendo em vista que o fenômeno se dá em escala global, Lotz (2020)______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020. afirma que focar apenas na indústria estadunidense é um erro, uma forma míope de enxergar a circulação de objetos culturais na atualidade. De um lado, cada vez mais serviços têm investido em projetos de expansão transnacional. A Netflix, por exemplo, está disponível atualmente em mais de 190 países8 8 Disponível em: <https://help.netflix.com/pt/node/14164>. Acesso em: 01 set. 2021. . Em paralelo, as indústrias nacionais se esforçam para desenvolver estratégias e lidar com esse novo cenário, seja através do confronto direto ou da busca por caminhos de cooperação (BALADRON; RIVERO, 2019BALADRON, M.; RIVERO, E. Video-on-demand services in Latin America: Trends and challenges towards access, concentration and regulation. Journal of Digital Media & Policy, v. 10, n. 1, p. 109-126. Bristol (ING): Intellect, 2019.; TSE, 2020TSE, Y. Black Ships? Locating Netflix in Taiwan and Japan. JCMS: Journal of Cinema and Media Studies, v. 59, n. 3, p. 143-148. Austin (EUA): University of Texas Press, 2020.). Portanto, as streaming wars fazem parte de um movimento amplo, em que empresas lutam para conquistar espaço e fidelizar consumidores.

Nessa disputa, a busca por um catálogo atrativo tem se tornado crucial. Quando se lançou no segmento, a Netflix funcionava apenas como uma distribuidora, tendo em vista que sua biblioteca de títulos era composta somente por produções adquiridas de outros canais ou estúdios. Com o aumento da competição, muitos desses agentes desenvolveram suas próprias plataformas e passaram a evitar novos contratos de licenciamento, retirando suas obras do catálogo da Netflix. Apesar disso, ainda há investimentos para a retenção de programas de sucesso: em 2018, por exemplo, a empresa pagou 100 milhões de dólares para manter Friends (NBC, 1994-2004) em seu catálogo estadunidense por mais um ano9 9 Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/12/04/business/media/netflix-friends.html>. Acesso em: 01 set. 2021. .

A Netflix, então, tem se utilizado de diferentes estratégias para fidelizar sua audiência e manter o número de assinantes. Dentre elas, destaca-se o desenvolvimento de títulos financiados pela empresa. Considerando que, “[n] o atual mercado de distribuição e consumo por streaming, um dos aspectos mais poderosos é a exclusividade” (PENNER; STRAUBHAAR, 2020, p. 133), comissionar novas produções se torna um dos caminhos mais seguros, permitindo maior controle do processo criativo, atenuando disparidades no volume de obras disponibilizadas pelo serviço em cada país e resguardando a Netflix para a manutenção de um catálogo robusto e atrativo a longo prazo (JENNER, 2018JENNER, M. Netflix and the re-invention of television. Cham (SUI): Springer, 2018.; LOTZ, 2020______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020.; PENNER; STRAUBHAAR, 2020). Em 2016, o CFO da Netflix afirmou que a companhia almejava que metade de seu catálogo fosse constituído por conteúdos próprios10 10 Disponível em: <https://variety.com/2016/digital/news/netflix-50-percent-content-original-programming-cfo-1201865902/>. Acesso em: 01 set. 2021. , o que pode ser visto no capital investido ao longo dos anos. Só em 2018, a Netflix custeou total ou parcialmente cerca de 700 produções11 11 Disponível em: <https://variety.com/2018/digital/news/netflix-700-original-series-2018-1202711940/>. Acesso em: 01 set. 2021. .

Outra estratégia é o desenvolvimento do selo Originais Netflix. A categoria é utilizada para construir a identidade de marca da empresa e reforçar o aspecto de exclusividade do catálogo (TRYON, 2015TRYON, C. TV got better: Netflix’s original programming strategies and the on-demand television transition. Media Industries Journal, v. 2, n. 2, p. 104-116. Ann Arbor (EUA): Michigan Publ., 2015.; CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2021______. A “televisão do futuro”? Netflix, qualidade e neofilia no debate sobre TV. Matrizes, v. 15, n. 1, p. 1-25, 2021. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP).). Contudo, apesar do nome, nem todos os títulos associados à ela são, de fato, desenvolvidos pela Netflix. São marcadas como Originais tanto as obras comissionadas pela companhia, como Stranger Things, quanto aquelas de que a Netflix possui licença exclusiva para a distribuição internacional12 12 Lotz (2020) argumenta que a inclusão de títulos de outros estúdios é feita propositalmente sem maiores diferenciações como forma de ampliar o número de produções “Originais” do catálogo. . É o caso de Vincenzo (tvN, 2021): produzido por uma emissora sul-coreana, o drama é distribuído ao redor do mundo pela plataforma estadunidense como um Original Netflix. Além disso, também são classificadas como originais as produções de outros estúdios “salvas” pela plataforma, tal como ocorreu com Lucifer (Fox, 2016 – 2018; Netflix, 2019 – presente): após a série ser cancelada pela Fox, a Netflix comprou os direitos da produção e passou a elaborar novos episódios da narrativa.

Desde House of Cards (Netflix, 2013 – 2018), primeira série totalmente financiada pela empresa, há um evidente interesse nesse gênero midiático, com inúmeras produções lançadas a cada ano. Nessa época, um dos pontos em evidência era justamente o modelo de distribuição: em vez do lançamento semanal, característico da televisão estadunidense, a empresa optou por disponibilizar todos os episódios da temporada de uma só vez (TRYON, 2015TRYON, C. TV got better: Netflix’s original programming strategies and the on-demand television transition. Media Industries Journal, v. 2, n. 2, p. 104-116. Ann Arbor (EUA): Michigan Publ., 2015.). A guinada para as Originais Netflix faz parte de um momento significativo para a empresa e, inclusive, virou tendência no segmento: hoje, Amazon Prime Video, Disney+ e HBO MAX são apenas algumas plataformas que também produzem séries exclusivas. Com o projeto de expansão, a Netflix também tem investido no financiamento de séries fora do eixo estadunidense, como a alemã Dark (Netflix, 2017 – 2020) e a brasileira Cidade Invisível (Netflix, 2021 – presente). Assim, a empresa se posiciona não apenas como uma facilitadora, encurtando o circuito de distribuição e intensificando o fluxo transnacional de séries vindas de territórios distintos, mas também como uma criadora de histórias vendidas como globais (MEIMARIDIS et al., 2021MEIMARIDIS, M.; MAZUR, D.; RIOS, D. De São Paulo a Seúl: las estrategias de Netflix en los mercados periféricos. Comunicación y Sociedad, n. 18, p. 1-26. Guadalajara (MEX): DECS, 2021.).

Portanto, a Netflix se encontra em uma posição ambígua. No que tange à produção de conteúdos, ela é uma novata, uma vez que ainda não possui uma cartela de títulos tão consolidada como alguns concorrentes. Ao mesmo tempo, a empresa está na vanguarda do modelo de distribuição televisiva via internet. Nesse cenário, as séries Originais Netflix são articuladas pela empresa como munição para competir tanto contra emissoras e estúdios do meio televisivo tradicional, quanto contra plataformas de streaming rivais. Assim, analisar os números de audiência divulgados pela Netflix se torna importante para entender como a empresa se coloca nesse campo de intensa concorrência.

Casos de sucesso

Para realizar o trabalho, analisamos os relatórios de ganhos trimestrais divulgados pela Netflix desde 2013, ano de lançamento da primeira série comissionada pela plataforma, até 2020, acompanhando assim a expansão das séries Originais Netflix no decorrer de sete anos13 13 A pesquisa inicia a análise no relatório referente ao primeiro trimestre de 2013, publicado em abril do mesmo ano, e termina no relatório referente ao quarto trimestre de 2020, publicado em janeiro de 2021. Os documentos foram coletados no Netflix Investors, site oficial destinado aos acionistas da empresa. Disponível em: <https://ir.netflix.net/financials/quarterly-earnings/default.aspx>. Acesso em: 01 set. 2021. . Esses documentos trazem um resumo dos lucros e expectativas de crescimento, funcionando como um guia para assegurar a saúde financeira da empresa para seus acionistas. Além disso, também apresentam as últimas informações sobre os conteúdos do catálogo, as funcionalidades da plataforma e o posicionamento dos executivos sobre o mercado de streaming, assuntos esses que são amplamente repercutidos em veículos da mídia. Em outras palavras: a Netflix falando de si mesma.

Nos primeiros anos, informações sobre o desempenho individual de títulos do catálogo eram escassas e imprecisas. Por exemplo, em 2014, foi anunciado que a 2ª temporada de House of Cards “atraiu uma grande audiência, capaz de fazer qualquer emissora a cabo ou aberta feliz” (NETFLIX INVESTORS, 2014aNETFLIX INVESTORS. 2014 First Quarter Earnings, 2014a. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2014/q1/Q114-Earnings-Letter-4.21.14-final.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://s22.q4cdn.com/959853165/files/do...
, p. 2, tradução nossa), que a 2ª temporada de Orange is the New Black (Netflix, 2013 – 2019) “se tornou a série mais vista” (NETFLIX INVESTORS, 2014b______. 2014 Second Quarter Earnings, 2014b. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2014/q2/July2014EarningsLetter_7.21.14_final.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://s22.q4cdn.com/959853165/files/do...
, p. 3, tradução nossa) em todos os territórios onde a plataforma estava presente e que Marco Polo (Netflix, 2014 – 2016) havia gerado uma “audiência substancial durante a temporada de férias de fim de ano” (NETFLIX INVESTORS, 2014c______. 2014 Third Quarter Earnings, 2014c. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2014/q3/Q3_14_Letter_to_shareholders.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://s22.q4cdn.com/959853165/files/do...
, p. 4, tradução nossa). Com o processo de expansão global da empresa, também ocorreu um aumento de informações sobre o desempenho de séries Originais Netflix produzidas fora do mercado estadunidense. Assim, a Netflix enfatiza sua capacidade de promover e/ou encurtar fluxos transnacionais, o que pode ser observado na declaração de que a mexicana Ingobernable (Netflix, 2017 – 2018) foi vista “por milhões de membros fora do México” (NETFLIX INVESTORS, 2017______. 2017 Second Quarter Earnings, 2017. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2017/q2/Q2_17_Shareholder_Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://s22.q4cdn.com/959853165/files/do...
, p. 3, tradução nossa).

Nessa época, o principal antagonista no discurso da Netflix era o modelo de televisão linear. Havia uma certa tentativa de apresentar a empresa e sua característica de consumo não-linear como o futuro da espectatorialidade televisiva, distinguindo-se das emissoras tradicionais e posicionando tanto a lógica do catálogo quanto as affordances da plataforma como diferenciais na experiência do assinante (TRYON, 2015TRYON, C. TV got better: Netflix’s original programming strategies and the on-demand television transition. Media Industries Journal, v. 2, n. 2, p. 104-116. Ann Arbor (EUA): Michigan Publ., 2015.; CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016CASTELLANO, M.; MEIMARIDIS, M. Netflix, discursos de distinção e os novos modelos de produção televisiva. Contemporânea-Revista de Comunicação e Cultura, v. 14, n. 2, p. 193-209, 2016. Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA).). Segundo a Netflix, não havia necessidade de informar números de audiência pois seu modelo de negócios não era dependente de anunciantes e, por isso, a empresa preferia anunciar o crescimento no número de assinaturas (NETFLIX INVESTORS, 2016a______. 2015 Fourth Quarter Earnings, 2016a. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2015/q4/Q4_15_Letter_to_Shareholders_-_COMBINED.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2021.
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). Apesar disso, em 2016, a Netflix afirmou que analisava internamente o sucesso de suas produções originais:

Para determinar a performance relativa, olhamos para o percentual de visualização de cada título e comparamos com a nossa quota de orçamento para conteúdo. Nós também levamos em consideração fatores qualitativos, como a cobertura midiática e prêmios conquistados, que aprimoram nossa marca e nossa capacidade de atrair talentos para projetos futuros.

(NETFLIX INVESTORS, 2016b______. 2016 Third Quarter Earnings, 2016b. Disponível em: https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2016/q4/Q416ShareholderLetter.pdf. Acesso em: 01 set. 2021.
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, p. 3, tradução nossa).

Assim, embora não seja limitada pelo fluxo linear tal como o meio televisivo tradicional, o teto de gastos da Netflix atua como um guia para a comissão ou aquisição de novos títulos (LOTZ, 2020______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020.). Portanto, analisar o desempenho individual desses conteúdos era uma tarefa importante para a empresa, mesmo que esses dados não fossem tornados públicos na época. Crawford (2021)CRAWFORD, C. Netflix’s speculative fictions: Financializing platform television. New York: Rowman & Littlefield, 2021. afirma que a Netflix se apresenta no mercado a partir de uma especulação do futuro, como é de praxe no mundo capitalista: previsões sobre quanto a empresa irá lucrar nos próximos meses, qual será o aumento percentual no número de assinaturas e quais Originais Netflix serão os próximos destaques da plataforma são temas recorrentes no material analisado. Assim, por mais vagas que sejam, cada informação publicitada contribui para a manutenção da narrativa institucional da empresa enquanto marca consolidada no mercado de streaming.

Contudo, a partir de 2018 a dinâmica da Netflix mudou. A empresa começou a “prestar contas”, compartilhando dados sobre a performance individual de alguns títulos pré-selecionados. No entanto, é preciso pontuar o que a Netflix considera como visualização e quais são os métodos utilizados para contabilizá-la. Como métrica, a plataforma tem utilizado a janela temporal de quatro semanas, ou seja, quantas pessoas assistiram à produção nos primeiros 28 dias após o lançamento14 14 Em alguns casos, o relatório era publicado antes de algumas séries completarem 28 dias disponíveis no catálogo. Quando isso acontecia, a Netflix informava que os números de visualizações apresentados eram baseados em estimativas estatísticas. . Esse parâmetro é especialmente relevante pois favorece tanto a dinâmica não-linear, no qual o assinante decide o momento de consumo (MASSAROLO; MESQUITA, 2018MASSAROLO, J.; MESQUITA, D. Autoprogramação e engajamento nas plataformas de vídeo sob demanda: uma análise da Netflix. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.), quanto o modelo de distribuição das séries Originais Netflix, em que toda a temporada de uma produção é disponibilizada no mesmo dia.

Além disso, a Netflix também alterou a metodologia utilizada para contabilizar visualizações na plataforma. A implementação ocorreu no quarto trimestre de 2019 e afetou drasticamente a quantificação desses dados. No método antigo, o que contava era a porcentagem de conteúdo visto: para filmes, uma visualização só era computada caso o assinante assistisse mais de 70% do material, enquanto que para séries, reality shows e outras obras serializadas, a visualização era contabilizada após o consumo de 70% de apenas um dos episódios. Com a nova metodologia, os números de visualização passaram a ser computados após o usuário assistir a, pelo menos, dois minutos do conteúdo. Ambos os processos têm como unidade de medida a assinatura (household), ou seja, por mais que uma mesma conta possa ter múltiplos perfis e assistir aos mesmos produtos, a plataforma contabiliza esses dados de consumo uma única vez.

De acordo com a Netflix, dois minutos seriam uma faixa de tempo “longa o suficiente para indicar que a escolha [de assistir ao título] foi intencional” (NETFLIX INVESTORS, 2020______. 2019 Fourth Quarter Earnings, 2020. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2019/q4/FINAL-Q4-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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, p. 4, tradução nossa). Essa mudança acarretou em um aumento da média de visualizações da plataforma em 35%. Como exemplo, a empresa apresenta dados do documentário Our Planet (Netflix, 2019______. 2019 Third Quarter Earnings, 2019. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/quarterly_reports/2019/q3/FINAL-Q3-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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), que na metodologia antiga havia marcado 35 milhões de visualizações e, na nova, 45 milhões. É claro que se leva em consideração o fato de que a audiência, enquanto commodity, é uma construção definida e disputada por agentes do mercado (MEEHAN, 1984MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984.; SMYTHE, 2006SMYTHE, D. W. On the audience commodity and its work. In: MEENAKSHI, G. D.; KELLNER, D. M. (Eds.). Media and cultural studies: Keyworks, p. 230-256. Oxford (ING): Blackwell Publishing, 2006.). Entretanto, é preciso enfatizar quão problemática é a metodologia desenvolvida pela Netflix, pois demonstra muito mais a intenção de assistir, embora seja publicitada como a visualização da obra em sua totalidade. No caso de Our Planet, por exemplo, isso significa dizer que 10 milhões de assinantes assistiram a mais de dois minutos do documentário, porém desistiram do conteúdo antes de chegar aos 70%.

Entre 2013 e 2020, foram divulgados pela empresa números de visualizações de 27 séries (Quadro 1). Como esperado, todas as obras mencionadas são categorizadas como Originais Netflix. Embora a maior parte delas sejam, de fato, financiadas pela companhia, ressalta-se a presença de informações sobre Bodyguard (BBC, 2018), desenvolvida pela emissora britânica BBC e distribuída com exclusividade pela Netflix em outros países. Lucifer, já citada, You (Lifetime, 2019; Netflix, 2020______. 2019 Fourth Quarter Earnings, 2020. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2019/q4/FINAL-Q4-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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– presente) e La Casa de Papel tiveram temporadas anteriores desenvolvidas em outras emissoras e foram posteriormente compradas pela Netflix. De forma semelhante, Cobra Kai (YouTube, 2018 – 2019; Netflix, 2021 – presente) também passou a ser uma Original Netflix após o YouTube, que produziu as duas primeiras temporadas da narrativa, desistir de continuá-la.15 15 Disponível em: <https://ir.netflix.net/financials/quarterly-earnings/default.aspx>. Acesso em: 01 set. 2021.

Quadro 1
Números de visualizações das séries presentes no catálogo da Netflix.

No que tange aos dados apresentados, há, de fato, um aumento considerável na média dos números de visualizações divulgados pela empresa. Se na metodologia antiga a maior parte dos números divulgados giravam em torno de 40 a 45 milhões de visualizações, na nova dinâmica de análise uma quantidade expressiva de títulos ultrapassa a faixa de 50 milhões. Com isso, nota-se um interesse em enfatizar o desempenho das Originais Netflix. Vale ressaltar também que a maioria das informações oferecidas são de séries com apenas uma temporada lançada. Como mencionado, o momento atual tem sido marcado pelo investimento intenso em séries, com emissoras tradicionais e plataformas de streaming competindo para desenvolver produções que atraiam a audiência (TRYON, 2015TRYON, C. TV got better: Netflix’s original programming strategies and the on-demand television transition. Media Industries Journal, v. 2, n. 2, p. 104-116. Ann Arbor (EUA): Michigan Publ., 2015.; BIANCHINI, 2018BIANCHINI, M. S. A Netflix no campo de produção de séries televisivas e a construção narrativa de Arrested Development. 2018. 219f. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.). Mas, ainda que continue desenvolvendo suas obras de legado, como Stranger Things, percebe-se que a Netflix também está se atentando para a produção de novos conteúdos. Assim, a empresa se vende como um serviço que sempre tem novidades, disponibilizando constantemente uma grande quantidade de lançamentos. Ao escolher celebrar essas produções, a Netflix apresenta o rápido retorno de seus produtos, principalmente tendo em vista que dados sobre a audiência “ajudam a determinar quais programas serão renovados e quais serão cancelados” (SCALEI; FINGER, 2020SCALEI, V.; FINGER, C. Televisão, big data e algoritmos: o que fazer com tantos dados sobre a audiência? In: MARQUIONI, Carlos E., FISCHER, Gustavo D (Org.). Da televisão às televisualidades:continuidades e rupturas em tempos de múltiplas plataformas. Belo Horizonte: Selo PPGCOM/UFMG, p.313-330, 2020., p. 322-323).

Com isso, os números de visualizações são utilizados estrategicamente pela Netflix para apresentar suas produções como casos de sucesso. Isso é especialmente salientado quando uma produção atinge alguma marca dentro da plataforma. Por exemplo, em seu Twitter oficial, a Netflix declarou que a série de suspense Ratched (Netflix, 2020______. 2019 Fourth Quarter Earnings, 2020. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2019/q4/FINAL-Q4-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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– presente) havia sido um dos pontos altos de 2020: “Em seus primeiros 28 dias, 48 milhões de membros marcaram uma consulta com a enfermeira Ratched, tornando-a nossa maior 1ª temporada original do ano” (NETFLIX, 2020aNETFLIX. “In its first 28 days, 48 million members have booked an appointment with Nurse Ratched, making it our biggest original Season 1 of the year.” 16 out. 2020a. Twitter: @netflix. Disponível em: <https://twitter.com/netflix/status/1317125663631892481>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://twitter.com/netflix/status/13171...
, tradução nossa). De forma semelhante, afirmou que The Queen’s Gambit (Netflix, 2020______. 2019 Fourth Quarter Earnings, 2020. Disponível em: <https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2019/q4/FINAL-Q4-19-Shareholder-Letter.pdf>. Acesso em: 01 set. 2021.
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) também havia quebrado recordes. Segundo a empresa, “62 milhões de famílias optaram por assistir The Queen’s Gambit nos primeiros 28 dias, tornando-se a maior série limitada roteirizada da Netflix até hoje” (NETFLIX, 2020b______. “A record-setting 62 million households chose to watch The Queen’s Gambit in its first 28 days, making it Netflix’s biggest scripted limited series to date.” 23 nov. 2020b. Twitter: @netflix. Disponível em: <https://twitter.com/netflix/status/1330903941706485761>. Acesso em: 01 set. 2021.
https://twitter.com/netflix/status/13309...
, tradução nossa)16 16 Série limitada roteirizada (scripted limited series) é uma categoria utilizada na indústria estadunidense para narrativas seriadas ficcionais com poucos episódios e sem a previsão de novas temporadas, semelhante às minisséries brasileiras. .

Segundo Wayne (2021), a virada da Netflix para a publicação de dados de audiência é “uma mudança em direção a práticas da indústria tradicional” (p. 2, tradução nossa). Entretanto, o autor aponta que esse movimento não acontece sem críticas: profissionais do mercado e da mídia especializada ainda cobram que a empresa apresente políticas de divulgação mais transparentes. De toda forma, os números de visualizações e o sucesso atrelado a eles devem ser contextualizados com o alcance da empresa. Diferentemente dos relatórios de institutos, como a Nielsen, que medem apenas mercados nacionais, os dados divulgados pela Netflix se referem ao consumo em nível global. Em paralelo, a recente celebração dos números de visualizações se relaciona diretamente com o cenário contemporâneo do mercado de streaming, em especial com o lançamento de concorrentes como Disney+. Assim, ainda que a Netflix tenha construído sua marca se distinguindo discursivamente da televisão linear (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2021______. A “televisão do futuro”? Netflix, qualidade e neofilia no debate sobre TV. Matrizes, v. 15, n. 1, p. 1-25, 2021. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP).; CRAWFORD, 2021CRAWFORD, C. Netflix’s speculative fictions: Financializing platform television. New York: Rowman & Littlefield, 2021.), é visível que o atual momento tem sido pautado por uma competição entre as próprias empresas de streaming, principalmente aquelas que também investem em um projeto de expansão global.

Apesar das discussões sobre a mensuração da audiência se inserirem em um longo processo marcado por transformações no âmbito da produção, distribuição e consumo de programas televisivos (VAN ES, 2018VAN ES, K. Sobre os desafios enfrentados na segunda tela: o dilema da participação em The Voice. In: CASTELLANO, M.; HOLZBACH, A. (org.). TeleVisões:Reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.), ressaltamos que, no caso das empresas de streaming, a opacidade das plataformas permite que elas definam os parâmetros utilizados para contabilizar números de visualizações sem precisar discuti-los de forma mais ampla. A intensa fabricação e interpretação de dados aliada à falta de transparência, característica das plataformas digitais (VAN DIJCK et al., 2018VAN DIJCK, J; POELL, T; DE WAAL, M. The platform society: Public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.), é justamente o que contribui para que a Netflix tenha uma maior flexibilidade para escolher quais obras terão seus números divulgados. Ao disponibilizar informações sobre algumas poucas Originais Netflix enquanto sistematicamente omite dados sobre as inúmeras outras produções de seu catálogo, a empresa busca se destacar na indústria “ao mesmo tempo em que mantém a capacidade de evitar quaisquer normas tradicionais da indústria consideradas inconvenientes” (WAYNE, 2021, p. 11, tradução nossa).

Nesse sentido, mesmo que a Netflix seja financiada diretamente por seus assinantes, divulgar números de visualizações robustos se torna essencial para apresentá-la como uma empresa bem sucedida e com produtos que atraem, em menos de um mês, uma vasta quantidade de pessoas. E, quando se olha para todos os números divulgados até o momento, percebe-se que estão cada vez maiores: se até 2019 o recorde de série mais vista na plataforma pertencia a The Witcher, em janeiro de 2021, o drama histórico Bridgerton (Netflix, 2020 – presente) tomou o posto após ser assistido por 82 milhões de assinantes nos primeiros 28 dias após sua estreia1 1 Conforme desenvolvido ao longo do artigo, a categoria foi criada pela Netflix para indicar os conteúdos exclusivos da plataforma. 7 7 Dentre elas, destacamos a prática da maratona (binge-watching), que consiste em assistir múltiplos episódios de forma sequenciada. Embora tenha surgido antes das plataformas, ela é incentivada pela Netflix, enfatizada como um modo de consumo “superior” ao da televisão linear (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016). . Contudo, em novembro de 2021, a Netflix informou que mudaria novamente a forma de divulgar dados de visualização: agora, informações sobre os títulos serão baseadas no número de horas consumidas1 1 Conforme desenvolvido ao longo do artigo, a categoria foi criada pela Netflix para indicar os conteúdos exclusivos da plataforma. 8 8 Disponível em: <https://help.netflix.com/pt/node/14164>. Acesso em: 01 set. 2021. . Em todo caso, a mudança só aponta para o fato de que discussões sobre as métricas utilizadas por plataformas de streaming estão longe de acabar.

Considerações finais

Ao comentar sobre o domínio da Nielsen no mercado televisivo estadunidense, Meehan (1984)MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984. sugere um olhar mais atento para as relações entre emissoras, espectadores e institutos de pesquisa na confecção e análise de números de audiência. Neste artigo, procuramos resgatar o enquadramento da audiência e das métricas de pesquisa como commodities e situá-lo nas dinâmicas das plataformas de streaming por assinatura. Comparado a outros sistemas de distribuição e produção da indústria midiática, o mercado de streaming ainda é incipiente. Contudo, destacamos a atuação da Netflix nesse cenário: a empresa não apenas disponibiliza produções audiovisuais, como também desenvolve suas próprias obras e, devido à estrutura da plataforma, é única com acesso total aos números de visualizações desses conteúdos.

Com a proliferação das plataformas e o aumento da competição entre elas, a presença de obras exclusivas se torna um caminho viável para a construção de um catálogo atrativo. Nesse sentido, é bastante sintomático que a empresa divulgue dados referentes apenas às Originais Netflix. Com isso, números de visualizações funcionam muito mais como uma estratégia de relações públicas, tendo em vista que sinalizam a popularidade de produções financiadas pela empresa. Isso não é uma particularidade da Netflix, mas sim uma tendência que também pode ser observada em outras plataformas de streaming. Dessa forma, o artigo contribui para explicitar os desafios e contradições presentes no mercado de streaming contemporâneo. Todavia, novas pesquisas focadas na construção de sucesso em plataformas audiovisuais são incentivadas. Por enquanto, notícias sobre números de visualizações oferecem apenas pequenos vislumbres, partes difusas de um corpo maior.

  • 1
    Conforme desenvolvido ao longo do artigo, a categoria foi criada pela Netflix para indicar os conteúdos exclusivos da plataforma.
  • 2
    Aqui, o termo série é utilizado para se referir às ficções audiovisuais serializadas produzidas tanto no modelo de televisão linear quanto no não-linear.
  • 3
    Emissoras de televisão linear também procuram novos métodos de mensuração. A CBS, que veiculava The Big Bang Theory, e outros canais da rede aberta começaram a utilizar métricas quantificando a audiência em três, sete e trinta dias. Em paralelo, conglomerados que possuem suas próprias plataformas, como a HBO, passaram a divulgar números de audiência somando consumo linear e não-linear.
  • 4
    No país, a rede aberta é palco de canais generalistas, enquanto a rede paga básica possui majoritariamente canais voltados para nichos de mercado. Enquanto os anunciantes da rede aberta costumam ser empresas de consumo massivo, os da rede paga geralmente fazem parte de segmentos específicos. Dessa forma, canais de nicho se importam menos com a quantidade de espectadores, mas sim se essa audiência faz parte do público-alvo desejado (LOTZ, 2007LOTZ, A.D. The television will be revolutionized. Nova York: New York University Press, 2007.).
  • 5
    Qualidade televisiva é apresentada como um discurso de distinção utilizado pelas empresas e não algo inerente ao objeto (MCCABE; AKASS, 2007MCCABE, J.; AKASS, K. Quality TV:Contemporary American television and beyond. Londres: I.B.Tauris, 2007.).
  • 6
    Aqui, há uma tradução de ratings, no inglês, para “números de audiência”. Em seu trabalho, Meehan (1984)MEEHAN, E. Ratings and the institutional approach: A third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, n. 2, p. 216-225. Washington DC: NCA, 1984. refere-se aos conceitos de audience commodity, espectadores vistos como consumidores, e ratings commodity, informações estatísticas vistas como produto.
  • 7
    Dentre elas, destacamos a prática da maratona (binge-watching), que consiste em assistir múltiplos episódios de forma sequenciada. Embora tenha surgido antes das plataformas, ela é incentivada pela Netflix, enfatizada como um modo de consumo “superior” ao da televisão linear (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016CASTELLANO, M.; MEIMARIDIS, M. Netflix, discursos de distinção e os novos modelos de produção televisiva. Contemporânea-Revista de Comunicação e Cultura, v. 14, n. 2, p. 193-209, 2016. Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA).).
  • 8
    Disponível em: <https://help.netflix.com/pt/node/14164>. Acesso em: 01 set. 2021.
  • 9
  • 10
  • 11
  • 12
    Lotz (2020)______. In between the global and the local: Mapping the geographies of Netflix as a multinational service. International Journal of Cultural Studies, p. 1-21. Nova York: SAGE Publ., 2020. argumenta que a inclusão de títulos de outros estúdios é feita propositalmente sem maiores diferenciações como forma de ampliar o número de produções “Originais” do catálogo.
  • 13
    A pesquisa inicia a análise no relatório referente ao primeiro trimestre de 2013, publicado em abril do mesmo ano, e termina no relatório referente ao quarto trimestre de 2020, publicado em janeiro de 2021. Os documentos foram coletados no Netflix Investors, site oficial destinado aos acionistas da empresa. Disponível em: <https://ir.netflix.net/financials/quarterly-earnings/default.aspx>. Acesso em: 01 set. 2021.
  • 14
    Em alguns casos, o relatório era publicado antes de algumas séries completarem 28 dias disponíveis no catálogo. Quando isso acontecia, a Netflix informava que os números de visualizações apresentados eram baseados em estimativas estatísticas.
  • 15
    Disponível em: <https://ir.netflix.net/financials/quarterly-earnings/default.aspx>. Acesso em: 01 set. 2021.
  • 16
    Série limitada roteirizada (scripted limited series) é uma categoria utilizada na indústria estadunidense para narrativas seriadas ficcionais com poucos episódios e sem a previsão de novas temporadas, semelhante às minisséries brasileiras.
  • 17
  • 18
    Disponível em: <https://about.netflix.com/en/news/new-top-10-on-netflix>. Acesso 09 dez. 2021.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2021
  • Aceito
    23 Ago 2021
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