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Jornalismo declaratório no Twitter: como os usuários reagem à reprodução de declarações de Bolsonaro com desinformação?1 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no GT Estudos de Jornalismo do 31º Encontro Anual da Compós (2022) e está disponível nos anais da edição.

Journalism of assertion on Twitter: How do users react to the reproduction of Bolsonaro’s statements with disinformation?

Resumo

O artigo pretende analisar a reação dos usuários do Twitter perante títulos declaratórios com desinformação proferida pelo presidente Jair Bolsonaro, postados por veículos da grande mídia em seus perfis no site da rede social. Procuramos identificar: 1) como os usuários reagem às mensagens e às fontes e 2) como os usuários reagem ao formato declaratório. Para isso, utilizamos técnicas da Análise dos Sentimentos (SILVA, 2016) e da Análise de Conteúdo (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021), aplicadas sobre interações textuais em publicações dos jornais Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo no Twitter contendo declarações com desinformação. Como resultado temos: 1) a interação dos usuários com a publicação é majoritariamente negativa, tanto em relação a Bolsonaro quanto ao conteúdo da declaração; 2) é constante a crítica dos leitores ao formato utilizado, que evidencia as declarações com desinformação; e 3) o tensionamento, por parte do jornalista, do que é dito pela fonte amplia a percepção de credibilidade em relação ao veículo.

Palavras-chave
jornalismo declaratório; desinformação; Twitter

Abstract

The paper intends to analyze the reaction of Twitter users to declaratory titles with disinformation given by President Jair Bolsonaro, posted by major media outlets in their profiles on the social networking site. We tried to identify 1) how users react to messages and fonts and 2) how users react to the declarative format. For this purpose, we used Sentiment Analysis (SILVA, 2016) and Content Analysis (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021) techniques, applied on textual interactions to publications from the newspapers Folha de S.Paulo, O Globo and O Estado de S. Paulo on Twitter containing statements with disinformation. As a result, we found that: 1) users’ interaction with the publication is mostly negative, both in relation to Bolsonaro and to the content of the statement; 2) readers are constantly criticizing the format that evidences statements with disinformation; 3) the tension, on the part of the journalist, of what is said by the source expands the perception of credibility about the vehicle.

Keywords
journalism of assertion; desinformation; Twitter

Introdução

Em um contexto social complexo, no qual as mídias digitais ganham espaço relevante no debate público e a desinformação é usada como arma política e ideológica, é natural que o jornalismo esteja sob a atenção da sociedade. Mesmo passando pelo que se pode considerar uma crise institucional, o jornalismo segue investido de sua função social, compromissado com o repasse de informações sobre o tempo presente (CHRISTOFOLETTI, 2019CHRISTOFOLETTI, R. A crise do jornalismo tem solução? Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2019.). Uma das práticas jornalísticas constantemente questionadas é o que se convencionou chamar de jornalismo declaratório, um modelo que daria visibilidade excessiva a declarações de fontes, podendo reproduzir desinformação, preconceito e discursos interessados. Declaratório seria, para Kovach e Rosentiel (2010)KOVACH, B.; ROSENTIEL, T. Blur: how to know what’s true in the age of information overload. New York: Ed. Bloomsberg, 2010., o jornalismo que deixa as pessoas falarem, “sem qualquer esforço para checar os fatos ou desafiar asserções ou perguntar por evidências [...]” (KOVACH; ROSENTIEL, 2010KOVACH, B.; ROSENTIEL, T. Blur: how to know what’s true in the age of information overload. New York: Ed. Bloomsberg, 2010., p. 133, tradução nossa). Nesse sentido, os produtos jornalísticos estariam amplificando as vozes que desinformam, e não exercendo o papel de fazer circular informações precisas e confiáveis.

Levando isso em consideração, tomamos este artigo como um espaço para observar a reação das pessoas ao jornalismo declaratório, procurando entender se a exposição de desinformação proferida por fontes produz um impacto visível no debate público. Nossa hipótese é que tal prática pode afetar a maneira como os consumidores daquele produto se posicionam em relação aos temas em questão. Essa ideia é compartilhada por pesquisadores e também prevalece no próprio meio profissional. Considerando o contexto da pandemia de Covid-19, Tânia Giusti afirma no site objETHOS: “Não é o momento para emissoras e sites reproduzirem jornalismo declaratório, dando espaço e voz a fatos que mais desinformam que qualquer outra coisa”2 2 Disponível em: <https://objethos.wordpress.com/2020/05/04/o-apogeu-e-os-desafios-do-jornalismo-em-meio-a-pandemia/>. Acesso em: 2 fev. 2023. . A diretora executiva e cofundadora do site de checagem Aos Fatos, Tai Nalon, falou sobre como o formato do jornalismo declaratório vinha sendo utilizado por sites interessados para propagar desinformação. “Se o jornalismo profissional não quiser ser confundido com essas câmaras de eco a serviço da polarização, deveria rever a sério o que ainda prefere reproduzir acriticamente”3 3 Disponível em: <https://www.aosfatos.org/noticias/sites-duvidosos-usam-recursos-do-jornalismo-declaratorio-para-simular-profissionalismo/>. Acesso em: 2 fev. 2023. , afirmou.

O contexto político-social recente amplia a relevância dessa preocupação. Durante a pandemia de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde chegou a demonstrar sua preocupação com o que chamou de infodemia4 4 Disponível em: <https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52052/Factsheet-infodemic_eng.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2023. . No Brasil, esse quadro se agrava pelo fato de o país ter atravessado a pandemia sob uma gestão federal que optou por negar a ciência em todos os aspectos: minimizando a gravidade da doença, desestimulando a necessidade de isolamento social, estimulando o consumo de medicamentos sem eficácia científica comprovada e suscitando dúvidas quanto à segurança e à eficiência das vacinas. Todas essas pautas tiveram o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, como porta-voz, com manifestações públicas regulares.

Pretendemos, dessa forma, analisar a reação dos usuários às notícias que trouxeram declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a Covid-19, mais especificamente sobre a vacinação. Para isso focamos dois pontos: 1) a interação com a declaração em si e com a fonte que a proferiu, o que nos permitirá identificar se as interações dialogam de forma positiva ou negativa com o que foi dito e com quem o disse; 2) a interação do usuário com o veículo de mídia sobre o formato declaratório, o que nos permitirá perceber se há um reconhecimento dessa prática pelos leitores, se isso de alguma forma altera a dinâmica da recepção e se interfere na credibilidade que o usuário deposita no veículo.

O meio escolhido para acessar essa reação foram as plataformas de redes sociais, no caso o Twitter, que nos permite verificar as respostas dadas de forma espontânea ao conteúdo jornalístico. Essa plataforma ainda se destaca por contar com uma presença relevante da política institucional, o que “[...] atrai, naturalmente, cidadãos, grupos, organizações e instituições interessadas no debate político e em ações que visem monitorar e influenciar o centro da decisão política” (AGGIO, 2016AGGIO, C. Campanhas online e twitter: a interação entre campanhas e eleitores nas eleições presidenciais brasileiras de 2010. Rev Famecos (Online). Porto Alegre, v. 23, n. 1, jan., fev., mar. e abr. 2016. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/22088>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p. 3). A presença desse produto nesse espaço adiciona nuances ao fenômeno. Manter um perfil nas redes sociais é essencial para aproximar-se do público e fazer circular o conteúdo jornalístico. As plataformas, no entanto, impõem formatos próprios às publicações e contam com uma lógica específica de entrega de conteúdo, obrigando os produtos jornalísticos a se adaptarem para garantir visibilidade relevante naquele espaço (WAGNER, 2017WAGNER, K. Three Major Ways Social Media is Changing Journalism. Illuminate, Santa Clara University, 2017. Disponível em: <https://www.scu.edu/illuminate/thought-leaders/kurt-wagner-12/three-major-ways-social-media-is-changing-journalism.html>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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).

Consideramos os perfis no Twitter de três veículos de jornalismo tradicional com base no modelo americano de objetividade, que foi incorporado pelas grandes empresas de mídia brasileira em nome de uma pretensa modernização (ALBUQUERQUE, 2010ALBUQUERQUE, Afonso. A modernização autoritária do jornalismo brasileiro. Revista Alceu, v. 10, n. 20, p. 100-115, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/media/Alceu20_Albuquerque.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2023.
http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.b...
). Esses perfis de jornalismo apresentam predileção por fontes oficiais entre suas principais vozes (GOMES, 2009GOMES, W. Audioesfera política e visibilidade pública: os atores políticos no Jornal Nacional. In: GOMES, Itânia. Televisão e realidade [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 298. Disponível em: <https://books.scielo.org/id/b3jpx/pdf/gomes-9788523208806-11.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://books.scielo.org/id/b3jpx/pdf/go...
; MIGUEL; BIROLI, 2010MIGUEL, L.F.; BIROLI, F. Visibilidade na mídia e campo político no Brasil. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, p. 695-735, 2010. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/dados/a/8Fm8RrX5nMxQw9xTKBq3t7G/?lang=pt>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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). Os jornais escolhidos são Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo5 5 Os perfis jornalísticos contavam, em 22 de fevereiro de 2022, com o seguinte número de seguidores: @folha (8.1 M), @Estadao (7.2 M) e @JornalOGlobo (6.9 M). . Dessa forma, analisamos todas as interações textuais visíveis (respostas e retuítes com comentários) direcionadas às postagens desses três veículos no Twitter, onde foi possível identificar desinformação em declarações dadas pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a vacina contra a Covid-19. Como métodos, utilizamos a Análise de Sentimentos (SILVA, 2016SILVA, N. Análise de sentimentos em textos curtos provenientes de redes sociais. São Carlos: USP, 2016.) e a Análise de Conteúdo (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021.).

O jornalismo se apropria do Twitter

O Twitter, assim como outras redes sociais, foi incorporado por produtos jornalísticos como mais uma forma de divulgação e circulação de seus conteúdos. Pesquisas indicam que as mídias sociais se tornaram uma das principais fontes de informação dos cidadãos, como é o caso do relatório da Pew Research Center (2019), que diz que 74% dos usuários do Twitter acessam a plataforma em busca de notícias (BARBOSA; CARVALHO, 2021BARBOSA, B.; CARVALHO, C. Jornalismo por tuíte e retuíte durante a pandemia: divulgação e engajamento com notícias no Twitter. BJr, v. 17, n. 3, dez. 2021. Disponível em: <https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/1364>. Acesso em: 2 fev. 2023.
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), o que também foi percebido pelos desenvolvedores da rede social. Esse cenário, além de novas dinâmicas incorporadas pelas plataformas para lidar com o conteúdo jornalístico, acaba gerando uma série de pressões sobre os veículos noticiosos.

Considerando que o Google, o Facebook e o Twitter, juntos, foram responsáveis por mais de 85% do tráfego dos principais sites de notícias online dos EUA em 2019, e que essas plataformas estão investindo pesado em tecnologias para produzir e hospedar notícias, verificam-se a enorme dependência e a pouca margem de negociação da mídia com relação a esses atores. [...] Essas novas estruturações do ecossistema de produção e consumo da informação online revelam uma forte dependência da mídia com relação às plataformas, tanto em termos de audiência e de diluição da autoridade, quanto de autonomia editorial e técnica

(SEBBAH, SIRE, SMYRNAIOS, 2020SEBBAH, B.; SIRE, G.; SMYRNAIOS, N. Jornalismo e plataformas: da simbiose à dependência. Sobre jornalismo [En ligne, online], v. 9, n. 1, 15 jun. 2020. Disponível em: <https://revue.surlejournalisme.com/slj/article/view/415>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://revue.surlejournalisme.com/slj/a...
, p. 20).

Para conseguir se destacar em tais plataformas, os veículos jornalísticos precisam se adaptar à lógica de cada uma, guiada por algoritmos próprios que definem automaticamente o que será mostrado ao usuário. Wagner (2017)WAGNER, K. Three Major Ways Social Media is Changing Journalism. Illuminate, Santa Clara University, 2017. Disponível em: <https://www.scu.edu/illuminate/thought-leaders/kurt-wagner-12/three-major-ways-social-media-is-changing-journalism.html>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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aponta que os jornais que publicam nessas redes precisam adotar estratégias que ajudem a impulsionar conteúdos para ganhar mais cliques e leitores. Dessa forma, os algoritmos acabam tendo um impacto no tipo de conteúdo criado para as redes, nos formatos que as notícias são entregues e onde elas podem ser encontradas.

Desde 2008, pelo menos, discute-se a utilização do Twitter como ferramenta jornalística diante do acesso a elementos da terceira fase do web jornalismo. É o caso da hipertextualidade, tanto básica, por meio de links externos, quanto avançada, por conteúdo próprio, e da velocidade para divulgar e circular conteúdos, características marcantes dos microblogs (ZAGO, 2008ZAGO, G. 2008. O Twitter como suporte para produção e difusão de conteúdos jornalísticos. Trabalho apresentado no 6º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 2008, São Bernardo do Campo.Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/277158678_O_Twitter_como_Suporte_para_Producao_e_Difusao_de_Conteudos_Jornalisticos.> Acesso em: 2 jan. 2023.
https://www.researchgate.net/publication...
), entre outros fatores. Uma possibilidade de uso jornalístico do Twitter é a cobertura minuto a minuto, hoje facilitada com outra apropriação: as threads, ou fios (em português), que permitem a postagem de uma série de tuítes em sequência.

No entanto, o conteúdo mais identificado é a pura reprodução de links que direcionam para os sites dos produtos jornalísticos, também facilitada pelas ferramentas de atualização automática criadas com a API6 6 API é a sigla, em inglês, para a expressão Interface de Programação de Aplicações, que é um conjunto de padrões para acessar um aplicativo de software ou plataforma web. No caso do Twitter, essa API é aberta, o que permite que desenvolvedores criem softwares integrados. do site. O diagnóstico dado por Zago em 2008 pode parecer desatualizado em 2022. No entanto, esse tipo de uso, que subaproveita as potencialidades da plataforma, é facilmente identificado como padrão no corpus de nossa pesquisa, incluindo os três jornais estudados. Nosso objeto de estudo ainda demonstrou uma completa falta de interatividade com os usuários por parte do perfil dos veículos analisados.

Estudos apontam que a plataforma tem potencial de alterar a maneira como o profissional jornalista lida com seu público. Barbosa e Carvalho (2021)BARBOSA, B.; CARVALHO, C. Jornalismo por tuíte e retuíte durante a pandemia: divulgação e engajamento com notícias no Twitter. BJr, v. 17, n. 3, dez. 2021. Disponível em: <https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/1364>. Acesso em: 2 fev. 2023.
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apontam que os repórteres podem criar conexões mais próximas com sua audiência presente na rede; aproveitar para antecipar notícias e emitir avisos em tempo real; e aproveitar funcionalidades da plataforma como hashtags e trending topics. Para Adornato (2022)ADORNATO, A. Mobile and social media journalism a practical guide for multimedia journalism. Routledge, Taylor & Francis Group, 2022., jornalistas que interagem com o seu público nas redes sociais são vistos como merecedores de maior credibilidade, assim como são mais bem avaliados do que os colegas que utilizam a rede apenas para distribuição de conteúdo.

Jornalismo declaratório e desinformação

O conceito de jornalismo declaratório ainda é vago e pouco aprofundado na literatura acadêmica. Os principais autores pensam o fenômeno tendo como foco a mediação realizada pelo jornalista. Seriam declaratórios, portanto, aqueles textos em que as aspas das fontes de informação aparecem sem uma interferência clara da voz do jornalista (KOVACH; ROSENSTIEL, 2010KOVACH, B.; ROSENTIEL, T. Blur: how to know what’s true in the age of information overload. New York: Ed. Bloomsberg, 2010.; VÁZQUEZ BERMÚDEZ, 2006VÁZQUEZ BERMÚDEZ, M. A. Los medios toman partido. Ámbitos, n. 15, p. 257-267, 2006. Disponível em: <https://revistascientificas.us.es/index.php/Ambitos/article/view/9626>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://revistascientificas.us.es/index....
). Outros autores acreditam serem declaratórias aquelas matérias que fazem circular especificamente as opiniões das fontes (MUNIVE, 2016MUNIVE, M. Periodismo de declaraciones: Cuando la prensa renuncia a ser el lugar de los hechos. Revista Conexion, v. 5, n. 6, p. 43-57, 2016. Disponível em: <https://revistas-pucp-edu-pe.translate.goog/index.php/conexion/article/view/16456?_x_tr_sl=es&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://revistas-pucp-edu-pe.translate.g...
; BEZUNARTEA, 1998BEZUNARTEA, O. Uso y abuso de ‘declaraciones’: el vicio de la prensa. ZER: Revista de Estudios de Comunicación, p. 225-245, 1998. Disponível em: <https://ojs.ehu.eus/index.php/Zer/article/view/17371>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://ojs.ehu.eus/index.php/Zer/articl...
).

Para nós, uma definição de jornalismo declaratório deveria considerar o caráter hierárquico do jornalismo. Isso se mostra ainda mais importante ao considerar o formato das publicações de perfis jornalísticos no Twitter, muitas vezes reduzidas apenas à manchete de uma notícia (RECUERO, SOARES; ZAGO, 2021RECUERO, R.; SOARES, F. O discurso desinformativo sobre a cura do Covid-19 no Twitter: Estudo de caso. Revista E-Compós, v. 24, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.30962/ec.2127>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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). O próprio Twitter lançou, em 2020, o recurso “Quer ler o artigo primeiro?”7 7 O Twitter analisou a efetividade do recurso que incentiva a leitura antes do compartilhamento. Disponível em: <https://canaltech.com.br/redes-sociais/recurso-do-twitter-aumenta-em-40-a-leitura-de-artigos-antes-do-retuite-172074/>. Acesso em: 2 fev. 2023. , que sugere a leitura do texto antes do compartilhamento para combater a desinformação. Nesse sentido, consideramos para esta pesquisa matérias com títulos declaratórios, que entendemos como aqueles baseados unicamente na declaração da fonte, podendo haver ou não uma mediação clara do jornalista.

É justamente por tratar muitas vezes com fontes interessadas que a produção jornalística não pode se limitar a transcrever o que dizem as vozes oficiais, já que essas vozes também estão dispostas a disseminar desinformação. “[...] as pessoas têm motivações para difundir ou não difundir determinadas informações, razões essas que são diretamente relacionadas com sua percepção de capital social gerado” (RECUERO, 2009RECUERO, R. Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo: Elementos para discussão. In: SOSTER, Demétrio de Azeredo; FIRMINO, Fernando. (Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009. Disponível em: <http://www.raquelrecuero.com/artigos/artigoredesjornalismorecuero.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2023.
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, p. 12).

O conceito de desinformação vem sendo trabalhado por uma série de autores na última década (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. Information disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe report, v. 27, 2017. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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; WEEDON, NULAND; STAMOS, 2017WEEDON, J.; NULAND, W.; STAMOS, A. Information operations and Facebook. Facebook, 2017.; HUMPRECHT, 2018HUMPRECHT, E. Where fake news flourishes: a comparison across four Western democracies. 2018. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, p. 1-16, 2019. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1369118X.2018.1474241>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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). É constante o entendimento de que a desinformação se refere a conteúdo produzido deliberadamente para enganar e manipular quem o consome, justamente o que o diferenciaria do conceito de misinformation, quando não há intenção de gerar engano. As tentativas de conceituação, no entanto, divergem na descrição desse tipo de conteúdo, descrito como informação falsa (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. Information disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe report, v. 27, 2017. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://rm.coe.int/information-disorder-...
), imprecisa ou manipulada (WEEDON, NULAND; STAMOS, 2017WEEDON, J.; NULAND, W.; STAMOS, A. Information operations and Facebook. Facebook, 2017.) ou simplesmente afirmação sobre fatos (HUMPRECHT, 2018HUMPRECHT, E. Where fake news flourishes: a comparison across four Western democracies. 2018. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, p. 1-16, 2019. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1369118X.2018.1474241>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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).

Pela maneira generalizada como o fenômeno é descrito por esses autores, preferimos adotar neste trabalho a conceituação proposta por Machado et al. (2020)MACHADO et al. Ciência contaminada: analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube. Parte I da série Democracia Infectada. LAUT, INCTDD e CEPEDISA, 2020. Disponível em: <https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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, que entende a desinformação como “o estado gerado nos receptores de conteúdo ostensivamente informativo que é enganoso, podendo ser falso ou contrário a consensos científicos, distorcido ou descontextualizado, visando impactos na opinião pública e no comportamento social” (MACHADO et al., 2020MACHADO et al. Ciência contaminada: analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube. Parte I da série Democracia Infectada. LAUT, INCTDD e CEPEDISA, 2020. Disponível em: <https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://laut.org.br/ciencia-contaminada....
, p. 11). Entendemos que esse conceito abrange a amplitude do termo, sem deixar de orientar para quais tipos de conteúdo estariam abarcados, o que permite maior clareza, inclusive para seleção do corpus de pesquisa.

A circulação de desinformação no Twitter

Os sites de redes sociais são ambientes vastamente utilizados por grupos organizados para publicação e espalhamento de desinformação. No caso de algumas dessas redes, incluindo o Twitter, tal espalhamento passa pela interferência de fatores como os algoritmos e as decisões de interação dos próprios usuários. Pesquisas dedicam-se a compreender a desinformação no contexto das plataformas de redes sociais, muitos deles focando a desinformação sobre a Covid-19. Huang e Carley (2020)HUANG, B.; CARLEY, K. Disinformation and Misinformation on Twitter during the Novel Coronavirus Outbreak. Cornell University, 2020. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/2006.04278>. Acesso em: 28 nov. 2022.
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analisaram 67 milhões de postagens de 12 milhões de usuários ao redor do mundo e identificaram maior propensão ao espalhamento de mensagens com desinformação por parte de usuários regulares. Esse conteúdo também costuma ser mais retuitado em seu país de origem, ao contrário do que acontece com notícias reais, por exemplo. Scannell et al. (2021)SCANNELL, D. et al. COVID-19 Vaccine Discourse on Twitter: A Content Analysis of Persuasion Techniques, Sentiment and Mis/Disinformation. Journal of Health Communication, v. 26, n. 7, p. 443-459, 2021. Disponível em: <DOI: 10.1080/10810730.2021.1955050>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/10810730.2021.19...
, analisando o debate pró e antivacina, perceberam que mensagens antivacinas apelam para o medo por meio da percepção de gravidade e suscetibilidade. Elas focam categorias como segurança, teorias conspiratórias e direito de escolha.

Alguns estudos brasileiros procuraram monitorar a característica dos debates que se sustentavam em torno da desinformação no Twitter. Elementos como polarização, hiperpartidarismo e formação de câmaras de eco são percebidos nessas pesquisas. Lima, Calazans e Dantas (2020)LIMA, C.; CALAZANS, J.; DANTAS, I. (Des)informação em câmaras de eco do Twitter: disputas sobre a cloroquina na pandemia da Covid-19. Revista Observatório, v. 6, n. 6, out./dez. 2020. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/9966>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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analisaram o debate em torno da eficácia do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e identificaram que a polarização impede que os desmentidos produzidos por fontes tradicionais sejam capazes de enfrentar a desinformação. “Com pouca intersecção entre as fontes de referências utilizadas pelos dois lados do debate, a informação verificável dificilmente consegue furar as barreiras impostas pelas câmaras de eco e pelos filtros algorítmicos” (LIMA, CALAZANS; DANTAS, 2020LIMA, C.; CALAZANS, J.; DANTAS, I. (Des)informação em câmaras de eco do Twitter: disputas sobre a cloroquina na pandemia da Covid-19. Revista Observatório, v. 6, n. 6, out./dez. 2020. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/9966>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/i...
, p. 24 e 25).

Recuero, Soares e Zago (2021)RECUERO, R.; SOARES, F.; ZAGO, G. Polarização, hiperpartidarismo e câmaras de eco: como circula a desinformação sobre COVID-19 no Twitter. Contracampo, Niterói, v. 40, n. 1, jan./abr./2021. Disponível em: <https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/45611>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://periodicos.uff.br/contracampo/ar...
pesquisaram a circulação de links que propagavam desinformação sobre o uso da hidroxicloroquina na prevenção da Covid-19. Para os autores, a movimentação da desinformação e de apoio ao uso do medicamento sugere uma participação ativa da mídia alternativa ou hiperpartidária para dar visibilidade ao discurso. O estudo revela a utilização de matérias de caráter declaratório na mídia tradicional para reforçar o discurso de desinformação. Os resultados apontam para os possíveis danos ao debate público causados por textos jornalísticos que repercutam declarações com desinformação, principalmente sem apresentar contraditório ao que é dito. “[...] embora não sejam informações falsas de modo estrito, contribuem para o discurso desinformativo, pois não fazem nenhum tipo de ressalva sobre esse conteúdo [...]” (RECUERO, SOARES; ZAGO, 2021RECUERO, R.; SOARES, F. O discurso desinformativo sobre a cura do Covid-19 no Twitter: Estudo de caso. Revista E-Compós, v. 24, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.30962/ec.2127>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.30962/ec.2127...
, p. 9).

Outra característica identificada na circulação de desinformação no Twitter é a forma como seu espalhamento possui impacto direto de falas de atores proeminentes. Recuero e Soares (2021)RECUERO, R.; SOARES, F. O discurso desinformativo sobre a cura do Covid-19 no Twitter: Estudo de caso. Revista E-Compós, v. 24, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.30962/ec.2127>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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analisaram a circulação de mensagens com desinformação sobre uma possível cura para a Covid-19 e perceberam uma relação estreita com as declarações proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro em entrevistas, pronunciamentos oficiais ou lives em mídias sociais. São indícios de que, ao reproduzirem tais falas, os jornais podem estar munindo ativistas e militantes com material para reforçar esse discurso.

Os efeitos do espalhamento de desinformação por líderes políticos já foram demonstrados em diversos trabalhos. Hameleers (2020)HAMELEERS, M. Populist Disinformation: Exploring Intersections between Online Populism and Disinformation in the US and the Netherlands. Politics and Governance, v. 8, n. 1, p. 146-157, 2020. Disponível em: <https://www.cogitatiopress.com/politicsandgovernance/article/view/2478>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://www.cogitatiopress.com/politicsa...
, por exemplo, estudou a interação do público com o discurso dos líderes populistas, Donald Trump, dos Estados Unidos, e Geert Wilders, da Holanda, nas redes sociais e percebeu um alinhamento de interpretação entre os políticos e o público. Lee e Hosam (2020)LEE, T.; HOSAM, C. Fake News Is Real: The Significance and Sources of Disbelief in Mainstream Media in Trump’s America. Sociological Forum, 35, n. S1, p. 996-1018, 2020. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/socf.12603>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
identificaram um efeito descomunal de fake news após a eleição de Trump para a Presidência americana, principalmente em temas- chave, como imigração e questões raciais, religiosas e de gênero.

Com base nesse quadro, indicamos que nossa pesquisa norteia-se por duas questões. Para entender como os usuários reagem à declaração, perguntamos: “Qual o sentimento manifestado na interação?” Para identificar se há um reconhecimento do jornalismo declaratório e uma avaliação sobre eles, perguntamos: “Qual o tipo de reação direcionada aos jornais a respeito da prática?”

Metodologia

Para responder às questões propostas, optamos por uma combinação entre a Análise de Sentimento, que nos ajuda a identificar as emoções envolvidas, e a Análise de Conteúdo, que entra como apoio para quantificação e categorização, além de possibilitar a qualificação da análise dos números obtidos. A Análise de Sentimento (SA, na sigla em inglês) é também definida por alguns autores como Mineração de Opiniões (OM, na sigla em inglês). “OM e SA são áreas [...] que visam ajudar os usuários a encontrar informações opinativas e detectar a polaridade da opinião, ou seja, detectar se um dado texto possui conotação positiva ou negativa” (SILVA, 2016SILVA, N. Análise de sentimentos em textos curtos provenientes de redes sociais. São Carlos: USP, 2016., p. 28-29). Esse tipo de levantamento é realizado principalmente por ferramentas computacionais, que garantem a capacidade de análise de um número muito grande de dados. Esse benefício, no entanto, é contraposto por uma série de limitações, como a incapacidade de essas ferramentas reconhecerem elementos importantes na indicação de sentimentos, como negação, estilos de linguagem, ironia e sarcasmo (SILVA, 2016SILVA, N. Análise de sentimentos em textos curtos provenientes de redes sociais. São Carlos: USP, 2016.). Pensando nisso e também no tamanho de nosso corpus (robusto, mas possível de ser analisado humanamente), preferimos absorver apenas o princípio desta metodologia: categorizar textos de acordo com as emoções expressadas.

Já a Análise de Conteúdo pode ser descrita como:

[...] uma técnica de pesquisa científica baseada em procedimentos sistemáticos, intersubjetivamente validados e públicos para criar inferências válidas sobre determinados conteúdos verbais, visuais ou escritos, buscando descrever, quantificar ou interpretar certo fenômeno em termos de seus significados, intenções, consequências ou contextos

(SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021., p. 17).

Esse método nos é caro por possibilitar, entre tantos outros usos, “descrever respostas atitudinais e comportamentais para comunicações” e “fazer inferências das consequências da comunicação: questionar efeitos do que é dito”, como indica um levantamento de Sampaio e Lycarião (2021)SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021..

Esta pesquisa intencionou trabalhar com as interações textuais na plataforma Twitter referentes às publicações de jornais que trouxessem títulos declaratórios com desinformação sobre a vacina contra a Covid-19 proferidas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Os perfis escolhidos foram: @folha (Folha de S.Paulo), @JornalOGlobo (O Globo) e @Estadao (O Estado de S. Paulo). Para o levantamento, utilizamos a busca avançada da própria plataforma, identificando todas as publicações que trouxessem o termo vacina aliado ao verbo diz, indicativo da declaração.

Foram identificadas 175 publicações com as duas ocorrências. Após a análise individual, separamos 14 textos cujas declarações reproduzidas continham desinformação proferida pelo presidente da República. Esse número foi reduzido a nove após a verificação de matérias em diferentes jornais que repercutiam as mesmas aspas. Tendo o equilíbrio como critério, chegamos a um total de três publicações por jornal, as quais podem ser verificadas na Tabela 1. Em seguida, separamos uma a uma todas as respostas e retuítes com comentários. Ao final foram analisadas 1.921 interações textuais8 8 É necessário destacar que a amostra utilizada neste estudo corresponde às postagens do Twitter disponíveis para visualização, o que não corresponde à totalidade das interações. As métricas da própria plataforma indicam que essas publicações receberam, ao todo, 6.417 interações se somadas as respostas e os retuítes com comentário. Isso significa que nossa análise — e, portanto, nossos resultados — baseiam-se numa amostra que corresponde a cerca de 30% de todas as interações. , que se referiam diretamente às publicações originais.

Usando a Análise de Sentimento, classificamos essas interações como positivas, negativas ou neutras em relação ao teor da declaração ou à fonte que a proferiu. Nesse caso, tanto os comentários negativos em relação à mensagem quanto em relação a quem proferiu a informação são entendidos como reação negativa, indicando que não houve sucesso na propagação da desinformação. Da mesma forma, respostas elogiosas ou de apoio à figura do presidente são categorizadas, juntas, como reações positivas.

O Livro de Códigos (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021.) utilizado não teve como base termos específicos que orientassem a classificação, pois essa abordagem não daria conta da amplitude dos léxicos que poderiam aparecer nas mensagens. Para efetivar a análise, buscamos identificar em cada uma das postagens um termo ou um conjunto de termos que indicassem esse sentimento, o que Silva (2016)SILVA, N. Análise de sentimentos em textos curtos provenientes de redes sociais. São Carlos: USP, 2016. chama de palavras de opinião, mas que também podem ser frases ou expressões idiomáticas.

Ativemo-nos principalmente aos adjetivos, que muitas vezes apareciam como insultos, além de sentenças críticas ou acusatórias, no caso negativo, e elogios e demonstrações de apoio, no caso positivo. A ironia e o sarcasmo são empregados de forma frequente, principalmente na manifestação de sentimentos negativos. As hashtags foram consideradas quando indicavam sentimento. Preferimos não levar em conta as mensagens que continham apenas emojis, gifs, imagens ou memes. A classificação foi feita com uma revisão dupla, de forma a garantir sua confiabilidade. O grau de concordância obtido na fase de teste foi de 0,949, utilizando como índice o alpha de Krippendorff (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021.) com a ferramenta ReCal29 9 Disponível em: ReCal2: Reliability for 2 Coders – Deen Freelon, Ph.D. (dfreelon.org). Acesso em: 2 fev. 2023. .

Em outra vertente, identificamos interações em que os usuários dialogavam diretamente com o veículo noticioso, posicionando-se acerca da prática de jornalismo declaratório. Esse levantamento foi realizado computando mensagens em que os leitores citavam os jornais propriamente ou utilizavam termos genéricos, como imprensa e mídia, expressando sentimentos em relação ao formato em que tal declaração foi noticiada.

Como os usuários reagem à declaração e ao ator declarante

Oliveira (2018)OLIVEIRA, I. D. O que é jornalismo declaratório? Livro-reportagem em revista. Publicação trimestral. Abril de 2018. Disponível em: <https://livro-reportagem.com.br/o-que-e-jornalismo-declaratorio/>. Acesso em: 2 fev. 2023.
https://livro-reportagem.com.br/o-que-e-...
acredita que uma declaração transmitida por um veículo de massa influencia, modifica e produz uma nova consciência sobre determinado assunto, visão que compartilhamos inicialmente. Nossa análise de respostas e comentários em retuítes das declarações reproduzidas em títulos jornalísticos não demonstra, no entanto, um impacto relevante no sentido de transformação da opinião pública.

No geral, as interações são majoritariamente negativas: 83% de um total de 1.921 mensagens fazem ataques ao presidente, à declaração dada ou mesmo ao jornal por circular aspas em que se verifica desinformação. As interações positivas são apenas 11,5%, enquanto as interações neutras — nas quais não foi possível inferir uma opinião favorável ou contrária — reuniram somente 5,5% das mensagens colhidas. Os dados podem ser verificados na Tabela 1.

Tabela 1
Títulos e tipos de interação.

No caso de comentários diretos e retuítes negativos, ofensas e xingamentos ao presidente permeiam parte considerável das amostras. Por exemplo, das 44 mensagens contrárias à declaração de Bolsonaro ligadas ao post do @Estadao — “Bolsonaro cita fala da OMS e diz que vacina obrigatória é parte de ‘nanicos projetos de ditadores’ ”10 10 Disponível em: <https://twitter.com/Estadao/status/1319297459240095751>. Acesso em: 2 fev. 2023. , em 22 de outubro de 2020 —, 54% são insultos, como “Quem apoia o Bolsonaro é anencéfalo igual a ele”. Por outro lado, mesmo que em menor proporção, apoiadores do chefe do Executivo também se manifestam. Eles usam emojis e gifs, linguagem própria das plataformas de redes sociais, além de hashtags bolsonaristas, como #FechadoComBolsonaro, para demarcar posição.

Outro fator que reforça o entendimento de que os perfis nas interações já nutrem sentimentos de rejeição ou aprovação ao ator da fala é a ausência de argumentos, especialmente no grupo favorável. Na postagem do @Estadão “ ‘A eficácia daquela vacina em São Paulo parece que está lá embaixo, né?’, diz Bolsonaro”, nenhum dos 26 comentários e retuítes que apoiam a afirmação do presidente oferecem um argumento ou mesmo complemento que ratifique a declaração. O que não falta nesses comentários é apoio à pessoa do presidente, como mostra @111 11 Para evitar a exposição dos usuários, preferimos substituir o nome original das contas por uma sequência numerada a partir da nomenclatura fictícia @1. ao escrever “Meu voto é BOLSONARO”. Isso nos leva a pensar que não é apenas o título que invoca as reações, mas principalmente a ideia prévia que se mantém em relação ao personagem.

O único elemento que aponta para um possível efeito do declaratório na opinião dos leitores foi a identificação de alguns poucos comentários críticos à fonte, mas concordantes com a declaração. Esse apoio crítico, como optamos por chamar, pôde ser percebido, por exemplo, em respostas ao texto “ ‘Quero saber se esse país usou a vacina lá no seu país’, diz Bolsonaro sobre CoronaVac”12 12 Disponível em: <https://twitter.com/JornalOGlobo/status/1327073959758553091>. Acesso em: 2 fev. 2023. , publicado no perfil de O Globo em 12 de novembro de 2020. A postagem recebeu interações como a de @2: “Vamos e convenhamos, eu odeio o Bozo, mas nisso não acho q ele esteja errado não. Cobaia é o caralho, se a vacina é boa, primeiro utilizem no país deles depois aq...”.

Não é necessário seguir um perfil aberto para responder ao comentário ou compartilhar seu conteúdo, mas, considerando que as redes sociais conectam pessoas e páginas por afinidades e interesses, e as possibilidades de acesso são afetadas por fatores como algoritmos de seleção e filtragem de conteúdo (RECUERO, ZAGO; SOARES, 2017RECUERO, R.; ZAGO, G.; SOARES, F. Mídia social e filtros-bolha nas conversações políticas no Twitter. In: Encontro Anual da Compós, 26, jun. 2017, São Paulo. Anais [...] São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2017.), podemos estimar que o alcance desses jornais seja maior entre os perfis de centro-esquerda, o que pode ter direcionado os resultados aqui aferidos. O presidente trata a imprensa tradicional como sua oponente e, mais de uma vez, chegou a recomendar a seus seguidores que ignorassem tais veículos. Bem alinhada ao mandatário, a base bolsonarista também se opõe a esses veículos jornalísticos, que, inclusive, atuam como intermediários entre a ciência e a população (FERNANDES et al., 2021FERNANDES, C. et. al. Imprensa x Governo: a retórica populista da pandemia da Covid-19 na rede social Twitter. BJr, v. 17, n. 3, dez. 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/bjr/a/6xVc5qmbh944NkdSvt8thWL/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/bjr/a/6xVc5qmbh9...
).

Em relação ao formato de circulação, a coleta dos tuítes mostra que títulos declaratórios mexem com as emoções da audiência, que, em nosso corpus, reagiu quase sempre apenas aos títulos. As reportagens trazem outros conteúdos que contextualizam, tensionam ou mesmo contradizem a citação entre aspas. Não é possível dizer analisando apenas os comentários se os usuários chegaram a ler a matéria por completo. É possível, no entanto, atestar que são raras as interações em que são citados elementos presentes no texto, o que nos faz acreditar que sejam direcionadas ao título, seja porque se tratava do único elemento lido, seja porque tal elemento provocou no usuário o desejo de interagir e marcar posição.

Como os usuários dialogam com o veículo noticioso

Outro interesse de nossa pesquisa é perceber se os usuários dialogam com o veículo noticioso, apontando concordância ou discordância sobre a forma como a declaração foi noticiada pelo jornal. Partimos da ideia de que a publicação de aspas que contenham desinformação pode gerar uma perda da credibilidade do periódico entre os leitores que identificam previamente a declaração como falsa ou problemática. Por credibilidade entendemos a atribuição feita ao veículo pelo leitor com base em valores éticos e morais (LISBOA; BENETTI, 2017LISBOA, S.; BENETTI, M. Credibilidade no jornalismo: uma nova abordagem. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 14, n. 1, jan.-jun. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p51>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2017v1...
). “A credibilidade [...] seria um elemento essencial da confiança, sendo resultado de uma percepção da qualidade do testemunho” (LISBOA; BENETTI, 2017LISBOA, S.; BENETTI, M. Credibilidade no jornalismo: uma nova abordagem. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 14, n. 1, jan.-jun. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p51>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2017v1...
, p. 53). O posicionamento aferido, portanto, indicaria uma avaliação do leitor sobre a qualidade do jornalismo praticado e sua adequação a valores sociais.

A pesquisa revelou que, apesar de pouco numerosa, havia uma cobrança permanente dos leitores em relação ao jornalismo declaratório nas publicações estudadas, já que todas as postagens analisadas receberam pelo menos um comentário que identificava a prática e apontava seus problemas. As interações classificam as postagens com título declaratório como um desserviço, como uma “fala que vai fazer com que as pessoas desconfiem da vacina” e reprovam a publicação das declarações “como se fossem verdade” ou “como se fossem uma opinião válida”. Outros usuários afirmam que o jornal está “dando palanque para palhaço” ou agindo como “porta-voz de mini-ditador”.

É interessante notar que alguns leitores que interagem com as publicações utilizam o termo jornalismo declaratório para classificar o material. Como exemplo utilizamos respostas enviadas à postagem “ ‘Não acredito que vacina chinesa transmita segurança pela sua origem’, diz Bolsonaro”13 13 Disponível em: <https://twitter.com/folha/status/1319254185230143488>. Acesso em: 2 fev. 2023. , postada pela Folha em sua conta no Twitter em 22 de outubro de 2020. O usuário @3 respondeu à publicação com a seguinte mensagem: “Todo dia o jornalismo declaratório traz algum absurdo que não deveria nem ser publicado sem uma rebatida à altura”. Já a usuária @4 afirmou: “Faltou o sem provas, não é @folha? Em um país governado por uma milícia virtual, que prima pela mentira, jornalismo declaratório é suicídio e falta de compromisso”.

Os comentários destacados anteriormente têm um traço comum importante que merece ser destacado. Ambos problematizam o jornalismo declaratório, mas também oferecem um antídoto, que, em tese, amenizaria o efeito negativo causado pelas declarações em questão. O primeiro usuário sugere “uma rebatida à altura”, enquanto o segundo recomenda a inclusão da expressão “sem provas” junto à declaração. O que ambos esperam, na verdade, é que o jornalista traga também sua voz para o texto, não deixando que a fonte fale sozinha pelo temor de que ela seja capaz de convencer quem a lê. A esse tratamento Pengree, Brossard e McLeod (2014)PINGREE, R.J.; BROSSARD, D.; MCLEOD, D.M. Effects of Journalistic Adjudication on Factual Beliefs, News Evaluations, Information Seeking, and Epistemic Political Efficacy. Mass Communication and Society, v. 17, n. 5, p. 615-638, 2014. Disponível em: <DOI: 10.1080/15205436.2013.821491>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/15205436.2013.82...
dão o nome de adjudicação jornalística. “[A] adjudicação pode corrigir crenças factuais, aumentar a percepção de qualidade nas notícias, satisfazer as necessidades informacionais percebidas e ampliar a probabilidade de novos usos da notícia” (PINGREE, BROSSARD; MCLEOD, 2014PINGREE, R.J.; BROSSARD, D.; MCLEOD, D.M. Effects of Journalistic Adjudication on Factual Beliefs, News Evaluations, Information Seeking, and Epistemic Political Efficacy. Mass Communication and Society, v. 17, n. 5, p. 615-638, 2014. Disponível em: <DOI: 10.1080/15205436.2013.821491>. Acesso em: 2 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/15205436.2013.82...
, p. 616, tradução nossa).

Em nosso corpus foi possível identificar duas notícias cujo título, único elemento da matéria visível na publicação do Twitter, traz alguma adjudicação. A primeira delas é a notícia “Sem provas, Bolsonaro atribui ‘morte e invalidez’ à vacina chinesa e diz que ‘ganhou’ de Doria”14 14 Disponível em: <https://twitter.com/Estadao/status/1326132498586345475>. Acesso em: 2 fev. 2023. , publicada no perfil do Estadão da rede social em 10 de novembro de 2020. A matéria foi, de longe, a que suscitou mais interações entre todas as analisadas, chegando a 3 mil mensagens entre respostas e comentários sobre o tuíte, dos quais 304 estavam disponíveis para visualização. A segunda matéria foi “Bolsonaro diz que melhor vacina para Covid-19 é o vírus, que já matou mais de 188 mil no país”15 15 Disponível em: <https://twitter.com/folha/status/1341819623709306881>. Acesso em: 2 fev. 2023. , publicada em 23 de dezembro de 2020 pela Folha, com menor repercussão, tendo 225 interações analisadas.

O Estadão, ao dizer que a declaração do presidente da República foi feita sem provas, trouxe grande atenção para o formato do título, com o maior número de interações referentes ao jornalismo declaratório, cerca de 40. Nesse caso, é interessante observar que as interações se dividiram em duas correntes: uma contrária a Bolsonaro ou à sua declaração, com comentários elogiosos à postura do jornal ao destacar a falta de embasamento do presidente; e outra favorável a Bolsonaro, que utilizou o espaço para criticar o Estadão, apontando o mau jornalismo.

Entre os comentários que classificamos no primeiro grupo, foi possível identificar postagens que relacionavam o uso do sem provas ao jornalismo praticado nos Estados Unidos como forma de contrapor declarações do ex-presidente Donald Trump. As postagens diziam que o jornal trazia finalmente uma manchete decente ou aceitável. O usuário @5 falou sobre a necessidade de contrastar a declaração com a realidade. “Olhaí a diferença de abordagem que a coisa tem quando você mete uma contextualização: ‘SEM PROVAS, Bolsonaro...’, dá pra ver como muda toda a narrativa, né? Do que meter uma declaração sem o contraste com a realidade”.

O grupo de apoiadores de Bolsonaro, por sua vez, viu a necessidade de criticar o jornal pela interferência, o que ainda não havia ocorrido nos comentários a matérias com títulos sem a adjudicação. As mensagens apontam que o Estadão faz parte de uma “imprensa suja”, que “trata seus leitores como burros”, que estariam “agindo como militantes” e também “desinformando a população”. @6 afirmou: “Enquanto Bolsonaro tiver como inimigo o ódio da mídia e dos políticos corruptos, vencerá qualquer batalha e sempre terá razão”.

No que se refere à matéria da Folha, é interessante o fato de a declaração ser contraposta por uma informação muito mais valorizada no campo jornalístico: um dado oficial. O título contextualiza que Bolsonaro sugere imunização por infecção pelo vírus em um momento em que 188 mil pessoas já haviam morrido no país em decorrência da doença. Nesse caso, apenas três comentários se referiram ao formato do título. @7 parece não ter identificado a adjudicação ou a considerou insuficiente. “Eh um FDP e quem dá voz a ele também. Vai fazer jornalismo de verdade....”, escreveu. Já @8 sugere que todos os títulos deveriam ser como aquele. Ele afirma: “Isso sim é uma manchete porra é difícil?”

Considerando os achados, percebemos que a adjudicação jornalística causa um efeito visível entre os leitores. Não é possível afirmar, por essa análise, que a interferência do repórter traz um impacto que evita o entendimento da declaração como verdadeira ou confiável. No entanto, atestamos que existe uma crença de parte dos leitores no poder dessa adjudicação, a qual se manifesta quando percebem e apontam prejuízos à disseminação de narrativas que corroboram com o que acreditam.

Nesse sentido, a credibilidade jornalística aumenta ou diminui de acordo com a relação de credibilidade que o leitor já mantém com o ator que fala. Pensando por meio dos conceitos de Lisboa e Benetti (2017)LISBOA, S.; BENETTI, M. Credibilidade no jornalismo: uma nova abordagem. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 14, n. 1, jan.-jun. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p51>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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, que tratam da credibilidade constituída (construída historicamente para o estabelecimento da confiança) e da credibilidade percebida (construída discursivamente com base em elementos variados), entendemos que a credibilidade constituída em relação ao ator se sobrepõe na dinâmica de relação com o enunciado. Por meio dela, os leitores constroem de maneiras diferentes a credibilidade percebida. A adjudicação, dessa forma, passa a ser um índice de aumento de credibilidade para quem não confia em Bolsonaro, e um índice de redução da credibilidade para quem nele acredita.

Pensando no potencial de circulação dessas notícias, verificamos ainda se havia alguma diferença no perfil de quem retuíta as mensagens. Isso foi feito com base apenas nos retuítes com comentário, já que são tais interações o objeto desta pesquisa. Analisar os retuítes pode trazer resultados específicos por ser essa uma forma de dar mais visibilidade à informação, já que o comentário feito circula vinculado à postagem original. “Como as redes no Twitter são diferentes (cada usuário escolhe quais outros usuários seguir e isso influencia o conteúdo a que se é exposto), faz sentido retuitar conteúdos para alavancar a visibilidade destes” (RECUERO, SOARES; ZAGO, 2021RECUERO, R.; SOARES, F. O discurso desinformativo sobre a cura do Covid-19 no Twitter: Estudo de caso. Revista E-Compós, v. 24, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.30962/ec.2127>. Acesso em: 2 jan. 2023.
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, p. 5).

Era de esperar que a adjudicação provocasse uma redução no número de retuítes da ala favorável a Bolsonaro. Pela amostra analisada, isso se confirma. Títulos que contavam apenas com as aspas do chefe do Executivo nacional foram retuitados com comentários positivos em uma média de 15% das ocorrências. Nos dois casos em que a voz do jornalista era inserida, esse número caiu para 1%. É interessante notar, no entanto, que os retuítes com comentários negativos à declaração e ao presidente são amplamente majoritários em ambos os casos, mostrando que aqueles que são contrários também ajudam a potencializar a circulação da declaração, mesmo que com o intuito de criticá-la.

Considerações finais

Contrariando nossa hipótese inicial e as preocupações manifestadas em relação ao formato declaratório, nossa análise não detectou uma interferência direta na opinião pública das ideias proferidas pelo presidente da República. Este estudo não traz uma visão definitiva sobre o poder de influência da desinformação circulada mediante jornalismo declaratório, mas é possível identificar manifestações relevantes sobre como os usuários reagem a esse tipo de prática: marcando posição afim à sua corrente política e direcionando sua interação (elogios ou críticas) não só à declaração, mas especialmente ao ator que a proferiu.

A análise da atribuição da credibilidade aponta que os usuários que reconhecem a desinformação repreendem a reprodução das aspas em destaque quando discordam delas, assim como reconhecem e apoiam o esforço do veículo quando há inferências nas declarações que desaprovam. A adjudicação jornalística mostra-se uma prática que causa um efeito relevante. Quando não provoca interferência real no poder de convencimento da declaração, é certamente reconhecida como uma estratégia que detém esse poder e é capaz de interferir na credibilidade do veículo perante os leitores.

A pesquisa contribui com os estudos em jornalismo, especificamente sobre a circulação da informação, na medida em que demonstra que a publicação de declarações com desinformação atrai interações majoritariamente negativas. Além disso, evidencia que existe uma preocupação e atenção de usuários com o formato que privilegia as declarações, inclusive com a apropriação do termo jornalismo declaratório para efetivar tais críticas. Ficam abertas questões sobre como um público mais heterogêneo e representativo da população brasileira reagiria aos mesmos produtos, o que poderia guiar novas pesquisas nesse sentido.

É preciso, claro, atentar para o perfil dos seguidores dos jornais cujas postagens foram analisadas. De acordo com o GPS Ideológico16 16 Ferramenta criada pela Folha de S.Paulo para monitorar o debate político no Twitter e que posiciona uma série de perfis influentes no espectro ideológico utilizando como parâmetro o comportamento das pessoas que seguem essas contas ou daqueles que por elas são seguidos. , pelo menos até 2020, período referente a nosso corpus, os perfis @folha, @Estadao e @JornalOGlobo estavam posicionados como “centro-esquerda”. Já o perfil do presidente, @jairbolsonaro, está à direita, afastado do centro político. A pesquisa também não foi capaz de apontar com precisão a presença de bots na amostra, apesar de identificar, em poucos casos, contas com quantidade reduzida de seguidores ou criadas há pouco tempo, indícios de perfis não orgânicos. Ainda consideramos importante reforçar que o Twitter, apesar de contar com a presença massiva de formadores de opinião e estar no centro de atenção de jornalistas, não se apresenta como a plataforma de rede social com maior adesão por parte da população brasileira, sendo apenas a quinta rede utilizada no país para o consumo de notícias17.

Referências

  • ADORNATO, A. Mobile and social media journalism a practical guide for multimedia journalism Routledge, Taylor & Francis Group, 2022.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2022
  • Aceito
    19 Dez 2022
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