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Seção temática: Psicologia no contexto hospitalar

A inserção da Psicologia no contexto da saúde é antiga, pois a própria American Psychological Association, em 1911, já realizava discussões sobre as relações entre Psicologia e a formação médica e sua prática (Winett, King, & Altman, 1989Winett, R. A., King, A., & Altman, D. G. (1989). Health psychology and public health. São Paulo: Pergamon Press.). Tradicionalmente, adotou-se um modelo de intervenção clínica, que se estendeu à Psicologia Hospitalar, inclusive no Brasil, onde as publicações se iniciaram na década de 1980 (Camon, 1984Camon, V. A. A. (1984). Psicologia hospitalar: a atuação da psicologia no contexto hospitalar. São Paulo: Traço.; Romano, 1990Romano, B. W. (1990). A prática da psicologia nos hospitais. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.). Contudo, mudanças nas formas de compreensão das relações entre saúde-doença, com consequentes alterações nas propostas de atuação do psicólogo, transcendem o modelo de atendimento clínico individualizado. Essas mudanças vêm ocorrendo desde a organização da área da Psicologia da Saúde na década de 1970 (Matarazzo, 1980Matarazzo, J. D. (1980). Behavioral health and behavioral medicine: Frontiers for a new healthy psychology. American Psychologist, 35(9), 807-817.), acompanhando o desenvolvimento das áreas diretamente relacionadas, como a Psicologia Pediátrica (Crepaldi, Linhares, & Perosa, 2006Crepaldi, M. A., Rabuske, M. M., & Gabarra, L. M. (2006). Modalidades de atuação no psicólogo em psicologia pediátrica. In M. A. Crepaldi, M. B. M. Linhares, & G. B. Perosa (Orgs.), Temas em psicologia pediátrica (pp.13-55). São Paulo: Casa do Psicólogo .; Robert & Steele, 2009Robert, M. C., & Steele, R. G. (2009). Handbook of pediatric psychology (4th ed.). New York: The Guilford Press.), a Psico-oncologia (Kazak et al., 2007Kazak, A. E., Rourke, M. T., Alderfer, M. A., Pai, A., Reilly, A. F., & Meadows, A. T. (2007). Evidence-based assessment, intervention and psychosocial care in pediatric oncology: A blueprint for comprehensive services across treatment. Journal of Pediatric Psychology, 32(9), 1099-1110. http://dx.doi.org/10.1093/jpepsy/jsm031
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), a Psiconeuroimunologia (Segerström, 2012Segerström, S. C. (2012). The Oxford handbook of psychoneuroimmunology. New York: Oxford University Press.; Slavich & Cole, 2013Slavich, G. M., & Cole, S. W. (2013). The emerging field of human social genomics. Clinical Psychological Science, 1(3), 331-348. http://dx.doi.org/10.1177/2167702613478594
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). Todas essas áreas dependem da interseção de conhecimentos derivados de ramos da Biologia (Epignética e Neurociências), da Ecologia (ambiente físico e social), da Saúde e Desenvolvimento (aprendizagem, comportamento, bem-estar físico, mental e social), em uma perspectiva das Ciências do Ciclo de Vida (Braveman & Barclay, 2009Braveman, P., & Barclay, C. (2009). Health disparities beginning in childhood: A life-course perspective. Pediatrics, 124(Suppl.3), S163. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2009-1100D
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; Dich et al., 2015Dich, N., Hansen, A. M., Avlund, K., Lund, A. R., Mortensen, E. L., Bruunsgaard, H., & Rod, N. H. (2015). Early life adversity potentiates the effects of later life stress on cumulative physiological dysregulation. Anxiety, Stress, & Coping: An International Journal, 28(4), 372-390. http://dx.doi.org/10.1080/10615806.2014.969720
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; Miller, Chen, & Parker, 2011Miller, G. E., Chen, E., & Parker, K. J. (2011). Psychological stress in childhood and susceptibility to the chronic diseases of aging: Moving towards a model of behavioral and biological mechanisms. Psychological Bulletin, 137(6), 959-997. http://dx.doi.org/10.1037/a0024768
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; Shonkoff, Garner, The Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health, Committee on Early Childhood, Adoption, and Dependent Care, & Section on Developmental and Behavioral Pediatrics, 2012). Dependem também da Psicopatologia do Desenvolvimento (Rutter & Sroufe, 2000Rutter, M., & Sroufe, L. A. (2000). Developmental psychopathology: Concepts and challenges. Development and Psychopathology, 12(3), 265-296.), da própria Psicologia da Saúde, das Ciências Cognitivas, da Saúde Pública, das Ciências Sociais, enfim, todas que compõem as Ciências do Desenvolvimento Humano (Sameroff, 2010Sameroff, A. (2010). A unified theory of development: A dialectic integration of nature and nurture. Child Development, 81(1), 6-22. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-8624.2009.01378.x
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; Shonkoff et al., 2012).

Exige-se, assim, que a atuação profissional nesse contexto seja inter e multidisciplinar. Muda-se, por conseguinte, o próprio local de atuação e pesquisa, passando a ser comum o fato de parte das pesquisas serem realizadas na sala de espera das consultas médicas, em enfermarias, ambulatórios, emergências, unidades de tratamento intensivo, berçário, alojamento conjunto, antes e durante procedimentos médicos invasivos, com pacientes em listas de pré-consulta, de diversas faixas etárias, seus cuidadores familiares e os profissionais de saúde (Boering & Crepaldi, 2013; Crepaldi, Rabuske, & Gabarra, 2006; Kazak, 2006Kazak, A. E. (2006). Pediatric Psychosocial Preventative Health Model (PPPHM): Research, practice, and collaboration in pediatric family systems medicine. Families, Systems, & Health, 24(4), 381-395. http://dx.doi.org/10.1037/1091-7527.24.4.381
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).

Com este enfoque, procurando colaborar com a divulgação do conhecimento e a formação nessa área, esta seção temática é aberta com um artigo histórico-conceitual, discutindo-se, em seguida, como analisar os impactos desenvolvimentais decorrentes de ser submetido precocemente a este ambiente estressante. Um dos grandes estressores nesse contexto é a dor, cujo tema é abordado diretamente em dois artigos, do ponto de vista de seu manejo pelos profissionais de saúde em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, e também com um enfoque centrado na área da Avaliação Psicológica em Psicologia da Saúde, discutindo-se suas relações com características de personalidade. Seguindo uma linha temporal de momentos passíveis de atuação do psicólogo no ambiente hospitalar, os artigos desta seção apresentam estudos realizados no atendimento pré-natal, com gestantes em situação de risco gestacional, chegando ao enfrentamento do medo da morte por câncer em pais de crianças hospitalizadas.

Abre esta seção temática o artigo de Adriano Valério dos Santos Azevêdo e Maria Aparecida Crepaldi (Universidade Federal de Santa Catarina), apresentando os aspectos históricos, conceituais e práticos da Psicologia no hospital geral nos Estados Unidos da América e no Brasil. Discutem a avaliação e a intervenção psicológica no hospital considerando a tríade: paciente, família e equipe de saúde.

O segundo artigo, elaborado por Maria Beatriz Martins Linhares (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo), apresenta modelos teóricos-conceituais sobre o impacto do estresse precoce no desenvolvimento e na saúde. O conteúdo vai, porém, além do enfoque conceitual, ao apresentar pesquisas na área de Psicologia Pediátrica realizadas em um hospital universitário público, com neonatos e crianças hospitalizadas, cujas condições clínicas ou de tratamento médico envolviam situações altamente estressoras.

O artigo de Ana Cristina Barros da Cunha, José Paulo Pereira Junior, Cláudia Lúcia Vargas Caldeira e Vanessa Miranda Santos de Paula Carneiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro) analisa o impacto do momento do diagnóstico de malformação fetal sobre a saúde mental de gestantes em atendimento pré-natal na Maternidade-Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Com um enfoque fenomenológico, o quarto artigo desta seção, elaborado por Sheila Maria Mazer-Gonçalves, Elizabeth Ranier Martins do Valle e Manoel Antônio dos Santos (Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto) procurou compreender os significados atribuídos por mães de crianças que terminaram o tratamento oncológico à morte de outras crianças com câncer, no contexto hospitalar.

O quinto artigo foi elaborado por Marina Kohlsdorf, Áderson Luiz Costa Junior e Felipe Diniz Marques (Universidade de Brasília), com base em pesquisa de delineamento transversal, mostrando os efeitos de listas de pré-consulta sobre comportamento comunicativo de cuidadores e crianças. Com resultados prescritivos para a prática no hospital, os autores mostram que o procedimento foi associado a dúvidas específicas dos cuidadores, relativas às recomendações alimentares, a lidar com efeitos colaterais, ao desenvolvimento da criança, aos aspectos biológicos do câncer e às atividades escolares. Este trabalho apresenta um procedimento de baixo custo, que pode contribuir para a comunicação em contextos pediátricos.

Em pesquisa realizada com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Sandra Willéia Martins, Sônia Regina Fiorim Enumo e Kely Maria Pereira de Paula analisam a influência do fator organizacional no engajamento de profissionais de saúde atuando em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal em práticas adequadas de alívio da dor do neonato, subsidiando intervenções voltadas à assistência neonatal humanizada.

Com outro artigo analisando a questão da dor no contexto hospitalar, esta seção se encerra com o artigo de Lucas de Francisco Carvalho, Ricardo Primi e Cláudio Garcia Capitão (Universidade São Francisco), que avaliam as características da personalidade em pacientes com dor crônica, de forma comparativa a pessoas sem esse diagnóstico. Contribuindo para a área da avaliação em Psicologia da Saúde, são analisadas duas escalas, que se mostraram adequadas para o contexto clínico, agregando informações relevantes para o profissional da área.

Esses sete artigos ilustram possibilidades de estudos no contexto hospitalar, com informações e resultados que podem subsidiar uma prática baseada em evidências, garantindo, assim, a qualidade dos serviços psicológicos prestados à população. Esta é uma forma de "... auxiliar no processo de construção do conhecimento e da difusão de informações científicas que possam orientar o cuidado oferecido aos indivíduos de forma efetiva e ética" (Melnik, Souza, & Carvalho, 2014Melnik, T., Souza, W. F., & Carvalho, M. R. (2014). A importância da prática da psicologia baseada em evidências: aspectos conceituais, níveis de evidência, mitos e resistências. Revista Costarricense de Psicología, 33(2), 79-92., p.79).

Profa. Dra. Sônia Regina Fiorim Enumo
Editora Associada, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia como Profissão e Ciência.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016
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