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Masculinidades negras nas artes visuais: Performances contemporâneas e suas narrativas de incômodo, fuga e fabulação1

Black Masculinities in the Visual Arts: contemporary performances and their narratives of discomfort, escape, and fabulation

Resumo

No debate sobre masculinidades negras, entende-se que homens negros historicamente são reduzidos a imagens de controle, fundamentadas por imaginários a serviço da colonialidade e do dispositivo de racialidade. No entanto, há a emergência de práticas performáticas artísticas importantes na construção de estratégias de ressignificação, buscando questionar o regime racializado de representação e propondo novos modos de fabular o corpo e as subjetividades do homem negro. Este trabalho analisa como as performances dos artistas contemporâneos Antonio Obá e Tiago Sant’Ana buscam estratégias contranarrativas de contestação dos artefatos simbólicos representacionais. Suas obras apresentam o corpo negro masculino inscrito enquanto tática fabulatória de resistência em raça e gênero.

Palavras-chave
masculinidades negras; performance ; fuga; resistências

Abstract

In the debate on black masculinities, it is understood that black men are historically reduced being depicted as controlling , based on imaginaries at the service of coloniality and the racial device. However, there is the emergence of important artistic performance practices in the construction of re-signification strategies, seeking to question the racialized regime of representation and proposing new ways of fabulating the body and subjectivities of the black man. This work analyzes how the performances of contemporary artists Antonio Obá and Tiago Sant’Ana seek counter-narrative strategies to challenge representational symbolic artifacts. Their works present the black male body inscribed as a fictional tactic of resistance in race and gender.

Keywords
black masculinities; performance; escape; resistances

Introdução

A redução representativa de homens negros, tanto no domínio estético e discursivo quanto na dimensão das narrativas artísticas e comunicacionais, aponta historicamente para lugares de subalternidade, violência, ludicidade, violência e ignorância que se reverberam como um robusto processo de materialização dinâmica de matrizes e modos de violência de gênero e raça (ENWEZOR, 1995ENWEZOR, O, The Body in Question: Whose Body? ‘Black Male: Representations of Masculinity in Contemporary American Art. Third Text, 9:31, p. 67-70, 1995.; GOLDEN, 1995GOLDEN, T. Black Male: Representations of Masculinity in Con-temporary American Art. New York: Whitney Mus American Art, 1995.; COLLINS, 2004______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004.; hooks2 2 A escritora e ativista negra norte-americana Gloria Jean Watkins utiliza o seu pseudônimo — em letras minúsculas — como forma de afastamento e reconhecimento nominal, direcionando o enfoque e a atenção ao seu conteúdo, e não a sua pessoa. Inspirada na sua bisavó materna, Bell Blair Hooks, o pseudônimo assim grafado é utilizado desde a publicação do seu primeiro livro. (Cf. hooks, 1989). , 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004.; LEMELLE JR, 2010LEMELLE JR, A. J. Black masculinity and sexual politics. New York and London: Routledge, 2010.). Com base em uma estrutura estética que vai ao encontro de um movimento estético-político contemporâneo reagente a relações binárias que se fundamentam na dissemelhança das estratégias de controle colonial, especificamente de gênero e sexualidade (LUGONES, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-102, Dec. 2008.; CONNELL, MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemênica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.), artistas contemporâneos negros brasileiros têm buscado descontinuar olhares normativos por meio de práticas de autoinscrição para além das tradicionais e caricatas formas de representação de homens negros (LLOYD, 2018LLOYD, D. Under representation: The racial regime of aesthetics. New York: Fordham University Press, 2018.), investindo na inversão das relações de poder que imperam nos modos de representação das artes visuais brasileiras (CONDURU, 2007CONDURU, R. Arte afro-brasileira. [S.l.]: Editora C/Arte, 2007.). As descontinuidades entre corpos e imagens rebatem e tensionam fluxos e repuxos dos seus relatos autobiográficos e suas reverberações imagéticas, construindo tensões entre corporeidades e suas performatividades possíveis.

Seguimos a conceitualização de Diana Taylor (2013)TAYLOR, D. O arquivo e o repertório – performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: UFMG, 2013., que apresenta a performance como um processo de transmissão de memória e de identidade, sob disputas territoriais que demarcam simbolicamente, historicamente e socialmente os corpos inscritos que transitam entre diversas dimensões cotidianas da esfera pública. O performer contemporâneo é a instrumentalização desse corpo inserido nas dinâmicas de opressão e redução de subjetividade, assumindo um papel ativista e transformando cada forma de apresentação como recusa da representação (FERREIRA DA SILVA, 2020FERREIRA DA SILVA, D. Ler a arte como confronto. Logos, v. 27, n. 3, 2020.). Essas convergências entre arte e política sempre existiram na história da arte moderna e contemporânea, como afirma Suely Rolnik (2008)ROLNIK, S. Desentranhando futuros. ComCiência, n. 99, p. 1-5, 2008.. No entanto, as transformações instauram a urgência da identificação e compreensão sobre suas convergências, assim como, inclusive, se é mesmo possível identificá-las. Essa cartografia visível tem delimitado quais sujeitos, objetos e representações buscam reverberar propostas macropolíticas já bastante reconhecidas em larga escala (compreendidas como atos e protestos de rua) em confluência com dimensões micropolíticas, isto é, menores, mais leves, mas não menos significantes, como as performances de acontecimentos efêmeros que agem de forma enunciativa e operam no campo do sensível (DIDI-HUBERMAN, 2017DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tomam posição. O olho da história, I. Belo Horizonte: editora UFMG, 2017.).

Nesse contexto de ativismo artístico que busca se ocupar e pensar em identidades possíveis que funcionam de forma múltipla (TLOSTANOVA, 2011TLOSTANOVA, M. La aesthesis trans-moderna en la zona fronteriza eurasiática y el anti-sublime decolonial”. Calle14: revista de investigación en el campo del arte, v. 5, n. 6, p. 10-31, 2011.; MIGNOLO, 2010MIGNOLO, W. D. Aiesthesis decolonial. Calle 14: Revista de investigación en el campo del arte, v. 4, n. 4, p. 10-25, 2010.), a contestação dos regimes de representação se torna parte dessa existência (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.). Inseridos na complexidade e riqueza temática que amplificam as discussões em torno do racismo contemporâneo, artistas como Antonio Obá (DF), Mauricio Igor (PA), Sidney Amaral (SP), Douglas Ferreiro (PI), Dalton Paula (GO), Paulo Nazareth (MG), Ayrson Heráclito (BA), Moisés Patrício (SP), Tiago Sant’Ana (BA), entre muitos outros, estão consolidando seu lugar no contexto artístico nacional por meio da participação em espaços de reconhecimento e consagração artística, como bienais, mostras e exposições. Suas insurgências artísticas nos convidam a perceber novos olhares plurais de representação masculina da negritude por meio tanto do olhar opositor (hooks, 2019hooks, b. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.) quando do exercício crítico de fabulação da sua própria subjetividade (GLISSANT, 2008GLISSANT, É. Pela opacidade. Revista Criação & Crítica, n, 1, p. 53-55, 2008.; NYONG’O, 2018NYONG’O, T. Afro-Fabulations: The Queer Drama of Black Life. New York: UP, 2018.). São estratégias de fuga (BONA, 2019BONA, D. T. A arte da fuga: dos escravos fugitivos a refugiados. [S.l.]: [s.n.], 2019.) como as realizadas pela historiadora Saidiya Hartman em suas pesquisas, reordenando os usos e apropriações das imagens conhecidas da escravidão e dos processos de violência já conhecidos como fonte de atualização (HARTMAN, 2020HARTMAN, S. Intimate History, Radical Narrative. Black Perspectives, 22, maio, 2020. Disponível em: <https://www.aaihs.org/intimate-history-radical-narrative/>. Acesso em: 8 dez. 2022.
https://www.aaihs.org/intimate-history-r...
), entrelaçando a essas simbologias novas lutas e garantias que passam por questões que envolvem a potencialidade de liberdade com base em uma política do corpo que entrelaça demarcadores de gênero, raça, sexualidade, classe e territórios (MEIRINHO, GONÇALVES, 2021MEIRINHO, D.; GONÇALVES, F. Atravessamentos decoloniais da fotografia contemporânea negra sul-africana. Galáxia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, n. 46, p. 1-19, 2021.).

Os projetos desses artistas tornam as questões da periferia, da ritualidade, da mestiçagem, dos espaços urbanos e das simbologias ancestrais diaspóricas temas para uma discussão política e estética sobre o corpo que recusa os estereótipos de medo, objetivação e mercantilização associados à representação de homens negros (VAN DER VLIES, 2012VAN DER VLIES, A. Art as archive: Queer activism and contemporary South African visual cultures. Kunapipi, v. 34, n. 1, p. 10, 2012.). Um traço comum entre esses artistas é que transitam pelas mais variadas articulações de linguagens e práticas artísticas contemporâneas híbridas que passam pela performance, fotografia, vídeo e seus diversos desdobramentos (MEIRINHO, GONÇALVES, 2021MEIRINHO, D.; GONÇALVES, F. Atravessamentos decoloniais da fotografia contemporânea negra sul-africana. Galáxia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, n. 46, p. 1-19, 2021.).

Neste artigo, então, são analisadas práticas e performances artísticas e seus impactos comunicacionais, artísticos e sociais que contestam as imagens de controle masculinas (hooks, 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004.; COLLINS, 2004______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004.) de indivíduos violentos, fálicos, viris, malandros, irresponsáveis, lúdicos e místicos. A perspectiva teórico-metodológica parte do olhar epistemológico do lócus enunciativo elaborado por Gloria Anzaldúa (2016)ANZALDÚA, G. Borderlands/La Frontera. The New Mestiza. Tradução: Carmen Valle. Madrid: Capitán Swing Libros S.L., 2016. e desenvolvido com base em uma perspectiva racial por Joaze Bernardino-Costa e Ramon Grosfoguel (2016)BERNARDINO-COSTA, J. A prece de Frantz Fanon: Oh, meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona! Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 16, n. 3, p. 504-521, 2016., alinhada, ainda, aos pressupostos de Sueli Carneiro (2023)CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023 a respeito dos trâmites do dispositivo de racialidade e aos trabalhos de Johnson (2003)JOHNSON, E. P. Appropriating blackness: Performance and the politics of authenticity. Duke University Press, 2003., Connell e Messerschmidt (2013)CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemênica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013., com o objetivo de analisar processos e práticas estéticas dos artistas performers negros articulando suas experiências na masculinidade com base nas interseções de raça, classe, orientação sexual, gênero e localização, isto é, em torno dos diversos demarcadores que atravessam seus corpos (CONNELL, MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemênica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.). Assim, para este trabalho, interessa analisar especificamente as potencialidades das performances dos artistas visuais negros contemporâneos Antonio Obá e Tiago Sant’Ana como modos de ativação de suas questões de masculinidade negra no contexto brasileiro.

Nesse sentido, a análise aqui proposta reside em torno das práticas performáticas de resistência a processos de (sub)representação de homens negros, apresentando os lugares de enunciação dos quais esses artistas refutam as imagens que controlam seus corpos, assim como suas estratégias narrativas representativas de contra-ataque. A performance, então, é percebida aqui como uma prática simbólica de contestação representativa dos atos de fuga contemporâneos na arte visual brasileira. Esses artistas negros, com suas presenças e vivências compartilhadas em performances, atestam a vitalidade e a potência de suas inscrições em uma espécie de força propulsora para a produção de novos sentidos de existência, assegurando a relevância de suas vidas artísticas para a compreensão das configurações estéticas e políticas da contemporaneidade.

Reposicionando as imagens do corpo masculino negro no Brasil contemporâneo

Virilidade, hipermasculinidade, truculência, hipersexualização e ignorância, por mais de dois séculos, formam a face enunciativa e representativa do “homem negro violento, incapaz e grosseiro” (hooks, 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004., p. 38), inconsequente e ameaçador, tanto nas artes visuais como na literatura e na cultura popular. Até mesmo nas suas práticas de resistência ao racismo, homens negros são questionados na sua truculência inerente, associada sobretudo aos seus comportamentos de gênero masculino. Constantemente vigiados, portanto, em um esquema pelo qual sua conduta social agressiva necessita ser controlada, amenizada e domesticada, produzem suas subjetividades em torno da obtenção de um parâmetro moralmente aceito de uma “masculinidade satisfatória” (hooks, 2019hooks, b. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019., p. 187-188), baseada no modelo patriarcal supremacista branco.

Há uma familiaridade no olhar obsessivo da exposição sobre o corpo masculino negro que se assemelha ao tipo de voyeurismo desconfortável que objetifica, fetichiza e marginaliza esse corpo como o lócus do espetáculo. Esse lugar joga simbolicamente com os imaginários de agenciamento e mercantilização de homens negros, ao explorar os excessos libidinosos de predador selvagem, promiscuidade aberrante e criminalidade degenerada, por meio dos quais a mídia e as artes visuais constantemente se alimentaram. Esse regime de visualização convida, de forma violenta, a direcionar olhares, sobretudo, usurpadores das suas liberdades e das suas possibilidades de existência.

Em outro polo de representação, algumas imagens, especialmente contemporâneas, preferem retratar homens negros por meio da narrativa do herói, principalmente no esporte e na música. Esta escolha em geral marca os lugares hetero-cis-normativo de homens jovens, atletas e músicos negros em uma narrativa neoliberal de sucesso individual para ascensão social e econômica, assim como em torno do distanciamento de suas origens periféricas. O ideal racializado de desenvoltura física e das habilidades lúdicas e rítmicas características e constitutivas da imagem do sambista, malandro e vadio constroem a imagem de uma cultura negra estereotipada. A tentativa de representação positiva construída desde o futebol, com Pelé, ou na música, com Gilberto Gil, Milton Nascimento, Tim Maia, Djavan e todos os grupos de pagode dos anos 1990, revela um homem negro que busca conflitar com a representação do negro-lugar (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, M. “Eu decido se ‘cês vão lidar com king ou se vão lidar com kong” homens pretos, masculinidades negras e imagens de controle na sociedade brasileira. Humanidades & Inovação, v. 7, n. 25, p. 117-134, 2020.), ao fornecer uma abordagem expansiva que trata a masculinidade negra como complexa e variada (hooks, 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004.; COLLINS, 2004______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004.).

O ideal de inferioridade negra que influencia na construção de imaginários resultou na imagem do homem negro conformado às mais profundas apreensões e fantasias da branquitude. Em sua primeira obra, Pele negra, máscaras brancas, o intelectual martinicano Frantz Fanon (2008)FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Editora da UFBA, 2008. clama em sua prece “oh, meu corpo, faça sempre de mim um homem que questione!” (2008, p. 191), e, logo no começo do seu texto, apresenta a existência autêntica de um ressurgimento que ele apresenta como uma zona do não-ser, isto é, uma “região extraordinariamente estéril e árida” (2008, p. 26) habitada pelo sujeito racializado, que busca a sua humanização por meio da validação de sua subjetividade. Esta perspectiva dialoga precisamente com a noção de “dispositivo de racialidade”, de Sueli Carneiro (2023, p. 43)CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023, sobretudo quando afirma: “O dispositivo de racialidade ao demarcar o estatuto humano como sinônimo de brancura irá por consequência redefinir todas as demais dimensões humanas e hierarquizá-las”. Nesse sentido, Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016)BERNARDINO-COSTA, J. A prece de Frantz Fanon: Oh, meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona! Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 16, n. 3, p. 504-521, 2016. destacam um dilema entre “visibilidade e invisibilidade” (2016, p. 507) acerca das possibilidades de afirmação do corpo negro, mais especificamente masculino, como repositório de “experiências históricas e sociais relacionadas ao gênero, à sexualidade e, claro, à raça” (LAWRENCE, 2018LAWRENCE, O. Imaginando/colocando em imagens o corpo masculino negro na Jamaica pós-colonial. IN: (org.) PEDROSA, A.; CARNEIRO, A.; MESQUITA, A. Histórias Afro-Atlânticas: Antologia. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo, 2018. p. 539-545, p. 539). Para Fanon (2008)FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Editora da UFBA, 2008., o homem negro busca o acesso a sua condição de ser por meio da incorporação das máscaras brancas enquanto prática condicionante para elevação.

Assim, a linguagem se coloca como uma das maneiras de mascarar-se (GLISSANT, 2008GLISSANT, É. Pela opacidade. Revista Criação & Crítica, n, 1, p. 53-55, 2008.), assim como a visualidade também se torna uma saída para afirmar-se como negro (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.; LLOYD, 2018LLOYD, D. Under representation: The racial regime of aesthetics. New York: Fordham University Press, 2018.). Para Fanon, “uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só havia uma solução: fazer-me conhecer” (2008, p. 108). Sendo o homem negro invisibilizado e reduzido aos estereótipos de uma não existência ou um “não-ser”, como aponta Carneiro (2023, p. 21)CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023, caberia ao sujeito negro a sua autoafirmação, uma tática de tornar o invisível visível por meio de uma estética de oposição enquanto ato político no campo da representação (hooks, 2019hooks, b. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.; HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.; LAWRENCE, 2018LAWRENCE, O. Imaginando/colocando em imagens o corpo masculino negro na Jamaica pós-colonial. IN: (org.) PEDROSA, A.; CARNEIRO, A.; MESQUITA, A. Histórias Afro-Atlânticas: Antologia. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo, 2018. p. 539-545). O que é invisível serve de pano de fundo às vidas fugitivas e às práticas cotidianas contra as quais os sujeitos negros procuram se representar e imaginar a si próprios inscritos na possibilidade de fabulações (NYONG’O, 2018NYONG’O, T. Afro-Fabulations: The Queer Drama of Black Life. New York: UP, 2018.) críticas que causam e produzem narrativas de incômodo no sistema de representação racializado. A imagem se torna, assim, uma estratégia habitual e recorrente de afirmação e uma prática de confronto de visibilidade.

A potência icônica de representação e presença nas artes visuais, na música, na literatura e na mídia brasileira, então, passa a ser reconhecida como uma ferramenta tática de criação de zonas de ser extremamente férteis, livremente performáticas e fugitivas (BONA, 2019BONA, D. T. A arte da fuga: dos escravos fugitivos a refugiados. [S.l.]: [s.n.], 2019.; MOTEN, HARNEY, 2016MOTEN, F; HARNEY, S. Pretitude e governança. IN: RIBEIRO, F. (org.). Atos de fala. Rio de Janeiro: Telemar, 2016. p. 27-33.) dos rótulos da representação identitária e alegórica projetada pelas máscaras brancas. Essas zonas não precisam estar presas aos “lugares de fala” (RIBEIRO, 2019______. O negro-lugar do homem preto brasileiro – episódios de racismo cotidiano em AmarElo (2019). Crítica Histórica, v. 11, n. 22, p. 131-152, 2020.) dados à representação negra, normalmente reduzidas à denúncia do racismo ou à sua perpetuação. A reestruturação que Tavia Nyong’o (2018) chamou de criação de um “corpo especulativo” coloca a expressividade negra fabulatória como uma contraposição que opera no “confronto com a maneira em que as normas de gênero e sexualidade operam para reproduzir sistemas de hierarquia racial” (ibidem, p. 16).

Ao introduzir o conceito de “esquema corporal” como uma ferramenta que possibilita ao homem negro dar sentido a si mesmo e ao mundo, Fanon (2008)FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Editora da UFBA, 2008. posiciona o caráter visual inscrito de um corpo em meio a um mundo espacial e temporal. Em sua crítica ao racismo colonial, a ruptura apontada por Fanon ocorre na corporeidade por um esquema epidérmico racial, uma vez que homens negros se tornam alvos visuais enquanto suas negritudes circulam como categoria social, injetada socialmente como um valor ético e político que reproduz a desigualdade e essencializa a diferença.

O pensamento de feministas negras brasileiras como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, de norte-americanas como Angela Davis, Patricia Collins e bell hooks, entre outras autoras que fortaleceram o olhar analítico sobre as experiências sociais de mulheres e homens negros com base em suas políticas de gênero, o enfoque dos lugares de enunciação — loci enunciativo — (BERNARDINO-COSTA, GROSFOGUEL, 2016BERNARDINO-COSTA, J; GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 15-24, abr. 2016.) nos ajuda a identificar masculinidades negras dentro do patriarcalismo androcêntrico da branquitude (hooks, 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004.; COLLINS, 2004______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004.). O paradigma interseccional (CRENSHAW, 1989CRENSHAW, K. Demarginalizing the intersection of race and sex: A Black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory, and antiracist politics [1989]. In: Feminist legal theory. [S.l.]: Routledge, 2018. p. 57-80.), ainda, tem nos ajudado a compreender que as “opressões trabalham juntas na produção de injustiças” (COLLINS, 2004______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004., p. 21), percebendo complexos processos sociais e representacionais vivenciados por homens negros que demandam percepções aguçadas no que se refere, por exemplo, às diferenças de gênero, sexualidade, classe, idade, escolaridade e território. A problematização do debate de gênero, por muito tempo visto como um guia analítico único e suficiente, tem impulsionado os escritos de Raewyn Connel e James Messerschmidt (2013CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemênica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.), bell hooks (2004)______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004., Patrícia Collins (2004)______. Black sexual politics: African Americans, gender, and the new racism. New York: Routledge, 2004. e Anthony Lemelle Jr. (2010)LEMELLE JR, A. J. Black masculinity and sexual politics. New York and London: Routledge, 2010., que defendem uma articulação produtiva das diversas opressões interseccionais para os estudos das masculinidades em suas categorias de hegemonia, marginalidade e subalternidade.

Martin Summers (2004)SUMMERS, M. Manliness and Its Discontents: The black middle class and the transformation of masculinity 1900-1930. [S.l.]: The University of North Carolina Press, 2004. alerta que as abordagens analíticas que não flexibilizam e revelam as complexidades entre as masculinidades hegemônicas e subordinadas podem:

[...] conduzir nosso olhar sobre as subjetividades e experiências heterogêneas vividas por distintos homens negros a um suposto “status subordinado” no interior da cultura dominante patriarcal.

(CONRADO, RIBEIRO, 2017CONRADO, M.; RIBEIRO, A. A. M. Homem Negro, Negro Homem: masculinidades e feminismo negro em debate. Revista Estudos Feministas, v. 25, n. 1, p. 73-97, 2017., p. 81).

A força das imagens-performances de artistas visuais, mobilizada por perspectivas de autoafirmação biográfica do corpo negro masculino, sacode a discussão sobre como o olhar e o imaginário afetam e são afetados por um regime de representação que compreende o corpo do sujeito negro como uma propriedade privada, operacionalizada de forma imperial e colonialista. Com base no conceito de imagens de controle (COLLINS, 2002COLLINS, P. H. Black feminist thought: Knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Nova York: Routledge, 2002.), é possível estender a percepção dos arquétipos e roteiros sociais que regulam corpos e subjetividades de mulheres negras para outros padrões estéticos, também de controle de valores, domínios e subjetividades que recaem também sobre homens negros. Nestes casos, são reconhecidos privilégios de gênero que não se permanecem intactos em um posicionamento hierárquico fixo (hooks, 2004______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004.).

Repensar outras formas de representação para além da masculinidade arquetípica patriarcal branca é reconhecer a existência de distintas formas, comportamentos e configurações da dimensão performativa das relações de gênero e sexualidade (MEIRINHO, GONÇALVES, 2021MEIRINHO, D.; GONÇALVES, F. Atravessamentos decoloniais da fotografia contemporânea negra sul-africana. Galáxia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, n. 46, p. 1-19, 2021.). A hipermasculinidade negra, truculenta e obscurantista, apontada por bell hooks (2004)______. We Real Cool: black man and masculinity. New York: Routledge, 2004., é representada no contexto nacional por meio de diversos arquétipos visuais, como bem identifica Ribeiro (2020)RIBEIRO, M. “Eu decido se ‘cês vão lidar com king ou se vão lidar com kong” homens pretos, masculinidades negras e imagens de controle na sociedade brasileira. Humanidades & Inovação, v. 7, n. 25, p. 117-134, 2020.: a imagem do jovem negro periférico envolvido com a criminalidade — o pivete; da personificação do ideal fálico e atlético do malandro — o cafuçu; do homem adulto cômico e irresponsável que faz uso abusivo de álcool — o Mussum; do negro idoso apaziguador e domesticado marcante da literatura brasileira — o pai João; e ainda do cruzamento interseccional de raça, sexualidade, gênero, classe que tenciona o lugar heteronormativo do homem negro — a bicha preta periférica.

Na história da cultura visual, a maioria das imagens de homens negros, bem como de todos os sujeitos racializados, objetifica seus corpos com base em perspectivas hegemônicas de branquitude (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.; LLOYD, 2018LLOYD, D. Under representation: The racial regime of aesthetics. New York: Fordham University Press, 2018.). Neste sentido, a negociação de formas plurais de corporeidade tem sido uma ferramenta fundamental de transformação estética e também discursiva enquanto modos de subjetividades negras inscritas com objetivo de contestar um mundo existente de signos, atividades, tecidos e lugares simbólicos racializados no campo da representação. A masculinidade, quando interseccionada com as dinâmicas de opressão de raça, gênero, classe e sexualidade, tem demarcadores sociais “indeterminados e transitórios” (ENWEZOR, 1995ENWEZOR, O, The Body in Question: Whose Body? ‘Black Male: Representations of Masculinity in Contemporary American Art. Third Text, 9:31, p. 67-70, 1995., p. 67). Nas artes visuais, as interseccionalidades proporcionam índices de mudança de lócus enunciativo e de significados, como aponta o historiador da arte nigeriano Okwui Enwezor (1995)ENWEZOR, O, The Body in Question: Whose Body? ‘Black Male: Representations of Masculinity in Contemporary American Art. Third Text, 9:31, p. 67-70, 1995..

O ato de perceber corpos masculinos negros, não fragmentados, mas por meio da convergência das intersecções de gênero, raça, sexualidade e classe, tem complexificado os regimes de visibilidade contemporâneos e suas produções de sentido, em um processo de renovação estética, discursiva e representacional de narrativas negras. O corpo masculino negro torna-se, assim, nas artes visuais, uma superfície potencial para o sentido de inscrição, empregando uma gramática específica da existência, e não apenas da representação. Tais resistências, então, buscam inverter os estereótipos dentro dos próprios regimes de estereotipia (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.), incorporando novas linguagens e olhares opositores e reconhecendo, em cada movimento artístico performático, estético e cultural, a expansão das noções articuladas de negritude e masculinidade, sobretudo por meio de desobediências políticas contestatórias (hooks, 2019hooks, b. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.).

Para muitos artistas negros, viver no Brasil contemporâneo é conviver com um legado visual construído e consolidado no qual os modelos de representação masculina são profundamente codificados e seu desmonte parece uma tarefa quase impossível (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.). Embora vivenciem inegável privilégio patriarcal, especialmente pela garantia de maior participação em exposições e discussões em torno da arte afro-brasileira no país, em comparação com a presença reduzida de mulheres artistas negras nos espaços institucionalizados da arte, esses artistas não deixam de vivenciar o peso da opressão racial sobre sua potência criativa e de expressão, movendo-se de acordo com as delimitações impostas por um universo ainda significativamente branco.

Nesse contexto, busca-se neste trabalho reconhecer alguns dos notáveis desvios estéticos, culturais e artísticos, apontando para caminhos fabulatórios (NYONG’O, 2018NYONG’O, T. Afro-Fabulations: The Queer Drama of Black Life. New York: UP, 2018.) propostos por artistas negros contemporâneos, aqui representados por Antonio Obá e Tiago Sant’Ana, respectivamente, nas suas contestações das narrativas brancas comumente associadas aos rituais religiosos, assim como dos discursos desumanizantes sobre o corpo e a subjetividade dos homens negros.

Antonio Obá e o corpo negro masculino inscrito no rito sincrético religioso

Nascido em 1983, na cidade satélite de Ceilândia, região periférica de Brasília, Antonio Obá tem concentrado seu trabalho artístico no universo do sincretismo religioso contemporâneo brasileiro. Trabalhando na perspectiva da sua negritude como indício de resiliência afrodiaspórica, o artista insere seu corpo masculino na profundidade do rito problematizando uma identidade religiosa sincrética não como uma função harmoniosa, mas por meio de confrontamentos (CONDURU, 2017______. Catálogo Negros Indícios: performance vídeo fotografia. São Paulo: Caixa Cultural, 2017.). Suas ações tensionam aspectos existentes entre sua educação de experiência católica devota com as relações de violência presentes em suas performances com base na profanação de conhecidos índices cristãos, assim como denunciam práticas sociais de perseguição a povos de terreiros e seus cultos, mais especificamente ao candomblé.

Seu percurso transita por diversas linguagens, entre performances, instalações, desenhos e pinturas, em uma mescla de inscrições afetivas e de memória que propõem uma relação íntima e pessoal sobre o seu corpo negro, masculino e não heteronormativo. Por meio do deslocamento do sagrado para o contexto humano do profano, o artista evoca um conjunto de tramas e sentidos que se dão em um contexto brasileiro de sacrifícios e intolerância àqueles sujeitos que se encontram à margem de tradições morais cristãs normativas e hegemônicas (NOGUEIRA, 2020NOGUEIRA, S. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA, 2020.). Obá, que também atua como professor de artes, tem se empenhado em circular seu trabalho nos espaços públicos, artísticos e museológicos, como diversos outros artistas que buscam redefinir as contranarrativas coloniais e racializadas de corpos nessas instituições. Foi um dos finalistas do Prêmio Pipa3 3 O Prêmio PIPA é uma iniciativa do Instituto PIPA e se tornou, desde a sua criação, em 2010, um dos mais relevantes da arte contemporânea no Brasil, motivando e apoiando novos artistas brasileiros. Os artistas são indicados pelo Comitê de Indicação. em 2017 e evidencia uma produção em ritmo constante de obras expostas em grandes instituições e eventos de arte de expressão nacional, como no Instituto Tomie Ohtake, no Museu de Arte de São Paulo (MASP), quando compôs a exposição coletiva Histórias Afro-Atlânticas (2018); na exposição Negros Indícios (2017), realizada na Caixa Cultural de São Paulo; como também em espaços internacionais na África do Sul, em Nova York, Pequim, Bruxelas e Amsterdam (SANTOS, 2020SANTOS, R. S. Atos da Transfiguração: Mobilizando memórias da População Negra através da performance de Antonio Obá. Ephemera - Revista do Programa em Pós Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto, v. 3, n. 6, p. 73-93, 2020.), sendo representado pela galeria Mendes Wood, em São Paulo.

O sincretismo apresentado pelo artista não parte de um hibridismo religioso harmonioso, postulado pelo mito brasileiro da democracia racial: “Ao contrário, a violência do sincrético é a chave do projeto de Obá” (SMYTHE-JOHNSON, 2022SMYTHE-JOHNSON, N. Amplifying syncretism: Antonio Obá’s dialectical conception of Brazil. MODOS: Journal of Art History, Campinas, SP, v. 6, n. 1, p. 584-602, 2022., p. 589), que se estende ao corpo masculino que se autoinscreve, na primeira pessoa, por meio de novas narrativas de controle de momentos ritualísticos. As pesquisas do artista passam por questões como a erotização do homem negro e debatem a respeito do arquétipo de controle do “negro mágico” (GLENN, CUNNINGHAM, 2009GLENN, C. L.; CUNNINGHAM, L. J. The power of black magic: The magical negro and white salvation in film. Journal of Black Studies, v. 40, n. 2, p. 135-152, 2009.; HUGHEY, 2009HUGHEY, M. W. Cinethetic racism: White redemption and black stereotypes in “Magical Negro“ films. Social Problems, v. 56, n. 3, p. 543-577, 2009.; COLEMAN, 2011COLEMAN, R. M. Horror Noire: Blacks in American horror films from the 1890s to present. Nova York: Routledge, 2011.), que seria o homem detentor de um poder místico, espiritual, intuitivo e advindo de sua condição ancestral. Essa imagem de controle, muito referenciada no cinema de terror, drama ou ficção científica, invoca uma performance frequentemente masculina de um ser imbuído de poderes místicos, predominantemente a serviço da branquitude (COLEMAN, 2011COLEMAN, R. M. Horror Noire: Blacks in American horror films from the 1890s to present. Nova York: Routledge, 2011.). Essas imagens têm povoado o imaginário racializado brasileiro por meio das representações dos líderes espirituais dos pais-de-santo que funcionam, no nível macro, como gêneros expressivos esotéricos e místicos capazes de construir regimes estéticos racializados (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.; LLOYD, 2018LLOYD, D. Under representation: The racial regime of aesthetics. New York: Fordham University Press, 2018.).

As contestações aos arquétipos do homem negro místico são feitas com base em uma crítica à colonialidade fundada no dogma e na intolerância religiosa. Na sua performance Atos da transfiguração: desaparição ou receita de como fazer um santo4 4 A performance foi apresentada pela primeira vez em 2015, no Centro Cultural Elefante, em Brasília. Em seguida, o artista a apresentou em 2016 na Galeria Cândido Portinari, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na mostra (In)corporações, depois, no salão de artes do Conjunto Cultural da Caixa, em Brasília, e, por último, na Galeria Mendes Wood, em São Paulo, em 2017. (figura 1), de 2015, Antonio Obá inscreve o seu corpo negro nu em uma ação performática de 20 minutos, que começa com o artista segurando uma reprodução em gesso da Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil, de modo que esconde seus genitais. Quando se aproxima de um palco demarcado por um holofote brilhante em uma sala escura, ele se ajoelha em frente a uma gamela de madeira — prato em que se oferece comida ao santo do candomblé —, na qual deposita o pó da imagem da santa que é ralada pelo artista (CONDURU, 2017______. Catálogo Negros Indícios: performance vídeo fotografia. São Paulo: Caixa Cultural, 2017.).

Figura 1
Performance Atos da transfiguração: desaparição ou receita de como fazer um santo, de Antonio Obá.

Seu esforço físico de conversão da imagem da santa pintada de negro em pó branco — depositando este pó sobre um alguidar — representa a conversão às avessas ao cristianismo historicamente imposto a sujeitos negros africanos escravizados (ver figura 1) e denuncia um dispositivo de racialidade que se articula por diversos modos de epistemicídio, uma vez que se sustenta pelo aniquilamento de outros conhecimentos e saberes (CARNEIRO, 2023CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023). Ao reduzir a Virgem negra a pó branco e recobrir o seu corpo negro em branco, Obá consubstancia uma ideia de branqueamento da população brasileira e aproxima a ação do culto afro-brasileiro dos rituais de fazer um santo, em referência ao processo iniciático do candomblé (CONDURU, 2017______. Catálogo Negros Indícios: performance vídeo fotografia. São Paulo: Caixa Cultural, 2017.).

A ação é sensorial, tanto no som metálico do ralador e na respiração ofegante do artista, quanto na experiência visual lenta, repetitiva e dolorosa do seu esforço físico que o cobre de suor, em uma alusão que ainda vincula o corpo negro masculino aos trabalhos físicos, repetitivos. O artista, ao fazer seus músculos dos braços e ombros ondularem, parece tentar provocar e questionar, nos observadores da performance, os sentimentos de desejo, admiração e pena, comumente esperados e reforçados no imaginário cultural a respeito do trabalho do homem negro. O cansaço visível do seu corpo faz lembrar da exaustão de sujeitos escravizados e reitera representações correntes que notabilizam o homem negro tanto como hábil trabalhador braçal quanto como parte do exotismo sexual (FERREIRA, CAMARGO, 2011FERREIRA, R. F.; CAMARGO, A. C. As relações cotidianas e a construção da identidade negra. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 31, n. 2, p. 374-389, 2011.).

O seu corpo é o território em que a performance dispara contestações, proporcionando reflexão em torno da erotização do corpo negro masculino, cuja ação é continuamente e profundamente alocada sob sensualidade somente quando figurada em um homem negro jovem, forte, viril, limpo e barbeado. A purificação e sacralização do homem negro, então, permite a formação gradativa, mas não menos violenta, de uma masculinidade normativa e hegemônica (CONNELL, MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemênica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.) do homem branco, civilizado, humanizado e convertido.

Quando a Virgem finalmente é transfigurada, deixando seu status de imagem e se transmutando em pó, Obá leva alguns segundos para se acalmar e deixar o ralador de lado. Em movimentos lentos um pó branco, passa a cobrir grande parte do seu corpo. Neste momento, o artista se levanta e se afasta com a cabeça solenemente abaixada, figurando uma resignação de um corpo masculino “historicamente profano, associado ao trabalho, à dor e à hipersexualidade, transfigurado em sagrado” (SMYTHE-JOHNSON, 2022SMYTHE-JOHNSON, N. Amplifying syncretism: Antonio Obá’s dialectical conception of Brazil. MODOS: Journal of Art History, Campinas, SP, v. 6, n. 1, p. 584-602, 2022., p. 593).

Assim, a inversão de lugares de homem (artista) e mulher (santa), ocorre no deslocamento contestatório representacional do sagrado para o humano, possibilitando pensar as posições de gênero binárias de ideais coloniais, normativos e morais de humanidade. Como aponta Lugones (2014)______. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, v. 22, p. 935-952, 2014., há uma série de condutas específicas que atrelam corpos negros, dissidentes, colonizados e subalternizados a uma bênção jesuítica cristã concedida por meio da branquitude, e parece que Obá mira combater essa bênção, sobretudo porque registra, ainda, um processo figurativo de recobrimento da feminilidade sacralizada em um corpo masculino que não se encaixa no modelo heteronormativo. Nesse sentido, Obá revela transmutações em trânsito e sobreposições entre o masculino e o feminino, questionando a representação de uma sexualidade negra masculina universal, por meio do exercício crítico de fabulação da sua própria subjetividade e sexualidade negra queer (NYONG’O, 2018NYONG’O, T. Afro-Fabulations: The Queer Drama of Black Life. New York: UP, 2018.). A superação da estrutura binária de estereotipagem racial (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.) se intersecciona a questões que o artista propõe em sua performance sobre sexualidade de homens negros que vivem em lugares de fratura colonial (LUGONES, 2014______. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, v. 22, p. 935-952, 2014.) e em constante disputa e tentativa de afastamento de convenções normativas de gênero (LOURO, 2018LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.).

A dominação social e as subsequentes linhas definidoras da política sexual do patriarcado branco empregam a sexualidade à masculinidade negra como núcleo ontológico de “imposição de corporalidades” (LEMELLE JR, 2010LEMELLE JR, A. J. Black masculinity and sexual politics. New York and London: Routledge, 2010.). Essa visão reducionista de “luxúria desenfreada” (idem, 2010, p. 188) e hipersexualizada do homem negro exposta e contestada pelo artista é também um combate ao pensamento eugenista delirante de certos comportamentos físicos e desejos de linhagem e parentesco da população negra afrodiaspórica. Obá reconhece que a iconografia da sexualidade masculina negra compulsiva-obsessiva é historicamente representada como uma forma de poder hierárquico no patriarcado, “quando na verdade é uma indicação de extrema impotência” (hooks, 2019hooks, b. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019., p. 189). Kobena Mercer (1999)MERCER, K, “Reading racial fetishism: the photographs of Robert Mapplethorpe”. IN: EVANS, J.; HALL, S. (ed.). Visual Culture: the Reader, London: Sage Pub., 1999. p. 435-447. discute em profundidade essa “ambivalência da fantasia colonial, oscilando entre a idealização sexual do outro racial e a angústia em defesa da identidade do ego masculino branco” (idem, 1999, p. 438). Para Mercer, a redução da personalidade à sexualidade é uma marca de fetichização que faz com que o corpo seja fragmentado e funcione de acordo com uma representação impotente de subjetividade paralisada, que tem pouca autonomia e autocontrole de suas representações no espaço simbólico visual.

A performance “Atos da transfiguração: desaparição ou receita de como fazer um santo” teve uma grande repercussão nacional, sobretudo e infelizmente porque o trabalho de Antonio Obá foi reduzido por grupos político-religiosos a um ataque a símbolos católicos. O artista recebeu diversas ameaças de grupos conservadores que viralizaram o vídeo da performance. Em 2017, portanto, Obá se sentiu obrigado a sair do país, sendo também um dos artistas censurados na exposição Queer Museu: cartografias da diferença na arte brasileira, que em setembro foi descontinuada pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, em resposta a denúncias e protestos de pessoas cristãs e do Movimento Brasil Livre por trazer obras de cunho religioso e abordar temas como diversidade de gênero e sexualidade. Sua censura, então, reitera a importância de Antonio Obá para a contestação de regimes de visualidade racistas, das diversas facetas do dispositivo de racialidade (CARNEIRO, 2023CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023) e dos códigos socioculturais violentos contra a subjetividade do homem negro, potencializando de forma paradoxal a visibilidade e o destaque necessários a sua obra.

Tiago Sant’Ana e a fuga da desumanização por meio dos artefatos simbólicos

O artista visual, curador e pesquisador do Recôncavo Baiano, Tiago Sant’Ana, também busca tensionar questões que envolvem a masculinidade negra utilizando as ambivalências simbólicas que compõem os contextos históricos, culturais e imaginários brasileiros. Apesar de a performance ser seu ponto de partida para uma inscrição identitária do seu corpo, desenvolve desdobramentos poéticos por meio de esculturas, fotografias, vídeos e pinturas. Seu trabalho é marcado por uma profunda investigação de como a sociedade brasileira ainda vive de forma nostálgica uma égide colonial de violência física a corpos de jovens negros (como na sua obra Apagamento #1, 2017), de interdições e intolerâncias religiosas às populações negras (nas fotografias da sua obra Bejè Oró #3, 2013), bem como na sua vasta pesquisa em torno do açúcar e seus vínculos intrínsecos com as narrativas e práticas coloniais (na sua série Manufatura e colonialidade, 2016). O açúcar invade seus trabalhos enquanto artefato que lembra a violência desse sistema econômico que se estruturou na força de trabalho colonial compulsória, majoritariamente masculina, e seus desdobramentos históricos, hierárquicos, sociais, memoriais e patrimoniais em obras como Refino (2017), Sapatos de açúcar (2018), Ao sul do Equador (rosa dos ventos de açúcar) (2021) e Fluxo e refluxo (barco de açúcar) (2021). Para o curador Roberto Conduru (2017), o processo de composição artística de Sant’Ana passa pela ativação de ruínas de antigos espaços coloniais na região do Recôncavo por meio de suas performances.

O artista foi premiado com a bolsa de fotografia ZUM do Instituto Moreira Salles (IMS), em 2021, e indicado ao Prêmio Pipa em 2018. Teve suas obras expostas ainda em exposições nacionais e internacionais e em espaços de representatividade artística como a Pinacoteca de São Paulo, em 2021, o Museu de Arte do Rio (MAR), em 2019, o MASP e o Instituto Tomie Ohtake, ambos em 2018, o The Fowler Museum, em 2017, e a Caixa Cultural São Paulo, em 2017, bem como em diversos outros espaços como o IMS, a rede Sesc e galerias em Recife, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Suas obras compõem de forma permanente os acervos do MASP, do Denver Art Museum, da Pinacoteca de São Paulo, do Museu de Arte do Rio e do Museu de Arte Moderna da Bahia.

Na videoperformance Ao rés do chão5 5 Vídeo disponível em: <https://youtu.be/Cn4gtPqWLg0>. Acesso em: 8 dez. 2022. (2018), Tiago Sant’Ana busca questionar os arranjos simbólicos que protagonizam corpos coletivos de homens negros com base em uma discussão em torno da precarização de suas subjetividades. O sapato se configura como um artefato simbólico de liberdade e dignidade e é trazido no tempo e reposicionado como símbolo de um lugar social irradiador de pertencimento a homens jovens negros e periféricos. Esses objetos têm um significado histórico e estão intimamente ligados a um símbolo muito precário de libertação, pois o seu uso era vedado às pessoas escravizadas (CRUZ, 2019CRUZ, T. Fenomenologia das veredas: sapatos de Arthur Bispo do Rosário, trabalho apresentado no XV Enecult, Salvador, 2019.). A sua ausência, portanto, se tornou um símbolo de negação plena de cidadania (SCHWARCZ, 2015SCHWARCZ, M. L. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.).

Os sapatos são elementos que constituem o trabalho do artista e aparecem integrados ao vídeo com instalações, esculturas de tamancos esculpidos em açúcar cristal e fotografias na exposição Baixa dos sapateiros (2018), realizada na galeria Simone Cadinelli, localizada na cidade do Rio de Janeiro, e com a coordenação curatorial de Clarissa Diniz (ver figura 2).

Figura 2
Videoperformance da série Ao rés do chão (2018) 5’31”, de Tiago Sant’Ana.

O vídeo Ao rés do chão se inicia com uma tela preta e uma narração de cerca de um minuto e meio das observações do viajante francês Louis Albert Gaffre em seu livro Visions du Brésil (1912), no qual descreve de forma ilustrativa como, no dia seguinte à abolição, a primeira coisa que as pessoas negras recém-libertas fizeram foi “correr às lojas de calçados” como gesto de liberdade. Gaffre, ouvindo relatos de ex-escravizados, chama a atenção para a importância dos sapatos como símbolo revelador de distinção de pessoas livres. Contudo, devido ao não uso — pois os calçados eram proibidos aos cativos —, os “pés não estavam habituados ao novo artifício, de modo que, não estando nos pés, os sapatos eram portados a [tiracolo] como bolsas” (CRUZ, 2019CRUZ, T. Fenomenologia das veredas: sapatos de Arthur Bispo do Rosário, trabalho apresentado no XV Enecult, Salvador, 2019., p. 10). Isto é, o que estava em questão era a presença da liberdade que estes sugeriam e irradiavam (SCHWARCZ, 2015SCHWARCZ, M. L. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.).

Nas imagens, encontramos homens com troncos desnudos vestidos com calças curtas brancas, que vão até abaixo do joelho, de cintura de cós e algodão grosso, em referência a sacos de farinha. A indumentária transmite um duplo sentido, sendo a representação de trabalhadores negros escravizados por meio do uso das vestimentas chamada de roupa sura, de labuta, especialmente utilizada por homens trabalhadores do cais e dos trapiches. Mas também pode ser associada às roupas de ração do cotidiano ritual dos terreiros (LODY, 2015LODY, R. Moda e História: as indumentárias das mulheres de fé. São Paulo: Editora Senac, 2015.), por meio de uma peça de vestimenta masculina de cor branca sagrada nas crenças iorubás, utilizada por fiéis de religiões de matriz africana e associada a rituais internos de culto. Para Raul Lody (2015)LODY, R. Moda e História: as indumentárias das mulheres de fé. São Paulo: Editora Senac, 2015., o nome ração do traje interno do candomblé de trabalho e lidas cotidianas, que pode ser composto com ou sem camisa, vem do entendimento de uma “roupa que come, que recebe obrigações durante os diferentes rituais religiosos” (LODY, 2015LODY, R. Moda e História: as indumentárias das mulheres de fé. São Paulo: Editora Senac, 2015., p. 28). A calça branca que vestem os homens negros da videoperformance de Thiago Sant’Ana tem uma associação representativa contestadora (HALL, 2016HALL, S. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.) aos códigos indumentários religiosos que sempre foram reduzidos à intolerância que motiva constrangimentos e violências simbólicas aos sujeitos que vestem e portam esses signos visuais.

Apesar do impedimento nunca ter sido uma lei escrita, a representação visual de homens negros escravizados e trabalhadores de pés descalços sempre foi potente na história da arte brasileira, desde as pinturas dos artistas viajantes, como o francês Jean-Baptiste Debret, o alemão Johann Moritz Rugendas, assim como nas fotografias de Marc Ferrez, Christiano Júnior, Alberto Henschel e até nos registros de Pierre Verger. A problemática da liberdade negra estar vinculada aos sapatos revela uma face da violência colonial e, ao mesmo tempo, do declínio da estrutura social brasileira, que passa a representar que aqueles pés calejados do trabalho e da exploração não poderiam jamais se habituar ao uso de calçados. Esta associação aparece desde as descrições nas obras de Machado de Assis6 6 No conto último capítulo (1884), Machado de Assis coloca em cena o lugar do sapato como um adorno com potência estética da existência, por meio do movimento autorreflexivo de seu personagem, o Matias Deodato, diante de um passante (um homem negro) no qual julgava dizendo “talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas” (Machado de Assis, 1884, p. 6). até o universo de composição de aparência digna e pertencimento debatido por Arthur Bispo do Rosário em sua obra Congas e Havaianas (2012)7 7 A obra de Bispo reúne um painel, em formato de vitrine, com 18 congas sem cadarço e 3 sandálias de internos da Colônia Juliano Moreira (RJ), tensionando a liberdade de ir e vir oferecida às populações negras e pobres, em uma tentativa de apresentar que em seu mundo não haverá pés descalços. .

Após a narração, o vídeo Ao rés do chão, com uma câmera baixa, capta o movimento de entrada de vários homens negros descalços em uma sala que se assemelha à de um casarão colonial, com portas de madeira, azulejos portugueses brancos e azuis, sem móveis e com aparência inabitada, como se assombrassem o espaço. Homens com troncos nus e calções brancos caminham de maneira organizada, em um tipo de coreografia, com sapatos, de todos os modelos, carregados sobre seus ombros a tiracolo, amarrados um ao outro por seus cadarços, ou em suas mãos. Eles habitam de forma estática e perfilados o salão principal, com móveis de madeira em estilo Barroco e pinturas coloniais. Surgem pelas portas, tomam e sobem as escadas, como um delírio ou um sonho. Por fim, encaram o vídeo em uma atitude de autocontrole sobre seus corpos e suas imagens e abandonam o casarão, deixando para trás os sapatos. O gesto de abandono simbólico demonstra uma frágil libertação, talvez porque ela nunca tenha vindo a existir, de fato, sobre os corpos negros.

O sapato também é uma tradição e uma obrigatoriedade entre os grupos de capoeira angola. Para Silva e Nguz’tala (2012)SILVA, R. L.; NGUZ’TALA, T. Capoeira angola: imaginário, corpo e mito. Anais do IV Congresso Internacional de Pedagogia Social, [S.l.], p. 1-11, 2012., no universo de muitos angoleiros, os sapatos são usados como um distintivo simbólico que afasta e dissimula o sujeito capoeirista, estigmatizado de malandro, da sua condição de pessoa escravizada ou ex-escravizada. Os pés descalços de Ao rés do chão contestam os pés nus das vadiações de rua. Tiago Sant’Ana, então, aponta para um processo de descolonização do desejo, como destaca Sueli Carneiro (2023, p. 306)CARNEIRO, S. Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023, que “aparece como tributária de um processo de subjetivação divorciado do jogo imediato do dispositivo, dá-se na sua exterioridade, nos subterrâneos da liberdade”.

Tiago Sant’Ana recorre a narrativas oficiais e contadas sobre os controles que demarcam tais corpos de homens negros e as coloca em uma perspectiva contemporânea para o debate racial. No vídeo, corpos masculinos vão ocupando o plano e os espaços em silêncio, tensionando essa presença até que preencham todo o quadro, com posturas frontais e de perfil. Reproduzem as posturas dos retratos antropométricos dos tipos raciais produzidas pelo fotógrafo Augusto Stahl, sob encomenda do eugenista Louis Agassiz. Os homens negros de peito nu, no vídeo, contestam o imaginário de tipologias das imagens cientificistas do século 19, além de criar tensões em torno da representação homoerótica, que reduz e revela, aos poucos, corpos masculinos racializados.

O debate racial proposto pelo artista discute as violências e invisibilidades, bem como a mobilidade desses corpos em uma luta representacional. O movimento desses homens que saem do rés do chão — que significa o pavimento térreo de uma casa ao nível da rua — e a subida pelas escadas simbolizam o abandono desse lugar representacional e imprimem ao vídeo um questionamento de corpos inscritos em seus lugares de força masculina, que serviram para a construção de todo um patrimônio arquitetônico colonial, presente nos casarões das cidades brasileiras. A própria videoperformance, que é uma emulação de um passado formado por ruínas, foi gravada no Museu de Arte da Bahia, onde residia o escravocrata José Cerqueira Lima. O edifício se encontra no Corredor da Vitória, onde ainda reside a elite política e econômica da Bahia.

O ato, portanto, de libertação dos sapatos, tira o artefato como centro irradiador simbólico de violência a esses homens negros, dando lugar à amplitude e à complexidade das questões que envolvem reconhecimento e dignidade. Como diz Lilia Schwarcz (2018)______. Com açúcar e sem afeto, 2018. Disponível em: <https://www.simonecadinelli. com/critica-lilia-schwarcz>. Acesso em: 5 set. 2022.
https://www.simonecadinelli. com/critica...
no texto curatorial da exposição Baixa dos sapateiros, Tiago explora os sapatos como detonadores de contradições que buscam esconder “formas enraizadas de hierarquia que, de tão naturalizadas, parecem ser invisíveis” (idem, 2018, s/p). A apropriação e o sentimento de posse desse artefato, bem como a decisão de abandono nesse espaço da colonialidade, nos permite compreender resistências por meio de formas de afirmação identitária. É interessante notar que movimentos negros periféricos populares, sobretudo na música (como no rap) e no esporte (como no basquete), posicionam o calçado como um importante elemento estético e simbólico de conquista da cultura masculina negra contemporânea. A ressignificação desse artefato é, então, um dos elos importantes de conexão histórica que une as narrativas no esporte, nas artes visuais e na música negra, partindo da apropriação de símbolos de violência para novos contextos de contestação que se fundamentam pelo consumo e pela classe, claro, mas que se revelam como signos de autoridade, independência e insubmissão.

Na direção, portanto, de resistências e reafirmações, Tiago discute os limites e as ampliações dos sentidos das masculinidades negras, sobretudo com base no debate sobre reivindicação de dignidade e autonomia. Com as narrativas artísticas fundamentadas nos sapatos, o artista transcende a discussão material e instaura um debate sobre libertação; sobre o resgate da emancipação de si e da soberania sobre seus próprios passos. Se os caminhos do homem negro, por tanto tempo, foram traçados e circunscritos à vontade branca, é a apropriação da sua materialidade o primeiro passo para a construção e reivindicação da liberdade.

Considerações finais

Ao discutir as ressignificações das masculinidades negras nos trabalhos dos artistas visuais Antonio Obá e Tiago Sant’Ana, este artigo buscou perceber as nuances de contestação que contornam as narrativas contemporâneas de resistência nas artes visuais, para além daquelas que apontam de modo explícito e declarado para discursos de resistência a estereótipos e violências estéticas. Ao entender todas as manifestações como legítimas e relevantes para a fabulação de novos sentidos do existir, do ver e do ser contemporâneo, é interessante notar formas diversas de resistir à histórica opressão vivida pelo homem negro, entendendo a complexidade das suas narrativas de masculinidade. Estes artistas, portanto, entregam o debate racial e de gênero para as artes visuais instaurando novos caminhos contestativos, uma vez que apontam para os matizes e as variantes das violências raciais sobre seus corpos e suas subjetividades. Nas duas obras, portanto, foi relevante perceber o lócus enunciativo reservado e reivindicado pelo homem negro nas religiosidades, nos artefatos e nas materialidades, entendendo todos estes contextos como discursos historicamente construídos e reconstruídos para a fabulação crítica.

A intenção, portanto, do debate sobre essas duas manifestações artísticas não é encerrar a discussão em uma análise meramente singularizada das performances e das obras, mas apontar para o que essas narrativas trazem de significação ampla no debate sobre masculinidades negras. Reivindica-se aqui, portanto, a importância de se compreender, sobretudo nas ciências sociais aplicadas, modos discursivos, artísticos e comunicacionais de resistência a imagens coloniais de controle que hoje se proliferam de forma pujante e diversa nos espaços de legitimação e em suas margens. Os artistas aqui analisados fazem parte de um grupo complexo e heterogêneo de homens negros artistas que fogem da estereotipia, questionam e propõem outros modelos de significação para si mesmos e suas vivências em uma sociedade que tenta, constantemente, recuperar o passado e reforçar práticas familiares de opressão. Ao questionarem esse contexto, comunicam sua insubmissão e autonomia em uma fuga criativa na direção da construção independente de novos caminhos, de movimentos de recusa e recriação de territórios livres para o refúgio.

A fábula da fuga, como explica Bona (2019)BONA, D. T. A arte da fuga: dos escravos fugitivos a refugiados. [S.l.]: [s.n.], 2019., presente nessas obras, se manifesta por meio de estratégias visuais de descaptura, do abrir mão, abandona imaginários cristalizados em regimes estéticos e representativos racializados para recriar novas estratégias de visibilidade. Constroem-se zonas de liberdades criativas, que sempre existiram sob vigilância, violência e controle, com táticas fugitivas de ginga e camuflagem. A fuga nas obras de Antonio Obá e Tiago Sant’Anna analisadas inauguram um novo ciclo de metamorfoses artísticas visuais que ressurgem de imagens atualizadas, contestadas e que fundam novas aparências e vivências à luz do seio de uma sociedade historicamente e moralmente eugenista e sexista.

O elo, portanto, de conexão entre as duas obras aqui analisadas e tantas outras protagonizadas por artistas e sujeitos racializados no contexto artístico e midiático contemporâneo, pode ser pensado por meio do incentivo ao incômodo: busca-se incomodar a branquitude e suas manifestações arbitrárias de poder. Seja pelo incômodo de se perceber como agente no contexto da violência, seja no incômodo de quebrar as expectativas do espectador fetichista, que espera ver e sentir o corpo do homem negro exposto em sua vulnerabilidade, seja até mesmo pelo incômodo de romper com as narrativas de opressão, fugir da recuperação do discurso sobre violências e mostrar toda a complexidade e potência da subjetividade masculina e negra, as narrativas desses artistas estão em contestação e buscam ser provocativas, em um diálogo impaciente entre quem demorou para ser ouvido e percebido e quem precisa ouvir e calar. Questiona-se, assim, todas as vertentes e materialidades da desumanização, reivindicando de tantos modos diferentes, mas sempre potencialmente comunicacionais, a diversidade de lugares de poder que serão ocupados agora.

  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/Brasil).
  • 2
    A escritora e ativista negra norte-americana Gloria Jean Watkins utiliza o seu pseudônimo — em letras minúsculas — como forma de afastamento e reconhecimento nominal, direcionando o enfoque e a atenção ao seu conteúdo, e não a sua pessoa. Inspirada na sua bisavó materna, Bell Blair Hooks, o pseudônimo assim grafado é utilizado desde a publicação do seu primeiro livro. (Cf. hooks, 1989______. Talking back: Thinking feminist, thinking black. Boston: South End Press, 1989.).
  • 3
    O Prêmio PIPA é uma iniciativa do Instituto PIPA e se tornou, desde a sua criação, em 2010, um dos mais relevantes da arte contemporânea no Brasil, motivando e apoiando novos artistas brasileiros. Os artistas são indicados pelo Comitê de Indicação.
  • 4
    A performance foi apresentada pela primeira vez em 2015, no Centro Cultural Elefante, em Brasília. Em seguida, o artista a apresentou em 2016 na Galeria Cândido Portinari, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na mostra (In)corporações, depois, no salão de artes do Conjunto Cultural da Caixa, em Brasília, e, por último, na Galeria Mendes Wood, em São Paulo, em 2017.
  • 5
    Vídeo disponível em: <https://youtu.be/Cn4gtPqWLg0>. Acesso em: 8 dez. 2022.
  • 6
    No conto último capítulo (1884), Machado de Assis coloca em cena o lugar do sapato como um adorno com potência estética da existência, por meio do movimento autorreflexivo de seu personagem, o Matias Deodato, diante de um passante (um homem negro) no qual julgava dizendo “talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas” (Machado de Assis, 1884, p. 6).
  • 7
    A obra de Bispo reúne um painel, em formato de vitrine, com 18 congas sem cadarço e 3 sandálias de internos da Colônia Juliano Moreira (RJ), tensionando a liberdade de ir e vir oferecida às populações negras e pobres, em uma tentativa de apresentar que em seu mundo não haverá pés descalços.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2023
  • Aceito
    14 Out 2023
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