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O desenvolvimento de conceitos na cognição e na linguagem

The development of concepts in cognition and in language

Resumos

O Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Educação (Grudhe) tem como foco o desenvolvimento da criança na educação infantil e no primeiro segmento do ensino fundamental. A partir de um referencial socio-histórico, buscamos estudar como as crianças aprendem conceitos a partir de suas interações diárias no ambiente escolar. Os estudos realizados no Grudhe desde sua fundação, no ano de 2009, começaram com a investigação do desenvolvimento de conceitos temporais na educação infantil conjugado a um programa de intervenção junto aos professores e às crianças (2008-2009). Em seguida, nossos estudos se expandiram para abranger o primeiro segmento do ensino fundamental, focando desenvolver um instrumento de avaliação do conhecimento temporal das crianças. Ali também houve um programa de intervenção avaliado a partir de pré e pós-testes (2010-2011). Paralelamente, um estudo em colaboração com Vasconcellos e Daiute (2012) teve como foco os conceitos de favela, comunidade e risco entre professoras de educação infantil que atuam em creches situadas em áreas de risco.

cognição e linguagem; aprendizagem de conceitos; conceitos temporais; educação infantil; ensino fundamental


The research group Human Development and Education - Grudhe - focuses on the development of children in kindergarten and in the first years of elementary school. Based on a socio-historical framework, we seek to study how children learn concepts from their daily interactions at school. Our studies began in 2009, with research on the development of temporal concepts in kindergarten that included an intervention program with teachers and children (2008-2009). After that, our studies have expanded to include the first years of elementary education, focusing on developing an instrument for evaluating the temporal knowledge of children. We also had an intervention program for teachers and children, which was evaluated with pre-and post-tests (2010-2011). Parallel to that, we developed a study in collaboration with Vasconcellos and Daiute (2012) that focused on the concepts of slum, community, and risk among early education teachers working in schools located in areas of risk.

cognition and language; concept learning; temporal concepts; early childhood education; elementary education


O Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Educação – Grudhe/CNPq – constituiu-se em 2009 na PUC-Rio. O grupo tem como foco principal pesquisas na área da “Linguagem, Cognição e Aprendizagem dentro de uma perspectiva sociocultural”.

Nossos referenciais teóricos partem da perspectiva socio-histórica, principalmente a perspectiva de Vigotski (2009[1934]) a respeito do desenvolvimento do pensamento e da linguagem.

O grupo caracteriza-se pela participação de estudantes da graduação e da pós-graduação em atividades de pesquisa, atuando em todas as suas etapas: no planejamento, pesquisa bibliográfica, entrada em campo e execução da pesquisa, transcrição, codificação e análise dos dados, autoria dos trabalhos, apresentação em congressos e publicações. As atividades de pesquisa abarcam tanto a pesquisa liderada pela coordenadora como as pesquisas dos orientandos de mestrado e doutorado. Resumimos abaixo cada um dos projetos anteriores e atuais na história do Grudhe.

Linguagem e cognição dos conceitos temporais

Nos últimos anos, temos realizado investigações tanto no âmbito da educação infantil como do ensino fundamental, buscando compreender o processo de construção de conceitos temporais no cotidiano escolar, através de negociações diárias feitas entre educadores/professores e crianças, na sua linguagem, nas atividades de aprendizagem assim como nos recursos e livros didáticos.

Na educação infantil, nossa pesquisa, intitulada “O uso de conceitos temporais na creche e na pré-escola”, teve por objetivo investigar as formas como educadoras e crianças negociam conceitos temporais no seu dia a dia. A pesquisa foi realizada em uma creche do município do Rio de Janeiro com crianças de quatro anos de idade. Os objetivos específicos do estudo foram:

  1. Observar o uso da linguagem temporal em sala nas interações educadora-criança e criança-criança;

  2. Observar a presença de artefatos temporais em sala focando na sua localização, acessibilidade e uso;

  3. Observar a presença de atividades temporais em sala (como, por exemplo, planejamento do dia, discussão sobre o dia do mês e da semana etc.);

  4. Entrevistar as educadoras sobre sua compreensão do tempo e suas justificativas para o uso ou não uso de atividades temporais em sala.

No ano seguinte, continuamos com o projeto, agora intitulado “Trabalhando o tempo na creche”, ampliando a investigação para crianças de dois anos de idade, no intuito de buscar como se dão as negociações com aquelas que têm conceitos temporais ainda mais distantes dos conceitos adultos.

A metodologia usada em ambas pesquisas foi muito semelhante, com alguns ajustes para as diferenças entre as faixas etárias. Incluiu: (1) observação da rotina diária duas vezes na semana pelo período de 4 meses (agosto a dezembro); (2) entrevista com os educadores acerca de seus conceitos de tempo e suas práticas em sala; (3) registro fotográfico e em vídeo da presença e uso de artefatos temporais em sala (relógio, calendário, planejamento); (4) oficinas temporais com os educadores, a fim de discutir o desenvolvimento de conceitos temporais na criança e possíveis atividades a serem incorporadas à rotina para trabalhar esses conceitos. Fazia parte da oficina o desenvolvimento, por parte dos educadores, de um artefato temporal a ser usado em sala por dois meses; (5) implementação do “Projeto Tempo”, que consistia em trazer para a sala artefatos criados pelos educadores, mas também livros que trabalhavam conceitos temporais de forma implícita e explícita; (6) realização de duas “tarefas temporais” para entender a compreensão de tempo que as crianças demonstram ter. As tarefas foram realizadas antes e depois das oficinas, a fim de aferir se houve algum ganho cognitivo a partir do uso de artefatos e atividades temporais em sala (pós-oficina). São elas:

  1. Organização de “atividades semanais” específicas – as crianças fizeram uma atividade de colagem, fixando “seis” desenhos que representavam suas seis atividades semanais especiais (aula de música, duas visitas à sala de leitura, duas visitas à sala de vídeo e um dia da novidade). Os desenhos eram fixados sobre uma representação canônica de semana;

  2. “Sequenciamento de fotos da rotina” da creche numa linha do tempo – fotos das crianças em atividades regulares da rotina foram tiradas e para a tarefa as crianças identificavam cada foto para em seguida colocá-las sobre um painel que representa a linha do tempo.

Analisando os dados de ambos os estudos, vimos que:

  • As crianças mostram interesse pelo tempo em seus diálogos com colegas e com educadores, fazendo perguntas e arriscando hipóteses;

  • O planejamento do dia é feito “pelos educadores para si e para a direção”. É informado aos poucos às crianças ao longo do dia; ou seja, não há um momento na rodinha em que o planejamento é feito junto com a criança;

  • Educadores desenvolvem estratégias “intuitivas” de como lidar com situações de impasse: algumas parecem funcionar melhor do que outras;

  • Os diferentes tipos de conceitos temporais são mais ou menos acessíveis, dependendo da criança e da fase de desenvolvimento; ou seja, há uma grande variação individual que supomos depender das experiências que a criança tem com tais conceitos. Por exemplo:

  • Falar os dias da semana é mais familiar para uns que para outros;

  • O interesse por conceitos temporais também varia de criança para criança;

  • Mesmo sabendo os dias da semana, localizar uma atividade específica como sendo num determinado dia da semana é difícil para crianças de quatro anos e mais ainda para as de dois anos de idade;

  • Por outro lado, organizar a rotina é possível e desejável pelas crianças, que conseguem fazê-lo independentemente em pouco tempo de trabalho (três semanas).

Concluímos que conceitos temporais estão em processo de formação na criança pequena, assim como conceitos matemáticas e linguagem. Portanto, faz-se necessário um olhar mais pedagógico e intencional para esse desenvolvimento, com o desenvolvimento de atividades específicas para diferentes faixas etárias.

Nossa pesquisa sobre o desenvolvimento de conceitos temporais e o papel da escola nesse processo foi ampliado mais ainda, buscando no ensino fundamental, dentro das disciplinas de ciências, história e matemática, qual trabalho é realizado e como. O projeto de pesquisa intitulado “Mais tempo ao Tempo: o estudo de conceitos temporais em diferentes áreas de conhecimento do ensino fundamental” foi desenvolvido em colaboração com o Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST/MCT – e foi realizado no município de Vassouras, RJ. Duas escolas participaram da pesquisa, ambas localizadas na região rural da cidade. Os objetivos da pesquisa foram:

  • Propor a discussão do tempo na educação como conceitos em formação que têm impacto direto em diversas áreas de conhecimento;

  • Avaliar alunos do 2º ao 5º ano do ensino fundamental sobre tópicos relacionados ao conceito de tempo nas áreas de matemática, ciências e história;

  • Traçar o perfil dos professores do 2º ao 5º ano do ensino fundamental sobre as práticas pedagógicas relacionadas ao conceito de tempo nas áreas de desenvolvimento infantil, matemática, ciências e história;

  • Estimular o desenvolvimento de professores do ensino público através de um trabalho de formação e incentivar um uso criativo, inovador de materiais didáticos;

  • Elaborar materiais didáticos para uso no ensino fundamental;

  • Estreitar o diálogo entre a psicologia do desenvolvimento e a educação, focando o conteúdo das disciplinas do ensino fundamental.

O projeto envolveu alunos e professores do 2º ao 5º ano do ensino fundamental de duas escolas municipais de Vassouras. Seguindo a metodologia usada na educação infantil, aqui também a pesquisa incluiu uma fase de formação. Foi composta de “quatro” fases, sendo duas de avaliação e uma especificamente de formação dos professores.

A primeira fase compreendeu um diagnóstico sobre as concepções que os alunos das séries iniciais do ensino fundamental possuem sobre os conceitos temporais, assim como um diagnóstico das práticas pedagógicas e concepções dos professores. Essa fase foi particularmente importante, pois foi a partir dela que todo o trabalho junto aos professores foi realizado.

Na segunda fase, conduzimos o curso de formação, que envolveu todos os professores do 2º ao 5º ano do ensino fundamental das duas escolas participantes e foi desenvolvido pela equipe de pesquisadores envolvida no projeto. O curso foi ministrado nas dependências do Museu de Astronomia e Ciências Afins e durou quatro dias. Durante esse período, os professores participaram de atividades teóricas e práticas, bem como de oficinas de elaboração de materiais didáticos e de produção de materiais em multimídia.

Na terceira fase do projeto, os professores utilizaram os conhecimentos adquiridos durante o curso em suas aulas, no sentido de implementar e experimentar os materiais didáticos desenvolvidos.

A quarta e última fase compreendeu uma avaliação dos alunos após a implementação do projeto nas escolas de forma a evidenciar as mudanças ocorridas. O instrumento temporal desenvolvido foi reaplicado em todas as turmas das duas escolas.

Ao todo, 137 crianças participaram da pesquisa, sendo 55 de uma escola e 82 de outra, com alguma variação entre as duas aplicações do instrumento. Os resultados mostraram algumas diferenças no desempenho das crianças entre as duas escolas. Primeiramente, vimos que ambas escolas se empenharam na pesquisa participando ativamente do curso de formação e da elaboração de atividades. Em uma das escolas, vimos um ganho cognitivo considerável entre as crianças do 2o ano, o que não ocorreu na outra escola ou nos outros anos. Atribuímos esse ganho ao fato de a professora ser bolsista do projeto e, portanto, estar muito mais envolvida, informada e ter realizado mais atividades temporais com as crianças. Esse resultado indica que um trabalho orientado e direcionado com conceitos temporais pode mostrar ganhos cognitivos em curto espaço de tempo (no caso, um mês).

Além disso, vimos também que o ganho cognitivo entre as crianças se dá até o 3º ano. Depois disso, não houve diferença entre anos ou entre os dois momentos de aplicação do instrumento. Quando classificamos os itens do instrumento em termos de conceitos científicos e conceitos cotidianos, vimos uma diferença significativa entre 2º e 3º ano e entre 4º e 5º ano no seu desempenho em itens com conceitos científicos. Já para os conceitos cotidianos, a diferença aparece somente entre 2º e 3º ano.

A análise dos livros didáticos (selecionados pelo PNLD) de matemática, história e ciências usados pelas escolas revelou um uso crescente de conceitos científicos ao longo dos anos. Notamos nos livros de história uma ênfase em discutir eventos do passado em termos de “xxx anos atrás”, sendo este “xxx” traduzido em diversas formas de medir o tempo: “muito tempo”, “mais de 100 anos” etc. Também vimos uma forte presença da noção de passagem do tempo sendo trabalhada, principalmente por meio do contraste entre fotos antigas e recentes. Nos livros de matemática, há um trabalho intenso com os artefatos relógio e calendário. Nos de ciências, a ênfase reside em ciclos da vida e noção de dia.

O estudo realizado em Vassouras levantou questões acerca do baixo desempenho das crianças em itens que testam conhecimentos temporais. Com base naqueles resultados, resolvemos ampliar o estudo para uma amostra de escolas no município do Rio de Janeiro, com o projeto intitulado “O Tempo no ensino fundamental do Rio de Janeiro: o que as crianças sabem?”. O projeto está em execução e prevê cinco etapas: (1) elaboração e inclusão de novos itens no instrumento já existente, assim como a exclusão daqueles já verificados como itens ruins; (2) testagem do novo instrumento em uma amostra de duas escolas da rede, para verificação da qualidade dos itens e das subescalas criadas; (3) verificação da qualidade dos itens e criação do novo instrumento a partir dela; (4) validação final do instrumento; e (5) testagem do instrumento na amostra definitiva do município.

Paralelamente a esses projetos, desenvolvemos um projeto realizado em conjunto com a professora Vera Vasconcellos do NEI: P&E/UERJ e com a pesquisadora da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), professora Colette Daiute (DAIUTE; EISENBERG; VASCONCELLOS, 2012DAIUTE, C.; EISENBERG, Z.; VASCONCELLOS, V. M. R. de. ‘Parece que é uma coisa até meio normal, né?’ Análise de narrativas sobre ‘risco’ em creches de favelas. Educação em Foco, Juiz de Fora, n. esp., p. 209-228, ago. 2012.). A pesquisa interinstitucional parte da pesquisa original coordenada pela professora Vera Vasconcellos, acerca da realidade das profissionais contratadas como Agentes de Creche no município do Rio de Janeiro, que em verdade assumem turmas de educação infantil por já terem a habilitação necessária para tanto.

Uma única entrevista semiestruturada foi feita com três professoras do município do Rio de Janeiro, que atuam em creches localizadas em áreas de risco. A entrevista foi gravada em áudio e em vídeo e depois transcrita. O roteiro de entrevista continha questões que versavam sobre a formação das participantes, passando pelas suas rotinas nas creches e culminando com as relações que as mesmas tinham com seus locais de trabalho.

Após a realização das entrevistas, estas foram transcritas e analisadas para o presente estudo dentro dos seguintes eixos: (1) as definições dadas pelas participantes para os termos favela e comunidade e (2) as relações estabelecidas entre essas concepções e o entendimento que se tem de risco e perigo nas creches em questão.

Em nossas análises, percebemos que há uma considerável confusão no uso dos termos “favela” ou “comunidade”, o que depende do lugar em que são empregados, ou de que maneira são utilizados. Como considerações finais, o estudo aponta que não há convergência na definição dos termos “favela” ou “comunidade”. Os discursos das professoras sugerem que nas áreas em que trabalham não há perigo, o que paradoxalmente entra em conflito com falas que abordam a existência de tiros ou tráfico de drogas na região estudada, numa tentativa de amenizar ou diluir o peso da palavra risco.

Referências

  • DAIUTE, C.; EISENBERG, Z.; VASCONCELLOS, V. M. R. de. ‘Parece que é uma coisa até meio normal, né?’ Análise de narrativas sobre ‘risco’ em creches de favelas. Educação em Foco, Juiz de Fora, n. esp., p. 209-228, ago. 2012.
  • EISENBERG, Z. O uso de conceitos temporais na creche e na pré-escola. Faperj. Edital de Pós-Doutorado - Processo nº: E-26/100.724/2007.
  • EISENBERG, Z. Trabalhando o tempo na creche Faperj – Edital Auxílio-Instalação, Processo nº: E-26/111.058/2009.
  • EISENBERG, Z. Mais tempo ao Tempo: o estudo de conceitos temporais em diferentes áreas de conhecimento do ensino fundamental. Faperj. Edital Apoio à melhoria do ensino em escolas públicas sediadas no Estado do Rio de Janeiro, Processo Nº E-26/ 110.040/2010.
  • EISENBERG, Z. O Tempo no ensino fundamental do Rio de Janeiro: o que as crianças sabem? Faperj. Edital Jovem Cientista do Nosso Estado, Processo E-26/103.305/2011.
  • VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem (1934). São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    jan-apr 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2013
  • Aceito
    10 Nov 2014
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