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Crônicas do (re)descobrimento: a ressignificação do urbano com base em lacunas epistêmicas em Crônicas de São Paulo, de Daniel Munduruku

Chronicles of (re)discovery: the resignification of the urban through epistemic gaps in Chronicles of São Paulo by Daniel Munduruku

Crónicas del (re)descubrimiento: la re-significación de lo urbano a través de lagunas epistémicas en Crónicas de São Paulo, de Daniel Munduruku

Resumo

Este artigo é um recorte aprofundado dos resultados apresentados na tese de mestrado intitulada (Re)de scobrindo São Paulo: memória e narrativa indígena na ressignificação do espaço urbano (2021). Volta-se, portanto, para a análise da obra Crônicas de São Paulo: Um Olhar Indígena, de Daniel Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., com foco na articulação do autor em torno da episteme negada que os nomes indígenas presentes na cidade evocam. O objetivo é destacar como Munduruku, ao refletir sobre os topônimos indígenas que nomeiam diferentes regiões da metrópole, propõe uma perspectiva que transcende as normas de temporalidade e espacialidade, trazendo para o primeiro plano a camada ancestral invisibilizada de São Paulo. Neste processo o autor negocia símbolos e simbologias com base nos vácuos simbólicos da cidade, inspirando uma leitura decolonial da metrópole.

Palavras-chave:
literatura indígena; decolonialidade; ressignificação do urbano

Abstract

This article stems from results presented in the Research Master's thesis titled (Re)discovering São Paulo: Indigenous Memory and Narrative in the Resignification of Urban Space (2021). Thus, this work focuses on the analysis of the book Crônicas de São Paulo: Um Olhar Indígena or Chronicles of São Paulo: An Indigenous Perspective (my translation), by Daniel Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., with a focus on the author's articulation around the denied episteme that the indigenous names present in the city evoke. The objective is to highlight how Munduruku, while reflecting on the indigenous words that name different regions of the metropolis, proposes a perspective that transcends the norms of temporality and spatiality, bringing to the forefront the ancestral layer of São Paulo that has been invisibilized. In this process, the author negotiates symbols and symbolisms, through the symbolic vacuums of the city, inspiring a decolonial reading of the metropolis.

Keywords:
indigenous literature; decoloniality; re-signification of the urban

Resumen

Este artículo surge a partir de los resultados presentados en la tesis de maestría en investigación titulada "(Re)descubriendo São Paulo: Memoria y Narrativa Indígena en la Re-significación del Espacio Urbano" (2021). Por lo tanto, este artículo se centra en el análisis del libro Crônicas de São Paulo: Um Olhar Indígena o Crónicas de São Paulo: Una Perspectiva Indígena (mi traducción), de Daniel Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., con un enfoque en la articulación del autor en torno a la episteme negada que evocan los nombres indígenas presentes en la ciudad. El objetivo es resaltar cómo Munduruku, al reflexionar sobre las palabras indígenas que nombran diferentes regiones de la metrópolis, propone una perspectiva que trasciende las normas de temporalidad y espacialidad, poniendo en primer plano la capa ancestral de São Paulo que ha sido invisibilizada. En este proceso, el autor negocia símbolos y simbolismos, a través de los vacíos simbólicos de la ciudad, inspirando una lectura decolonial de la metrópoli.

Palabras clave:
literatura indígena; decolonialidad; re-significación de lo urbano

A ANCESTRALIDADE CONTEMPORÂNEA DE SÃO PAULO:DESCONSTRUINDO DICOTOMIAS

Apesar do número crescente de obras e estudos acadêmicos sobre a literatura indígena contemporânea brasileira, essa literatura ainda tem pouca visibilidade, da mesma forma que tem parte de sua complexidade negligenciada pela academia e mídia de forma geral. Este artigo tem como objetivo analisar o livro Crônicas de São Paulo: Um Olhar Indígena, de Daniel Munduruku1 1 Daniel Munduruku é pertencente aos povos Munduruku, localizados nos estados de Amazonas, Mato Grosso e Pará, onde nasceu. O autor é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e concluiu o pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Munduruku possui mais de 50 livros publicados, abordando temas e gêneros variados, e uma extensa lista de premiações, que incluem o Prêmio da Academia Brasileira de Letras e o Prêmio Jabuti, além de menções honrosas de órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). (2019). Na obra, Munduruku nos conduz por um passeio pela cidade de São Paulo, no qual não apenas traduz como contextualiza os topônimos indígenas2 2 O uso das palavras indígena, povos originários e nativos que permeia este estudo está alinhado com a adoção dessas mesmas palavras por esses povos no contexto brasileiro. Não queremos com isso reduzir os 305 povos que falam mais de 270 línguas e vivem de formas diferentes no território brasileiro a uma categoria. Refletimos sobre o assunto no decorrer do artigo. que nomeiam pontos de ônibus, parques e bairros paulistanos. Com essa tradução/contextualização, Munduruku elabora uma teia simbólica que conecta a São Paulo contemporânea com sua ancestralidade indígena. Nossa análise concentra-se nas articulações de Munduruku em torno da episteme negada presente nesses nomes, destacando a importância de compreender não apenas o significado, mas também as origens dessas terminologias. O artigo examina como o autor transcende as normas de temporalidade e espacialidade, elaborando uma reflexão que enfatiza os vácuos simbólicos da cidade e sua relação com a memória ancestral.

Este livro de Munduruku traz nuances pouco debatidas e de suma importância, que refletem alguns dos movimentos e articulações indígenas atuais. Quando Munduruku nos remete às memórias ancestrais que alicerçam o centro urbano, desvela as muitas camadas da cidade entre o dito ancestral e o dito moderno, ressignificando esse centro urbano e dando abertura para uma rica discussão sobre o papel da memória e da narrativa indígenas na reflexão sobre pertencimento identitário. É praticamente um convite aberto para revisitarmos e questionarmos as lacunas da história oficial. Ainda além, Munduruku leva-nos a esse debate atual sobre o que é ser indígena, ou quem é indígena no Brasil, sobre até que ponto os processos ditos civilizatórios de evangelização, mais tarde chamados de educação (Rama, 1998RAMA, Angel (1998). La ciudad letrada. Prólogo Hugo Achugar. Montevidéu: Arca.), foram "bem-sucedidos", sobre as falhas dos projetos de reparação histórica voltados a esses povos — que foram considerados extintos até algumas décadas atrás e que só passaram a ter sua humanidade (re)conhecida quando intitulados cidadãos brasileiros, tendo acesso garantido aos direitos mais básicos relacionados às próprias terras, culturas e identidades com a Constituição de 1988, em vigor até os dias atuais.

A trajetória deste estudo parte da primeira pessoa do singular — eu, pesquisadora brasileira com ascendência afro-indígena — e expande-se essencialmente desde a primeira pessoa do plural: nós. É o resultado da interação com artistas, acadêmicos e escritores indígenas pertencentes a diversos povos. Em uma tentativa de conter as limitações impostas pela linha imaginária que divide mundos e saberes, algumas estratégias derivadas das teorias e práticas decoloniais foram adotadas, sempre com a intenção de entrelaçar o que foi separado, desacreditado e abafado por silêncios impostos.

Esta pesquisa está embasada, portanto, na concepção de modernidade proposta pelos autores vinculados ao grupo Modernidade/Colonialidade, conforme será abordado ao longo deste artigo. Foi a partir de um dos grandes desafios deste trabalho, o de buscar metodologias e teorias que abarcassem os universos dos povos originários, que demos início à jornada decolonial, que nos permite considerar nuances dessa textualidade indígena que uma análise sistêmica não captaria. Esta abordagem dá-nos abertura, no contexto brasileiro, para falar da ideia de retomada. Embora sempre tenha existido, desde o período colonial, no contexto brasileiro, essa noção ganhou visibilidade no final dos anos 1980, com a conquista dos direitos outorgados aos povos originários, e ganhou mais força recentemente, com a presença indígena em diversos canais de comunicação abordando os processos de retomada de passados, critérios de ser, saber e fazer, no intento de identificar e examinar feridas coloniais (Anzaldúa, 2015ANZALDÚA, Gloria (2015). Light in the dark/Luz en lo oscuro: rewriting identity, spirituality, reality. Durham: Duke University Press.).

Com Crônicas de São Paulo, Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. promove o exame dessas feridas coloniais como forma de entender o que foi perdido, o que segue vivo, embora adormecido nas entranhas da cidade. Por mais que tenha sido lançado originalmente em 2004, essa obra teve pouca visibilidade na academia. Em ensaio, Cunha (2014)CUNHA, Rubelise (2014). O arco em palavra: a reinvenção do presente nas crônicas de Daniel Munduruku. Pontos de Interrogação, Alagoinhas, p. 71-84. destacou a dupla temporalidade do livro, que transita entre presente anterior e presente atual, além do seu caráter transcultural, que "nos convida a pensar o fazer literário no limiar entre cultura ocidental e cultura indígena" (Cunha, 2014CUNHA, Rubelise (2014). O arco em palavra: a reinvenção do presente nas crônicas de Daniel Munduruku. Pontos de Interrogação, Alagoinhas, p. 71-84., p. 8). A autora dá-nos abertura para uma discussão necessária sobre os aspectos contemporâneos e fronteiriços da literatura indígena contemporânea. Enxergamos nesta obra de Munduruku a possibilidade de ler um mapa dos conflitos culturais e políticos (Souza, 2004SOUZA, Lynn Mario Trindade Menezes (2004). Remapping writing: indigenous writing and cultural conflict in Brazil. English Studies in Canada, v. 30, n. 3, p. 4-16. https://doi.org/10.1353/esc.2004.0033
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) que ela carrega por estar em uma zona de contato entre culturas. Embora o livro tenha sido citado por Folle (2017FOLLE, Adriana (2017). Histórias que nos contam: o imaginário indígena em narrativas de Daniel Munduruku. Rio Grande do Sul: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões., p. 43) com base em uma suposta simplicidade "que permite ao leitor entender, sem grande esforço intelectual, o que está escrito", vemos na obra uma teia complexa de nuances que abarcam diferentes temas e mundos. Nesse sentido, também vamos na contramão do trabalho de Iguma e Souza (2021IGUMA, Andréia de Oliveira Alencar; SOUZA, Renata Junqueira de (2021). Crônicas de São Paulo: olhares para a literatura juvenil indígena brasileira. Revista do Curso de Letras da Uniabeu, Nilópolis, v. 12, n. 2, p. 259-273.), Crônicas de São Paulo: olhares para a literatura juvenil indígena brasileira, pelos motivos explicitados acima, especialmente pela escolha das autoras ao elaborar uma análise ancorada em supostas dicotomias: "ancestral x atual, rio x não-rio, fertilidade x esterilidade" (Iguma; Souza, 2021IGUMA, Andréia de Oliveira Alencar; SOUZA, Renata Junqueira de (2021). Crônicas de São Paulo: olhares para a literatura juvenil indígena brasileira. Revista do Curso de Letras da Uniabeu, Nilópolis, v. 12, n. 2, p. 259-273., p. 266). Em oposição ao que propomos com este estudo, as autoras defendem que "tais dicotomias auxiliam o mediador de leitura, ou o próprio leitor na compreensão de todo o texto" (Iguma; Souza, 2021IGUMA, Andréia de Oliveira Alencar; SOUZA, Renata Junqueira de (2021). Crônicas de São Paulo: olhares para a literatura juvenil indígena brasileira. Revista do Curso de Letras da Uniabeu, Nilópolis, v. 12, n. 2, p. 259-273., p. 266).

Escolhemos com esta pesquisa partir de uma leitura da obra com base em seu lócus fronteiriço (Anzaldúa, 1999ANZALDÚA, Gloria (1999). Borderlands/La frontera: The new mestiza. São Francisco: Aunt Lute Books.; Barth, 1998BARTH, Fredrik (1998). Grupos étnicos e suas fronteiras. In: STREIFF-FENART, Jocelyne; POUTIGNAT, Philippe (org.). Teorias da etnicidade. São Paulo: Unesp. p. 185-228.; Graúna, 2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza.) e buscamos com isso justamente a complexidade que está além das dicotomias. Desse modo, apoiamo-nos no "viés pedagógico" da obra, como menciona brevemente Gabriel (2020)GABRIEL, Maria Alice Ribeiro (2020). Os contadores de histórias na obra de Daniel Munduruku. Contexto, Vitória, v. 1, n. 37, p. 137-158. https://doi.org/10.47456/contexto.v%25vi%25i.30160
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. Ao conectar ancestralidade e contemporaneidade, por exemplo, Munduruku desafia-nos a revisitar a história oficial, bem como noções epistêmicas que definem nossa geografia, vocabulário e identidade, "evitando que se produza aquela velha noção, acionada em muitos livros históricos, didáticos ou literários, de índios como sujeitos do passado" (Bonin, 2009BONIN, Tatiana (2009). Cenas da vida indígena na Literatura que chega às escolas. Série-Estudos, Campo Grande, n. 27, p. 97-109. https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v0i27.191
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). Nesse sentido, Folle (2017FOLLE, Adriana (2017). Histórias que nos contam: o imaginário indígena em narrativas de Daniel Munduruku. Rio Grande do Sul: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões., p. 73) menciona a conexão das crônicas de Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. com as crônicas do descobrimento escritas por viajantes e colonizadores. Isso nos dá abertura para pensar nessa comparação por um viés decolonial, fazendo uma leitura deste livro que parte justamente das características epistêmicas e sócio-históricas, bem como do caráter político de reexistência (Albán, 2017ALBÁN, Adolfo (2017). Prácticas creativas de re-existencia basadas en el lugar: más allá del arte … el mundo de lo sensible. Buenos Aires: Ediciones del Signo.) que a obra evoca, articulando-se como um movimento que está além da resistência, com a retomada da própria identidade, não apenas individualmente, mas coletivamente.

Ao rejeitar as dicotomias que separam o ocidental do não ocidental, este trabalho enfoca a problematização das relações de poder e a legitimação do pensamento que nasce da amálgama desses mundos. Especialmente se pensarmos a figura do indígena como parte integrante de centros urbanos como São Paulo, um tópico negligenciado e que até agora negligenciou amplamente as questões e perspectivas indígenas. Esta pesquisa apoia-se, portanto, no princípio de que a falta de entendimento sobre as múltiplas camadas que envolvem essa literatura acaba colaborando para a marginalização dessa textualidade. Afinal, "às literaturas indígenas falta a riqueza de estudos prévios que envolvem as obras ocidentais. É nossa erudição, não a literatura indígena, que é primitiva ou subdesenvolvida" (Kroeber, 1981, p. 9 apud Thiel, 2012THIEL, Janice (2012). Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica., p. 38).

PENSAMENTO INDÍGENA PELO PENSAMENTO INDÍGENA

Encontramos nas obras de autoria indígena uma espécie de identificação do mundo baseada na própria identidade. Em Crônicas de São Paulo (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis.), somos remetidos à contemporaneidade dos traços ancestrais, às raízes indígenas da cidade. Quando refletimos sobre a representação da imagem da população indígena ao longo da história, notamos as variações de acordo com os donos da narrativa. A possibilidade de ruptura do discurso único por meio de uma releitura crítica da história oficial é para Quaresma (2018)QUARESMA, Carline Cunha Ramos (2018). A metáfora antropofágica em Todas as vezes que dissemos adeus de Kaká Werá Jecupé. Tusaaji: A Translation Review, v. 6, n. 1, p. 11-26. https://doi.org/10.25071/1925-5624.40349
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uma justiça histórica conquistada pelos povos originários. No entanto, Thiel (2012THIEL, Janice (2012). Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica., p. 62) lembra-nos que essa espécie de revisão histórica só se dá com a revisão dos estereótipos construídos no período colonial e propagados até os dias atuais, que implicam — de forma consciente ou não — a leitura que fazemos da literatura indígena.

Para entender essas tensões entre a autoria indígena e não indígena precisamos nos voltar ao contexto. Por exemplo, se direcionarmos nosso olhar para a carta de Caminha (1965)CAMINHA, Pero Vaz de (1965). A Carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Agir., até hoje reconhecida como o primeiro documento oficial do Brasil, a população nativa aparece como dócil e servil. No entanto, surge em outros relatos como selvagem e ameaçadora a partir de 1560, coincidentemente quando os avanços do império assumiram um caráter de dominação e extrativismo. Essas cartas e relatos multiplicaram-se ao longo dos séculos e cristalizaram-se como documentos históricos. Em 1822, quando o Brasil se tornou independente da coroa portuguesa, o estereótipo do índio brasileiro já estava solidificado.

A primeira tentativa da literatura brasileira de elaborar uma identidade nacional inspira-se nesses relatos, reconhecidos como fontes históricas. O indianismo, vertente do romantismo brasileiro que consagrou escritores como José de Alencar, autor da tríade indianista O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), não apenas reproduziu, como também reforçou essa imagem do índio brasileiro, criando um olhar local que é estrangeiro sobre os povos originários (Thiel, 2012THIEL, Janice (2012). Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica.). De acordo com Vieira Filho (2019)VIEIRA FILHO, Joel (2019). Literatura indígena contemporânea: vozes dessilenciadas de Graça Graúna, Eliane Potiguara e Daniel Munduruku. Delmiro Gouveia: Universidade Federal de Alagoas., pesquisador indígena da comunidade Katokinn, a narrativa indianista retrata o indígena como coadjuvante, mesmo quando se presume um protagonismo. A exemplo disso, ele argumenta que "o protagonismo citado nas narrativas alencarianas é representado por meio da submissão, da objetificação e da identificação como ser selvagem, incompreendido e não civilizado" (Vieira Filho, 2019VIEIRA FILHO, Joel (2019). Literatura indígena contemporânea: vozes dessilenciadas de Graça Graúna, Eliane Potiguara e Daniel Munduruku. Delmiro Gouveia: Universidade Federal de Alagoas., p. 27).

Também escrita pela população não indígena, a literatura indigenista, por sua vez, se diferencia da anterior com a ideia de aproximar a cosmologia indígena da população não indígena (Romero, 2010ROMERO, F. J. (2010). La literatura indígena mexicana en búsqueda de una identidad nacional. In: CONGRESO INTERNACIONAL INSTITUTO INTERNACIONAL DE LITERATURA IBEROAMERICANA INDEPENDENCIAS: MEMORIA Y FUTURO, 38., 2010. Anais […]. College Park: Georgetown University. Disponível em: https://www.academia.edu/28274588/%C3%AF_LA_LITERATURA_IND%C3%8DGENA_MEXICANA_EN_B%C3%9ASQUEDA. Acesso em: ago. 2023.
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). Em meio à variedade de discursos indigenistas do Brasil, podemos destacar os antropólogos Orlando Villas-Bôas (1914-2002) e Cláudio Villas-Bôas (1916-1998), responsáveis por trabalhos que introduziram a cultura indígena à população não indígena (Castro, 2006CASTRO, Eduardo Viveiros de (2006). No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é. In: Ricardo, B.; Ricardo, F. (org.). Povos indígenas no Brasil: 2001-2005. São Paulo: Instituto Socioambiental. p. 41-49.). No entanto, nessa modalidade de literatura indigenista, a população originária continua como objeto, sem controle sobre a reprodução da própria imagem. Em contraponto a essas duas categorias, está a literatura indígena brasileira contemporânea, com escritores originários reivindicando a representação da própria imagem. Quando Munduruku se reapropria do espaço físico e simbólico da cidade, o autor (re)constrói a identidade indígena por meio da negociação que faz entre memória ancestral (fruto da oralidade) e a narrativa em formato ocidental (escrita alfabética), assumindo o caráter empírico dessa literatura que se apoia na potência do ato de (re)criar para existir e resistir.

À primeira vista, a autorrepresentação destaca-se como o principal diferencial da literatura indígena contemporânea brasileira em relação ao indianismo e ao indigenismo. Entretanto, essa autoria incorpora uma imbricação de vozes e textualidades que constituem a auto-história de luta desses povos (Graúna, 2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza.), divergindo do modelo ocidental de autobiografia. Sob essa ótica, as simbologias e referências obtidas coletivamente são alguns dos elementos que diferenciam a literatura indígena contemporânea das outras (Kambeba, 2018KAMBEBA, Márcia Wayna (2018). Literatura indígena: da oralidade à memória escrita. In: DORRICO, J.; DANNER, L. F.; CORREIA, H. H. S.; DANNER, F. (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Fi. p. 39-44.). De acordo com o professor Souza (2018)SOUZA, Ely Ribeiro de (2018). Literatura indígena e direitos autorais. In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno F.; CORREIA, Heloísa H. S.; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Fi. p. 51-75., pertencente ao povo Macuxi, antes de registrarem suas narrativas no formato da escrita ocidental, os povos originários do Brasil não eram ágrafos; "ao seu modo e mundo, sempre escreveram e registraram suas histórias" (Souza, 2018SOUZA, Ely Ribeiro de (2018). Literatura indígena e direitos autorais. In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno F.; CORREIA, Heloísa H. S.; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Fi. p. 51-75., p. 56). Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza. faz até mesmo uma distinção entre a literatura indígena, que para a autora sempre existiu, e a literatura indígena contemporânea, que seria fruto da "rebeldia que nasce da exclusão" (Graúna, 2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza., p. 169).

Embora façam uso de aparatos ocidentais, Pesca, Fernandes e Kayapó (2020PESCA, Adriana B.; FERNANDES, Alexandre O.; KAYAPÓ, Edson. (2020). Por uma escrita indígena: meu ser, minha voz, minha autoria. Revista Eletrônica Multidisciplinar Pindorama, Eunápolis, v. 11, n. 1, p. 187-201. https://doi.org/10.55847/pindorama.v11i1.830
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) destacam que as produções de autoria indígena não devem ser compreendidas como uma descaracterização dos traços ancestrais por fazerem uso dos aparatos ocidentais, mas como uma ponte entre as epistemologias originárias e as ocidentais. No caso das crônicas de Munduruku, isso é evidenciado pela ligação entre escrita e oralidade, uma estratégia que desvela a ancestralidade do moderno e dribla as assimetrias das dinâmicas de poder da zona de contato na qual a obra está inserida. Ao serem lidas em seus contextos, obras como as crônicas de Munduruku traduzem a força das lutas dos povos indígenas pela autonomia, identidade e territorialidade.

BREVE REFLEXÃO SOBRE ESCOLHAS METODOLÓGICAS E DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA

Ao refletir sobre as escolhas metodológicas e a importância da desobediência epistêmica, a discussão volta-se para as lentes escolhidas e suas implicações éticas e no que concerne à geopolítica do conhecimento (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, Nelson (2007). A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 337-382.; Mignolo, 2007MIGNOLO, Walter D. (2007). Delinking: the rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of decoloniality. Cultural Studies, Londres, v. 21, n. 2-3, p. 449-514. https://doi.org/10.1080/09502380601162647
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; Quijano, 2007QUIJANO, Aníbal (2007). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Cultural Studies, v. 21, n. 2-3, p. 168-178.; Santos; Meneses, 2009SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (2009). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina.). Ignorar as localizações geo-históricas e biográficas das epistemologias sempre foi um artifício bem-sucedido para a construção e o fortalecimento de saberes hegemônicos. A objetividade positivista, bem como as ideias de conhecimento universal e neutralidade afastam-se, portanto, do propósito deste estudo.

Tendo em mente o viés qualitativo, a metodologia adotada apoia-se em teorias e métodos insurgentes, de natureza decolonial, para o desenvolvimento de uma análise literária crítica que tenta romper com o pensamento abissal (Santos, 2007SANTOS, Boaventura de Sousa (2007). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 78, p. 3-46. https://doi.org/10.4000/rccs.753
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) que separa os saberes, validando ou invalidando-os de acordo com o lado da linha imaginária a que pertencem. Nesse contexto, as práticas insurgentes seriam responsáveis por "fraturas na modernidade/colonialidade para tornar possíveis outras formas de ser, estar, pensar, saber, sentir, existir e viver-com" (Walsh, 2013WALSH, Catherine (2013). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala. (Série Pensamiento Decolonial, Tomo I.), p. 19, tradução nossa).

A abordagem metodológica, alinhada à ideia de investigação indisciplinada de Haber (2011)HABER, Alejandro (2011). Nometodología Payanesa: Notas de metodología indisciplinada (con comentarios de Henry Tantalean, Francisco Gil García y Dante Angelo). Revista Chilena de Antropología, n. 23, p. 9-49. https://doi.org/10.5354/0719-1472.2011.15564
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, busca traçar caminhos que vão além dos protocolos estabelecidos, permitindo explorar as possibilidades que o caminho tradicionalmente obstrui. A pesquisa baseou-se em uma combinação de métodos, incluindo leitura atenta, observação livre, imersão em comunidades indígenas e visitas a locais mencionados nas crônicas estudadas, bem como a museus e editoras especializadas para a leitura de livros disponíveis apenas em formato físico no Brasil.

As entrevistas, como a pesquisa bibliográfica, foram mantidas por todo o trajeto, seguindo um formato semiestruturado para manter as interações focadas no tema e ao mesmo tempo permitir a emergência de perspectivas individuais (Patton, 2002PATTON, Michael Quinn (2002). Qualitative research and evaluation methods. 3. ed. Thousand Oaks: Sage.). Essas conversas contribuíram para elaborar uma análise das crônicas de Munduruku e responder à pergunta central: de que forma memória e narrativa indígenas se articulam culminando na ressignificação do espaço urbano nas crônicas de Munduruku? Nesse contexto, as entrevistas foram fundamentais, acima de tudo, para (re)aprender a ler a literatura indígena com base em suas nuances negligenciadas, a entender o lócus dessas produções culturais e a buscar métodos alinhados com práxis decoloniais. O estudo buscou falar não apenas sobre o pensamento indígena, mas essencialmente com o pensamento indígena; afinal, "a voz do ‘nós’ é uma sugestão da impossibilidade de falar sem ter ouvido" (Vázquez, 2020VÁZQUEZ, Rolando (2020). Vistas of modernity: decolonial aesthesis and the end of the contemporary. Mondriaan Fund Essay 014. Jap Sam Books., p. XXV-XXVI, tradução nossa).

Nesse contexto, a desobediência epistêmica (Mignolo, 2021MIGNOLO, Walter D. (2021). Desobediência epistêmica, pensamento independente e liberdade decolonial. Tradução I. B. Veiga. Revista X, v. 16, n. 1, p. 24-53. https://doi.org/10.5380/rvx.v16i1.78142
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) emerge como ferramenta essencial, representando um movimento insurgente que busca romper com os silêncios epistêmicos que sustentam o pensamento ocidental. A ideia de ruptura de Mignolo (2021)MIGNOLO, Walter D. (2021). Desobediência epistêmica, pensamento independente e liberdade decolonial. Tradução I. B. Veiga. Revista X, v. 16, n. 1, p. 24-53. https://doi.org/10.5380/rvx.v16i1.78142
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não sugere um retorno ao período pré-colonial, não se trata de recorrer a uma antimodernidade, mas a uma leitura do que está além da modernidade, do que foi empurrado para fora dela, por assim dizer. A desobediência epistêmica fundamenta-se, por conseguinte, na ideia de delink (Mignolo, 2007MIGNOLO, Walter D. (2007). Delinking: the rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of decoloniality. Cultural Studies, Londres, v. 21, n. 2-3, p. 449-514. https://doi.org/10.1080/09502380601162647
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), um rompimento, o desvincular-se do pensamento hegemônico tido como central, criando possibilidades de aberturas para uma possível (re)apropriação de imaginários, culturas e histórias apagadas e/ou desacreditadas.

Com a obra de Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. buscamos, portanto, elaborar uma análise que parta dessas lacunas, dessas rachaduras que unem ao invés de separar. O pensamento nascido dessas zonas de contato é constituído pela dupla consciência epistêmica e requer teorias que incluam, que curem, que promovam mudanças. Enquanto a narrativa hegemônica fere, novas teorias emergem em formato de práticas libertadoras, como nos lembra bell hooks (2013)HOOKS, bell (2013). A teoria como prática libertadora. In: HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes. p. 83-104.. A opção decolonial coloca-se, por conseguinte, como uma ferramenta valiosa, trazendo o vocabulário necessário para o entendimento de produtos culturais que nascem a partir desses contextos de luta, de saberes subjugados que há séculos resistem e reexistem. Seguindo o pensamento de Krenak (2015KRENAK, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Organização: S. Cohn. Rio de Janeiro: Azougue.; 2019KRENAK, Ailton (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras.), Mignolo (2007MIGNOLO, Walter D. (2007). Delinking: the rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of decoloniality. Cultural Studies, Londres, v. 21, n. 2-3, p. 449-514. https://doi.org/10.1080/09502380601162647
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; 2017MIGNOLO, Walter D. (2017). Colonialidade: o lado mais obscuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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) e Vázquez (2020)VÁZQUEZ, Rolando (2020). Vistas of modernity: decolonial aesthesis and the end of the contemporary. Mondriaan Fund Essay 014. Jap Sam Books., para nomear alguns, é a partir do entendimento da lógica da colonialidade contida no discurso da modernidade que podemos construir uma crítica à modernidade que parte do que foi negado e silenciado pela própria modernidade, como é o caso da articulação do pensamento dos povos originários presente na literatura indígena contemporânea.

SÃO PAULO EM CRÔNICAS: LACUNA EPISTÊMICA

A reflexão sobre nomes que são repetidos exaustivamente sem que seus significados e origens sejam conhecidos é uma reflexão que esbarra na origem desse desconhecimento. Ao pensarmos nas terminologias indígenas que atravessam a cidade, voltamos nosso olhar para os vácuos simbólicos da cidade. Já no capítulo introdutório, "Poucas palavras", Munduruku (2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 13) antecipa: "você tem nas mãos um outro olhar para a cidade que me acolheu e na qual construí minha própria história. Meu desejo é que isso o motive também a construir seu próprio olhar sobre ela". Esse trecho do capítulo introdutório já revela uma perspectiva diferente da cidade pautada na experiência do autor, que migrou da aldeia, no Pará, para São Paulo. O relato de Munduruku ora em primeira pessoa do singular, ora em primeira pessoa do plural oferece um olhar indígena sobre a cidade; no entanto, como o próprio autor alerta, não se trata de trazer novas verdades sobre a metrópole negando o que já foi dito. O leitor é convidado a "construir seu próprio olhar sobre ela [a cidade]" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 13). Embora se passe em São Paulo, o pensamento indígena é articulado nas crônicas de um lócus que conclama uma leitura que vá além do entendimento do espaço físico. Com esse intento o autor transita entre a sabedoria ancestral e o conhecimento moderno. É nesse entrelugar que Munduruku negocia os símbolos e as simbologias, apoiando-se no que consideramos uma lacuna epistêmica. Com o entendimento de lacuna, pressupomos uma zona de contato entre diferentes culturas em uma dinâmica de poder assimétrica (Pratt, 1999PRATT, Mary Louise (1999). Arts of the Contact Zone. In: BARTHOLOMAE, David; PETROSKY, Anthony; WAITE, Stacey (org.). Ways of Reading. 5. ed. Nova York: Bedford/St. Martin's. p. 33-40., p. 7). No entanto, essa estrutura desigual não mina a narrativa; na realidade a assimetria reforça o discurso de Munduruku e consequentemente suas críticas à modernidade. Dessa forma, o pensamento fronteiriço que parte dessas lacunas não apenas enuncia, como também reflete e constrói outro lugar que deixa a decolonialidade subentendida em/como práxis (Walsh, 2018WALSH, Catherine (2018). On decolonial dangers, decolonial cracks, and decolonial pedagogies rising. In: MIGNOLO, W. D., & WALSH, C. E. (org.). On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Nova York: Duke University Press. p. 81-98. https://doi.org/10.1515/9780822371779-006
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, p. 83).

Esse movimento fica bastante evidente ainda neste capítulo introdutório, no qual o autor explica que por trás de cada nome existe uma teia de significados que vai além da palavra em si, com a memória e a história dos povos que circularam por esses lugares (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12). Com isso o autor prenuncia que não se trata apenas de entender a tradução desses nomes, mas o significado deles conforme os mundos que eles representam, conforme a episteme negada desses mundos, da história apagada dos povos que ali viviam. De acordo com Munduruku, São Paulo ainda guarda o rastro dos caminhos feitos pelos ancestrais, e perceber essa presença serve como uma espécie de refúgio: "um lugar onde manter minha sanidade sem me perder nas vielas de prédios quadrados e monstruosos construídas neste local com aparente roupagem de modernidade" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12). Esse trecho reforça o lócus de enunciação do autor nesse entrelugar, em contato simultaneamente com o ancestral e com o moderno. Embora indique a ancestralidade e a modernidade como diferentes no decorrer de toda a obra, o autor não separa as duas no contexto contemporâneo. O que facilmente poderia ser colocado como dicotomia é trazido como complementaridade. O próprio o uso do "aparente" no trecho acima deixa evidente que o autor não vê a cidade (apenas) como moderna, mas deixa implícita a presença ancestral desta metrópole (re)conhecida por seu aspecto moderno.

Por esse ângulo, observamos que, assim como os contadores de história são responsáveis por manter a memória ancestral viva, Munduruku mune-se da palavra escrita com o mesmo intento. Nessa missão de "dar vida à memória dessa gente [os ancestrais]" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12), o autor embrenha-se em uma jornada física e simbólica que parte da origem, das emoções, dos eventos de tempos idos que esses nomes velam:

Tatuapé, Anhangabaú, Itaquera, Guaianases, Ibirapuera, Anhembi, Tucuruvi, Jabaquara, Tamanduateí, Pirituba, Mooca… Lugares transformados em caminhos, pontos de encontro, rotas de fuga. Nomes que indicam origens, eventos e emoções de tempos antigos. Nomes que habitam nossa memória e às vezes caem em nossos lábios apenas por força do hábito. Palavras que carregam história (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12).

Ao retomar os significados originários desses nomes, Munduruku retoma também formas de ser e estar que foram violentamente negadas. Não precisamos voltar muito no tempo para perceber que os nomes e o ato de nomear sempre tiveram e têm um potente valor simbólico por carregarem trajetórias sociais, históricas e políticas. Todo um imaginário é criado e propagado por nomes, como nos lembra Paulo Freire (1921-1997) com as práticas pedagógicas libertadoras (Freire, 1989FREIRE, Paulo (1989). A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. Ed. São Paulo: Autores Associados-Cortez.; 2002FREIRE, Paulo (2002). Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), que incitam, no nosso contexto da textualidade indígena, o caráter construtivista e por consequência transformacional da leitura da palavra em sua relação íntima com a leitura do mundo. Nesse sentido, se pensarmos no nosso vocabulário de hoje com ameríndios, índios, tribos, ou mesmo Brasil, podemos dizer que nomear foi talvez a primeira violência colonial no caminho para a dominação de espaços e destituição de corpos e saberes. Nomes repetidos à exaustão até passarem a ser reproduzidos sem embaraços, sem qualquer reflexão. Embora nosso objetivo não seja fazer uma análise morfológica da língua portuguesa falada no Brasil, tampouco criar uma lista de palavras proibidas ou glossário politicamente correto, precisamos nos deter em nosso vocabulário para uma breve reflexão. Como adverte Smith (2012)SMITH, Linda Tuhiwai (2012). Decolonizing methodologies: research and indigenous peoples. Londres: Zed Books. em pensamento sobre a produção cultural e científica dos povos originários, "embora estar nas margens do mundo tenha consequências terríveis, ser incorporado ao mercado mundial tem implicações diferentes e, por sua vez, requer a montagem de novas formas de resistência" (Smith, 2012SMITH, Linda Tuhiwai (2012). Decolonizing methodologies: research and indigenous peoples. Londres: Zed Books., p. 24-25, tradução nossa).

Ao usar a língua do colonizador, pode ser imprudente ignorar as armadilhas que favorecem a manutenção de um poder colonial, ou, como denomina Mignolo (2007)MIGNOLO, Walter D. (2007). Delinking: the rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of decoloniality. Cultural Studies, Londres, v. 21, n. 2-3, p. 449-514. https://doi.org/10.1080/09502380601162647
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, da matriz colonial de poder (MCP), que com suas estruturas ramificadas e internalizadas no imaginário e realidade social são responsáveis, entre outros, pela subalternização do conhecimento, suprimindo "todas as práticas sociais de conhecimento que contrariasse[m] os interesses que ela servia. Nisso consistiu o epistemicídio, ou seja, a supressão dos conhecimentos locais perpetrada por um conhecimento alienígena" (Sousa; Meneses, 2009SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (2009). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina., p. 10).

Seguindo essa linha de raciocínio, quando se propõe a retomar os significados dos topônimos indígenas, Munduruku evidencia os mecanismos de resistência usados por ele, sendo a palavra, com o apoio da memória, a base do significar para ressignificar, porque o autor evoca com esse exercício outros mundos nem sempre familiares ao imaginário dos leitores da obra. Um dos recursos utilizados por Munduruku para conduzir a narrativa unindo esses mundos histórica e socialmente apartados foi a renomeação por meio da hibridização de elementos que representam a esfera moderna, como o metrô, com elementos naturais que representam a esfera ancestral, a exemplo do tatu, criando assim o tatu metálico que vamos ver no primeiro capítulo, "Tatuapé", ou o caminho do tatu, em tupi-guarani.

Nesse contexto, não é à toa que esse primeiro capítulo inicia a jornada de Munduruku pela cidade. Ele é especialmente simbólico porque se configura como uma espécie de porta de entrada para o mundo ancestral presente na cidade. Ao observar a estação de metrô que leva o nome Tatuapé, o autor explica que aquela região era conhecida por abrigar grande concentração de tatus, animais que andam pelo subterrâneo, o que o leva a refletir sobre as similaridades e diferenças entre o tatu da floresta e o que o autor chama de tatu metálico, que também se desloca pelo subterrâneo. Enquanto o animal da floresta demonstra instinto de sobrevivência — "ele corre para a sua toca quando se vê acuado pelos seus predadores. É uma forma de escapar ao ataque deles" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 16) —, o transporte urbano aparece como destemido, com instinto pioneiro: "é ele que faz o seu caminho, mostra a direção, rasga os trilhos como quem desbrava" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 16). A aparente dicotomia foi amenizada, por conseguinte, pelo nome que o autor atribuiu ao transporte público. Ao renomear o metrô como tatu metálico, Munduruku conferiu um caráter híbrido a algo que simboliza a "roupagem de aparente modernidade da cidade" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12). Dessa forma, quando o autor embarca no tatu metálico que "rasga os trilhos como quem desbrava", é ele quem se transforma em desbravador nessa expedição em busca da ancestralidade presente na cidade. De dentro do transporte, o autor pondera:

Fiquei mirando os prédios que ele [tatu metálico] cortava como se fossem árvores gigantes de concreto. Naquele itinerário eu ia buscando algum resquício das antigas civilizações que habitaram aquele vale. Encontrei apenas urubus que sobrevoavam o trem, que por sua vez cortava o coração da Mãe Terra como uma lâmina afiada […] Não vi nenhum tatu e isso me fez sentir saudades de um tempo em que a natureza imperava nesse pedaço de São Paulo […] Pensando nisso, deixei o trem me levar entre Itaquera e Anhangabaú. Precisava levar a minha alma ao princípio de tudo (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 16).

O mesmo transporte que corta os prédios, que se apresentam como árvores gigantes de concreto, também corta o coração da Mãe Terra. Esse transporte transforma-se em uma espécie de máquina do tempo, conduzindo o autor entre diferentes temporalidades, mergulhando no subterrâneo, nas lacunas físicas da cidade, em busca de um passado que é presente nas lacunas simbólicas da metrópole, "desbravá-la [a cidade] é dar vida à memória dessa gente [ancestrais]. Foi com esses pensamentos que escrevi estas crônicas. Quis nelas colocar o meu modo de olhar para esta gigante" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 13). Ao se referir à cidade como gigante, o autor cria um espectro de uma São Paulo que é ainda maior do que sua superfície dá a entender, com camadas invisibilizadas que o autor se dedica a desinvisibilizar quando se propõe a dar vida à memória de seus ancestrais, parte integrante — embora esquecida/negligenciada — dessa mesma metrópole.

CRÔNICAS DO (RE)DESCOBRIMENTO

Ao se colocar como cronista, Munduruku inicia uma articulação intercultural que, com base em seu lócus fronteiriço, coloca a população originária como parte integrante fundamental da narrativa, bem como parte integrante fundamental do contexto cultural e histórico da cidade, ao mostrar as profundas marcas ancestrais da metrópole. De acordo com o próprio autor, são justamente essas marcas, a história dos antepassados, que o conectam à cidade (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 13). O uso da escrita como ferramenta de aproximação entre esses mundos constitui-se, à vista disso, como um dos elementos que borram a linha abissal que (in)valida saberes, uma vez que o autor desafia a característica básica dessa linha cartográfica simbólica que separa o velho mundo do novo mundo: "a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha" (Santos, 2007SANTOS, Boaventura de Sousa (2007). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 78, p. 3-46. https://doi.org/10.4000/rccs.753
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, p. 71).

Desse modo, o uso da crônica como gênero literário engendra-se justamente como o posicionamento de Munduruku dos dois lados da linha. Esse lócus fronteiriço do autor trabalha a desarticulação das assimetrias das dinâmicas de poder dessas zonas de contato. Um exemplo desse movimento fica claro na crônica em que o autor desembarca no que ele define como o início de tudo. O Anhangabaú, rio da assombração em tupi-guarani, está localizado na região do marco zero da cidade. Ao refletir sobre os eventos que teriam inspirado tal nome, o colonizador é o outro da história:

Anhangabaú é o nome que nossos antigos pais deram a um rio onde alguém teve a visão do espírito do mal. Anhangabaú é o rio da assombração […] Pensando nisso fui para o alto da ponte e quase não vi gente, vi carros se movimentando por onde antes passavam apenas igaras levando e trazendo pessoas, ligando as aldeias que ficavam à margem do Tietê e do Tamanduateí. Ali, com o pensamento no passado, fiquei imaginando o espanto que originou um nome tão forte e tão mágico. Se os portugueses eram a assombração que povoou o imaginário dos Tupiniquim dos primeiros tempos, é possível que esses nossos antepassados já conhecessem o poder de fogo que aqueles alienígenas tinham em suas mãos (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 19-20).

Sendo o indígena definido nos dicionários de língua portuguesa como o sujeito nascido no país em que vive, alienígena configura-se como seu antônimo; por consequência, tem como principais definições ser de outro planeta, país, um forasteiro. O jogo de palavras escolhido por Munduruku marca essa troca de papéis que coloca os portugueses como o outro com o mesmo gênero utilizado pelos viajantes do período colonial para solidificar estereótipos e justificar todos os tipos de violência, mesmo a epistêmica:

Muitas das primeiras opiniões dos viajantes são agora consideradas como fatos e foram incorporadas na linguagem e nas atitudes dos povos não indígenas em relação aos povos indígenas. Eles continuam a enquadrar os discursos sobre as questões indígenas de uma determinada sociedade e respondem em parte pelo uso muito específico da linguagem, incluindo termos de abuso, os tipos de questões que são selecionadas para debate e até mesmo os tipos de resistência sendo montados pelos povos indígenas (Smith, 2012SMITH, Linda Tuhiwai (2012). Decolonizing methodologies: research and indigenous peoples. Londres: Zed Books., p. 82).

A apropriação que Munduruku faz da crônica, um gênero por excelência ocidental, utilizado até pelo poder imperial, assume seu caráter decolonial ao trazer um relato que "não muda apenas o conteúdo da conversa, muda os termos da conversa", seguindo a máxima da desobediência epistêmica de Mignolo (2017MIGNOLO, Walter D. (2017). Colonialidade: o lado mais obscuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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, p. 14).

Enquanto as crônicas dos viajantes, hoje documentos históricos, foram ferramentas utilizadas para justificar a desumanização, genocídio e epistemicídio de povos com relatos que outrificam, generalizam e exotizam, na narrativa de Munduruku a crônica é utilizada no caminho inverso. O autor revisita a história desde o perspectivismo originário com seus pronomes cosmológicos (Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A Inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 118) que ilustram o caráter relacional da composição do mundo. O tatu, os rios, as árvores são todos parentes. Em sua passagem pelo Ibirapuera, lugar das árvores em tupi-guarani, o autor prossegue:

Até mesmo o lago, meio esquecido por causa da poluição, concentra certa magia, certa energia que distribui entre os transeuntes. O lago simboliza, ali, o velho avô que tudo ouve impassível e paciente, como a esperar que os netos, apressados pelos relógios e pelos corpos suados, sentem-se para ouvir histórias dos tempos antigos e aprendam com ele a sabedoria das águas (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 23).

Quando apresenta características consideradas humanas a elementos naturais como os rios, Munduruku desvincula-se da máxima cartesiana de humanidade que basicamente exclui todos os seres distintos do ser humano que foi idealizado como o humano. Krenak (2019)KRENAK, Ailton (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras. caracteriza essa distinção entre o que é humano e o que é natureza como parte da mesma manobra de dominação e controle para fins materiais que no passado distinguiu o índio do branco. "Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista" (Krenak, 2019KRENAK, Ailton (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras., p. 33).

Na obra de Munduruku esses elementos naturais são retratados sempre como presenças fundamentais. É isso que conecta cada capítulo da narrativa, é o que auxilia na reconstrução da memória dos tempos idos, são esses elementos que trazem "a sensação impressionante de estar revivendo um lugar do passado" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 23). Ao falar das parentas árvores que resistiram aos desmatamentos da região do Ibirapuera, por exemplo, o autor elucida que, "observando bem, elas formam uma teia que nos une ao infinito" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 23), evidenciando a conexão com o ancestral por meio da conexão com as árvores, que assim como os povos originários seguem reexistindo: "é o que me dizem as árvores que ali se encontram, que já atravessaram o tempo resistindo bravamente, apesar de já terem presenciado o corte de muitas de suas parentas para dar vez à cidade que cresce ao seu redor" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 23). Ao falar dessas parentas que foram cortadas para dar vez à cidade, o autor deixa implícito os contornos espaciais do passado que também perderam vez para a cartografia da cidade.

Cada capítulo vai trazer um parente na reflexão sobre o tempo da infância do autor e o tempo ancestral de seus antepassados. Os rios, especialmente, assumem um importante papel na narrativa de Munduruku, serpenteando entre os diferentes capítulos da obra da mesma forma que atravessam a metrópole ligando diferentes regiões, às vezes visivelmente, cortando avenidas, às vezes invisivelmente, pelo subterrâneo de bairros construídos em cima deles. O autor também explica que em outros tempos esses mesmos rios já conectaram diferentes povos que viviam entre si de formas distintas. Ao trazer esse conhecimento ancestral para as crônicas, mais uma vez ele vai na contramão das crônicas do descobrimento, para (re)unir o que foi separado. Um exemplo disso fica claro no capítulo "Tietê", que em tupi-guarani significa mãe do rio, região onde o rio alaga fecundando a terra. Nesta passagem do livro o autor evoca as características do rio Tietê, que no passado conectou os Karajá, Pirahã, Munduruku, entre outros — povos que compartilhavam e seguem compartilhando a mesma preocupação com os elementos naturais apesar das diferenças entre cada cultura:

Levamos conosco a certeza do pertencimento e da não-posse. Acreditamos que somos um com o planeta e não os seus donos. Um com a floresta e não seus proprietários. Um com o universo e não seus dominadores. Um com as pessoas e não seus senhores. Um com a vida e não seus algozes. É dessa forma que caminhamos pela terra: como observadores […] Seguimos o fluxo da natureza e, a partir de sua observação, procuramos criar novas formas de ajudá-la (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 45-47).

Os mesmos rios que nas memórias do autor já conectaram diferentes povos originários são retomados para uma nova conexão, dessa vez entre os povos que enxergam o rio como parente e os povos que enxergam o rio como recurso. Krenak (2020KRENAK, Ailton (2020). A vida não é útil. Pesquisa e organização: R. Carelli. São Paulo: Companhia das Letras., p. 39) aponta essa característica de buscar o coletivo como parte da essência dos povos indígenas. "Não conheço nenhum sujeito de nenhum povo nosso que saiu sozinho pelo mundo. Andamos em constelações". Nesse sentido, Munduruku reforça a ideia de coletivo buscando harmonia entre o dito ancestral e o dito moderno, juntando essas diferentes formas de ser e estar no mundo.

(RE)NOMEAR, (RE)SSIGNIFICAR, (RE)TOMAR

O caráter coletivo na obra de Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. também se traduz no tipo de autoria, que, embora seja individual, reflete o coletivo quando o autor se utiliza da primeira pessoa do plural, nós, unindo-se à voz do povo ao qual pertence. Isso além da autoafirmação como Daniel Munduruku, utilizada na assinatura dos livros, que reafirma, assim, a existência dos povos Munduruku. Vale lembrar que, embora nomear índios, pardos, mulatos e caboclos tenha se configurado como uma tática colonial de diferenciação e exclusão, ainda assim, ser pardo até o fim dos anos 1980 foi uma estratégia de sobrevivência de grupos marginalizados. Negar a própria identidade africana ou indígena foi uma estratégia adotada por esses grupos para tornar corpos vulneráveis minimamente autônomos. A comum narrativa da avó ou bisavó pega no laço, por exemplo, sempre foi justificada pela qualidade desse corpo: indígena. Ser capturado, vendido, escravizado ou violado eram os destinos comuns dos corpos indígenas e negros, mesmo depois do fim do período colonial. Entramos no século XXI trazendo as práticas do século XX, da mesma forma que as práticas socioculturais do século XIX foram reproduzidas no século XX e assim sucessivamente (Schwarcz, 2020SCHWARCZ, Lilia (2020). Quando acaba o século XX. São Paulo: Companhia das Letras.). No caso da população originária, negar a própria identidade até o fim dos anos 1980 não era necessariamente uma escolha, mas uma tática de sobrevivência desses grupos subalternizados, da mesma forma que retomar essas identidades se configura em um tipo de resistência baseado nos preceitos da reexistência. Como lembra Krenak (1999)KRENAK, Ailton (1999). O eterno retorno do encontro. In: KRENAK, Ailton. A outra margem do ocidente. São Paulo: MinC/Funarte/Companhia das Letras. p. 23-32., retomar a própria identidade não é importante só em nível individual, é importante também para o coletivo, para fortalecer lutas, contribuir para os diálogos existentes, ampliar os espaços onde essas ideias são discutidas. Com base nisso, pode-se dizer que as crônicas de Munduruku revelam seu caráter de resistência pelas suas características de reexistência ao (re)afirmarem e legitimarem a episteme negada de seu povo.

Esse argumento fica claro quase no fim do livro, no capítulo "Tucuruvi", traduzido para o português como gafanhoto verde, um inseto que pode significar desgraça para alguns povos, enquanto para outros, incluindo os Munduruku, significa bom augúrio. Encontrar-se com eles é "sinal de que alguma coisa boa vai acontecer". Com isso o autor retorna à reflexão sobre o peso simbólico dos nomes:

É muito próprio de nossos povos batizarem os lugares a partir de um evento ocorrido numa ocasião específica. Batiza-se pelo fato e não para homenagear alguém, como sempre ocorre com as pessoas das cidades. Assim como foi com o Anhangabaú, com o Jabaquara ou com o Ibirapuera, com a Mooca ou com Guaianases. Isso funciona também com os nomes das pessoas, que são colocados para tornar presente a memória dos nossos antepassados. É com a certeza de não esquecer fatos e feitos que os nossos pais batizam seus filhos e acontecimentos (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 51).

Ao ressaltar a carga simbólica dos nomes, Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. traz para o primeiro plano a importância de seus significados. É com essa afirmação da episteme negada que Crônicas de São Paulo abre seus caminhos para a retomada de aspectos negligenciados ou apagados da história. Em entrevista realizada para o desenvolvimento da tese na qual este artigo se baseia, Wapichana (2021)WAPICHANA, Cristino (2021). Depoimento: Cristino Wapichana [jul. 2021]. In: TRINDADE, Gislene. (Re)descobrindo São Paulo: memória e narrativa indígena na ressignificação do espaço urbano. [Research Master's thesis of the Center for Arts in Society]. Leiden University., músico, compositor, cineasta e escritor pertencente ao povo Wapichana destaca que, quando refletimos sobre a narrativa oficial de um Brasil descoberto por aventureiros desbravadores que trouxeram o dito progresso, o vocabulário dessa narrativa direciona-nos para um entendimento específico do que foi a colonização e consequentemente da nossa própria identidade. De acordo com o escritor, a sociedade brasileira vive em ignorância da própria história por não querer se associar a um passado violento que acaba se repetindo constantemente.

Não se trata de falta de conhecimento, mas do que é feito com esse conhecimento. O que é omitido dos livros de história por não quererem associar a fundação do país com saques, extermínio e estupros. Existe uma negação da violência que fundou o país e por consequência das identidades que coabitam esse país (Wapichana, 2021WAPICHANA, Cristino (2021). Depoimento: Cristino Wapichana [jul. 2021]. In: TRINDADE, Gislene. (Re)descobrindo São Paulo: memória e narrativa indígena na ressignificação do espaço urbano. [Research Master's thesis of the Center for Arts in Society]. Leiden University., p. 46).

Embora não seja o foco da narrativa, em diversos momentos Munduruku fala da violência que fundou o país com base no "pensamento quadrado dos europeus" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 24), na chegada das caravelas "com seus tripulantes gananciosos e covardes" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 39), a partir do encontro entre indígenas e alienígenas, quando "homens decididos a manter firme a tradição de seus avós enfrentaram outros homens vindos de longe e trazendo outro olhar, um olhar que maculava a grandeza divina da Mãe Terra" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 56). É possível notar, todavia, que não se trata de disputar a narrativa histórica sobrepondo fatos. As crônicas de Munduruku voltam-se para a legitimação dos saberes ancestrais, com isso afastando-se do texto de autoridade, que reclama poder, para se aproximar de um texto de alteridade (Graúna, 2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza.), que reclama o direito de ser diferente sem com isso ser menos. Essa característica de texto de alteridade fica evidente na obra de Munduruku com a tríade (re)nomear, (re)ssignificar, (re)tomar. É renomeando, a exemplo do metrô que passa a ser tatu metálico, que Munduruku (2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12) confere um caráter híbrido a algo que representa a aparência moderna da cidade.

Nesse sentido, renomear implica também ressignificar, possibilitando a retomada. Quando Munduruku apresenta outras formas de entender os espaços, sem com isso apresentar novas cartografias, o autor retoma simbologias negligenciadas nessa mesma cartografia para manter a memória ancestral viva contemporaneamente, dentro da cidade: "Quando ando por Sampa penso que que estou caminhando sobre meus ancestrais. E viver bem aqui é mantê-los vivos na minha memória e na memória desta colossal aldeia de desconhecidos" (Munduruku, 2019MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis., p. 12). Com isso, pode-se dizer que o autor reclama o reconhecimento e a aceitação de corpos e epistemes historicamente negados.

CONSIDERAÇÕES (NUNCA) FINAIS

Da mesma forma que nomes saem direto dos livros de história para placas de ruas e bairros, praticamente em uma espécie de continuação da narrativa hegemônica, vemos também outros nomes que sobreviveram às renomeações do tempo. Não foi possível apagar completamente as marcas indígenas de São Paulo de Piratininga. A cidade está repleta de símbolos que representam o mais íntimo da ideia de identidade brasileira, não como nação, mas como plurinação, com múltiplas origens parcialmente ignoradas e/ou apagadas.

Nesse sentido, pode-se dizer que a ressignificação do espaço urbano na obra de Munduruku acontece nesse nível emblemático dos símbolos, dá-se no perpassar das lacunas que o autor ressalta. Este artigo destacou a lacuna epistêmica e seus desdobramentos na ressignificação do urbano. Ao mesmo tempo que apresenta a ancestralidade em contraste crítico à modernidade, o autor não descarta a inter-relação e a simultaneidade de ambas na cidade e na própria identidade. A autoidentificação e autodeclaração como indígena que vive na cidade sem por isso deixar de ser indígena nasce desse entrelugar que o autor habita, uma zona de contato que o coloca em contato, simultaneamente, com diferentes mundos. Quando lemos as crônicas de Munduruku apoiados em seu caráter fronteiriço, por consequência, as dicotomias não se aplicam. Nesse contexto, a narrativa de Munduruku mescla os elementos urbanos e da natureza sem hierarquias, aproxima povos historicamente apartados e mostra a face contemporânea da ancestralidade, borrando assim a linha abissal que subjuga as formas de ser e estar desses povos.

O lócus de Munduruku proporciona também a negociação intercultural do autor por meio não apenas do uso do idioma da cultura dominante, mas também da escolha da crônica como gênero literário. Nesse sentido, o autor legitima corpos e saberes se utilizando do mesmo arsenal simbólico que no passado foi empregado pelo poder colonial para deslegitimar e subalternizar. Ao transformar a sabedoria ancestral de palavra falada para palavra escrita, o autor faz um movimento creditado por ele como essencial para manter a ancestralidade viva. Além de articular os saberes ancestrais por meio da oralidade, Munduruku aborda o pertencimento identitário indígena na metrópole, unindo elementos que geralmente são separados, com isso desafiando a distinção entre o ancestral e o contemporâneo, questionando a linha abissal divisória.

Nesse contexto, a abordagem temporal de Munduruku reflete o pensamento decolonial, incorporando experiências que foram historicamente negadas pela colonialidade, proporcionando uma orientação que transcende tanto o idealismo quanto o materialismo. Munduruku sublinha, desse modo, o caráter político da literatura indígena contemporânea, deixando claro o prisma político-cultural desse tipo de textualidade, que sempre teve raízes profundas nas lutas políticas desses povos, apesar dos rótulos de literatura infantil ou folclórica. Ao questionar os rótulos atribuídos a essa literatura, o lócus fronteiriço do autor, por conseguinte, também questiona os rótulos atribuídos à população originária como povos atrasados ou primitivos. Ao levar a população originária das margens para o centro da narrativa, Munduruku pratica um exercício de reflexão que retira a população indígena dos rodapés da história nos próprios termos de história desses povos, com as próprias representações espaciais, temporais e culturais.

A cidade que aparece como cenário é a mesma cidade que aparece como personagem, de forma que o intercalar dessas camadas se dá em uma narrativa tecida por meio das reminiscências. A consequente ressignificação que resulta desse processo acontece em nível simbólico e literal, sendo o livro o produto cultural final que não se encerra em si; pelo contrário, segue inacabado, levando em consideração as discussões que promove e continuará promovendo de acordo com a leitura recebida.

O viés decolonial permitiu-nos ter um entendimento da obra pautado por essa jornada de Munduruku pela cidade e especialmente pelas entranhas da metrópole em busca dos resquícios de ancestralidade, em uma narrativa que atravessa os limites de tempo e espaço para o resgate de algo que sempre esteve lá, embora um pouco apagado. Com esse movimento, a narrativa de Munduruku (2019)MUNDURUKU, Daniel (2019). Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis. aproxima-se de um projeto decolonial ao promover o exame dessas feridas coloniais pelo reconhecimento da existência delas, por meio da legitimação dos povos que as sentem, muitas vezes sem saber nomeá-las. Não se trata, por isso, de uma vingança; não é sobre desumanizar quem um dia desumanizou. Também não se trata de destruir a modernidade em prol de outras formas de viver: trata-se na realidade de uma ideia mais alinhada com o pensamento de construir algo mais por meio do entendimento e aceitação das individualidades de cada um. Não é apenas sobre retomar a memória que segue cotidianamente sendo apagada e negada por um sistema sempre pronto a se atualizar, mas ir além e combater a narrativa até hoje utilizada para justificar esse apagamento e negação, pensando por um prisma que abrigue diferentes vozes e memórias. Nesse sentido, a narrativa do autor forja uma fissura nas estruturas da matriz colonial do poder, que por séculos impôs "a diferença colonial através da classificação hierárquica baseada em ideias de raça, antropocentrismo, heteronormatividade e gênero" (Walsh, 2018WALSH, Catherine (2018). On decolonial dangers, decolonial cracks, and decolonial pedagogies rising. In: MIGNOLO, W. D., & WALSH, C. E. (org.). On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Nova York: Duke University Press. p. 81-98. https://doi.org/10.1515/9780822371779-006
https://doi.org/10.1515/9780822371779-00...
, p. 24).

O giro decolonial vem discutindo e ampliando essas fissuras, às vezes apontando para elas, às vezes falando a partir delas. Quando propõe um relato que além de trazer em si muitos mundos convida outros a fazer parte de uma realidade plural, Munduruku aproxima-se do famoso pensamento atribuído a Rosa Luxemburgo (1871-1919), que conclamou "um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres".

  • 1
    Daniel Munduruku é pertencente aos povos Munduruku, localizados nos estados de Amazonas, Mato Grosso e Pará, onde nasceu. O autor é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e concluiu o pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Munduruku possui mais de 50 livros publicados, abordando temas e gêneros variados, e uma extensa lista de premiações, que incluem o Prêmio da Academia Brasileira de Letras e o Prêmio Jabuti, além de menções honrosas de órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
  • 2
    O uso das palavras indígena, povos originários e nativos que permeia este estudo está alinhado com a adoção dessas mesmas palavras por esses povos no contexto brasileiro. Não queremos com isso reduzir os 305 povos que falam mais de 270 línguas e vivem de formas diferentes no território brasileiro a uma categoria. Refletimos sobre o assunto no decorrer do artigo.
  • Este artigo é um recorte aprofundado dos resultados apresentados na tese de mestrado intitulada (Re)descobrindo São Paulo: memória e narrativa indígena na ressignificação do espaço urbano, apresentada por Gislene Trindade em dezembro de 2021, na Universidade de Leiden. Esta pesquisa foi financiada pelos programas LUSTRA+ Scholarship e Uhlenbeck Scholarship.

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Editores: Rejane Pivetta e Paulo César Thoma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2023
  • Aceito
    12 Mar 2024
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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