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A educação a distância em pesquisas acadêmicas: uma análise bibliométrica em teses do campo educacional1 1 Trabalho resultante de pesquisa realizada com apoio das agências de fomento Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Distance education in academic research: a bibliometric analysis of theses in the educational field

Resumos

Este artigo apresenta uma análise das relações entre os temas "Pesquisa" e "Educação a Distância" (EaD), buscando identificar as articulações entre a agenda de pesquisa sobre EaD e a evolução da área. Esta modalidade educacional tornou-se um fértil terreno para investigações, especialmente depois da sua recente expansão, decorrente do desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação. Assim, foi feita uma análise bibliométrica das produções científicas (teses de doutorado em Educação), catalogadas pelo Grupo Horizonte (UFSCar). Foram identificadas 83 teses sobre EaD, que foram analisadas detalhadamente. Os dados indicaram que a aproximação entre EaD e pesquisa ainda é tímida, mas foram encontrados indícios de que, também na EaD, a agenda de pesquisas caminha articulada com a evolução da própria área de estudo. Observou-se que a quantidade de estudos sobre EaD tem aumentado nos últimos anos, em consonância com a recente expansão da EaD, indicando a redefinição ou emergência de um campo investigativo mais maduro. Todavia, ainda carecemos de estudos mais densos sobre muitos aspectos da modalidade.

Educação a Distância; pesquisa; bibliometria; formação de professores; Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)


This article presents an analysis of the relationships between the topics "Research" and "Distance Education" (DE), aiming to identify the links between the research agenda on DE and the evolution of the area. Distance education has become a fertile ground for investigations, especially after its recent expansion, boosted by the development of digital information and communication technologies. Thus, a bibliometric analysis on scientific production (doctoral theses in Education), cataloged by the Grupo Horizonte (UFSCar) was performed. 83 theses on DE were identified and analyzed in detail. The data showed that the approach between DE and research is still shy, but there were indications that even concerning DE, the research agenda is articulated with the evolution of its own study area. It was observed that the amount of studies on distance education has increased in recent years, in line with the recent expansion of distance education, indicating the redefinition or emergence of a more mature investigative field. However, we still lack denser studies on many aspects of distance education.

Distance Education; research; bibliometrics; teacher training; Post-Graduation Program on Education (PPGE)


Introdução à aproximação entre Pesquisa e Educação a Distância

Este estudo pretende abarcar as relações atuais entre os campos da "Pesquisa" e da "Educação a Distância" como duas temáticas importantes e centrais para uma reflexão profícua, seja em análises individualizadas ou articuladas entre si. Por um lado, temos a recente e súbita expansão da Educação a Distância (EaD), com diferenciadas propostas pedagógicas e organizacionais, como fértil terreno para investigações. Ainda há muito por compreender sobre esta modalidade, especialmente pelas novas condições, demandas e desafios postos pelos mais recentes avanços das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).

Em outra seara, a ideia da pesquisa como componente necessário para a construção de conhecimento de uma área específica aponta para questões atuais que nos auxiliam a compreender melhor os processos que temos experimentado na consolidação da EaD em diferentes níveis educacionais. A importância da pesquisa é reconhecida, mas no campo da EaD ainda estamos tateando entre as limitações das questões pertinentes a esse campo: que tipo de pesquisa estamos realizando sobre EaD? Quais os cuidados teórico-metodológicos temos tomado em nossas investigações? Qual a finalidade dessa pesquisa? Que preparação temos para propor trabalhos sobre EaD que acompanhem o rápido desenvolvimento das tecnologias e o desenvolvimento dos docentes envolvidos nessa dinâmica? Podemos importar modelos e quadros teóricos de outras áreas "irmãs" do conhecimento (Filosofia, Psicologia, Ciências Sociais, entre outras)?

Para organizar a análise, o texto está estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresentamos uma análise teórica sobre pesquisa em EaD e, posteriormente, indicamos a proposta metodológica que adotamos na investigação que gerou este texto. Na sequência, apresentamos os dados e a sua análise e, ao final, sistematizamos alguns resultados e considerações finais sobre as aproximações entre pesquisa e EaD.

Sobre particularidades da Pesquisa em Educação a Distância

É muito importante cultivarmos uma progressiva aproximação entre ensino e pesquisa (Santos, 2001SANTOS, L. L. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: ANDRE, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 9. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 11-26.). Além disso, como afirmam Simonson et al. (2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.), geralmente a agenda de pesquisas em determinada área caminha articulada com a evolução da própria área de estudo. Que articulação podemos perceber entre a evolução da EaD e as investigações da área? A agenda de pesquisa da EaD segue a mesma tendência adotada por agendas de outros campos da educação ou segue tendência distinta?

Em seus estudos, Gatti (2001GATTI, Bernadete A. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 65-81, 2001.) chama a atenção para a expansão do ensino superior e da pós-graduação na segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990. Essa expansão, juntamente às experiências científicas que pesquisadores trouxeram de outros países para as universidades brasileiras, estimulou a diversificação dos trabalhos científicos. Nesse sentido, a pesquisa em Educação dá um salto, qualitativo e quantitativo, tanto em relação às temáticas abarcadas quanto às formas de abordagem. Desde a década de 1990, presenciamos uma reconfiguração do que se caracterizou como "pesquisa educacional". Além disso, como destaca a autora, este período pode ser caracterizado pela consolidação de alguns grupos de pesquisa no campo educacional e pelas orientações/avaliações sistemáticas dos órgãos de fomento à pesquisa. Disso decorre o amadurecimento de grupos de investigação em diferentes temáticas da educação.

Analisando essa evolução sobre pesquisa educacional ocorrida nas últimas décadas, podemos sugerir que a pesquisa em EaD também está vivendo seu momento de amadurecimento agora, nesse início do século XXI. Como observam Simonson et al. (2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.), as investigações sobre EaD passam por redefinições, do mesmo modo que é redefinida a própria modalidade, indicando que a agenda de pesquisas na área da EaD também caminha articulada com a evolução da própria área de estudo. A maturidade das pesquisas em EaD coincide também com a expansão da modalidade e a emergência das TDIC. Indícios disso são que: a) especialmente no começo deste século XXI, surgem grupos de pesquisa mais sólidos preocupados com a EaD; b) a temática EaD começa a compor as linhas de pesquisa de Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE) com tradição consagrada. Por todo o Brasil, está sendo desenvolvida alguma pesquisa relacionada à EaD e/ou à incorporação das tecnologias digitais em processos de ensino-aprendizagem.

De todo modo, considerando a mencionada importância da aproximação entre ensino e pesquisa, temos por hipótese que ainda é preciso fomentar estudos mais aprofundados e densos sobre muitos aspectos da temática. Para alguns autores, "grande parte das pesquisas [realizadas sobre EaD até hoje] usou relatos, questionários do tipo survey, entrevistas e instrumentos de autorrelato com amostras relativamente pequenas" (Rudestam & Schoenholtz-Read, 2002RUDESTAM, K. E.; SCHOENHOLTZ-READ, J. (Orgs.). Handbook of online learning: innovations in higher education and corporate training. California: Sage, 2002., p. 12, tradução nossa). Para eles, as pesquisas têm centrado esforços na comparação entre educação virtual e tradicional, indicando que há poucas diferenças na satisfação e na qualidade da experiência de ensino-aprendizagem. Por outro lado, ao tratar da evolução da agenda de pesquisa sobre a EaD, Simonson et al. (2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.) afirmam que o foco das pesquisas na área tem se aprofundado aos poucos.

O foco mudou para uma abordagem mais centrada no aluno. Pesquisadores não estão apenas olhando para conquistas, mas também estão examinando os atributos e percepções dos estudantes, bem como padrões de interação e como estes contribuem para o ambiente integral de aprendizagem. Embora haja interesse contínuo em tecnologia, o foco não é sobre qual meio é melhor, mas em quais atributos do meio podem contribuir para uma experiência de aprendizagem positiva (Simonson et al., 2009, p. 65, tradução nossa).

Logo na introdução do seu Handbook of Distance Education, Moore (2007MOORE, M. Handbook of Distance Education. 2. ed. Mahwah/New Jersey: LEA, 2007.) argumenta que o ambiente de gradual amadurecimento da compreensão sobre a modalidade impulsiona a EaD cada vez mais a se tornar parte da noção central da educação.

Um número crescente de estudantes está à procura de oportunidades para estudos acadêmicos na área e um número crescente de instituições educacionais está oferecendo programas de formação em EaD, nomeadamente no nível de pós-graduação. Evidência disto, por exemplo, pode ser vista no aumento do número de teses de doutorado, que incluem os termos de educação a distância ou ensino a distância em seus títulos, que, em média, numa estimativa mais modesta, chega a cerca de 100 a cada ano desde o início da década (Moore, 2007, p. ix, tradução nossa).

Esse processo evolutivo dos estudos sobre EaD indica amadurecimento metodológico e das perspectivas de análise da área. Indica também uma evolução da agenda de pesquisa sobre a EaD, decorrente das tecnologias digitais, que têm forçado a redefinição da modalidade (Simonson et al., 2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.). Conforme Rudestam e Schoenholtz-Read (2002RUDESTAM, K. E.; SCHOENHOLTZ-READ, J. (Orgs.). Handbook of online learning: innovations in higher education and corporate training. California: Sage, 2002.), é grande e crescente o volume de estudos que visam avaliar empiricamente os resultados e processos de educação a distância ou on-line. Ou seja, a EaD tem se mostrado como campo fértil para estudos e pesquisas.

Por ser um campo demasiado complexo e ainda em definição, o desafio para a realização de pesquisas sobre EaD começa mesmo na definição do foco do estudo. Algumas questões são postas aos especialistas, tais como: o que ainda há por pesquisar? Quais os estudos já realizados na área? Decorrem daí questões mais gerais e basilares: como podemos categorizar as pesquisas sobre EaD? Como pensar a modalidade em termos de investigação? Que aspectos devem ser observados e analisados do ponto de vista da pesquisa?

Buscando organizar os elementos básicos da investigação no campo da EaD, Holmberg (1987HOLMBERG, B. The development of distance education research. The American Journal of Distance Education, v. 1, n. 3, p. 16-23, 1987.) sugeriu que a estrutura da pesquisa em EaD pode incluir os seguintes pontos:

filosofia e teoria da EaD;

alunos a distância e seu meio, suas condições e motivações para estudo;

apresentação do objeto;

comunicação e interação entre os alunos e demais sujeitos envolvidos (tutores, conselheiros, administradores, outros alunos etc.);

administração e organização da EaD;

economia e financiamento da EaD;

sistemas de educação a distância (EaD comparativa, tipologias , avaliação etc.); e

história da EaD.

Esses aspectos podem nortear a concepção de estudos sobre a EaD, mas também indicam que são muitas e diversas as frentes da EaD ainda silenciadas pelas investigações da área. Imersos nesse cenário e motivados por diferentes questões, temos envidado esforços, junto ao Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens - UFSCar), para aproximar as áreas da EaD e da pesquisa. Na intenção de melhor compreender a relação entre essas duas temáticas, pela identificação de padrões e tendências que auxiliem a traçar algumas considerações pertinentes à Pesquisa em EaD, apresentamos neste texto uma análise Bibliométrica4 4 Segundo Pritchard (1969), o termo Bibliometria (em inglês Bibliometrics) é sugerido para denominar o tratamento estatístico de informação. Vale ressaltar que a bibliometria difere da análise bibliográfica. A bibliometria é também conhecida, na literatura, como cientometria. Ambas constituem uma metodologia (método) de pesquisa com características próprias, sempre com tratamento rigoroso e científico de informações organizadas em bases de dados. Geralmente, a bibliometria incorpora análises qualiquantitativas em bases de dados constituídas especificamente para tais fins, tais como bases de produções científicas (teses, livros, periódicos, eventos etc.). realizada com teses de doutorado defendidas em importantes Programas de Pós-Graduação em Educação brasileiros.

Assim, a proposta deste texto é analisar a importância dada à temática EaD em pesquisas de doutorado em Educação, analisando bibliometricamente uma Base de Teses organizada pelo Grupo Horizonte. As aproximações entre Pesquisa e EaD serão consideradas pela identificação dos trabalhos sobre a EaD em relação às demais teses e pela análise de seus metadados. Como geralmente pressupõem os estudos bibliométricos, foram feitas análises quantitativas e qualitativas dos dados da Base de Teses. Assim, buscou-se identificar, qualiquantitativamente, quais os assuntos preponderantes e os pontos de silenciamento em teses sobre EaD. Como veremos nas próximas seções, alguns aspectos dos dados analisados nos auxiliam na melhor compreensão da EaD em sua relação com a Pesquisa.

Caminhos da Pesquisa: a análise bibliométrica como estratégia metodológica

Desde a sua criação, em 2007, o Grupo Horizonte vem envidando esforços para compreender, sob diferentes perspectivas, os processos pedagógicos mediados pelas tecnologias digitais - com particular atenção àquelas tecnologias incorporadas pela EaD de tipo virtual. Uma das preocupações dos pesquisadores do Grupo é acompanhar tipos e tendências de conhecimentos produzidos e disseminados nessa área. Nesse sentido, uma das estratégias do Grupo é a bibliometria (análises qualiquantitativas em bases de dados constituídas por produções científicas da área, tais como teses, livros, periódicos, anais de eventos etc.).

Consideramos os estudos bibliométricos muito adequados para mapear tipos e tendências dos estudos de uma área, além de identificar temas mais recorrentes ou silenciados em pesquisas e publicações da área. Assim, o presente trabalho analisa a relação entre as temáticas Educação a Distância e Pesquisa, tendo como estratégia um movimento metodológico baseado em investigações científicas desenvolvidas e publicadas em teses de doutorado. Sendo a estratégia central da proposta metodológica aqui adotada, consideramos importante detalhar a análise bibliométrica realizada e a Base de Teses utilizada para o estudo.

Para a análise bibliométrica, utilizamos uma base de dados do Grupo Horizonte, constituída por teses de doutorado5 5 Na catalogação da Base de Teses foram consideradas as produções disponíveis virtualmente na página de internet da própria instituição ou da Capes. A catalogação foi concluída em meados de 2013. , que assim pode ser caracterizada:

são 3.469 teses catalogadas em banco de dados Access 6 6 Access é uma ferramenta de banco de dados relacional da Microsoft(r). ;

há teses de 26 programas de doutorado em Educação, incluindo todos aqueles classificados pela Capes com nota 7, 6 ou 5 e, também, alguns classificados com nota 4;

as teses foram defendidas entre 2002 e 2012, constituindo um recorte histórico de aproximadamente 10 anos7 7 Considerando que uma tese é concebida 3 ou 4 anos antes da defesa, podemos trabalhar com um recorte de 10 a 15 anos de interesse na temática. de defesas;

no conjunto, as teses possuem 5.847 termos diferentes (sem repetições), com um total de 15.318 recorrências em todas as teses.

Vale registrar que, por ser um estudo bibliométrico, se seguiu o rigor metodológico necessário à estruturação de uma base desse tipo, que exige cuidado e coerência na recolha e catalogação das informações no banco de dados. As análises bibliométricas só podem ser realizadas em bases que permitam analogias, comparação, levantamentos estatísticos e filtros das informações. Para isso, a catalogação da Base de Teses do Grupo Horizonte foi cuidadosamente organizada com as seguintes informações das teses: título da tese, autoria, ano da defesa, resumo do trabalho, palavras-chave e instituição da defesa. Esses foram os campos da base de dados utilizados para filtro das informações das teses catalogadas.

Como já indicado anteriormente, foram identificadas e analisadas as produções relacionadas a duas temáticas: Educação a Distância (EaD) e Pesquisa. Essa análise foi feita tendo como fio condutor as seguintes perspectivas:

perspectiva 1: levantamento de teses que trataram, especificamente, de pesquisas no âmbito da modalidade; ou seja, primeiro fizemos uma metainvestigação, tentando identificar a existência de pesquisas sobre pesquisas em EaD; e

perspectiva 2: mapeamento de teses sobre EaD, entendendo que toda tese de doutorado constitui, em si, uma pesquisa.

No nosso entendimento, a metanálise da pesquisa em EaD (primeira perspectiva) atende diretamente ao objetivo deste texto, pois busca identificar e analisar a relação entre EaD e Pesquisa. Todavia, para usufruir das ricas possibilidades oferecidas pela bibliometria, aprofundamos o estudo qualiquantitativo da relação EaD-Pesquisa pela identificação, agrupamento e análise das teses defendidas na temática EaD. Assim, essas duas perspectivas de análise acima indicadas se complementam e integram vantagens peculiares. Pelos resultados deste trabalho, que consideramos positivos e interessantes a todos que pensam e fazem EaD, podemos dizer que cada um dos ângulos de análise trouxe elementos e contributos para o estudo aqui proposto.

Nas próximas seções do texto apresentamos o tratamento metodológico dos dados e, também, os resultados da análise bibliométrica das teses de doutorado catalogadas.

Uma metanálise das pesquisas em EaD

Primeiramente, buscamos mapear as teses relacionadas à Pesquisa em geral e, a partir daí, filtramos aquelas que tratavam especificamente de EaD. Esse mapeamento procurou identificar trabalhos que tratassem, como objeto de estudo, da pesquisa no âmbito da EaD. Assim, filtramos e organizamos as teses produzidas com foco em investigações para, depois, identificar alguma pesquisa sobre pesquisas (em geral ou na EaD). Na Tabela 1, agrupamos as produções da Base de Teses que apresentassem a palavra "pesquisa" ou termos relacionados nos termos-chave ou nos títulos dos trabalhos.

Tabela 1:
Relação de termos sobre a temática pesquisa e quantidade de ocorrências8 8 O asterisco (*) nos termos "pesquisa*" e em "investig*" indica que foram procurados termos conjuntados a pesquisa ou investigação. Por exemplo, incluem-se na busca as teses com termos do tipo: pesquisa educacional, pesquisa científica, atividade investigativa etc.

Observou-se que, em teoria, 180 teses elencadas tratavam direta ou indiretamente da pesquisa como tema de investigação, o que equivale a 5,2% das 3.469 teses da Base de dados. Em 120 delas havia algum termo-chave sobre pesquisa e 125 das 180 teses traziam em seu título algum termo relacionado à pesquisa. Numa análise cruzada, percebemos que a temática pesquisa estava em 65 (36,1%) das 180 teses, tanto nos títulos quanto nas palavras-chave. Estar contemplada no título e também nos termos-chave indica que os autores deram mais atenção ao assunto e, de certa forma, sugere tratamento mais focado ou aprofundado da temática em foco, no caso pesquisa.

Depois de uma análise detalhada, constatou-se que, dentre as 180 teses com a temática pesquisa, nenhuma delas tratava especificamente de "pesquisas em EaD". Entretanto, identificamos que 8 das 180 teses tangentes à pesquisa (Tabela 1) tinham em seu título algum dos termos sobre EaD. Analisando em detalhes as propostas dessas 8 pesquisas, encontrou-se que:

i) uma tese tratava de investigação sobre semiótica em ambientes virtuais de aprendizagem;

ii) três teses focavam a pesquisa como meio de formação docente; e

iii) as outras quatro analisavam cursos de pós-graduação on-line ou a distância (aqui a EaD era apenas campo da pesquisa).

Pode-se concluir, na metanálise, que não há trabalhos de doutoramento versando sobre pesquisa em EaD. Essa ausência de estudos sobre pesquisa em EaD, resultante da primeira análise, pode ser indício de que a EaD não tem sido tratada como campo específico do conhecimento, com características próprias; ou pode ser decorrência do fato de a EaD ser um campo de estudos ainda jovem, que está buscando sua delimitação como área de conhecimento e pesquisa. Como decorrência dessa questão, outros questionamentos se fazem presentes, tais como: a abrangência de estudo da EaD está bem-desenhada? A EaD é (ou está sendo tratada como) subordinada a outras áreas de conhecimento?

Enfim, essas reflexões tratam de aspectos merecedores de análises pormenorizadas e aprofundadas. Todavia, não temos a pretensão de conseguir responder definitivamente a todas as questões neste presente estudo. São indagações postas como inquietação da inexistência de teses sobre pesquisas em EaD na base considerada. Assim, por fugir do escopo deste texto, convidamos outros pesquisadores a aprofundarem estudos nesta seara da EaD.

Como indicamos anteriormente, analisaremos os dados numa segunda perspectiva, no mapeamento de teses sobre EaD, entendendo que toda tese de doutorado constitui, em si, uma pesquisa. Nesse sentido, é importante um tratamento dos dados direcionando o olhar apenas para os trabalhos da base voltados para a modalidade. Na próxima seção, analisaremos as teses que, entre as 3.469 produções, tratam de algum aspecto particular da EaD.

A tese como pesquisa: identificando produções sobre EaD

Como já foi dito, nesse segundo movimento de análise da relação entre pesquisa e EaD, não teremos em conta somente as "teses sobre pesquisa em EaD", mas todas as teses da Base. Desse modo, uma tese constitui, em si, uma investigação; e, por isso, uma tese sobre EaD pode ser analisada como relação entre "pesquisa" e "EaD". Numa definição simplificada, podemos dizer que uma tese é uma pesquisa porque ela atende às três condições mínimas da investigação sugeridas por Beillerot (2001BEILLEROT, J. A "pesquisa": esboço de uma análise. In: ANDRE, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 9. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 71-90.), quais sejam: é uma produção de conhecimentos novos (critério 1), é uma produção rigorosa de encaminhamento (critério 2) e é uma comunicação de resultados (critério 3).

Com esse entendimento, sistematizamos todas as teses catalogadas na Base do Grupo Horizonte e filtramos aquelas relacionadas à modalidade de EaD, organizando-as, por exemplo, quanto ao ano de defesa e quanto à instituição mantenedora do PPGE em que a tese foi defendida. A ideia foi buscar padrões e tendências nas produções catalogadas. Mas, afinal, como fazer esse tipo de análise?

Lançando mão das estratégias da bibliometria, filtramos as teses sobre EaD na grande base à nossa disposição (3.469 teses catalogadas), classificando, organizando, agrupando, quantificando e analisando cada disposição dos dados. De partida, esta tarefa configurou-se como um desafio porque identificamos muitos termos relacionados à modalidade de EaD, de modo que algum deles pode ter sido adotado como termo-chave em substituição ao próprio termo Educação a Distância. Essa profusão terminológica exige cuidado em tratamentos bibliométricos de determinada temática em bases de dados, como se propõe neste artigo. Por isso, de acordo com a literatura da área10 10 Para criar uma lista de termos relacionados à EaD, consultamos autores como: Carmo (1997), Litwin (2001), Rumble (2003), Belloni (2003), Palloff e Pratt (2004), Silva (2006), Moore e Kearsley (2008), Rosenberg (2008), Peters (2009), Mill (2012), Litto e Formiga (2012), entre outros. , mapeamos um conjunto de termos relacionados à modalidade, apesar de nem sempre serem sinônimos de EaD. A Tabela 2 apresenta esses termos relacionados e aponta as quantidades de suas aparições nas teses catalogadas, seja nos títulos dos trabalhos ou nos seus termos-chave.

Tabela2:
Relação de termos relacionados à educação a distância (EaD) e mapeamento da temática na base de teses

Resumidamente, esta Tabela 2 indica a existência de 103 teses contendo algum dos termos relacionados à EaD, identificadas pela ocorrência dos assuntos nos títulos ou nas palavras-chave das teses. Observou-se que 97 teses tinham um (ou mais) dos termos relacionados nas palavras-chave e 59 teses tinham um (ou mais) dos termos relacionados nos títulos. Dessas 156 (97+59) teses resultantes, identificamos que 53 teses tinham um (ou mais) termos relacionados, tanto em seus títulos quanto em suas palavras-chave. Logo, restam efetivamente apenas 103 trabalhos distintos para análise.

Analisamos os títulos, o conjunto de termos-chave e os respectivos resumos das 103 teses identificadas e julgamos necessário desconsiderar 20 delas, pois não tratavam de EaD direta ou indiretamente. Assim, finalmente, no universo de 3.469 teses, restou um conjunto de 83 teses sobre a EaD para classificação e estudo das temáticas de interesse deste texto. Portanto, trabalharemos a partir da próxima seção com detalhes dessas 83 teses, equivalentes a 5,65% das produções da base.

Sistematização das teses selecionadas

Como primeiro exercício, filtramos e organizamos as 83 teses pelas categorias onde e quando foram defendidas. Como resultado, a Figura 1 apresenta a distribuição das teses selecionadas por ano e por região brasileira em que as teses foram defendidas.

Figura 1
Distribuição das teses sobre EaD, organizadas por ano e por região de defesa (percentuais)

Esses dados da Figura 1 guardam estreita correlação com os dados das Tabelas 3 e 4, que apresentam a distribuição, quanto ao ano e às instituições de defesa, de todas as teses da base (3.469 teses) em paralelo com as teses que tratam de EaD (83 teses). Analisando todo o montante dos dados da base ou apenas o filtro das teses sobre EaD, percebe-se maior concentração das defesas após o ano de 2005 e particular centralização nos anos de 2008 a 2012, que agrupam 59 (mais de 71%) das produções sobre EaD. Isso representa uma tendência crescente das produções em EaD nos anos mais recentes, mas é preciso relativizar a conclusão, pois não parece uma particularidade da EaD. Também verificamos a mesma tendência no montante das teses. No mesmo período, foram defendidas 2.172 (62,61%) das 3.469 teses da base analisada. Ou seja, a tendência das produções em EaD mostra-se um pouco mais crescente (aproximadamente 9%) do que a produção em geral, mas os dados indicam que esse crescimento não é peculiar apenas da área de EaD.

Tabela 3:
Distribuição das quantidades e percentuais das teses (montante e filtro) organizadas por ano de defesa

Tabela 4:
Distribuição das quantidades e percentuais das teses (montante e filtro) organizadas por instituição de defesa da tese

Para evitar conclusões precipitadas, equivocadas ou preconceituosas, fazemos aqui uma ressalva. A distribuição das teses por região (Figura 1) ou por instituições (Tabela 4) pode induzir à conclusão de que algumas regiões ou instituições não têm produzido teses sobre a EaD. Todavia, essa conclusão seria incorreta, pois o dado acima apresentado não reflete a produção real das regiões/instituições e sim a sua relação com o montante das teses catalogadas na base analisada. Ou seja, é possível e provável que outras teses tenham sido defendidas em todas as IES constantes da nossa base e, também, em outros cursos de doutorado não considerados no banco de dados analisado. A análise dos dados acima deve sempre considerar as teses identificadas sobre EaD em relação aos trabalhos catalogados na referida base.

Isto é importante porque a distribuição das teses por ano, região e por instituição não visa classificar as regiões/instituições. Como análise bibliométrica, essa distribuição estabelece parâmetros de análise na relação entre ano/região/IES da defesa da tese em relação às demais teses, identificando a evolução histórica e as tendências das produções. Assim, qualquer análise dos dados da referida Base de Teses deve considerar a limitação da amostra, sob pena de conclusões equivocadas. Por exemplo, observou-se que quase 80% das teses catalogadas foram produzidas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, ao passo que nenhuma das teses foi defendida na região Norte. Isto significa que, destacadamente, a quantidade de teses disponíveis virtualmente por ocasião da catalogação da base era menor (ou inexistente) em instituições de algumas regiões do país.

Todavia, por desigualdades sócio-históricas, financeiras ou por outros motivos, deve-se ressalvar que há de fato menor quantidade de PPGEs com nota Capes igual ou superior a 4. Além disso, já dissemos que os dados catalogados foram coletados em fontes disponíveis na internet, o que desfavorece algumas regiões com menor disponibilidade de tecnologias digitais. De qualquer forma, os dados acusam irregularidade na distribuição das produções pelas regiões ou pelas instituições brasileiras. Os dados alertam, também, a ainda desigual distribuição dos cursos de doutorado em educação pelo país.

Por fim, os dados catalogados indicam que, apesar de agrupar menos de 1/4 (24,25%) das produções da base integral, a região Sul participa com 31,33% das 83 teses sobre EaD. A região Sudeste incorpora 61,14% das 3.469 teses da base, mas das 83 teses sobre EaD não detém metade das teses (48,18%). As três instituições da Região Centro-Oeste e Distrito Federal também demonstram melhor índice proporcional de defesas de teses sobre EaD: com apenas 4,35% das teses da base integral, agrupando 9,64% das teses sobre EaD. A região Nordeste ficou com índice equilibrado entre as teses da base integral (10,26%) e as teses sobre EaD (10,85%).

Análise e categorização das teses sobre Educação a Distância

Organizamos e analisamos as 15.318 recorrências dos termos-chave em todas as 3.469 teses e elaboramos o diagrama apresentado na Figura 2.

Figura 2:
Disposição gráfica das recorrências dos termos-chave em todas as teses catalogadas na base do Grupo Horizonte.

Podemos observar que os dez termos mais evidentes são, em ordem decrescente de aparição: formação de professores; ensino superior; professor-formação; política educacional; políticas públicas; currículo; educação infantil; formação; história da educação e professor. Juntos, esses termos representam 1.188 recorrências, o que equivale a 7,76% do total de recorrências e 34,25% do total de termos.

Fizemos o mesmo exercício com as recorrências dos termos-chave das 83 teses defendidas sobre a temática EaD e elaboramos o diagrama apresentado na Figura 3.

Figura 3:
Disposição gráfica das recorrências dos termos-chave das 83 teses sobre EaD, catalogadas na base do Grupo Horizonte.

Está sensivelmente perceptível que os termos mais recorrentes são, em ordem decrescente: educação a distância; ensino a distância; formação de professores; ambiente virtual de aprendizagem; tecnologia educacional; professor-formação; professor; educação on-line; ensino superior e política educacional. Como era esperado, os termos educação a distância e ensino a distância foram os que mais apareceram: em 40 e 23 teses, respectivamente.

Todavia, percebemos uma sensível diferença na disposição gráfica dos termos da Figura 4, resultante da análise de cada título e resumo das 83 teses.

Figura 4:
Diagrama de distribuição dos descritores atribuídos às 83 teses sobre EaD, com base em análise dos seus títulos e resumos.

Para elaborar a Figura 4, extraímos, nós mesmos, os dois temas mais evidentes de cada trabalho, a partir da leitura atenta do seu título e resumo. Da relação resultante, observamos que os quatro temas mais pesquisados entre as teses sobre EaD são, em ordem decrescente, ambiente virtual de aprendizagem (12 teses), docência (10 teses), formação de professores (9 teses) e tutoria (6 teses). Outros três temas (avaliação da aprendizagem, gestão e políticas públicas) apareceram cinco (5) vezes cada, e outros quatro temas (educação superior, ensino-aprendizagem, licenciatura e tecnologia educacional) surgiram quatro (4) vezes cada. Todos os outros assuntos apareceram em apenas uma ou duas teses.

De forma panorâmica, essas Figuras 2, 3 e 4 retratam tendências nas pesquisas educacionais e pontos de destaque para discussão para quem deseja compreender melhor a pesquisa e a modalidade EaD. Ficam claros aspectos mais evidentes ou silenciados nas pesquisas sobre a modalidade. De modo geral, sabemos que mesmo os assuntos mais investigados merecem atenção, pois ainda há muitos detalhes por entendermos no fenômeno educacional, e, sem dúvidas, a investigação ocupa lugar de destaque nesse processo de melhor compreensão dos diversos aspectos de um fenômeno.

Em tempo, alertamos para a estreita relação entre os temas mais recorrentes ou silenciados nas pesquisas em EaD com os limites da modalidade e as suas reais condições de implementação. A carência de estudos mais estruturais sobre a efetiva institucionalização da modalidade no seio da mantenedora, por exemplo, indica que ainda há aspectos básicos merecendo atenção em estudos e pesquisas na área. A própria investigação em EaD ou o tipo de vínculo empregatício dos docentes da EaD são outros exemplos de temas silenciados nos estudos analisados.

Por outro lado e enfim, merece atenção o fato de haver, na Figura 2, três termos relacionados diretamente ao professor (formação de professores, professor-formação e professor) entre os 10 termos-chave mais atribuídos/estudados pelos autores das teses. Somando-se, são mais de 500 teses que têm termos-chave relacionados ao docente; ou seja, em torno de 15% das teses da base. Também na Figura 3 (amostra/filtro EaD), destaca-se a quantidade de teses que tratam de docência/educador: somando-se os termos relacionados a professor/docência/tutoria ou ao fazer docente (formação de professor, professor, formação continuada, docência on-line, tutoria, aprendizagem da docência, prática docente, tutor a distância etc.), temos 51 recorrências: o que equivale a mais de 60% das teses sobre EaD. Além disso, outros termos-chave relacionados à prática pedagógica, se considerados, somam outras 14 recorrências. Quanto aos assuntos atribuídos por nós mesmos (Figura 4), observamos que o foco de 25 (mais de 30%) das teses sobre EaD voltava-se para o educador.

Enfim, averiguamos e concluímos que nenhuma outra temática foi tão recorrente nas teses consideradas quanto o docente, seja em relação a todas as teses da base ou em relação à amostragem de teses sobre EaD. Decorre daí o indicativo de alta importância dada ao educador e sua formação em pesquisas de doutorado nos últimos anos, seja no âmbito da EaD ou da educação em geral. Esta conclusão assemelha-se àquelas encontradas por Kenski (2003KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.), Alonso e Rocha (2013ALONSO, K. M.; ROCHA, S. A. (Orgs.). Políticas públicas, tecnologias e docência: educação a distância e a formação do professor. Cuiabá: Central de Texto; EdUFMT, 2013. e-book.), Mill, Ribeiro e Oliveira (2014MILL, D.; RIBEIRO, L. R. C.; OLIVEIRA, M. R. G. (Orgs.). Polidocência na Educação a Distância: múltiplos enfoques. São Carlos: EdUFScar, 2014. 200 p.), entre outros autores.

Alguns resultados e outras considerações finais: aproximações entre pesquisa e Educação a Distância

Os dados da nossa investigação indicaram que ainda é tímida a aproximação entre ensino e pesquisa sugerida por Santos (2001SANTOS, L. L. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: ANDRE, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 9. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 11-26.). Todavia, há indícios de que a agenda de pesquisas em EaD, assim como sugerem Simonson et al. (2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.), caminha articulada com a evolução da própria área de estudo: observamos que a quantidade de teses sobre EaD tem aumentado nos últimos anos, em consonância com a recente expansão da própria área de EaD.

Pelos dados, não é possível afirmar que a pesquisa em EaD vive um momento de amadurecimento, mas entendemos que tal maturidade é um processo natural, seja pela quantidade ou pelo aprofundamento das investigações. Sabemos que já existem muitas pesquisas sobre EaD em todo o mundo e com progressivo aprofundamento, mas, como argumentam Rudestam e Schoenholtz-Read (2002RUDESTAM, K. E.; SCHOENHOLTZ-READ, J. (Orgs.). Handbook of online learning: innovations in higher education and corporate training. California: Sage, 2002.), ainda carecemos de estudos mais densos sobre muitos aspectos da modalidade. Assim como sugerem Simonson et al. (2009SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.), entendemos que, neste começo de século XXI, as pesquisas sobre EaD e a própria modalidade passam por redefinições, indicando aproximações entre a agenda de pesquisas sobre a EaD e a própria área de estudo. Esse é também o argumento apresentado por Moore (2007MOORE, M. Handbook of Distance Education. 2. ed. Mahwah/New Jersey: LEA, 2007.).

A análise dos dados da Base de Teses do Grupo Horizonte possibilitou concluir que:

a quantidade de teses defendidas no período pesquisado (2002-2012) sugere uma maior concentração das defesas após o ano de 2005, com índice mais acentuado (62,61%) nos anos de 2008 a 2012;

a mesma tendência do item acima foi observada nas teses sobre EaD, em que mais de 71% (59) das teses foram defendidas no período 2008-2012. Esse índice (71%) observado para teses sobre EaD é sensivelmente maior do que aquele observado nas teses em geral (62,61%). Isso coincide com a expansão da EaD, sobretudo com o impulso dado pela criação do Sistema UAB, que teve as primeiras turmas iniciadas em 2007 e integrou praticamente todas as instituições públicas de ensino superior do Brasil;

a distribuição das teses por região e instituição buscou identificar a evolução histórica e tendências das produções na área, sem classificar as regiões/instituições brasileiras. Todavia, os dados acusaram irregularidades na distribuição dos Programas de Pós-Graduação em Educação (ao menos em cursos de doutorado) pelas regiões do país. Trata-se de um alerta importante, considerando que a realização de pesquisas tem estreita relação com o fortalecimento de grupos de pesquisa, a quantidade de doutores disponíveis nas instituições e o poder para formar opinião nacional sobre determinado tema (EaD, por exemplo);

os dados evidenciaram centralidade do tema professor/docente/ formação docente nas teses analisadas, indicando que o movimento das pesquisas em EaD está acompanhando a tendência das investigações na área de Educação em geral: tomar o professor no centro da discussão, como importante agente na definição das estratégias de ensino e de aprendizagem, autor de recursos didáticos, pessoa e profissional em desenvolvimento. Esse importante debate aponta avanços e lacunas nas pesquisas atuais e merece ser tratado com mais detalhes em trabalhos futuros.

O contexto em que foi realizada esta pesquisa e indicações da análise dos dados revelam a importância de iniciativas que contribuem para a definição e crescimento da área de pesquisa em EaD. Contudo, "algumas considerações precisam ser tecidas no que se refere à escolha das questões de pesquisa, para que não enveredemos para uma pesquisa somente de cunho utilitário com prevalência do aparente e do excessivamente limitado" (Gatti, 2001GATTI, Bernadete A. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 65-81, 2001., p. 70). Concordando com a autora, não devemos deixar de lado problemas concretos que permeiam o cotidiano dos atores que pesquisam e praticam EaD, sobretudo, considerando a inovação de métodos e recursos que fazem parte da natureza e da construção dessa modalidade. Mas a busca por questões adequadas que tragam em seu bojo questionamentos teórico-metodológicos é condição sine qua non para o avanço e definição da área, que ainda prescinde de limites e identidade.

Outro aspecto importante a ser destacado é a promoção de eventos científicos na área, e a criação, reestruturação e manutenção de redes de instituições e pesquisadores envolvidos com a modalidade de EaD representam boas estratégias de valorização e delimitação da área. Nesse sentido, a UNIREDE (Associação Universidade em Rede)13 13 Saiba mais sobre a UNIREDE em: <www.aunirede.org.br>. e a ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância)14 14 Saiba mais sobre a ABED em: <www.abed.org.br>. ocupam um lugar importante como instâncias que agregam instituições e profissionais que pensam e fazem EaD. Por outro lado, por não possuir praticamente nenhuma frente de discussão sobre a EaD, a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) tem pecado em seu papel de representatividade dos pesquisadores envolvidos com a modalidade. Por enquanto, nenhum dos 24 GT (Grupos de Trabalho) da ANPEd volta-se para questões particulares da EaD.

Outra iniciativa importante são os eventos científicos sobre a EaD. No Brasil, a UNIREDE, a ABED e a ANPEd realizam anualmente eventos nacionais e/ou regionais, com destaque para o ESUD (Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância), para o CIAED (Congresso Internacional ABED de Educação a Distância) e para a Reunião Anual da ANPEd. Esta última, apesar de ser um dos eventos mais importantes do país no campo educacional, não acolhe as demandas das pesquisas em EaD. Assim, o ESUD e o CIAED representam os principais eventos de divulgação de trabalhos científicos no campo da EaD.

Diversos outros eventos destacam-se nesta área, visando suprir as lacunas de divulgação e ambientes de debates sobre questões da EaD. Como exemplo, podemos citar o SIED-EnPED (Simpósio Internacional de Educação a Distância e Encontro de Pesquisadores em Educação a Distância), organizado pelo Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens - UFSCar) e pela SEaD (Secretaria Geral de Educação a Distância da UFSCar), e o Seminário de Educação a Distância do Centro de Apoio à Educação a Distância (CAED/UFMG). Nesses eventos, nacionais ou internacionais, institucionais ou interinstitucionais, tem se instalado um fértil debate sobre particularidades da EaD e/ou, como indicam Kenski (2003KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.) e Alonso e Rocha (2013ALONSO, K. M.; ROCHA, S. A. (Orgs.). Políticas públicas, tecnologias e docência: educação a distância e a formação do professor. Cuiabá: Central de Texto; EdUFMT, 2013. e-book.), sobre a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem em geral por meio da incorporação de tecnologias digitais de informação e comunicação.

Nesses ainda poucos espaços de discussão e divulgação das pesquisas em EaD, são tratadas as mais diferentes frentes, tais como: a) formação de professores para atuarem em EaD; b) implantação dos 20% das disciplinas do presencial na modalidade EaD; c) institucionalização da modalidade nas Instituições de Ensino Superior (IES); d) fomento a políticas de criação e de uso dos recursos educacionais abertos (REA) pelos docentes; e) fortalecimento dos laboratórios de formação e desenvolvimento de recursos didáticos e letramento digital em todas as IES interessadas; entre outras muitas temáticas mais evidentes ou ainda silenciadas, mas nem por isso menos importantes.

Para finalizar nossas considerações destacamos que a relação entre pesquisa e EaD analisada nas diferentes etapas deste trabalho procurou, ainda que de forma panorâmica, compreender melhor como a área tem sido abordada em trabalhos acadêmicos. Não tivemos, portanto, a pretensão de esgotar o assunto, tampouco responder a todas as questões aqui levantadas.

Trabalhos futuros poderão preencher as lacunas aqui identificadas, sobretudo, aquelas que necessitam ser ainda descortinadas pela pesquisa. Ainda assim, de forma crescente e urgente percebemos a necessidade da delimitação de uma área de conhecimento, em busca de percursos metodológicos mais definidos, que auxiliem na compreensão das questões pertinentes à temática EaD. Aos interessados em juntar esforços ao Grupo Horizonte na investigação de algum aspecto da EaD, sugerimos que comece a análise pelos elementos propostos por Holmberg (1987HOLMBERG, B. The development of distance education research. The American Journal of Distance Education, v. 1, n. 3, p. 16-23, 1987.), já destacados anteriormente. Fica o convite!

  • ALONSO, K. M.; ROCHA, S. A. (Orgs.). Políticas públicas, tecnologias e docência: educação a distância e a formação do professor. Cuiabá: Central de Texto; EdUFMT, 2013. e-book.
  • BEILLEROT, J. A "pesquisa": esboço de uma análise. In: ANDRE, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 9. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 71-90.
  • BELLONI, M. L. Educação a distância. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2003.
  • CARMO, H. Ensino superior a distância: contexto mundial. Lisboa: UAb - Universidade Aberta de Portugal, 1997. 2 v.
  • GATTI, Bernadete A. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 65-81, 2001.
  • HOLMBERG, B. The development of distance education research. The American Journal of Distance Education, v. 1, n. 3, p. 16-23, 1987.
  • KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.
  • LITTO, F. M.; FORMIGA, M. Educação a Distância: o estado da arte 2. São Paulo: Pearson, 2012.
  • LITWIN, E. Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001.
  • MILL, D. Docência virtual: uma visão crítica. Campinas: Papirus, 2012.
  • MILL, D.; RIBEIRO, L. R. C.; OLIVEIRA, M. R. G. (Orgs.). Polidocência na Educação a Distância: múltiplos enfoques. São Carlos: EdUFScar, 2014. 200 p.
  • MOORE, M. Handbook of Distance Education. 2. ed. Mahwah/New Jersey: LEA, 2007.
  • MOORE, M.; KEARSLEY, G. Educação a Distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
  • PALLOFF, R. M.; PRATT, K. O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes on-line. Porto Alegre: Artmed, 2004.
  • PETERS, O. A educação a distância em transição. São Leopoldo: EdUnisinos, 2009.
  • PRITCHARD, A. Statistical bibliography or bibliometrics? Journal of Documentation, v. 25, n. 4, p. 348-349, 1969.
  • ROSENBERG, M. J. Além do e-learning: abordagens e tecnologias para a melhoria do conhecimento, do aprendizado e do desempenho organizacional. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008.
  • RUDESTAM, K. E.; SCHOENHOLTZ-READ, J. (Orgs.). Handbook of online learning: innovations in higher education and corporate training. California: Sage, 2002.
  • RUMBLE, G. A gestão dos sistemas de ensino a distância. Brasília: UnB; Unesco, 2003.
  • SANTOS, L. L. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: ANDRE, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 9. ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 11-26.
  • SILVA, M. Educação online. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
  • SIMONSON, M.; SMALDINO, S.; ALBRIGHT, M.; ZVACEK, S. Research and Distance Education. In: SIMONSON, M.Teaching and Learning at a Distance: foundations of distance education. São Paulo: Pearson, 2009. p. 64-88.
  • 1
    Trabalho resultante de pesquisa realizada com apoio das agências de fomento Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
  • 4
    Segundo Pritchard (1969), o termo Bibliometria (em inglês Bibliometrics) é sugerido para denominar o tratamento estatístico de informação. Vale ressaltar que a bibliometria difere da análise bibliográfica. A bibliometria é também conhecida, na literatura, como cientometria. Ambas constituem uma metodologia (método) de pesquisa com características próprias, sempre com tratamento rigoroso e científico de informações organizadas em bases de dados. Geralmente, a bibliometria incorpora análises qualiquantitativas em bases de dados constituídas especificamente para tais fins, tais como bases de produções científicas (teses, livros, periódicos, eventos etc.).
  • 5
    Na catalogação da Base de Teses foram consideradas as produções disponíveis virtualmente na página de internet da própria instituição ou da Capes. A catalogação foi concluída em meados de 2013.
  • 6
    Access é uma ferramenta de banco de dados relacional da Microsoft(r).
  • 7
    Considerando que uma tese é concebida 3 ou 4 anos antes da defesa, podemos trabalhar com um recorte de 10 a 15 anos de interesse na temática.
  • 8
    O asterisco (*) nos termos "pesquisa*" e em "investig*" indica que foram procurados termos conjuntados a pesquisa ou investigação. Por exemplo, incluem-se na busca as teses com termos do tipo: pesquisa educacional, pesquisa científica, atividade investigativa etc.
  • 9
    A quantidade líquida de teses é apurada pela eliminação de teses duplicadas; isto é, se a tese possui dois ou mais dos termos, ela é computada apenas uma vez. Assim, no caso da Tabela 1, observou-se que 52 das 172 teses (valor bruto) identificadas tinham como termo-chave mais de um termo secundário, mas foi computada apenas uma vez. Por exemplo, se uma tese traz como termo-chave pesquisa, pós-graduação e mestrado ela aparece três (3) vezes, mas é computada apenas uma (1) vez. Depois desse filtro, restaram 120 teses na coluna termos-chave e 125 teses na coluna títulos. Observou-se que 65 das 245 teses (120+125) apareciam repetidamente, sobrando o valor líquido de 180 teses.
  • 10
    Para criar uma lista de termos relacionados à EaD, consultamos autores como: Carmo (1997), Litwin (2001), Rumble (2003), Belloni (2003), Palloff e Pratt (2004), Silva (2006), Moore e Kearsley (2008), Rosenberg (2008), Peters (2009), Mill (2012), Litto e Formiga (2012), entre outros.
  • 11
    A apuração dos valores líquido, efetivo e bruto seguiu o mesmo procedimento indicado na nota de rodapé 9 (referente à Tabela 1).
  • 13
    Saiba mais sobre a UNIREDE em: <www.aunirede.org.br>.
  • 14
    Saiba mais sobre a ABED em: <www.abed.org.br>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2014
  • Aceito
    02 Dez 2014
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