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Dissensualidades e ruinações nos modos de habitar/ocupar espaços da cidade

Dissensualities and ruinations in the ways of occupying/ inhabiting city space

Resumo

Parte-se do pressuposto de articulação entre estética e política, na esteira de autores que concebem a política como uma partilha do sensível. Essa partilha baseia-se em consensualidades e dissensualidades; a primeira pela categorização tradicional de lugares, saberes e competências no seio da sociedade, a segunda pela desestabilização dessas posições pré-estabelecidas e justificadoras de valores estereotipados e condutas autoritárias. Na contramão dessas posturas, o dissensualismo expõe danos sob a forma de ruinações, concebidas como destroços arrastados de uma estrutura colonial em contínuas e variantes manifestações. A sistematização e compreensão desses processos constituem o objetivo de nossas pesquisas, aqui recortadas pela abordagem de duas condições: a de moradores de rua sob viadutos na cidade de São Paulo, tal como midiatizados por expressões do fotojornalismo, e a da aglomeração de usuários de drogas nas regiões que configuram a chamada Cracolândia da região central de São Paulo. Sobre o primeiro conjunto de imagens destaca-se o olhar sensível de Eduardo Anizelli e, no segundo, as perspectivas críticas de Danilo Verpa e Daniel Arroyo. Abordados como experiências de espacialidade manifestadas em topografia estética, os empíricos delineiam uma percepção igualitária do outro como ser humano afetado socialmente em suas formas de vida.

Palavras-chave
enquadramentos identitários; lógica imunitária; estética da comunicação; consensos e dissensos; ruinação

Abstract

The inicial point of this work is the request for articulation between aesthetics and politics, in the wake of authors who conceive politics as a sharing of the sensitive. This sharing is based on consensualities and dissensualities; the first for the traditional categorization of places, knowledge and competences within society, the second for the destabilization of pre-established installations that justify stereotyped values and authoritarian conduct. In disagreement with these positions, dissensualism exposes the damage in the form of ruination, made like the wreckage dragged from a colonial structure in continuous and variable manifestations. The systematization and understanding of these processes constitute the objective of our research, here highlighted by the approach of two conditions: that of homeless people under viaducts in the city of São Paulo, as mediated by different expressions of photojournalism, and that of the agglomeration of drug users in the streets/regions that constitute the popularly called Cracolândia in the central region of São Paulo. On the first set of images, the aesthetic view of Eduardo Anizelli stands out, and, on the second, the critical perspectives of Danilo Verpa and Daniel Arroyo appears. Approached as experiences of spatiality manifested in an aesthetic topography, the defensors of an empiric perspective empirics delineate an egalitarian perception of the other as a socially human in their ways of life.

Keywords
communication aesthetics; consensus and dissent; doom; identity frameworks; immunologic logic

Introdução

La véritable crise de l’habitation réside en ceci que les mortels en sont toujours à chercher l’être de l’habitation et qu’il leur faut d’abord apprendre à habiter.

(Heidegger, 2010HEIDEGGER, M. s1Bâtir habiter penser.s1 Essais et conférences. Petrópolis: Vozes, 2001, p.170-193., p. 193)

Sobre o objeto

O presente artigo propõe-se a refletir sobre modos de representação fotojornalística de sujeitos “moradores” de ruas e usuários de drogas na cidade de São Paulo. Especificamente, recorta de um acervo maior composto por imagens de jornais diferentes, matérias fotográficas que nos induzem a um olhar diferenciado sobre tais sujeitos. As imagens examinadas provocam uma mudança de olhar em relação a pessoas que tentam persistir vivendo, subsistir, a despeito das condições precárias que as empurram historicamente para a exclusão, para a discriminação, para uma pobreza extrema e para a ausência de políticas públicas que deveriam ser mobilizadas para evitar ou superar tais situações. Essa mudança pode ser considerada como um gesto dissensual no modo de mostrar as vidas em situação de miséria, retendo nos fragmentos de seus cotidianos tanto a dignidade humana, apesar do contexto de suas vidas, quanto a violência estrutural que as arrasta para estados inimagináveis.

O primeiro aspecto é apreendido em uma série fotográfica realizada pelo fotojornalista da Folha de S. Paulo Eduardo Anizelli, em 2021, sobre famílias de moradores embaixo de viaduto paulistano, e o segundo a partir de algumas perspectivas, também fotojornalísticas de Danilo Verpa e Daniel Arroyo, profissionais da Folha de S. Paulo e de A Ponte Jornalismo, respectivamente, veiculadas entre 2017 e 2022. A escolha desses dois grupos de imagens, que por nós são constituídos como conjuntos de cenas de aparição de danos sociais (RANCIÈRE; 2005RANCIÉRE, J. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005. , 2018______. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 2018.), deve-se aos objetos de investigações dos autores do presente artigo, que trabalham com “ruinações históricas”, no dizer de Stoler (2013)STOLER, A. L. “The Rot Remains”: From Ruins to Ruination. In: STOLER, A. L. (orgs.) Imperial debris: on ruins and ruination. Londres: Duke University Press, 2013., referindo-se aos vestígios de estruturas coloniais (debris) que vão se manifestando em ruínas atuais conjugando corpos e ambientes. Dentre as ruinações, a busca e tentativa de “moradia” em ruas e a ocupação de espaços da cidade serviram como mote para o recorte de nossas reflexões1 1 Júlio Rigoni Filho defendeu recentemente, inclusive, seu trabalho de mestrado sobre as figurações femininas em situação de midiatizações do abuso de drogas. . Os fotojornalistas escolhidos também não são, obviamente, os únicos a realizarem trabalhos singulares sobre tais problemas, nem mantêm necessariamente a mesma postura em todas as suas fotografias, mas representam diferenças marcantes no acervo reunido sobre os conteúdos relacionados à habitação nas ruas e aos integrantes da chamada Cracolância. Nosso ponto de partida é a de que consensualidades limitam nossas expectativas de como ver e de como dar a ver as tragédias de uma sociedade excludente, sobretudo em função de que muitos esperam ver nas imagens que tematizam a pobreza cenas da miserabilidade humana. Indo a contrapelo dessa perspectiva, outras percepções podem ser acionadas revelando o caráter dialético que simples imagens podem mobilizar (DIDI-HUBERMAN, 2020______. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020. ).

A estrutura de nosso raciocínio segue a seguinte progressão: inicia por referências teóricas sobre o habitar em sentido geral, trazendo para tanto o pensamento de Heidegger (2010) a esse respeito; relaciona alguns aspectos da definição filosófica ao modo como apreendemos as imagens selecionadas, para, em seguida, agenciar autores que mostram a falta de condições de habitação na nossa sociedade, sobretudo nas grandes cidades em que as pessoas são obrigadas a dormir em calçadas a céu aberto, sob viadutos, marquises de prédios, túneis e outros tantos espaços, submetidos a inúmeros perigos e doenças. Não desconsideramos, portanto, as condições estruturais do problema brasileiro, principalmente marcado pela exclusão e pobreza. O foco, porém, não é esse, como mencionamos no início, mas sim perceber um elo estreito entre a percepção dos danos sociais e a condição igualitária de manifestação do humano frente a tantas formas de desumanização. Passamos então à exposição das imagens e dos comentários que buscam justificar nossa abordagem analítica específica das fotos, baseada na semiótica discursiva greimasiana, e por desdobramentos atuais dessa linha de investigação como os postulados de Landowski (2001)LANDOWSKI, E. O olhar comprometido. s1Revista Galáxias1s1.s1 São Paulo, v. 1, n. 2, p. 19-56, 2001. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/1241/747>. Acesso em: 18 jun. 2022.
http://revistas.pucsp.br/index.php/galax...
, Fontanille (2016)FONTANILLE, J. Corpo e sentido. Londrina: EDUEL, 2016..

Sobre o habitar

Antes de entrarmos na discussão dos tipos de imagens e textos midiáticos que abordam a temática das moradias sob viadutos, tendo como empírico exemplar para nosso argumento as fotos de Eduardo Anizelli, Daniel Arroyo e Danilo Verpa, empreendemos um recorte do pensamento heideggeriano sobre habitação. Heiddeger (2010)HEIDEGGER, M. s1Bâtir habiter penser.s1 Essais et conférences. Petrópolis: Vozes, 2001, p.170-193. nos faz enveredar por um raciocínio entretecido de vocábulos e conceitos do habitar para além de considerações técnicas ou arquitetônicas. Seu Habitar tem correspondência direta com a existência humana, com sua capacidade de pensar o mundo e subsistir na terra.

A reflexão que empreende, etimológica e filosófica, como não poderia deixar de ser, põe em evidência a relação entre construir, sobretudo vinculado à ideia de cultivar, e a extensão sensível do habitar, que pode não se limitar ao lugar em que efetivamente e legalmente se mora. Vai além, reconhece que na crise de moradias (de seu tempo, mas sabemos que muito agravada nos dias atuais), o ato de ocupar ou permanecer em um espaço nem sempre quer dizer habitar. É esse tensionamento entre estar e sentir-se em casa (chez soi, na tradução francesa consultada>2 2 Utilizamos a versão francesa das obras de Heidegger para a discussão deste artigo, empregando palavras em alemão, atual ou antigo, quando na edição francesa foram mantidos. ) que lhe serve de ponto de partida para definir o conceito, cuidando em perceber seus rastros na etimologia linguística, obviamente do alemão, na qual o princípio de construir e habitar não eram separados, entendendo-se naquele o sentido do cultivo e do cuidado. Heidegger (2010)HEIDEGGER, M. s1Bâtir habiter penser.s1 Essais et conférences. Petrópolis: Vozes, 2001, p.170-193. vai interligando radicais semânticas em vocábulos do alemão pelos quais emerge a equivalência entre habitação e o verbo ser, conjugado no eu sou, pelo que pode estabelecer uma relação de forte implicação.

Explica-nos o autor que o apagamento desses vínculos linguísticos impede que apreendamos certas ligações (Ibidem, p. 174) e causalidades importantes, como entre construir, cuidar e habitar, dissociados no alemão atual (e pela tradução também no francês3 3 Na tradução em português nem sempre diferenças como permanecer, morar, ficar ou habitar aparecem com clareza. ), mas implicados na ideia de habitar como um todo, que integra a univocidade da edificação e do cultivo, com uma conse- quência importante: a de que “não habitamos porque edificamos e cuidamos, mas cuidamos porque habitamos” (Ibidem, p. 175). A precedência do habitar para cuidar evita de partida argumentos que preconizam a confusão, a falta de limpeza e a organização de quem não tenha moradia construída. Aliás, não apenas destitui essa lógica como também a desloca enquanto meritória para a representação dos conflitos entre habitantes nas grandes cidades.

Perguntando-se qual é a experiência de demeurer (permanecer, morar), traz o resgate de significados antigos em palavras aparentadas no alemão. Encontra sobretudo no termo wunian do gótico uma ligação entre estar/ser contente, colocado em paz, e ficar (demeurer) em paz […] preservado de danos e de ameaças, preservado de, quer dizer poupado. A partir de tal enlace postula que o traço fundamental da habitação é esse cuidado (ménagement), que penetra a habitação em toda a sua extensão (HEIDEGGER, 2010HEIDEGGER, M. s1Bâtir habiter penser.s1 Essais et conférences. Petrópolis: Vozes, 2001, p.170-193., p. 176).

Tomando por instância primeira a ideia de habitação da condição humana como um estar (séjour) sobre a terra dos mortais e sob um céu do divino, considerando esses elementos como o Quadrilátero (Quatro, ou Quadriparti na tradução francesa) de configuração do Habitar — terra, céu, mortais, divinos (Ibidem, p.176) —, o autor nos faz transitar sobre as noções de lugar e espaço no âmbito de experiências mais concretas e menos amplas do sentido de habitar. Evoca para tanto a figura da ponte, cuja função consiste não apenas em ligar pontos de um lugar a outro, mas constitui um lugar (lieu), a própria ponte, que como tal é geradora de espaços (espaces), e demarcadora de limites. Sua presença determina o domínio de uma região, os seus entornos, as distâncias, formas de tráfego e de vida.

Identificamos analogias possíveis entre a ponte e o viaduto, que constitui um de nossos empíricos. Esses criam pontos de passagens sob sua estrutura (as margens de um rio, as calçadas de uma rua) e espaços vazios, suscetíveis de ocupação. Os espaços justapostos aos vãos de passagem de pedestres, configuram vazios propícios à proteção ou ao abrigo, e com seu desenho curvo permitem analogia com a abóbada celeste como metáfora do divino heideggeriano sintetizado na imagem de estar/habitar sobre a terra e sob o céu. Em outros termos, as vidas que nesses nichos eventualmente se agrupam delineiam a permanência entre a terra, comunidade dos homens, e o céu, como espaço do divino. A postulação heideggeriana dos Quatro como um todo — da terra, do céu, dos divinos e dos mortais — formando uma Unidade original pode parecer fora de nossos propósitos, mas tem um grande valor para conceber o espaço habitável. Figurativiza o espaço de habitação como um limite, circunscrito por linhas, físicas ou imaginárias, externas e internas, no interior do qual pode se estar protegido, acolhido. Da perspectiva de fora, de uma visada externa, ocupar o espaço vazio sob um viaduto afigura-se como uma invasão, posto que neutraliza os vazios da cidade, e por isso mesmo cria a ideia de um lugar de desordem interna, confuso, até mesmo perigoso. Da perspectiva interna, daqueles que o constituem como espaço de habitação, apresenta-se, ao contrário, como a extensão delimitada de uma permanência do corpo, dos objetos e pessoas que o circundam, espaço da coabitação, da sobrevivência e da proteção. Assim como os Quatro elementos envolvem o habitar dos homens sobre a terra e sob o céu, esse vazio converte-se na “bolha” de preservação dos danos, perfeitamente metaforizado na extensão da terra (do solo ocupado, pavimentado e separado das vias de circulação de veículos) e na abóbada celeste (protegido pela estrutura de concreto da passarela elevada do tráfego).

Há uma distância não apenas temporal entre as reflexões de Heidegger e o contexto brasileiro atual das “moradias” e ocupações de ruas para tentar permanecer sobre a terra e sob o céu. O surgimento da propriedade privada em solo europeu no final da Idade Média, com a consequente expulsão de trabalhadores que viviam em condições consuetudinárias e migraram para os centros urbanos sem nenhuma garantia de moradia ou subsistência, a incrementação do processo industrial e concentração do sistema financeiro, o endividamento resultante da lógica excludente e o expurgo de contingentes enormes populacionais para as periferias ou para as ruas nos grandes centros, sem contar fenômenos mais recentes de migrações de povos sem condições de vida em seus países de origem, e que não encontram nos locais de chegada o suporte necessário para uma outra forma de existência, constituem diferenciais importantes para detectar o caráter específico da tragédia atual relativa ao aspecto habitacional. A convocação das ideias de Heidegger entram a título de um referencial teórico fundamental à compreensão humanitária do fenômeno para melhor perceber que mostrar o dano social nem sempre implica assumir uma postura de dar visibilidade à destruição de valores que os sujeitos carregariam apesar das cruéis e limitantes adversidades.

A questão que nos parece relevante aqui, a despeito da urgência de uma discussão sobre o porquê desse tipo de moradia improvisada, é o modo como são midiatizadas tais vivências, sobretudo em situações de confrontação dessas formas de vida com a vizinhança considerada normal e a municipalidade. Três matérias recortadas de um corpus maior servem de parâmetro exemplar para entender o processo como danos e conflitos são representados e trazidos à discussão pelas mídias, especificadas nas reportagens visuais dos três fotógrafos. Antes de examiná-las, fazemos uma digressão teórica relacionada aos modos de ocupar lugares, deter funções e competências, ter direitos e saberes reconhecidos numa sociedade desigual. Tomamos como fio condutor dessa explanação teórica as ideias de Rancière (2005RANCIÉRE, J. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005. , 2011______. Aisthesis: Scènes du régime esthétique de l´art. Paris : Galilée, 2011., 2018)______. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 2018. e seguidores, sobretudo de Quintana (2019QUINTANA, L. Jacques Rancière and the emancipation of bodies. Philosophy & Social Criticism. 2019;45(2):212-238. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0191453718780529>. Acesso em: 30 set. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177...
, 2020)______. Política de los cuerpos: emancipaciones desde y más allá de Jacques Rancière. Barcelona: Herder Editorial, 2020. , sobre consensualidades e dissensualidades, postulados de Butler (2015)BUTLER, J. Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. sobre cuidado, Lévinas (2014)LEVINAS, E. s1Violência do rosto.s1 São Paulo: Edições Loyola, 2014., e Martino e Marques (2018)MARTINO, L. M.S.; MARQUES, A.C.S. Enquadramentos biopolíticos do corpo heterotópico: entre o controle prescritivo e a potência disruptiva. Ins1: SILVA, M. R. da et al. (orgs.) Mobilidade, espacialidades e alteridades.s1 Salvador: EDUFBA, 2018, p. 259-280. sobre imagens de sujeitos empobrecidos. O texto estrutura-se em uma parte de exposição do embasamento teórico que vai sendo articulado aos empíricos, conjugados pela temática da exclusão, e distinguidos pelo modo como se dão a ver ou são vistos em diferentes territorialidades e mobilidades pela cidade. Nesse ponto interseccionam-se estética e política, por entender que as fotografias examinadas podem “detectar a biopotência das relações de cooperação e hospitalidade, os agenciamentos criativos e os vínculos políticos e estéticos” (MARTINO; MARQUES, 2018MARTINO, L. M.S.; MARQUES, A.C.S. Enquadramentos biopolíticos do corpo heterotópico: entre o controle prescritivo e a potência disruptiva. Ins1: SILVA, M. R. da et al. (orgs.) Mobilidade, espacialidades e alteridades.s1 Salvador: EDUFBA, 2018, p. 259-280., p. 276), ou podem legitimar atitudes de rejeição aos sujeitos e seus modos improvisados de vida, potencializando nestes, inclusive, atitudes introjetadas da falta de reconhecimento do olhar da sociedade, as quais se exprimem por gestos desafiadores de quem se sente excluído. Cria-se, assim, um círculo vicioso de consensos em torno de normalidades e anormalidades assumido como natural e regulador de “bem-sucedidos e fracassados”.

Partindo do princípio de que há uma partilha do sensível que define formas de pertencimento e de comum, Rancière (2005RANCIÉRE, J. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005. , 2018)______. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 2018. e Quintana (2019QUINTANA, L. Jacques Rancière and the emancipation of bodies. Philosophy & Social Criticism. 2019;45(2):212-238. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0191453718780529>. Acesso em: 30 set. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177...
, 2020)______. Política de los cuerpos: emancipaciones desde y más allá de Jacques Rancière. Barcelona: Herder Editorial, 2020. ressaltam o peso dessa partilha para uma lógica excludente, que determina os capazes, normais, e seu oposto. Nessa linha de raciocínio, estabelecem-se consensos justificadores de ações contrárias a tudo e a todos capazes de perturbar a ordem de uma sociedade “naturalmente” distribuída e organizada. Entendem, assim, a estética como dimensão originária da política, na medida em que tal partilha se ampara em valores e práticas sensíveis, ainda que justificados por princípios de suposta racionalidade. É, porém, igualmente de uma lógica sensível que o pensamento consensual pode ser desmontado, por meio de ações que expressam olhares, gestos e práticas capazes de perceber a dignidade de outrem a despeito de, e sobretudo devido a, sua condição de vida. Um exemplo marcante dado por Rancière (2011, p. 287-307)______. Aisthesis: Scènes du régime esthétique de l´art. Paris : Galilée, 2011., entre outros que aparecem sobretudo em sua obra Aisthesis, refere-se ao trabalho jornalístico-fotográfico feito por James Agee e Walker Evans (2003)AGEE, J.; EVANS, W. Louons maintenant les grands hommes. Paris: Pocket, 2003. sobre os meieiros do sul dos Estados Unidos em trabalho encomendado pela revista Fortune, em 1936. Recusando-se a mostrar apenas a vida miserável daquelas pessoas, como solicitado e previsto, ambos buscaram delas se aproximarem, nelas reconhecerem traços de humanidade e dignidade, apesar de tudo. “Apesar de tudo” é a expressão recorrentemente usada por Didi-Huberman (2020)______. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020. para posicionar-se de modo favorável à necessidade de exposição de danos históricos frente à polêmica de as mídias mostrarem ou não as várias formas da violência social.

A ruptura do consenso se faz, portanto, por iniciativas dissensuais, que põem em xeque a naturalidade de estados pré-fixados, a arrogância e o controle policialesco (não só exercido pela polícia em sentido estrito) de competências pré-determinadas para a postulação do dizer e fazer verdadeiro.

Habitar sob viaduto

Entre os modos de abordagem das habitações criadas sob viadutos, que desencadearam múltiplas reações e opiniões durante certo período na cidade de São Paulo, em meio a manter ou evacuar o espaço “tomado”, vimos imagens que figurativizavam a confusão e o estranhamento do vivido nesses amontoados de pessoas. Junto ao imagético, o verbal reforçava o incômodo sentido pela vizinhança, o histórico de idas e vindas como um movimento insistente de retomada. Na contramão de uma representação recorrente, deparamo-nos com a matéria diferenciada, assinada pelo fotojornalista Anizelli, a serviço da Folha de S. Paulo. A singularidade inicia pela leitura do texto, sobre os altos gastos do governo com expulsões e retomadas por ocupantes de terrenos sob viadutos. Um contexto anterior de proibições que se marcaram, inclusive, pela construção de pedras desiguais em espaços impedindo a fixação no local, da parte da prefeitura, e a indignada derrubada desses obstáculos por ocupantes e ativistas, constitui uma narrativa mais longa à qual se integra a matéria examinada.

Ao discurso verbal associam-se imagens que narrativizam os habitantes do lugar. Podemos arrolar alguns componentes discursivos e plásticos capazes de formalizar visualmente tais tomadas: traços temático-figurativos, como o foco sobre as mulheres cuidando da “casa” e dos filhos; a organização topológica de uma série de capturas que vão desdobrando a extensão da superfície sob o viaduto dividido entre cômodos ou lares, ambientes interiores e exteriores; os modos de enunciar, que embora posicionados a partir de um terceiro, estrangeiro no meio, busca adentrar e aproximar-se das pessoas, dotando-os de nomes, histórias de vida.

Do ponto de vista enunciativo, adentramos o espaço tomado junto com o fotojornalista, reconhecemos nele a vida em família, detectamos traços de organização interna que denotam a vida comunitária: a cozinha em que se vislumbram cuidados de edificação e adorno, como cortinas, panos, utensílios dispostos funcionalmente; cuidados com o solo para se manter limpo; a rotina do trabalho ilustrado no homem que recorre a sucatas para criar seus serviços/produtos, a mulher que varre o chão; as linhas internas de espaços habitáveis, delimitadas pelo portão diante do qual a mãe e seus filhos, arrumados, posam para a foto; a roupa limpa secando no varal como a nos falar da ação humana. Em suma, um modo de se instalar pautado pelo cuidado e pela partilha do pouco. Em pequeno conjunto selecionado por 8 fotos4 4 Na versão impressa, em uma matéria de Aline Mazzo e Lucas Veloso, veiculada em 31 de maio de 2021, apenas uma foto da menina que caminha pelo espaço da moradia foi publicada. Pelo estranhamento em face da imagem, pois não parecia representativa do texto verbal que tratava dos gastos do governo com expulsões e retomadas dos viadutos, acessamos a versão digital onde toda a série estava visível. Um dos aspectos reiteradamente apontados para a percepção atencional, ou para a duração do ato de ver, é essa aparente deconexão verbovisual. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/colocacao-e-retirada-de-pedras-sob-viadutos-na-zona-leste-de-sp-custou-r-48-mil.shtml>. Acesso em: 14 de jun. 2022. , dentre muitas possivelmente realizadas, as imagens vão sendo pontuadas por legendas que registram nomes, idades, históricos de vida, mostrando parentesco e solidariedade. Embora pareça um simples recurso jornalístico, ou uma questão semântica irrelevante, o ato de dar nomes àqueles que normalmente são apresentados como anônimos da dor constitui recurso que pode ser agenciado como forma de consideração. A dotação de nomes, e rostos, tem potencial positivo em interações de respeito e acolhimento. Lévinas (2014)LEVINAS, E. s1Violência do rosto.s1 São Paulo: Edições Loyola, 2014. menciona a responsabilidade que se tem com o outro, mediante a interação das faces, ao explicar que “o rosto do outro é a sua maneira de significar” (Ibidem, p. 28), daí que “a responsabilidade pelo outro homem ou, se preferir, a epifania do rosto humano constitua uma perfuração na casca do ser ‘que persevera no próprio ser’ e preocupado consigo mesmo. Responsabilidade pelo outro, o “para-o-outro des-interessado da santidade” (Ibidem, p. 29-30).5 5 A santidade em Lévinas (2014) deve ser apreendida em uma perspectiva específica, sem entender que os homens são santos, mas no sentido do valor que esse conceito tem para a humanidade e o quanto tal reconhecimento é definidor do humano. Em outros termos, a figurativização do rosto é suscetível de ser captada fora de parâmetros identitários antecipados, outorgando, ao contrário, modos de figurar e enunciar não habituais no reconhecimento de certos grupos. Em vez de enquadramentos que outorgam identidade consensual a pessoas, ocorre a desidentificação de grupos relativamente a certos parâmetros: o ocupante é um habitante e quem habita cuida; quem habita e cuida convive. Nossa tese aqui é de que se tenta romper com tais enquadramentos identitários.

Ao adentrar o espaço do convívio, pressupõe-se que tenha havido contato anterior do fotojornalista, de modo a efetivar ajustamentos de intenções e interesses, conversas sobre histórias de vida que aparecem depois sintetizadas pelos dados das legendas, identificações recíprocas de subjetividades, além da autorização pressuposta para o ato de fotografar permitindo aos sujeitos que se encenem em suas próprias cenas cotidianas para o aparelho e para o olhar do fotógrafo, como na imagem da mãe e dos filhos no portão.

Figura 1
Thais de Jesus Ferreira, 22, com suas filhas, Juliana Rafaely, 2, e Ana Luiza de Jesus Ribeiro, 6, na casa em que moram sob o viaduto.

Paralelamente ao ajustamento conversacional percebem-se tentativas de adequações corporais de ambos os lados, fotografado e fotografante, pelo engendramento de cenas de aparição. A história toda narrativiza as dificuldades da vida, os motivos para voltarem aos lugares de onde já foram expulsos, mas esses dados não aparecem nem sob a forma da denúncia explícita, nem da vitimização lamuriosa; transparecem nas frestas do relato de improvisos criativos como os móveis justificadores da condição precária. São imagens que resistem à identificação fácil e com essa resistência implicada nas escolhas e formalizações estéticas está anunciada a sua potencialidade política. Não se trata de esconder a vulnerabilidade social dos sujeitos, que guarda seus rastros no chão batido, nas coisas, nas roupas simples e no trabalho caseiro.

A emergência do sujeito em sua ambivalência cotidiana enfatiza, antes, uma vontade de ser pela habitação, para cuja plenitude faltam ações do poder público ou de políticas de moradia mais positivas, mesmo aquelas idealizadas para a solução desse problema social. Como explica Héctor Vigliecca (2017)VIGLIECCA, H. A diferença entre o ocupar e o habitar. 2017. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/885845/a-diferenca-entre-o-ocupar-e-o-habitar>. Acesso em: 08 out. 2022.
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, arquiteto e urbanista, que aborda a arquitetura como um processo de construção da cidade, a infraestrutura reflete a organização social, mas não há qualidade de vida nos projetos públicos de construção de moradia social. “As periferias são um mundo ocupado pelo homem, mas não habitado por ele, pois a essência fundamental do habitar é cuidar e estabelecer uma relação sentimental com nosso entorno” (Ibidem, s/p). Recorrendo igualmente a Heidegger (2010)HEIDEGGER, M. s1Bâtir habiter penser.s1 Essais et conférences. Petrópolis: Vozes, 2001, p.170-193. para pensar a questão da habitação, o autor assevera o enraizamento ontológico. Embora concordando com Vigliecca (2017)VIGLIECCA, H. A diferença entre o ocupar e o habitar. 2017. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/885845/a-diferenca-entre-o-ocupar-e-o-habitar>. Acesso em: 08 out. 2022.
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nossas perspectivas distinguem-se no tocante ao recorte empírico. O autor visa a criticar as moradias populares oferecidas pelo governo, discutindo a ausência de relação com o espaço a partir de uma visada previamente planejada, de maximização da organicidade entre o ser humano e a paisagem, entre as moradias e o entorno. Na condição de estudiosos das práticas humanas improvisadas de existência, entendendo-se o existir como resistir vivendo; avaliamos as formas estético-políticas criadas pelos próprios usuários para não só ocupar, mas habitar a despeito das adversidades e como se comportam as mídias na representação desse agenciamento social e urbano. Sua opinião é evocada, aqui, no entanto, pelo recurso comum ao pensamento heideggeriano do habitar e pelo fato de reconhecer a ineficácia de políticas públicas no modo de conceber a essência da habitação em consonância com a essência de ser humano.

Um jornalista, fotógrafo ou não, tem a percepção da processualidade dos movimentos humanos dentro das cidades, que procuram escapar do espaço longínquo ou mesmo fora da circunscrição urbana. Para esse profissional, coloca-se a questão do que fazem antes da indagação de o que fazer com um espaço para criar nele lugares. E diante do que fazem pode adotar um olhar sensível que vê na miséria e nos rostos empobrecidos o desejo da dignidade e a dimensão estética de gestão da cotidianidade.

Figura 2
Tânia de Jesus Rocha, 49, prepara mamadeira da neta de 4 anos que mora com ela no barraco sob o viaduto. Ela vive no local há três meses, após o filho, Igor de Jesus Ferreira, ser o primeiro a ocupar o espaço.

A relação entre olhante e olhado é tensionada pelo regime de uma experiência ambígua, confrontada em situação (LANDOWSKI, 2001LANDOWSKI, E. O olhar comprometido. s1Revista Galáxias1s1.s1 São Paulo, v. 1, n. 2, p. 19-56, 2001. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/1241/747>. Acesso em: 18 jun. 2022.
http://revistas.pucsp.br/index.php/galax...
) e posicionada na mediação conflituosa de compreensão das práticas sociais individuais (ou de pequenos grupos) improvisadas e dos seus efeitos sobre a convivência coletiva. Essa postura de estar-entre configura, de partida, um gesto desestabilizador para axiologias fixas, que não se institui a priori como raciocínio de juízo, e pode operar uma transformação ética. Greimas e Fontanille (2014)GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. O belo gesto. s1Ins1: NASCIMENTO, E. M. F. dos S. & ABRIATA, V. L. R. (orgs.) s1Formas de vida:s1 rotina e acontecimentos1.s1 Ribeirão Preto: Coruja, 2014, p.13–33, 2014. expõem tal dialética entre estética e ética ao tratar do belo gesto, mas suas reflexões são também pertinentes para explorar a condição do fotojornalista diante dos conflitos sociais, entre os móveis individuais de subsistência e o bem-estar coletivo. O fotógrafo é, assim, suscetível de assumir uma postura ética que se formaliza poeticamente no seu fazer imagem com potencialidade estético-política para a experiência do enunciatário que se sente convocado a processar uma ruptura do olhar. No entanto, dizem os autores, o sujeito expõe os atos particulares como integrados à sua forma de vida quando apresenta, para o observador, recorrência nos comportamentos e permanência na paixão, além de “deformação coerente que ela [a forma de vida] induz a todos os níveis do percurso de individuação: nível sensível, nível passional, nível axiológico, nível discursivo e aspectual, etc” (GREIMAS, FONTANILLE, 2014GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. O belo gesto. s1Ins1: NASCIMENTO, E. M. F. dos S. & ABRIATA, V. L. R. (orgs.) s1Formas de vida:s1 rotina e acontecimentos1.s1 Ribeirão Preto: Coruja, 2014, p.13–33, 2014., p. 30-31). A recorrência e a permanência mostram-se em vários trabalhos de Anizelli que acompanhamos, inclusive por meio de entrevista e rastreamento de imagens fotojornalísticas; a interrelação isotópica e formal é perceptível nos contrastes e ambivalências de suas fotos deformando visões estereotipadas. Para Didi-Huberman (2010)DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010., essa deformação que pode ser sutil, implicando pequenos gestos de estranhamento, confere intensidade à forma, ou melhor à formação como ele propõe, porque capta a processualidade do ato. Merece destaque, no conjunto de fotos de Anizelli aqui examinadas, uma foto que nos parece epifânica nessa montagem da edição do jornal, sobretudo em sua versão impressa onde algumas imagens são selecionadas para ilustrar a matéria, pois serve de vetor, ou desencadeador de isotopias, para o diálogo com o conjunto da série.

Figura 3
Comunidade sob viaduto tem ao menos 25 crianças, além de gestantes e idosos.

A tomada de uma garota (aparentemente) de chapéu cujo rosto não se mostra. Nela se inscreve uma estética mais próxima talvez do mundo da moda, composta pelo delicado corpo que passa , adornado pelo chapéu laranja com aba ampla que se dobra sobre a lateral do rosto em composição com um vestido azul florido; pelo contraste desse corpo delgado (garota ou não) ao fundo de parede de barro sem reboco sobre cuja superfície espalham-se galhos que pendem de uma planta, criam efeito de uma ambiência mediterrânea na cena, a despeito dos plásticos pretos, das estruturas de madeira e canos que denunciam a precariedade do lugar. Na parede de barro chapiscado identifica-se com dificuldade um desenho de estilo muralista, como grafite, ao lado de pequena janela aparentemente acortinada. Percebida quase como um paradoxo pelo fato de integrar conjunto de fotos que “deveriam” ilustrar vidas precárias, a imagem põe em xeque nossas expectativas de uma pretensa consensualidade do que seriam representações visuais da pobreza. Ao fazer isso, atrai a atenção sobre as demais no mesmo passo que nos intriga: estratégia comunicacional ou sensibilidade do sujeito que se sente cativado pelo que olha? O gesto sensível também se manifesta por estratégias de comunicabilidade que se fazem no modo do sensível, como já refletia KantKANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (apud PARRET, 1997PARRET, H. A estética da comunicação: além da pragmática. Campinas: Ed. UNICAMP, 1997.) ao discutir o juízo estético, e o que importa é de outra natureza — está na ambivalência que faz contrastar o ambiente miserável com um detalhamento de cuidados capaz de atrair sobre si o interesse da tomada pelo fotógrafo e da reação perceptiva pelo leitor/usuário. Nessa foto confluem os componentes do conjunto de outras imagens definidas pelo contraste da extrema carência material e do zelo estético, do gosto vinculante apesar da situação em que vivem. O rosto aqui não importa, pois é no gosto das coisas (LANDOWSKI; FIORIN, 1997LANDOWSKI, E.; FIORIN, J. L. s1O gosto da gente, o gosto das coisas.s1 São Paulo: Educ, 1997.) que se reconhece o traço humano comum da menina anônima e de outras tantas meninas, não apenas as 25 que moram ali segundo descreve a legenda, mas de outras que habitam “propriamente” e com reconhecimento social. Perceber o valor dessa tomada, pelo fotógrafo e pelo editor, só pode ter surgido de um olhar sensível capaz de experienciar na formulação estética a força política de uma imagem que contamina a apreensão da matéria jornalística em sua totalidade6 6 Curiosos com a posição do fotógrafo a esse respeito, propusemos ao mesmo uma entrevista online e para um grupo maior de estudantes de comunicação, solicitando que expusesse alguns de seus trabalhos jornalísticos, considerados, de perspectiva própria, como mais marcantes para sua experiência pessoal, entre os quais constava essa matéria do viaduto. Vindo ao encontro do modo como interagimos com tais fotos, Eduardo Anizelli confirmou, pelo relato, o modo cuidadoso com que se aproxima de seus informantes e protagonistas. .

Merece ressaltar que não se trata aqui de romantizar a vida sob um viaduto ou o olhar do fotógrafo diante dessa situação inaceitável; apenas comprovar que as expectativas em relação a fotos de pobreza são a da miséria humana em sentido amplo, ou seja, esperando aquilo que consensual e tradicionalmente tem sido mostrado (RANCIÈRE, 2012______. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. ). Nossa intenção foi de apontar a percepção da dignidade humana a despeito das condições materiais de existência, como um pequeno, mas simbólico gesto dissensual, que rompe com a expectativa de ver sempre o mesmo, pela legitimação da distribuição das pessoas e de suas características inerentes.

A indesejável ocupação na cidade

Na contramão dessas tomadas individualizadas, outro grupo de moradores de rua em constante movimentação por espaços de invasão e ocupação, são os consumidores de drogas, normalmente presentes nas grandes cidades, aqui especificados nas imagens da Cracolândia de São Paulo, região entre os bairros da Luz e Campos Elíseos, no centro da cidade. Como explicado no início do artigo, a distinta concepção de habitar e ocupar espaços de rua, ambos encarados como consequências de um processo histórico que produz uma multiplicidade de danos sociais interligados, foi a condicionante para a escolha desses dois conjuntos de empíricos.

A própria nomenclatura dos ambientes em que se agrupam os consumidores de drogas pode ser entendida como estigmatizante, pela normalização desse fenômeno em São Paulo e em outras cidades do país. Há uma intencionalidade na manutenção de tais locais, pela gentrificação do centro urbano e pela especulação imobiliária, além das baixas condições sociais impostas aos seus habitantes. Nesses meios, o corpo do usuário de drogas camufla-se, já que “a Cracolândia é onde eles estão — simulacro que mimetiza corpo e espaço” (RUI, 2014RUI, T. Usos da “Luz” e da “cracolândia”: etnografia de práticas espaciais. Saúde e Sociedade, São Paulo , v. 23, n. 1, p. 91-104, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=s-ci_arttext&pid=S0104-12902014000100091&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 set. 2022.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. p. 96).

Se o urbanismo internaliza a orientação espacial, por meio de mapas, planos e projetos, no caso desses sujeitos é a desorientação implicada na lentidão e nas contaminações entre corpo físico e corpo da cidade que se observa, uma vez que são as vivências dos sujeitos deixadas à margem da aceleração contemporânea. Sua simples presença é a explicitação do conflito provocado por práticas dissensuais nas cidades (SANTOS, 1996SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.). Caracterizada pela desterritorialização e por uma temporalidade própria, essas errâncias cometidas no espaço urbano constituem as experimentações da cidade. Os moradores de rua, por exemplo, “são os que efetivamente praticam a cidade uma vez que habitam literalmente o espaço público urbano” (JACQUES, 2008JACQUES, P. B. Corpografias urbanas. IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Faculdade de Comunicação/UFBa. 2008. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14401-03.pdf>. Acesso em: 10 out. 2022.
http://www.cult.ufba.br/enecult2008/1440...
, p. 8).

Os usuários da Cracolândia são os denominados cracudos, termo estigmatizante dos moradores de rua consumidores de crack (BRANDÃO; SILVA, 2017BRANDÃO, B.; SILVA, W. C. O crack, o corpo e a rua. Ponto Urbe, 20, 2017. Disponível em: <http://journals.openedition.org/pontourbe/3480>. Acesso em: 10 out. 2022.
http://journals.openedition.org/pontourb...
), e que se diferenciam dos usuários recreativos de drogas, já que o sujeito em situação de rua prejudica o fluxo e a normalidade das cidades e o usuário recreativo consome no conforto do seu lar. Aos usuários que estão nas ruas imputa-se a caracterização da degradação moral, pela suposta responsabilidade que têm de “viverem no inferno” ou de entregarem-se ao “fim da vida”. São reações de lógica imunitária, de combate ao estranho no tecido social, já que a integridade da sociedade é ameaçada. Portanto, formalizam-se atitudes estigmatizantes, capazes de produzir e fixar o outro como um risco, culpando-o pela situação adversa sofrida e rejeitada enquanto inaceitável, pela veiculação de rumores e reações que o determinam como ameaçador (QUINTANA, 2021______. Rabia: afectos, violencia, inmunidads1 .s1 Barcelona: Herder Editorial, 2021.) ignorando os móveis que conduzem a vidas “fracassadas”. As fotos são expressivas a respeito dessas condições de vida.

Figura 4
A rua Helvetia se tornou o novo local da Cracolândia no centro de São Paulo.

Nesse caso, a tomada segue uma tradição recorrente, normalmente as fotos são captadas à distância pelo uso de lentes de aproximação ou a partir de cima (aéreas). Eventualmente, uma focalização em plano de conjunto aparece, mais como olhar voyeur do que adentrando os espaços e interagindo com os usuários, algo que entendemos como imposição ao trabalho jornalístico. Ocultar o rosto ou poupar o registro do rosto de outrem é antes de tudo protegê-lo. Será, portanto, sobretudo no âmbito do discurso verbal que as tensões se mostram, entre representar esses territórios da cidade e de seus ocupantes. Em outra captura do mesmo fotojornalista, o foco foi a documentação de conflitos comuns na região, sobre as relações desiguais de poder expressas na ação de agentes públicos para remover os usuários de drogas das ruas ocupadas. Selecionamos algumas imagens originadas de matéria sobre confrontos entre usuários de drogas e agentes de segurança, evidenciando não o lugar-comum do fracasso e do estranhamento relativo a tais pessoas, mas justamente os motivos de suas constrições e as evidentes cenas de contrastes que vivem na sua cotidianidade.

Figura 5
Policial aponta arma para morador da Cracolândia durante tumulto e confronto envolvendo usuários de drogas, guardas municipais e polícias militares no centro de São Paulo.

Evidencia-se logo na sequência o cerco do grupo de policiais armados para conter um único sujeito. O corpo está em batalha e o usuário se coloca em risco pela “abnegação de seu próprio corpo” (BRANDÃO; SILVA, 2017BRANDÃO, B.; SILVA, W. C. O crack, o corpo e a rua. Ponto Urbe, 20, 2017. Disponível em: <http://journals.openedition.org/pontourbe/3480>. Acesso em: 10 out. 2022.
http://journals.openedition.org/pontourb...
, p. 2). Ele é enquadrado como tática de acusação (BUTLER, 2015BUTLER, J. Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.), pois a apreensão de suas condutas é prova incriminatória. Mas a imagem também denuncia o exagero da força policial. Nesse jogo de visibilidades cabe ao espectador validar ou refutar as condutas transpostas pela fotografia.

Rompem-se nessa tomada as temporalidades, os sujeitos chocam-se a partir das intensidades de seus ritmos e formas de vida. Há um paradoxo entre arma empunhada pelo policial e o boné segurado pelo usuário: enquanto um demonstra imposição e ordem, o outro levanta os braços em sinal de obediência. Se a Figura 4 favorecia a extensidade, pelo número de usuários, nesta segunda percebe-se o efeito da intensidade como prenúncio da violência potencial sobre o corpo de cada indivíduo integrado àquele ambiente. A tomada pelas costas, sem a exposição do rosto, confere igualmente a marca do anonimato que é extensivo a tantos outros rostos, ou faces, ali alojados. A extensidade aqui é tomada, ainda, no sentido da recorrência, e a intensidade na acepção da contundência de força da imagem, ambos conceitos explorados na semiótica tensiva (ZILBERBERG, FONTANILLE, 2001ZILBERKAN, M. Repressão policial não acaba com a venda de drogas, diz pesquisador. Folha de S. Paulo, 28 mai. 2022s1.s1 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/05/repressao-policial-nao-acaba-com-o-consumo-e-a-venda-de-drogas-diz-pesquisador.shtml>. Acesso em: 29 jun. 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
).

A próxima foto envolve uma particularização, ainda que talvez obtida pela mediação de uma lente de aproximação.

Figura 6
Usuários ocupam a calçada da avenida Rio Branco na esquina com a avenida Duque de Caxias após a operação policial.

Nela vislumbra-se um dos rostos, posto que uma pessoa está deitada de costas e o que estaria com o rosto voltado para a câmera tem o rosto ocultado entre os braços. O único rosto visível está de perfil e aparece indistintamente pela barba densa. Mesmo não havendo a convocação do rosto levinasiano, a proximidade confere efeito de presença e o enquadramento faz pensar: as pessoas sem casa, o carro estacionado, os pontos de interrogação na parede da fachada bem atrás do grupo de pessoas, a caixa de isopor aparentemente de sorvetes ou água, tudo conduz a uma cena de contradições e constatações suscitadas pelo paradoxo de uma sociedade de partes entre as quais há a parte dos que não contam. Merece destaque o fato de que o conjunto todo ganha uma interpretação inevitável em face do pano de fundo que representa o muro com os pontos de interrogação. Foram desenhadas pelos próprios habitantes das ruas ou se encontram, em um feliz acaso, a nos lembrar que as situações não devem apenas ser descritas, mas levar a indagações sobre suas aparentes naturalidades? Tais sutilezas têm o potencial de paradas atencionais, de questionamento sobre a composição fortuita e de escolha de uma foto e não outra para ilustrar matéria informativa.

Com o intuito de comparar com a visada de Verpa, ainda que empregando outros recursos, evocamos o trabalho do fotojornalista Daniel Arroyo extraído de nosso acervo de análise mais amplo. Arroyo publica no portal A Ponte Jornalismo, veículo sem fins lucrativos, que se caracteriza por ações dissensuais com força para ampliar as práticas emancipatórias (QUINTANA, 2020______. Política de los cuerpos: emancipaciones desde y más allá de Jacques Rancière. Barcelona: Herder Editorial, 2020. ).

Arroyo expõe os vestígios do cotidiano dos habitantes das ruas, capturando os traços deixados pelos moradores após as operações policiais destinadas à expulsão dos que se encontravam na região. Em suas imagens há calçados, instrumentos para uso de drogas, como isqueiros e cachimbos, alimentos e uma pequena escultura de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. A figura da Santa manifesta uma esperança considerada perdida para muitos, ou a espiritualidade que ainda persevera na adversidade. Arroyo executou um movimento de torção corpórea: recusando-se a posicionar-se de maneira superior à cena, captando imagens aéreas ou distantes de grupos, projeta-se para baixo, como se olhasse os próprios pés e acompanhando os passos dos que ali transitam em suas vivências.

Figura 7
Vestígios da Cracolândia.

Embora ausente, o sujeito, em sua totalidade de movimentos figurativos para a sobrevivência do corpo e a persistência da “alma”, aparece presentificado. As marcas evidentes nos objetos resultam das interações entre os corpos, da utilização de tais itens em dado momento e com certa função, assim os objetos tornam-se testemunhas e corpos-inscrição (FONTANILLE, 2016FONTANILLE, J. Corpo e sentido. Londrina: EDUEL, 2016.). E talvez o que mais armazene os sofrimentos de tais corpos seja o chão: é nele que dormem, alimentam-se e usam drogas. Como ressalta Arroyo: “As imagens mostram que a dependência química é apenas parte de um todo. Uma pequena história dentro de uma história maior, uma história de vida” (ARROYO, 2017ARROYO, D. Galeria: Vestígios, uma face da Cracolândia que você ainda não viu. A Ponte, 07 mai. 2017. Disponível em: <https://ponte.org/galeria-vestigios-uma-face-da-cracolandia-que-voce-ainda-nao-viu/>. Acesso em 14 out. 2022.
https://ponte.org/galeria-vestigios-uma-...
, s/p).

Considerações finais

Tendo como princípio a ideia rancieriana de que a política tem uma dimensão estética, interligamos ao longo do texto conceitos da filosofia sobre o habitar, evocadores de uma estética da moradia; noções da política como uma distribuição desigual que se mostra espacialmente pela noção ambivalente de partilha ? como divisão e compartilhamento ?, e da semiótica discursiva, em sua perspectiva analítica, que revela arranjos plástico-discursivos, muitas vezes inconscientes, como uma tentativa de formalizar visual e verbalmente a experiência de reconhecimento do outro. Justifica-se, assim, a trama reflexivo-teórico agenciada para buscar dar conta da complexidade do tema, ao mesmo tempo definido pelo aspecto igualitário da condição humana na Terra, evocado em sua caracterização sócio-histórica de exclusão, e percebido em suas potencialidades de resiliência.

Com base nas análises das imagens, duas situações foram depreendidas: uma de mobilidade derivada da busca de permanência em um local e outra que se configura à deriva, como decorrência (das ações da polícia e de outras injunções), mas também como estratégia de multiplicação de espaços fechados, limitando as escolhas estéticas dos fotojornalistas e a recorrência de tomadas. A representação por imagens pode homologar a biopolítica dos corpos que não são partes a serem consideradas, legitimando rejeições aos sujeitos e seus modos improvisados de vida, e potencializando nestes, atitudes introjetadas da falta de reconhecimento do olhar da sociedade, mas podem “detectar a biopotência das relações de cooperação e hospitalidade, os agenciamentos criativos e os vínculos políticos e estéticos” (MARTINO, MARQUES, 2018MARTINO, L. M.S.; MARQUES, A.C.S. Enquadramentos biopolíticos do corpo heterotópico: entre o controle prescritivo e a potência disruptiva. Ins1: SILVA, M. R. da et al. (orgs.) Mobilidade, espacialidades e alteridades.s1 Salvador: EDUFBA, 2018, p. 259-280., p. 276).

Nas imagens da habitação sob viadutos, deve-se considerar a codependência dos sujeitos, ou seja, suas capacidades de distribuição em locais de moradia, em meio ao caos e ao sofrimento. Nesse sentido, as microinterações atestam as partilhas e corpografias de tais grupos. Esses aspectos escapam às imagens de plano geral, sendo necessário o aprofundamento do olhar sobre elementos que antes estavam homogeneizados, com destaque às interações com efeitos de proximidade e presença. No percurso constituído, evidenciam-se as falhas e as ausências das políticas públicas nas cidades, sendo necessárias práticas horizontais que rompam a hierarquização dos corpos, a partir do olhar debruçado (DIDI-HUBERMAN, 2015______. Pensar debruçado. Lisboa: KKYM, 2015.) sobre a diversidade envolta no espaço público.

No caso das ruas ocupadas por usuários de drogas, há constrições na práxis do fotojornalista, que trabalha frequentemente com a distância, delegando aos recursos dos dispositivos a aproximação. O profissional comprometido tenta superar a posição de mero observador, para expor em ato suas instabilidades perceptíveis (característica da condição humana — GREIMAS, FONTANILLE, 2014GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. O belo gesto. s1Ins1: NASCIMENTO, E. M. F. dos S. & ABRIATA, V. L. R. (orgs.) s1Formas de vida:s1 rotina e acontecimentos1.s1 Ribeirão Preto: Coruja, 2014, p.13–33, 2014.) e as manobras práticas de criticar e homologar visibilidades, mas suscetível ao aproveitamento de imagens já feitas ou a enquadramentos que reflitam o caos da situação. Desdobra-se entre a criatividade de um discurso intenso e a recursividade extensiva (FONTANILLE, ZILBERBERG, 2001FONTANILLE, J.; ZILBERBERG, C. Tensão e significação. São Paulo: Discurso/Humanitas, 2001.) das ruinações sociais e históricas (STOLER, 2013STOLER, A. L. “The Rot Remains”: From Ruins to Ruination. In: STOLER, A. L. (orgs.) Imperial debris: on ruins and ruination. Londres: Duke University Press, 2013.), entre reproduzir sujeitos em condições degradantes ou detectar na miséria e miserabilidade de sua situação traços do humano que sofre. Parodiando Didi-Huberman (2018)______. A imagem queima. Curitiba: Medusa, 2018. , concluímos afirmando que a imagem exige do fotojornalista, a cada vez, que ele seja equilibrista, entre cair no espaço da mera identificação ou no risco da interação sensível.

  • 1
    Júlio Rigoni Filho defendeu recentemente, inclusive, seu trabalho de mestrado sobre as figurações femininas em situação de midiatizações do abuso de drogas.
  • 2
    Utilizamos a versão francesa das obras de Heidegger para a discussão deste artigo, empregando palavras em alemão, atual ou antigo, quando na edição francesa foram mantidos.
  • 3
    Na tradução em português nem sempre diferenças como permanecer, morar, ficar ou habitar aparecem com clareza.
  • 4
    Na versão impressa, em uma matéria de Aline Mazzo e Lucas Veloso, veiculada em 31 de maio de 2021, apenas uma foto da menina que caminha pelo espaço da moradia foi publicada. Pelo estranhamento em face da imagem, pois não parecia representativa do texto verbal que tratava dos gastos do governo com expulsões e retomadas dos viadutos, acessamos a versão digital onde toda a série estava visível. Um dos aspectos reiteradamente apontados para a percepção atencional, ou para a duração do ato de ver, é essa aparente deconexão verbovisual. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/colocacao-e-retirada-de-pedras-sob-viadutos-na-zona-leste-de-sp-custou-r-48-mil.shtml>. Acesso em: 14 de jun. 2022.
  • 5
    A santidade em Lévinas (2014)LEVINAS, E. s1Violência do rosto.s1 São Paulo: Edições Loyola, 2014. deve ser apreendida em uma perspectiva específica, sem entender que os homens são santos, mas no sentido do valor que esse conceito tem para a humanidade e o quanto tal reconhecimento é definidor do humano.
  • 6
    Curiosos com a posição do fotógrafo a esse respeito, propusemos ao mesmo uma entrevista online e para um grupo maior de estudantes de comunicação, solicitando que expusesse alguns de seus trabalhos jornalísticos, considerados, de perspectiva própria, como mais marcantes para sua experiência pessoal, entre os quais constava essa matéria do viaduto. Vindo ao encontro do modo como interagimos com tais fotos, Eduardo Anizelli confirmou, pelo relato, o modo cuidadoso com que se aproxima de seus informantes e protagonistas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2023
  • Aceito
    22 Maio 2023
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