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A narrativa mítica em processos comunicacionais na exposição não consensual de mulheres na internet1 1 Este texto foi originalmente apresentado no IV Seminário "(des)fazendo saberes na fronteira: ciência, democracia e resistência" e foi publicado nos anais.

Mytical narrative in communicational processes in non-consensual exhibition of women on the internet

Resumo

Este artigo analisa a narrativa mítica adâmica em processos comunicacionais nos quais as mulheres são ameaçadas de ter conteúdos íntimos expostos sem consentimento na internet. Argumentamos que o mito adâmico remonta a ordens axiológicas orientadas para a construção de pensamentos hegemônicos sobre a experiência das mulheres na contemporaneidade, reatualizadas e ritualizadas, com o objetivo de fazer a manutenção do mandato de masculinidade. A análise parte de dados etnográficos, permitindo-nos perceber que as mulheres, dadas as suas interseccionalidades, sofrem sanções sustentadas por imaginários coletivos míticos. Mostramos que o crime de exposição não consensual na internet foge à ordem do íntimo, do privado e das relações interpessoais, para comunicar publicamente e de forma espetacularizada o domínio territorial sobre o corpo das mulheres. Para isso, apontamos processos comunicacionais patriarcais que se traduzem em pelo menos sete aspectos.

Palavras chave
mulheres; mito adâmico; processos comunicacionais; exposição não consensual; internet

Abstract

This paper analyzes the Adamic mythical narrative in communicational processes which women are threatened of having intimate contents exposed without consent on the internet. We argue that the Adamic myth goes back to axiological orders oriented to the construction of hegemonic thoughts about the experience of women in contemporary times, updated and ritualized, in order to maintain the mandate of masculinity. The analysis starts from ethnographic data, allowing us to understand that women, due to their intersectionalities, suffer sanctions sustained by mythical collective imaginaries. We show that the crime of non-consensual exposure on the internet escapes from the order of intimate, private and interpersonal relationships, to publicly and spectacularly communicate the territorial domain over women’s bodies. To this, we point out patriarchal communicational processes that translate into at least seven aspects.

Keywords
women; Adamic myths; communication processes; non-consensual exposure; internet

Introdução

Para este artigo, interessamo-nos pela narrativa do mito adâmico e pela conexão com os valores morais endereçados às mulheres, perpetuados ao longo da história. Tal narrativa, segundo Rita Segato (2018)______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., é parte do que funda a cultura ocidental e sua economia simbólica de gênero, estruturada pela matriz heterossexual e pelas lógicas da branquitude. A figura mítica de Eva, dependente da criação anterior, revela o que a literatura feminista há algum tempo elabora: é o que Simone de Beauvoir (1949)DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Nova Fronteira, 2014. chamou de o Outro do homem; Guacira Louro (1997)LOURO, G. L. A emergência do “gênero”. In: ______. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. denominou por desvio da regra masculina; e Thomas Laqueur (2001)LAQUEUR, T.; WHATELY, V. Inventando o sexo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. apontou como o sexo incompleto, inacabado e faltante. No caso de mulheres negras e não brancas, o Outro do Outro, como nos fala Grada Kilomba (2020)KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2020..

Para Valeska Zanello (2018)ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018., a figura de Eva ao longo da história se desdobrou na imagem de Virgem Maria. A pecadora e a santa, a dicotomia que permeia a experiência das mulheres, são classificações herdadas dessa lógica mítica. Sob essa óptica, passamos a ver no feminicídio o mais alto grau de implicação patriarcal da perspectiva de caráter mitológico, na qual a mulher, que só está viva graças à costela de um homem, caso o desobedeça, não tem possibilidade de seguir vivendo sem ele, se assim ele desejar.

O registro dessa narrativa se perpetua de forma materializada e ritualizada em muitos formatos na memória coletiva social, fazendo a manutenção de processos comunicacionais patriarcais, observados aqui em frases como: “se não obedecer vou acabar com a sua vida”, “vai ser uma boa menina comigo”, “quem manda em você agora?” (Diálogo do campo em captura de tela via WhatsApp). Mostramos que o imperativo obedecer ganha destaque nas falas observadas.

Nessa direção, o objetivo deste artigo é apontar processos comunicacionais ritualizados e reatualizados na contemporaneidade de fundo mítico. Faremos isso com base na análise etnográfica de situações em que mulheres são ameaçadas ou têm seus conteúdos íntimos compartilhados sem autorização. Os casos assinalados fazem parte do recorte de uma pesquisa etnográfica para a internet, em que, os dados do campo foram obtidos entre 2019 e 2021, por meio de observação participante, conversas e ligações estabelecidas via WhatsApp com interlocutoras e em sites citados na pesquisa.

A técnica etnográfica de observação participante, aplicada tanto off-line quanto online (HINE, 2015HINE, C. Ethnography for the Internet: Embedded, Embodied e Everyday. Londres: Bloomsbury Academic, 2015.), é uma abordagem teórico-metodológica que permite também captar práticas instituídas por meio de artefatos digitais. Para Hine (2015)HINE, C. Ethnography for the Internet: Embedded, Embodied e Everyday. Londres: Bloomsbury Academic, 2015., a pesquisa etnográfica busca compreender o que as pessoas pensam e o que fazem dos usos e das interações digitais, seguindo conexões culturais que criam práticas carregadas de sistemas simbólicos amplos, com significados localizados e específicos. Desta forma, pensamos as relações sociais mediadas por tecnologias digitais e a internet corporificada e cotidiana como locais que fazem a construção, a manutenção de significados e de disputas do corpo, da sexualidade e de gênero. bell hooks (2019) chamou de olhar opositor2 2 Bell Hooks foi específica ao argumentar sobre o olhar opositor para mulheres negras, que aqui refere-se a uma estratégia de ver além do olhar hegemônico. , uma forma política de olhar e contestar. Assim, olhar de forma atenta para mitos originários revela a conexão com a moral desejada em torno das mulheres, orientando a construção de pensamentos hegemônicos atuantes no cotidiano contemporâneo.

Nessa perspectiva, este estudo aponta para o corpo das mulheres, alvo histórico de exploração, retaliações e punições, engendrado no mundo tecnológico e digital. Práticas orientadas por imaginários arcaicos deixam marcas particulares nas experiências das mulheres, que, segundo Segato (2014)SEGATO, R. L. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 341-371, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9HkTy5SLTp7jw/?lang=es>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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, vivem em um cenário bélico permanente contra suas existências.

Em seu estudo sobre pedagogias da crueldade, Rita Segato (2018)______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018. propõe pensar o mandato de masculinidade em dois eixos: o primeiro refere-se à espetacularização exibida do poder patriarcal; o segundo, o da cumplicidade evocada entre os homens como prova da masculinidade. Como veremos, para a autora, esses eixos são expressões do mito adâmico que reproduzem sistemas patriarcais.

Apontamos a figura mítica com base na história da criação ocidental, por perceber, por meio do estudo etnográfico, que as narrativas sobre meninas e mulheres3 3 Esses conceitos organizam-se por desdobramentos não fixos. Priorizamos o uso dos termos meninas e mulheres, referindo-se a meninas por indivíduos reconhecidos pelo feminino até 14 anos e mulheres acima de 20 anos, considerando que a lei brasileira, de acordo com o Marco Legal (2007), entende por adolescente a faixa etária de 10 a 19 anos, e juventude dos 15 aos 24 anos. expostas na internet sem consentimento são fundadas por percepções moralizadas de seu corpo, que remetem a ordens axiológicas santificadas, assexuadas e/ou de putas pecadoras e bruxas. Nesse sentido, o ato de compartilhar conteúdos de mulheres na internet com fotos ou vídeos desautorizados aponta processos comunicacionais muito além de apenas exposição de corpos. Nesta pesquisa, esse fenômeno remonta a Eva — portadora do pecado original — e também a outras classificações —como a mãe-virgem, que tem sua sexualidade negada por uma consistência imaginária de pureza intocada —, e à maior guerra declarada contra as mulheres: a caça às bruxas, que perdura através do tempo, manifestando-se com diferentes abordagens e tecnologias de gênero.

Os dados etnográficos mostram que alguns corpos estão ausentes; essa ausência nos fez olhar os processos comunicacionais sob a óptica interseccional: são corpos de meninas e mulheres brancas, jovens, cisgêneras e magras, que ganham evidência como forma triunfal de prestígio e espetacularização colonial patriarcal. Para isso, apontamos dois elementos ausentes: os corpos desviantes da sexualidade heterossexual e os corpos não brancos. Ou seja, nesta pesquisa, o não comunicado dos conteúdos de mulheres expostas sem consentimento é expressão da narrativa ocidental do mito adâmico.

Os ambientes digitais formam instâncias em que simbolicamente o corpo das mulheres passa por um tipo de morte social4 4 O efeito chamado no campo etnográfico de morte social refere-se a situações em que o conteúdo compartilhado sem consentimento reverbera negativamente em todos os aspectos na vida da vítima, provocando isolamento, medo, ansiedade, depressão, e, em última instância, pode levar ao suicídio. , queimado/assassinado nas praças públicas da internet. O crime de exposição de conteúdos íntimos de mulheres é comum e está diretamente ligado aos processos históricos, tratando-se de um fenômeno atualizado nos usos e aplicações dos artefatos digitais. Nesse ponto, argumentamos que, conforme Segato (2014)SEGATO, R. L. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 341-371, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9HkTy5SLTp7jw/?lang=es>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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, não se trata de crimes de motivação sexual ou crimes de ódio, mas de uma autorização pública coordenada pelo mandato de masculinidade, que busca comunicar o seu poder por meio do corpo das mulheres.

Para Adriano Duarte Rodrigues (1991)RODRIGUES, A. D. Estratégias da comunicação: questão comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Presença, 1991., abrangem os processos comunicacionais (ou atos comunicacionais): falas, discursos, narrativas, gestos, comportamentos, silêncios e omissões, formados por duas dimensões da experiência humana — expressiva e pragmática. Os silêncios e as omissões, por exemplo, podem comunicar mais que uma palavra ou ação, na medida em que são processos transformadores das interações, pois interferem e agem nelas.

Processos comunicacionais são atos ritualizados que atravessam toda experiência social, produzindo maneiras de dizer e fazer, por meio de obrigatoriedades indiscutíveis que provocam o reconhecimento recíproco. Nesse sentido, os ritos sociais são modalidades automáticas que impõem aparentemente uma ordem inquestionável, “são as regras da teatralidade da vida coletiva que se impõem com força tanto mais indiscutível quanto mais arbitrárias e independentes da escolha racional de cada um dos protagonistas” (RODRIGUES, 1991RODRIGUES, A. D. Estratégias da comunicação: questão comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Presença, 1991., p. 26).

Desta forma, os sistemas de valores morais são adaptados a contextos e épocas, sendo indissociável de valores e norma. Em outras palavras, os valores que organizam a norma social são ancorados em referências míticas, circulando signos de ordem transcendente com base em elaborações sígnicas organizadas pela latência de um mundo arcaico. Para Rodrigues (p. 27), “O mito cristão da criação orienta a percepção da vida coletiva, principalmente nas sociedades Ocidentais — servem como fundo mítico para as narrativas sobre a existência — herança mitológica que estrutura nosso imaginário”. Portanto, a natureza transcendente dos sistemas de valores o torna indiscutível, assegurando a conformidade com os discursos, as ações e as omissões.

Para a discussão, propomos três sessões temáticas. A primeira, sobre a concepção mítica e a desobediência patriarcal. Na segunda, refletimos sobre aos valores morais endereçados às mulheres, fazendo a discussão de qual corpo retroalimenta o prestígio patriarcal. A terceira, é relativa aos processos comunicacionais patriarcais ritualizados e reatualizados na internet que, nesta pesquisa, se traduzem em sete aspectos identificados.

A concepção mítica e a desobediência patriarcal

Recorremos a Marilena Chauí (2001)______. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 4. reimpressão. São Paulo: Perseu Abramo, 2001. para entender como mitos fundadores se organizam social e coletivamente. Para a autora, os mitos impõem um vínculo perpétuo com o passado e se preservam vivos no presente. Com base em uma concepção psicanalítica, o mito funciona por repetição de um imaginário, o qual impede a percepção da realidade, ou seja, o mito é a negação da realidade que torna real uma narrativa sobre a realidade. Nas palavras da autora, um mito fundador “é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo” (CHAUÍ, 2000CHAUÍ, M. O mito fundador do Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, v. 26, 2000., p. 7). O mito, portanto, oferece sempre novas roupagens, repetindo-se e atualizando-se por meio das representações criadas da sua fundação. Segundo Barthes, o fundamento mítico se dá na perspectiva histórica, o mito é “uma fala escolhida pela história”, de modo que, nada de natural se encontra na linguagem mítica (BARTHES, 1999BARTHES, R. Mitologias. Buenos Aires: Siglo XXI, 1999., p. 132).

Para Rita Segato (2018)______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., ao argumentar como proposta analítica sobre as estruturas elementares da violência, o mito adâmico5 5 Para este artigo, não dedicamos atenção à concepção antropológica levistraussiana sobre a estrutura dos mitos, no entanto, consideramos a percepção de que os mitos são fragmentos de narrativas dispersas entre sociedades e, portanto, tomam formas distintas e assumem diferentes narrativas e significados dependentes das culturas (LÉVI-STRAUSS, 1978). é elemento fundador da economia simbólica patriarcal, a qual castiga, pune e subordina todo corpo que desacata sua autoridade. Trata-se da cobrança por reestabelecer a moral diante de uma infração e desobediência feminina, em que, na figura de Eva, a mulher é responsável pela perda do paraíso, sendo uma das principais consequências a retirada da mulher de qualquer exercício de poder. Em outras palavras, a mulher que não cumpre seu papel de gênero designado pela subjetivação gendrada e elaborada com base em dispositivos privilegiados é castigada e punida (ZANELLO, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018.). De acordo com Segato (2018)______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., essas narrativas míticas indicam que a cultura do Ocidente se estrutura com base na subordinação feminina à masculina, configurando-se em norma e discurso moral. Segundo a autora:

Não é nada mais do que o que acontece com Eva, que, até o episódio da maçã, era pessoa e companheira de jogos, amiga de Adão (embora o fato de ter sido engendrado da costela de Adão em parte já antecipa seu destino). O episódio da maçã culmina com seu castigo, sua conjugalização e sua herança moral negativa para toda a linhagem de mulheres na história. Ela a feminiza no sentido em que entendemos a feminização hoje: inventa um gênero reduzido, defeituoso, uma pessoa sendo de natureza ausente.

(SEGATO, 2018______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., p. 43.)

Em seu estudo sobre as formas de guerra e o corpo das mulheres, Segato (2014)SEGATO, R. L. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 341-371, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9HkTy5SLTp7jw/?lang=es>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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argumenta que a violência contra as mulheres não é mais apenas um efeito colateral das guerras, mas uma estratégia central para o cenário bélico contemporâneo, em que a agressão sexual é uma arma de guerra produtora de crueldade endereçada ao corpo feminino e feminizado que se torna território onde a estrutura da guerra se manifesta.

Para a autora, as guerras contemporâneas são caracterizadas pela informalidade e por um cenário bélico difuso, organizado por práticas estatais sem códigos ou convenções de guerra armada. Com isso, o corpo da mulher torna-se o documento no qual se assina a moral do violentador. Ao questionar por que o corpo da mulher, e por que por meio de formas violentas sexualizadas, Segato descreve que “é na violência executada que se afirma a destruição moral do inimigo, quando não pode ser encenada através da assinatura pública de um documento formal de entrega”, portanto, o corpo da mulher se torna “a moldura ou suporte sobre o qual se escreve a derrota moral do inimigo (SEGATO, 2014SEGATO, R. L. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 341-371, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9HkTy5SLTp7jw/?lang=es>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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, p. 345).

Com base na análise etnográfica pudemos observar casos de mulheres ameaçadas ou expostas na internet sem autorização, e um dos casos emblemáticos organiza esta reflexão. Uma adolescente de 17 anos recebe mensagens na rede social Instagram de um perfil cujo nome era identificado por Guilherme. Tais mensagens informavam à garota sobre possíveis fotos nuas, as quais Guilherme teria acesso sem o consentimento dela. Os dois não haviam tido contato anterior.

Aqui já aparece um elemento de análise que mostra como os ameaçadores (no campo chamados de explanadores) partem da ideia naturalizada de que têm o direito de subjugar o corpo feminino, tendo ou não contato anterior e/ou íntimo. Esse ponto mostra o caráter impessoal, afastando a ideia de que tais crimes são cometidos especialmente por meio de relações interpessoais de intimidade. Defendemos esse argumento em um outro trabalho publicado, afirmando que tal fenômeno não é pornografia de vingança (PAZ; DA SILVA, 2021PAZ, A. A.; DA SILVA, S. R. Isso não é pornografia de vingança: violência contra meninas e mulheres a partir da explanação de conteúdo íntimo na internet. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, v. 15, n. 3, 2021.).

Neste caso, a ameaça se desdobrou em frases como: “Você sabe bem que tem fotos que tirou que podem foder com a sua vida, então vai ser boa menina comigo, se não, vou ficar nervoso e pode ser que você não goste muito do que vai acontecer”. Na sequência, Guilherme enfatiza: “E pode ficar aqui falando comigo, você vai ter que me deixar feliz, quem manda em você agora? Quem é minha putinha?” Durante o diálogo, foram citadas cinco vezes a palavra obedecer, nas falas: “Se não obedecer vou acabar com a sua vida”, “Vou te dar a última chance, vai obedecer ou não?”, e “Você só tinha que obedecer, mas prefere ver o que acontece”. Ao ter as solicitações negadas, encerra afirmando: “Vou começar com 500 mil contatos da sua região e depois 400 mil do Brasil todo, essas coisas espalham rápido”.

Esse caso reflete o fundo mítico mobilizado pelo pensamento de que as mulheres não são donas do próprio corpo, de que elas, necessariamente, precisam ser resignadas ao mandato de masculinidade de obediência. Além de o mandato de masculinidade exigir obediência do corpo feminino, a estrutura mítica requer também essa espetacularização, um tipo de homenagem que prova e verifica o poder da masculinidade, em que, o “status masculino depende da capacidade de exibir esse poder, onde a masculinidade e poder são sinônimos” (SEGATO, 2018______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., p. 44). A autora descreve seis tipos de poder que o mandato de masculinidade exerce: sexual, militar, político, econômico, intelectual e moral, todos inter-relacionados, que se projetam e se alimentam da retirada de poder, medo, serviço e obediência feminina, em que os dois eixos de violência são estabelecidos — vertical e horizontal. O vertical age pela espetacularização do poder e da capacidade cruel da masculinidade. O horizontal é afirmado por meio da confraria entre os homens, na casa dos homens (WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista de Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2001000200008>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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; ZANELLO, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018.), sobre a necessidade de encontrar reconhecimento do poder e da dominação exercidos sobre as minorias.

Valeska Zanello (2020)______. Masculinidades, cumplicidade e misoginia na “casa dos homens”: um estudo sobre os grupos de WhatsApp masculinos no Brasil. In: FERREIRA, L. (org.) Gênero em perspectiva. Curitiba: CRV, 2020. p. 79-102., em pesquisa sobre lógicas da masculinidade nos conteúdos compartilhados em grupos de WhatsApp, aponta o conceito de casa dos homens, de Daniel Welzer-Lang (2001, p. 462), refletindo sobre o imperativo da cumplicidade masculina como elemento sustentador da misoginia e da expressão sintomática da cultura brasileira. A autora percebe a centralidade de observar grupos formados na internet que agem com suas “tecnologias de gênero” (LAURETIS, 1994LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, H. B. (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 206-242, p. 206) por meio de produtos culturais que afirmam e reafirmam valores performativos generificados. Essas tecnologias funcionam como organizadoras de sistemas sociais e de interação digital que permitem a perpetração de violências contra mulheres.

O treinamento para ser o que se espera do homem de verdade aliado ao mandato de masculinidade hegemônica (SEGATO, 2018______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018.), fabrica, constrói e exibe pedagogias afetivas, mecanismos gendrados sobre os processos de subjetivação dos sujeitos por meio dos dispositivos privilegiados de ação (ZANELLO, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018.). Ao tratar sobre o dispositivo materno, a autora recorda a criação histórica da maternidade a partir dos séculos XIX e XX, em que as mulheres passaram a ser responsáveis pela família e pela procriação. Um ideal de maternidade percebido como instinto natural, assexuado e submisso, caracterizado pela imagem e semelhança à Virgem Maria, passou a ser a visão hegemônica das mulheres brancas, por meio de um processo de colonização dos afetos femininos, momento em que a figura de Eva se atualiza na figura de Maria. Nas palavras de Zanello: “Ser santa-mãezinha tornou-se, portanto, a carteirinha social para as mulheres sobreviverem nesta sociedade patriarcal” (2018, p. 130), processo de subjetivação baseado na dominação masculina e na submissão feminina.

Além disso, o discurso médico teve papel central ao incorporar e tornar científica a lógica moral da Igreja sobre o corpo da mulher, embora funcionasse de forma desigual, considerando as interseccionalidades de raça e classe. Foi constituindo-se um saber sobre o corpo da mulher alinhado aos interesses patriarcais/coloniais da Igreja em moralizar e do Estado em procriar, as duas (e outras) instituições em retroalimentação. Assim, o discurso e a prática dessas instituições formaram uma teia na qual as mulheres não poderiam ser outra coisa se não mães, donas de casa, esposas abnegadas, cuja realização pessoal é voltada para o espaço privado como lugar próprio da natureza feminina. O sacrifício altruísta foi aspecto importante para a construção da mãe-modelo ideal, “aos poucos, a representação da mulher Eva cedeu àquela da Santa Maria” (ZANELLO, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018., p. 185).

Nessa direção, Fausi dos Santos (2019)SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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problematiza a construção do corpo na história, observando práticas de adolescentes no período escolar e as ressignificações discursivas sobre sexualidade na contemporaneidade por meio das mídias digitais. Esta pesquisa mostra como os tabus e silenciamentos relacionados ao corpo são atravessados na história por diferentes práticas discursivas.

A concepção de mulher santificada é organizada por diferentes meios discursivos pela moral religiosa-cristã, que, por sua vez, exerceu papel determinante ao projetar simbolicamente no imaginário social a imagem da mulher-mãe- virgem, na qual podemos adicionar branca, cisgênera e heterossexual. O corpo e a sexualidade em distintos contextos temporais são suportes eficazes em diferentes civilizações para transmitir crenças e normas. Nesse sentido, o corpo é a matriz para os regimes de verdade, que o marcam por meio das relações sociais de acordo com valores de cada época (SANTOS, 2019SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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).

A percepção sobre as mulheres, alinhada ao pensamento mítico, concebeu o desejo sexual como exercício de poder sobre os homens e criou métodos para transformar a sexualidade feminina em ato vergonhoso. Para Federici (2017, p. 80)FEDERICI, S. O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017., “fazer da sexualidade um objeto de vergonha — esses foram os meios pelos quais uma casta patriarcal tentou quebrar o poder das mulheres e de sua atração erótica”. Com a produção de manuais para controle da conduta sexual, a Igreja fez da sexualidade uma questão de Estado, instituindo uma legislação repressiva, em que a sexualidade se tornou completamente politizada pelas polícias do sexo (RUBIN, 2017RUBIN, G. Políticas do sexo. São Paulo: Ubu, 2017.).

Federici (2017)FEDERICI, S. O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017. também recorda como as escrituras realizadas pela Igreja legitimaram uma imagem da mulher como perigosa socialmente ao usar impulsos sexuais que provocam desejos, momento histórico em que a prostituição, até então aceita como uma atividade legal, foi sistemática e radicalmente criminalizada. Para Santos (2019)SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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, os manuais cristãos circulavam com o objetivo de controlar a cultura erótica e descreviam práticas sexuais como obras demoníacas. Além disso, a circulação da Bíblia depois da invenção da prensa de Gutenberg, no século XV, tornou-se uma leitura de alfabetização doutrinária-cristã da população.

Nesse sentido, o mandato de masculinidade hegemônica dita a ordem moral a ser exercida pelas mulheres com base na economia simbólica do moralizador, que julga e sentencia aquelas (e aqueles cujas masculinidades se desdobram nas interseccionalidades) como merecedoras de serem violentadas pela desobediência cometida ou pelo desvio moral. A violência exercida contra corpos específicos se constitui como uma forma de enunciação, um comunicado sobre a irmandade patriarcal organizado pela narrativa mítica.

“Se vende pack6 6 Pack, na tradução do inglês para o português significa pacote. Na linguagem digital, pacote de imagens. é puta sim”: o corpo que retroalimenta o prestígio do poder patriarcal

“Me desculpem por tudo, só quero morrer no momento”, comentário de Any7 7 Nome fictício com objetivo de manter a segurança dos dados etnográficos de informantes da pesquisa. em seu perfil no Facebook, uma jovem mulher de 20 anos, que no período da pandemia começou a comercializar pacotes de imagens contendo fotos íntimas. As fotos eram enviadas para compradores particulares com a promessa de não compartilhamento público, no entanto, logo foram amplamente expostas. O que analisamos neste caso foram os comentários feitos na rede social: “ué se vende pack é puta sim”; e “sobre a Any, eu nem to me importando por terem exposto os nudes dela, a mina vende pack e quer o que?”.

A afirmação de que Any merece ser exposta publicamente remonta ao arcaísmo fundador sobre os processos de domínio e controle da sexualidade da mulher, revelando o corpo pecador que precisa ser castigado. A culpa e a produção da moralidade sexual, baseada em níveis hierárquicos de valoração, endereçam ordens míticas na construção histórico-cultural que regula e pune a sexualidade das mulheres de formas diversas ao longo da história, adaptando-se a novos formatos.

Sob essa óptica, a experiência misógina nos ambientes digitais é resquício e memória incorporada de um velho poder ritualizado e reatualizado, que se adapta a contextos e artefatos contemporâneos para fazer a manutenção das suas ordens e de seus comunicados. Nessa direção, Segato argumenta que a função expressiva do mandato de masculinidade não busca apenas a apropriação do território, mas também a destruição moral da vítima e inscreve, na espetacularização da crueldade com o corpo, a mensagem de soberania e poder, em que a exibição da crueldade se torna a única garantia de controle territorial (SEGATO, 2014SEGATO, R. L. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 341-371, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9HkTy5SLTp7jw/?lang=es>. Acesso em: 28 nov. 2022.
https://www.scielo.br/j/se/a/XSfjZV5K7f9...
, p. 357).

Rubin explica que, na base da pirâmide de valoração sexual, “as castas sexuais mais desprezadas correntemente incluem transexuais, travestis, fetichistas, sadomasoquistas, trabalhadoras do sexo, como as prostitutas e modelos pornográficos, e abaixo de todos, aqueles cujo erotismo transgride as fronteiras geracionais” (RUBIN, 1984RUBIN, G. Políticas do sexo. São Paulo: Ubu, 2017., p. 16). De acordo com a moralidade da hierarquia sexual, a formação ideológica essencializada conduz o pensamento de que a sexualidade, se não estiver relacionada à reprodução e ao casamento, é considerada, em níveis classificatórios, perigosa, doentia, depravada e ligada ao pecado, e a grande mídia é também responsável pela manutenção dessa ideologia.

Nesse sentido, alguns comportamentos sexuais ocupam categorias de criminalidade e má reputação, produzidas pelo estigma punitivo e culpabilizante, como bem mostra a publicação na rede social de Any, apontando como a culpa é um elemento moralizador tensionado pela venda das suas imagens, pela exposição da sua sexualidade e pela produção e pelo controle social do estigma.

A afirmação “se vende pack é puta” revela que a moralidade se organiza por meio de um sistema de valores, não apenas pela exposição do corpo, mas por ela ser remunerada ao expor o corpo e a sexualidade. Na escala do sexo bom, quanto mais na base, mais sanções e punições o corpo está sujeito.

Thereza Nardelli (2018) aponta em sua pesquisa como os conteúdos íntimos com apelos sexuais estão na esfera do privado convencionados pelas noções de recato e desacato. Desta forma, o status da nudez e como ela é veiculada influenciam nas consequências produzidas. Nas palavras da autora: “A disponibilidade pública dos nudes na internet está muitas vezes em páginas de conteúdo pornográfico e/ ou de vazamentos, de tal forma que mesmo quando publicizado, o nude remete a algo do privado” (NARDELLI, 2018, p. 41).

Os dados etnográficos também mostraram lugares especificamente criados na internet para a exposição não consensual de conteúdos de mulheres, como o ThotHub, grupos que compartilham conteúdos e links que levam a grupos fechados. O ThotHub se descreve como “um site que possui uma coleção de vídeos e conteúdo que foram revelados na internet” (THE PORN DUDE, c. 2013-2021THE PORN DUDE. ThotHub. [S. l.: s. n., c. 2013-2021]. Disponível em: <https://theporndude.com/pt/3040/thothub>. Acesso em: ago. 2021.
https://theporndude.com/pt/3040/thothub...
). A descrição no site diz que t.h.o.t. é um acrônimo que significa that hoe over there — aquela puta ali. No ThotHub, é possível enviar conteúdo vazado (ou seja, conteúdo sem consentimento), por isso, esses espaços digitais se tornam lugares que reúnem grupos de indivíduos aptos a invadir contas e a privacidade para ameaçar vítimas e, como consequência última, expô-las sem autorização nestes e em outros sites.

Analisar essas exposições não consensuais nos faz olhar para o mandato de masculinidade como sistema mafioso e de gangue, como orienta Segato (2018)______. Contra-pedagogías de la crueldad. [S.l.]: Editorial Prometeo, 2018., sistema que forma e informa sobre o poder de agir sem restrições sobre os corpos femininos como se fossem coisa e propriedade que pertencem menos a ela e, sobretudo, é de domínio público masculino. Frases do campo, como: “Ninguém vai te ajudar, melhor fazer o que eu tô mandando” e “Você é uma vagabunda, não vão acreditar em você”8 8 Print de uma conversa no Instagram, na qual uma mulher branca e heterossexual é ameaçada de ter seus conteúdos expostos sem consentimento. mostram novamente o imperativo da obediência, remetendo a sexualidade da mulher à culpabilização, e, portanto, não é merecedora de nenhum tipo de ajuda, ao contrário, é responsável pelo pecado original e pelo fim do paraíso.

O corpo da mulher, alvo histórico de ataque desse sistema, sobrevive sob custódia vigilante que se renova nas suas operações, tecnologias e mediações. Nesta pesquisa, a ausência, principalmente, mas não apenas, de mulheres negras é fator de reflexão para pensar o racismo estrutural e o padrão hegemônico relativo à beleza, o que nos permitiu observar que os corpos revelam prestígio patriarcal. Any, por exemplo, é jovem, branca, magra e se declara heterossexual. Esse fator mostra que o mandato de masculinidade opera de forma classificatória com as mulheres, colocando-as em prateleiras valorativas onde todas, no entanto, sofrem as consequências (ZANELLO, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Editora Appris, 2018.).

Angela Davis (2016)DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. retoma como a experiência histórica das mulheres negras escravizadas gerenciou a ideia sobre o exercício das funções meramente restritivas ao trabalho integral dedicado aos escravagistas, distanciando-se do papel que as mulheres brancas ocupavam na sociedade como mães, sensíveis e passíveis de constituir família. Quanto mais as mulheres negras eram usadas para ampliar a mão de obra que garantia a força de trabalho escrava, mais eram exploradas pela sua capacidade reprodutiva, enquanto seus filhos eram vendidos como animais. Os arranjos econômicos da escravidão faziam que as mulheres negras não fossem vistas como mulheres, afastando-se da ideologia da feminilidade branca. Nesse contexto, embora elas apresentassem comportamentos que resistiam à subjugação, o estupro funcionava como uma estratégia de dominação e repressão, desmobilizando movimentos de resistência.

A noção de que mulheres negras não se encaixam na representação de mulheridade branca mobiliza no imaginário social práticas que estruturam as instituições e a psique humana. Mulheres negras, mulheres transsexuais e aquelas cujo padrão se distancia da heteronormatividade branca ocidental são desumanizadas e deslegitimadas, sendo negado ou dificultado a elas o direito da constituição da família e de serem levadas a público. Nesse sentido, são elaborados níveis e escalas diversos de condições sociais, culturais, econômicas e raciais, que criam maneiras plurais de dominar e explorar, considerando que as mulheres não compartilham das mesmas opressões.

Hooks (2019)HOOKS, B. O olhar opositor: mulheres negras espectadoras. In: HOOKS, B.: Olhares negros – raça e representação. São Paulo: Editora Elefante, 2019. p. 214-240. aponta o olhar como um ato político, observa narrativas cinematográficas que silenciam os corpos negros, abrindo brecha para que as mulheres produzissem um olhar opositor e agenciador de críticas sobre o modelo de representação hegemônica da mulher branca. Com isso, o olhar é conduzido pela negritude por atos de resistência que operam politizando e reivindicando o sistema de conhecimento que reproduz a supremacia da branquitude pelos meios de comunicação de massa. A noção de olhar opositor nos pôs a questionar e nomear a branquitude. Quando observada a cor das meninas que eram expostas, a frase de um interlocutor deixou clara a ausência: “ótima pergunta. 90% dos casos são de meninas brancas. E quando eu digo brancas, são bem brancas mesmo”. Em alguns links de sites criados para expor mulheres, o interlocutor nos informa: “vou te mostrar um local que você pode ter como base a nível nacional”, apontando algumas redes e sites, “tem também o Nudschannel que fica no Telegram”. Em seguida, ele acrescenta: “aí dá pra você ter uma ideia do que eles gostam de compartilhar, é muito difícil encontrar mulheres negras” (em entrevista via WhatsApp, junho de 2020).

Nessa direção, a análise mostra como o mandato de masculinidade opera por meio das lógicas da branquitude, que orientam quais corpos são passíveis de serem levados a público, incluindo as praças públicas na internet. As intersecções, especialmente de raça, mas não apenas, perpassam o ato de divulgar conteúdos íntimos de mulheres, apontando para um padrão social de corpos e sexualidades que são autorizadas a tornarem-se públicas, alindados a fundamentos colonizadores da branquitude e seus modelos hegemônicos.

De certa forma, as mulheres negras, assim como as mulheres transsexuais, para esta pesquisa, são protegidas nesse cenário de exposição não consensual. No entanto, essa proteção oculta o verdadeiro fato, revelando quais os corpos devem manter-se ocultos, indignos e invisíveis, e quais corpos retroalimentam o prestígio do poder colonial patriarcal — heterocentrado, branco, magro, de forma que, nessa prateleira cultural, todas são hierarquizadas conforme as demandas capitalistas e patriarcais.

Processos comunicacionais patriarcais ritualizados e reatualizados na internet

Mariza Peirano (2003)PEIRANO, M. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. entende os rituais como ações sociais produzidas em palavras e atos dependentes da cultura, refutando a noção de que a ritualidade é irracional e carente de significados. Sob essa óptica, os rituais são fenômenos coletivos dispostos às transformações sociais que devem ser analisados sob perspectiva etnográfica para iluminar ideais, crenças contextuais e nativas, e são bons para transmitir valores e conhecimentos.

Nessa direção, entendemos os processos comunicacionais patriarcais observados até aqui, ou seja, as falas, as abordagens, o meio e as palavras escolhidas, como estratégias de reatualização ritualizada do mandato de masculinidade na internet com base nos seguintes aspectos rituais: 1) como fenômenos culturais de comunicação — mediados hoje pela internet; 2) constituídos de sequências padronizadas de palavras e atos, frequentemente expressos em múltiplos meios; 3) a formalidade, a estereotipia e a repetição; 4) e, produz valores sociais durante a performance (PEIRANO, 2003PEIRANO, M. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2003., p. 25).

A masculinidade hegemônica conduz rituais sociais que se reatualizam na contemporaneidade por meio de tecnologias digitais. Esse processo inclui os espaços públicos e privados na internet, fazendo a manutenção do mandato de masculinidade por atos e falas performativas que enunciam suas ordens com base em três etapas: a primeira, a premissa do corpo da mulher como propriedade; a segunda, o imperativo da obediência; a terceira, a oferta do corpo da mulher levada a público.

Essa percepção é analisada com base na narrativa da tradição cristã ocidental sobre o pecado original na figura de Eva, sinalizando como o mal e a impureza se expressam no mundo. Essa ideia que associa as mulheres à emoção e aos prazeres do corpo, à sedução e ao perigo, de modo contrário, associa o homem à razão, ao controle e à moral superior. De acordo com Santos (2019, p. 52)SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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“a mulher foi associada diretamente ao sexo no cristianismo primitivo. São muitos os relatos de mulheres consideradas bruxas simplesmente por serem bonitas ou possuírem atributos considerados eróticos”. Essa visão ajudou a consolidar a relação com o corpo feminino como propriedade masculina e objeto de controle, posta a vigilância constante.

Além disso, em reciprocidade com a Igreja, o Estado adota medidas diretamente ligadas a dispositivos jurídicos de classificação dos corpos Para isso, foi necessário o desenvolvimento de políticas públicas preocupadas com a questão da natalidade, de meios contraceptivos, casamento e reprodução da população. Nesse contexto, após a Revolução Industrial, a necessidade de mão de obra fez que instituições no campo da educação e da medicina legitimassem meios legais para o aumento da taxa de natalidade. Nesse momento, a Igreja consegue domínio maior sobre o corpo e a sexualidade ao tornar a confissão uma obrigatoriedade em que pessoas cristãs relatam sem ressalvas suas experiências consideradas desviantes, pecadoras e imorais (FEDERICI, 2017FEDERICI, S. O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.; SANTOS, 2019SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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).

Já no século XVIII, a sexualidade foi ganhando novos contornos discursivos com o objetivo de produzir sentidos e intenções particulares, consolidando rituais específicos sobre o corpo e a sexualidade feminina. Outras preocupações formulavam-se no pensamento coletivo relativas ao que falar, onde e como falar, processo que reconduziu a práticas para civilizar e dominar os instintos. Em outras palavras, “tudo por uma sexualidade saudável e fértil, não mais desregrada, mas refinada pela educação, ordenada e controlada pelo discurso clínico, no qual o educador, o médico e a lei civil, detêm a prerrogativa” (SANTOS, 2019SANTOS, F. Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital. 2019. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/190988>. Acesso em: ago. 2021.
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, p. 62).

A título de ilustração da conjuntura brasileira, citamos a passagem de Judith ButlerBUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. ao Brasil em 2017 como movimento informativo sobre os discursos que mediam percepções relativas às temáticas da sexualidade, em que as principais acusações contra a filósofa se concentraram em questões ligadas à reprodução, ao aborto e à destruição do gênero. Na ocasião, Butler foi atacada por grupos conservadores com uma boneca de sua imagem representada pela figura de uma bruxa, literalmente queimada em praça pública (GONÇALVES, 2017GONÇALVES, Juliana. “Queimem a bruxa!” Visita de Judith Butler provoca manifestações nas ruas de São Paulo. The Intercept Brasil, nov. 2017. Disponível em: <https://theintercept.com/2017/11/07/judith-butler-bruxa-manifestacoes-sao-paulo-ideologia-genero/>. Acesso em: out. 2021.
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). Dias e Machado (2022)DIAS, M. S. M.; MACHADO, A. “Queimem a bruxa”: Operações midiáticas na cruzada moral contra a “ideologia de gênero” no Brasil. In: E-Compós, v. 25, jun. 2022. Disponível em: <https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/2551>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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argumentam que tal acontecimento, designado por protestos e mobilizações #forabutler, compreende uma cruzada moral contra a ideologia de gênero no Brasil, em que a condenação pública da bruxa, a perseguição e todo o ritual da fogueira operam na atualização das arenas morais públicas centradas na experiência das mulheres.

Esse e outros casos situam o cenário brasileiro como um país estruturado pela cultura misógina9 9 Segundo estimativas (IPEA, 2014; ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2020), o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, onde um feminicídio acontece a cada duas horas, e uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Esse debate se complexifica quando inseridas categorias analíticas produtoras de desigualdades e marcadores sociais da diferença. , o que torna as análises relativas a mulheres, gênero e sexualidade de extrema relevância para entender o contexto em que vivemos e os fenômenos sociais contemporâneos. Assim, apontamos que o fenômeno relativo à exposição de conteúdos de mulheres na internet tem finalidade ideológica, na direção dos regimes de controle do corpo e da sexualidade das mulheres, revelando processos ritualizados que ocultam um velho poder atualizado e adaptado do mandato de masculinidade.

A análise atenta para processos comunicacionais em torno de estruturas míticas. Para isso, afirmamos que a exposição sem consentimento na contemporaneidade se traduz em pelo menos sete aspectos aqui identificados: 1) o corpo das mulheres não é delas; 2) a sexualidade delas é suja, perigosa e culpada; 3) quem tem o poder de dizer, mostrar, divulgar, tem poder sobre os corpos; 4) quem escolhe o que mostrar e esconder sobre a mulher não é a mulher; 5) se ela não aceita ser dominada, ela merece morrer em praça pública, literal ou simbolicamente; 6) o mandato de masculinidade opera pelas lógicas da branquitude como imperativo estético que produz prestígio social e determina quais corpos são considerados desejáveis; 7) o crime de compartilhamento não consensual na internet não é sobre motivação sexual, trata-se de enunciar o domínio do espaço público patriarcal.

A internet é palco para extensão da aplicabilidade de regulações sociais arbitrárias da experiência da mulher em sociedade, na qual a exposição do seu corpo sem a autorização, em última instância, torna-se a mais alta expressão de movimentos históricos patriarcais. Nesse sentido, múltiplos arranjos discursivos e regimes de verdade fazem a transmissão da memória dos mitos fundadores, em que os processos comunicacionais remontam a esquemas operatórios do saber e da ação. De acordo com Rodrigues (1991)RODRIGUES, A. D. Estratégias da comunicação: questão comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Presença, 1991., é como se alimenta e se institui a consciência de uma identidade cultural — marcas simbólicas que constroem memórias sustentadas em uma temporalidade mítica.

Uma dupla e ambígua cena social violenta para as mulheres se organiza por meio desse fenômeno — ao mesmo tempo que acontece a exposição sem consentimento do seu corpo, retiram-nas de circulação dos espaços públicos por causa do abalo moral e culpabilizante. Nesse sentido, argumentamos que a exposição não consensual age por meio dos dois eixos do mandato de masculinidade: exibe o seu poder pela espetacularização cruel com o corpo, por meio da tentativa de castigar e subordinar a posição na figura feminina ou feminizada; e, efetiva formas de dominação, por meio da cumplicidade masculina evocada nos espaços digitais criados para exibir tal poder aos olhos dos demais.

Desta forma, o crime de compartilhamento de conteúdo íntimo de mulheres está além das relações interpessoais e do domínio privado, mostrando também a ambivalência que representa a ação — expor mulheres sem consentimento é, ao mesmo tempo, uma forma de retirá-las de circulação, de impedir que frequentem lugares públicos sem a moral vexatória dos valores míticos sociais que recaem sobre elas. O ritual de caça às bruxas, evocado pelo pensamento mítico nos séculos passados, encontra suas formas de atualizações sobre o corpo das mulheres. Outrora, ateava-se fogo nas mulheres em praça pública para eliminá-las; na contemporaneidade, uma das formas de produzir tal eliminação é a exposição não consentida nas praças públicas da internet.

Conclusão

Nesta pesquisa, verificamos que compartilhar conteúdos de mulheres sem consentimento torna a exibição, a espetacularização e o dar a prova da masculinidade um ato de crueldade. Assim, a internet se torna mais um lugar onde o corpo das mulheres é exibido como troféu, que se distancia da motivação sexual para então comunicar poder e dominação, pertencimento, território e espaço público, disputas bem conhecidas e utilizadas como estratégias de guerra. Por meio de operações ideológicas, tal atitude informa uma sucessão de práticas expressivas, performativas e enunciativas ritualizadas do sistema patriarcal. Afirma ainda que o mito é um sistema de comunicação não natural que emite mensagens, sendo uma fala escolhida pela história para apresentar uma leitura social e contextual.

Os sistemas de valores de uma época produzem e são pontos de referência para os discursos e práticas, ou seja, os processos comunicacionais funcionam como estratégias de mediação e elaboração de sentidos sobre as ritualizações que atravessam a experiência social. Analisar explicações transcendentes em temas específicos, como a experiência das mulheres em casos de compartilhamento de conteúdo não consensual, nos mostra a capacidade que os mitos fundadores têm de atualizarem-se, adaptarem-se e seguirem ritualizados por meio de tecnologias digitais e de gênero.

Nesse sentido, as ordens patriarcais se intensificam, aceleram e se moldam de acordo com contextos sociais e culturais. No entanto, com olhar centrado em mecanismos de controle, observa-se que as violências se apresentam de formas diversas para diferentes corpos. Portanto, ao olhar para a história da mulher, vemos como os valores morais orientaram a construção de pensamentos hegemônicos sobre corpos e sexualidades que orbitam e inferem entre as interseccionalidades.

As narrativas do mandato de masculinidade hegemônica se reatualizam para ditar a ordem moral nos aspectos plurais da vida pública e privada das mulheres. Esse processo permite perceber como o corpo da mulher, dadas as suas intersecções, é alvo histórico de exploração e resistência, sofre retaliações e punições engendradas no mundo digital e sustentadas por imaginários coletivos transcendentes, que apontam para as guerras contra as mulheres e para o desafio em imaginar e criar outras narrativas sobre os corpos femininos ou feminizados.

Por fim, as narrativas míticas incidem nas violências patriarcais sofridas pelas mulheres de formas múltiplas em diferentes situações contextuais. Sob essa óptica, o fundo mítico encontrado em processos comunicacionais analisados nesta pesquisa, relatados por meio de falas e práticas sobre o papel moral da mulher e o seu cumprimento com as normas de gênero, desdobra-se historicamente em cenários bélicos contra os corpos, uns mais intensos que outros, dependentes de períodos históricos. Na contemporaneidade, entre as guerras contra as mulheres está a espetacularização cruel de seus corpos digitalizados em artefatos tecnológicos. Ou seja, a produção histórica sobre as mulheres como narrativa do Outro, o Outro do Outro, santificada, assexuada, puta e/ou bruxa, tem produzido guerras contra elas em todos os tempos.

  • Obtenção de financiamento: Pesquisa financiada por bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 1
    Este texto foi originalmente apresentado no IV Seminário "(des)fazendo saberes na fronteira: ciência, democracia e resistência" e foi publicado nos anais.
  • 2
    Bell Hooks foi específica ao argumentar sobre o olhar opositor para mulheres negras, que aqui refere-se a uma estratégia de ver além do olhar hegemônico.
  • 3
    Esses conceitos organizam-se por desdobramentos não fixos. Priorizamos o uso dos termos meninas e mulheres, referindo-se a meninas por indivíduos reconhecidos pelo feminino até 14 anos e mulheres acima de 20 anos, considerando que a lei brasileira, de acordo com o Marco Legal (2007)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília, DF: O Ministério, 2007. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf>. Acesso em: ago. 2022.
    https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
    , entende por adolescente a faixa etária de 10 a 19 anos, e juventude dos 15 aos 24 anos.
  • 4
    O efeito chamado no campo etnográfico de morte social refere-se a situações em que o conteúdo compartilhado sem consentimento reverbera negativamente em todos os aspectos na vida da vítima, provocando isolamento, medo, ansiedade, depressão, e, em última instância, pode levar ao suicídio.
  • 5
    Para este artigo, não dedicamos atenção à concepção antropológica levistraussiana sobre a estrutura dos mitos, no entanto, consideramos a percepção de que os mitos são fragmentos de narrativas dispersas entre sociedades e, portanto, tomam formas distintas e assumem diferentes narrativas e significados dependentes das culturas (LÉVI-STRAUSS, 1978LÉVI-STRAUSS, C. Mito e significado. University of Toronto Press. Tradução de António Marques Bessa. Lisboa: Edições 70, 1978.).
  • 6
    Pack, na tradução do inglês para o português significa pacote. Na linguagem digital, pacote de imagens.
  • 7
    Nome fictício com objetivo de manter a segurança dos dados etnográficos de informantes da pesquisa.
  • 8
    Print de uma conversa no Instagram, na qual uma mulher branca e heterossexual é ameaçada de ter seus conteúdos expostos sem consentimento.
  • 9
    Segundo estimativas (IPEA, 2014; ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2020IPEA/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: IPEA/Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020.), o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, onde um feminicídio acontece a cada duas horas, e uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Esse debate se complexifica quando inseridas categorias analíticas produtoras de desigualdades e marcadores sociais da diferença.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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