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A obsolescência prisional em Assim na terra como embaixo da terra, de Ana Paula Maia

The prison obsolescence in Ana Paula Maia’s novel Assim na terra como embaixo da terra

La obsolescencia carcelaria en Assim na terra como embaixo da terra, de Ana Paula Maia

Resumo

Com base na análise do romance Assim na terra como embaixo da terra (2017), de Ana Paula Maia, discute-se a representação da obsolescência do sistema prisional e sua permanência como reiteração de um processo colonial em curso e constante reformulação. A narrativa passa-se, majoritariamente, em uma colônia penal isolada, em um tempo e região imprecisos, mas com fortes indícios de ser uma representação do centro-oeste brasileiro contemporâneo. Nesta narrativa realista, a passagem de tempo sofre uma dilatação significativa, do ponto de vista psicológico, dado o estado de angústia da espera dos prisioneiros (apenados e oficiais), confinados em espaço e atividades restritas. Do ponto de vista cronológico, camadas literais de experiências desdobram uma questão relevante: por um lado, a passagem de tempo é observável no desgaste da matéria e, por outro, as relações mudam de forma aparente, mas permanecem inalteradas em essência. É desse movimento que emerge, na obra, a discussão urgente sobre a obsolescência prisional. Para embasar essa discussão, contextualizamos a consecutividade entre o território das plantations e as prisões como reflexo da institucionalização da colonialidade e do racismo nas Américas, em diálogo com a historicização proposta pela filósofa estadunidense Angela Davis e com o conceito de memórias da plantação, cunhado pela filósofa portuguesa Grada Kilomba, relevante para situar as diversas camadas discursivas que se articulam para barrar a conquista da cidadania plena para pessoas racializadas.

Palavras-chave:
encarceramento; racismo; Ana Paula Maia; Assim na terra como embaixo da terra

Abstract

Based on the analysis of Ana Paula Maia’s novel Assim na terra como embaixo da terra (2017), the representation of the obsolescence of the prison system and its permanence as a reiteration of an ongoing colonial process and constant reformulation is discussed. The narrative takes place, mostly, in an isolated penal colony, at an inaccurate time and region, but with strong indications of being a representation of contemporary Brazilian Central West. In this realistic narrative, the passage of time undergoes a significant dilation, from the psychological point of view, given the state of anguish of waiting for prisoners (convicts and officers), confined in restricted space and activities. From a chronological point of view, literal layers of experiences unfold a relevant question: on the one hand, the passage of time is observable in the wear and tear of matter, and on the other hand, relationships change in an apparent way, but remain essentially unchanged. It is from this movement that the urgent discussion about prisonal obsolescence emerges in the work. To support this discussion, the consecutiveness between the plantations territory and the prisons was contextualized as a reflection of the institutionalization of coloniality and racism in the Americas, in dialogue with the historicization proposed by the American philosopher Angela Davis, and with the concept of plantation memories, coined by the Portuguese philosopher Grada Kilomba, relevant to situate the various discursive layers that articulate to bar the conquest of full citizenship for racialized people.

Keywords:
incarceration; racism; Ana Paula Maia; Assim na terra como embaixo da terra

Resumen

A partir del análisis de la novela “Assim na terra como embaixo da terra (2017)”, de Ana Paula Maia, se discute la representación de la obsolescencia del sistema prisional y su permanencia como reiteración de un proceso colonial en marcha y en constante reformulación. La narrativa se desarrolla, en su mayoría, en una colonia penitenciaria aislada, en una época y una región desconocidas, pero con fuertes indicios de ser una representación del Centro Oeste brasileño contemporáneo. En esta narrativa realista, el paso del tiempo sufre una importante dilatación, desde el punto de vista psicológico, dado el estado de angustia de la espera de los prisioneros (penados y oficiales), confinados en espacios y actividades restringidas. Desde un punto de vista cronológico, las capas literales de experiencias despliegan una cuestión relevante: por un lado, el paso del tiempo es observable en el desgaste de la materia y, por otro lado, las relaciones cambian de manera aparente, pero permanecen inalteradas en esencia. Es a partir de este movimiento que emerge, en la obra, la urgente discusión sobre la obsolescencia carcelaria. Para sustentar esta discusión, contextualizamos la conexión entre el territorio de plantación y las cárceles como reflejo de la institucionalización de la colonialidad y del racismo en las Américas. Así, entablamos diálogo con la historización propuesta por la filósofa estadounidense Angela Davis, y con el concepto de memorias de la plantación, acuñado por la filósofa portuguesa Grada Kilomba. Ambas perspectivas serán relevantes para situar las diversas capas discursivas que se articulan para bloquear la conquista de la ciudadanía plena de las personas racializadas.

Palabras clave:
encarcelamiento; racismo; Ana Paula Maia; Assim na terra como embaixo da terra

In a fascist world

Untrue and coward

Where the right of speech

Is silenced and buried

Millions live their lives

Oppressed by the state

Minorities disrespected

And controlled by fear 1 1 Tradução nossa: Em um mundo fascista/mentiroso e covarde/onde o direito de falar/ é silenciado e enterrado/milhões vivem suas vidas/oprimidos pelo Estado/minorias são desrespeitadas/e controladas pelo medo.

(Martinelli e Sarcinelli, 2007MARTINELLI, Marlon; SARCINELLI, Ricardo (2007). Bulletproof Ideias. In: PoisonGod: Daemoncracy. 1 CD. Faixa 3 (3 min 57).).

INTRODUÇÃO

Assim na terra como embaixo da terra (2017) é o sexto romance da escritora carioca Ana Paula Maia e faz parte do espaço ficcional que vem sendo explorado, a cada obra, por meio de referências, personagens e temas recorrentes. Seus protagonistas representam aqueles que fazem o “(...) trabalho que nenhum de nós quer fazer” (Maia, 2009MAIA, Ana Paula (2009). Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos. Rio de Janeiro: Record., p. 7), porque lidam com excrementos, morte e sujeira, e também são afetados por um ciclo de subalternização que aparenta ser intransponível2 2 “Para esses homens, não há quem lhes confie uma nova chance” (Maia, 2017, p. 127). .

Além de serem brutalizados, os corpos desses homens são marcados por esses trabalhos barulhentos, repetitivos, pesados, sob condições e em ambientes inóspitos. Tais marcações, além de emocionais e psíquicas, aparecem de modo concreto como deficiências físicas decorrentes dessas atividades e com estigmas que os conectam ao trabalho, como se fossem reduzidos ao que fazem. Eles são sempre sobreviventes embrutecidos, que se revezam, e cujas experiências complexas aparecem comentadas, explicadas ou desenvolvidas em diferentes obras, enriquecendo assim a acepção do espaço e da sucessão de acontecimentos.

Assim na terra como embaixo da terra (2017) passa-se, majoritariamente, em uma colônia penal isolada, em vias de desativação. O tempo e a região não são delimitados, mas apresentam fortes indícios3 3 O solo avermelhado (Maia, 2017, p. 10) e empoeirado (Maia, 2017, p. 16) é típico do Bioma do Cerrado, assim como a vegetação rasteira e espaçada. Isso é reforçado pelo fato de que “Não há nuvens no céu; somente um sol inclemente (...)” (Maia, 2017, p.16). de se tratar duma representação do centro-oeste brasileiro com imprecisões intencionais que desafiam qualquer fixação. Assim como é um território ficcional repleto de elementos realistas de clima e vegetação, escapa com detalhes que nos levam a concluir que os acontecimentos poderiam ocorrer em quase qualquer tempo e lugar.

A ideia de uma colônia penal, como a retratada na obra, diverge do conceito jurídico contemporâneo porque apresenta prisioneiros condenados por crimes de homicídio, latrocínio e estupro, em regime fechado, submetidos à servidão4 4 “De acordo com a LEP [Lei de Execução Penal], penitenciária é a unidade prisional destinada aos condenados a cumprir pena no regime fechado, enquanto as colônias agrícolas, industriais ou similares são destinadas aos presos do regime semiaberto e a casa do albergado, àqueles em regime aberto” (Conselho Nacional de Justiça, 2015). , e o trabalho que executam não implica redução de pena. O uso do conceito de modo mais elástico abre uma lacuna para pensarmos em como o sistema prisional e o colonial estão interligados historicamente, alicerçados em discursos e práticas racistas (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.). Colônia penal é, portanto, mais que o espaço onde transcorre a narrativa; sua plurissignificação, neste contexto, funciona como modo de representar a “(...) atemporalidade do racismo cotidiano” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 29), vivenciada “(...) como a reencenação de um passado colonial, mas também como uma realidade traumática, que tem sido negligenciada” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 29).

Essa mesma abertura aparece nas marcas de tempo, pois as relações, estruturas e práticas cotidianas artesanais apontam para o passado, que é contrariado pelas tecnologias, especialmente a tornozeleira eletrônica, criada em 1964 por Ralph Kirkland Schwitzgebel. Essas contradições são um traço proeminente na escrita de Ana Paula Maia, porque costuram uma experiência estética realista a uma discussão política urgente baseada em sujeitos marginalizados no universo diegético e, fora dele, expostos a experiências limite, essencialmente injustas e degradantes. Por meio do deslocamento de um tipo de sujeito corriqueiro na literatura brasileira contemporânea (Dalcastagnè, 2011DALCASTAGNÈ, Regina (2011). Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 31, p. 87-110. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9434. Acesso em: 8 dez. 2023.
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), o romance de Maia autoriza5 5 Na obra Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano, Grada Kilomba (2019) aponta o fato de que a fala é uma ação interditada em nível concreto e metafórico a pessoas negras, no mundo pós-colonial, porque estas ocupam os locais sociais subalternizados e são excluídas da área correspondente aos processos e meios de autorrepresentação. Assim, os grupos marginalizados rebelam-se, resistem, mas são desqualificados e oprimidos sistematicamente por discursos e instituições, o que reitera a falta de poder. Assim, ela discorda da questão “pode o subalterno falar?”, proposta por Gayatri Spivak, ao indicar que a fala, a revolta e a crítica são possíveis, mas são silenciadas e negligenciadas. esse “Outro” a falar6 6 Evidentemente, não se trata da capacidade biológica de “falar”, mas o espaço de articulação e o vocabulário que expresse as experiências. Dado o equívoco comum a respeito do conceito de lugar de fala (Ribeiro, 2017), vale ressaltar que este conceito diz respeito ao local social que constrói a perspectiva, o interesse e o poder de sujeitos de dado corpo social situado historicamente, e nada tem a ver com autorização ou não de falar. A autorização à qual Kilomba (2019) se refere é a exclusão dos espaços de conhecimento e poder, que constituem obstáculos estruturais para grupos marginalizados legislarem, interpretarem e construírem conhecimento pautados por suas próprias perspectivas. , em discurso direto, rompendo o “silêncio que o pós-colonialismo prescreve” e, por consequência, desnaturalizando o conceito de “humano” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 47) como sinônimo de Homo sapiens.

A realidade sub-humana à qual os apenados estão submetidos em Assim na terra como embaixo da terra torna-se evidente à medida que animais não humanos são presos, abatidos, dissecados em situações paralelas às vivenciadas pelos prisioneiros. Essa aproximação é explorada na trama de forma plástica e verbal, levando o debate para o presumido público “humanista”, que reconhece e discorda da retórica em favor da tortura e exploração do trabalho, mas prefere ignorar o que acontece no interior dos muros.

Com base em todas essas contradições vivenciadas sob perspectivas marginalizadas plurais (os apenados não são um grupo uniforme), a obra convoca o “nós” humanista7 7 Por humanista, podemos considerar uma acepção antropocêntrica da modernidade, que define um sujeito como universal e medida de tudo o que é “civilizado”. , que não deseja fazer seu próprio trabalho “sujo”, se exime da crítica ao sistema prisional e de reconhecer a contradição de sua própria prática, como analisaremos em seguida. Se a “nossa” prática é atravessada pela mistificação do que é o crime e de quem são os criminosos, após a reencenação das experiências e relações coloniais, protagonizadas por um condenado, num tempo mais ou menos próximo ao nosso, em Assim na terra como embaixo da terra é mais difícil sustentar discursos em favor da universalização dos direitos humanos ignorando a atemporalidade das práticas coloniais e do racismo materializadas no obsoleto sistema prisional.

ANIMALIDADE COMO PARÂMETRO SUPREMACISTA BRANCO

Assim na terra como embaixo da terra sugere que “nós” embarcaremos numa narrativa estritamente materialista, em que a sujeição à morte social representada pelo cárcere enterra o prisioneiro em vida, igualando a vida acima e abaixo da terra. Essa condição não é o ponto de vista que narra a história, porque o que acontece “abaixo do céu” também é metáfora das memórias coloniais enterradas na psique branca (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.). Como na escrita de Maia nada é realmente “estrito”, o clima aterrador articulado com o acaso e a visão de mundo dos personagens deixa uma fresta para os questionamentos metafísicos deles deslizarem sob a rigidez do “real” naturalista, adensando o cenário, como uma espécie de preparação para explicitar o sobrenatural em De cada quinhentos uma alma (2021MAIA, Ana Paula (2021). De cada quinhentos uma alma. São Paulo: Companhia das Letras.).

Embora a atmosfera sobrenatural não se solidifique em Assim na terra como abaixo da terra, a linguagem mostra que “premonições” e “demônios” fazem parte deste universo ficcional como elementos modificadores do real. Ao mesmo tempo que são uma chave de interpretação da realidade disponível aos personagens centrais, também representam sua economia vocabular e se tornam metáforas. Exemplo disso ocorre quando Bronco Gil afirma que “A memória dele [Melquíades] voltou acompanhada de outros demônios” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 130); embora ele se refira às angústias do oficial se tornando visíveis em consequência de traumas no crânio, quando adverte o incrédulo Heitor de que “É bom que comece a crer, [em demônios] porque nas próximas horas é tudo o que vamos encontrar” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 130), aproxima-se de uma experiência de horror “real” que os prisioneiros vivenciam todo o tempo: o medo da morte cruel e do desaparecimento.

Ainda que o intangível não se apresente como presença sobrenatural, experiências psicológicas horripilantes assumem ares concretos quando Bronco Gil e Pablo cavam o terreno pedregoso e rígido para enterrar presos que foram mortos pelo diretor da prisão, Melquíades. O solo parece resistir à invasão, mas ao cavarem a borda, os dois homens descobrem um baú com conteúdo tão “desagradável” que todos ficam em silêncio, “(...) com a alma revolvida” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 64). Embora esses sujeitos capazes de crimes hediondos não elaborem seus sentimentos, a onisciência do narrador reforça que sentem medo, aversão e solidão, a despeito de suas posturas altamente masculinizadas, porque são pessoas.

Esse poder também era reforçado sempre que encontravam vestígios de vítimas de tortura e morte não contabilizada, no terreno da Colônia, com quem podiam se identificar pela condição de objetificação, já que “(...) vira e mexe era possível encontrar partes de esqueletos humanos em diversos pontos do terreno. Foram esses escravos que viveram aqui e aqui também morreram” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 68). A voz narrativa furta-se de nomear o que foi encontrado no baú — mais tarde, descobrimos se tratar de ossada de crianças —, como se desviasse o olhar, mas descreve com naturalidade a história do território com ênfase no proprietário das terras “amaldiçoadas” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69), à medida que equipara a morte dos “escravos” (sic) (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69) e “corpos de animais, amontoados” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69).

Ao definir esse massacre como “Calvário Negro” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69), pessoas exploradas como escravos, em vez de submetidas à condição de escravizados, e reiterar a imagem de “lona negra” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69) e “dias de trevas” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69), o narrador associa o termo negro à morte, filia-se a um discurso racista, comprometido com a negação da realidade colonial como “regime brutal de silenciamento” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 33) e exploração da força de trabalho que se atualiza por recursar-se a morrer. À medida que a recapitulação da história da fazenda iguala discursivamente pessoas (humanas) negras e pessoas não humanas8 8 Opressões não ocorrem separadamente, portanto, interpelar a raiz do problema da “desumanização” não é reivindicar o conceito eurocêntrico de humano para grupos que têm sido vítimas sistemáticas da violação dos “direitos humanos”, mas explicitar como a lógica da animalidade (hierarquização baseada em um ideal de espécie) é a justificativa retórica para a violação física de todos os corpos desviantes (Ko and Ko, 2017). e usa um campo semântico relacionado à negritude de modo negativo, soturno e enigmático ele se aproxima do “nós” que negligencia a ramificação da colonização no presente institucionalizada como sistema prisional.

Assim, o efeito de horror da passagem reside mais no destino do antigo proprietário (Eustáquio), que se tornou miserável e sumiu, do que no fato de esse terreno ter sido usado sistematicamente (por quem?) como palco de desaparecimentos em massa, assassinatos, torturas (de quem?). Eustáquio ter nome e um arco próprio e ser representado como vítima “daquelas terras amaldiçoadas” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 69) isenta-o narrativamente de responsabilidade9 9 Embora o texto não descreva o modelo de trabalho adotado na fazenda de Eustáquio, essa omissão reflete a negação do valor simbólico da brancura como propriedade herdada (Ko and Ko, 2017; Davis, 2018a). , ao passo que investe poder à terra, simbolizando a desigualdade entre o peso social de sua morte individual e a incontável morte de escravizados. Essa proporção é replicada na Colônia Penal, quando é explicada a baixa densidade populacional após o desaparecimento de 37 apenados sem nomes, e fecha com a dramatização da morte de Melquíades.

Quando Bronco se questiona sobre a ciência que o “nós”, do lado de fora dos muros, tem do que ocorre no interior deles (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 68), e quando Valdênio conclui que estão ali para morrer, podemos depreender que o terror desses sujeitos reside na consciência de que suas vidas não são dignas de valor para a população fora do cárcere, sejam eles civis ou burocratas10 10 Isso também aparece nas reflexões de Bronco Gil, que medita sobre seu desejo de matar o oficial Taborda e as consequências do ato. . O diretor “abatia os homens como quem abate gado” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 70), sublinhando a aderência ao discurso de inferiorização da vida de um “criminoso” que esvazia a subjetividade para justificar o tratamento violento (Ko and Ko, 2017KO, Aph; KO, Syl (2017). Aphro-ism: Essays on pop culture, feminism, and Black veganism from two Sisters. Nova York: Lantern Publishing & Media.).

Como a filósofa estadunidense Aph Ko (Ko e Ko, 2017KO, Aph; KO, Syl (2017). Aphro-ism: Essays on pop culture, feminism, and Black veganism from two Sisters. Nova York: Lantern Publishing & Media.) pontua, as vidas eliminadas de modo habitual passam pelo processo de eliminação simbólica (esvaziamento da subjetividade, ou seja, a corporificação) antes da eliminação literal, de modo que a falta de comoção com a morte é antes um descaso com a vida. Essa biologização, em detrimento da subjetividade, que transforma sujeitos em objetos, também é representada ao longo de Assim na terra como embaixo da terra sempre que o narrador aproxima a experiência dos apenados à dos javalis selvagens, cachorros doentes e bois enjaulados, descrevendo como um iluminista que cataloga a natureza:

Da estrutura óssea compacta e musculatura consistente, sua pelagem baixa tinha zebruras da crina até a cauda. O animal era vigoroso e ágil. Desde jovem, Bronco Gil montava cavalos dessa raça [crioulo], cuja aptidão para o trabalho pesado e a lida com o gado são de excelência (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 73).

O olhar do narrador-onisciente aproxima o protagonista, Bronco Gil, da natureza pelo viés de sua experiência imediata11 11 “Mija feito um jumento” (Maia, 2017, p. 31). , de natureza dessensibilizada12 12 “Eviscerar não lhe causa mais nenhuma reação, ao contrário das primeiras vezes, em que vomitava continuamente. O cheiro de animais mortos, do sangue, dos restos e sobras tornou-se natural (Maia, 2017, p. 46). e focando os atributos físicos (alto e forte, com ombros largos, pele morena e marcas de facadas pelo corpo). Em raros momentos, ele apresenta a subjetividade de Bronco Gil, mas podemos compreender que o protagonista é diferente do seu algoz, porque é consciente de sua sujeição: “[depois de seu primeiro assassinato] sentia-se fazendo o trabalho sujo dos outros, atando os demônios alheios” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 54).

O narrador observa os acontecimentos de longe, direcionando o olhar para a crueza com que pessoas em condições sub-humanas e animais são tratados, descrevendo-a com precisão imagética, sem se comprometer a questionar a violência, mas tendendo ao pensamento convencional, que parte do paradigma antianimal para considerar que seres humanos não deveriam ser tratados como animais não humanos. A recusa em se atentar à condição de tortura e ao aprisionamento em si como o problema — independentemente da espécie — é latente no modo como ele explicita uma espécie de transgressão de leis naturais, quando os “homens” são abatidos como gado.

Seja na descrição detalhada do jogo macabro em que Melquíades caça animais humanos (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 58), sob a mesma lógica de caça de animais não humanos, seja quando encomenda a Bronco o abatimento de um javali para Valdênio taxidermizar, a conexão entre as opressões que irradiam da supremacia branca como sistema (Ko e Ko, 2017KO, Aph; KO, Syl (2017). Aphro-ism: Essays on pop culture, feminism, and Black veganism from two Sisters. Nova York: Lantern Publishing & Media.) político, econômico e cultural está presente.

OBSOLESCÊNCIA COLONIAL É OBSOLESCÊNCIA PRISIONAL

Se a diferença (racialismo) e a hierarquização racial (racismo) foram condição fundamental da expansão ultramarina, que se recusa a morrer, sinais de sua atualização são representados desde o processo de desativação até a decrepitude do espaço físico da Colônia Penal e sua mobília: o sofá de couro é rasgado e com espuma aparente, o córrego é fétido, o terreno é entulhado de lixo e circundado por cerca elétrica descontinuada, as instalações são desgastadas e:

[N]o lado leste, em que há restos de uma antiga construção com paredes lodosas, parcialmente sustentadas por vigas de ferro enferrujadas e algumas grades que, apesar de corroídas, ainda impressionam mesmo depois de um século, quando escravos eram trazidos para cá, açoitados e mortos (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 59).

O espaço físico em desuso, corroído, mas erguido contra o tempo, reflete o arcaísmo da escravidão e sua permanência por meio do racismo estrutural enraizado nas instituições, atitudes e comportamentos na contemporaneidade (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.). As ossadas são uma prova material da obsolescência da escravidão (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.) e o atrelamento entre o racismo e o sistema prisional13 13 Davis (2018a) argumenta que a continuidade entre a escravidão e o sistema carcerário é estruturada pelo Códigos Negros (Black Code), que eram “leis que privavam os seres humanos escravizados de praticamente todos os direitos” (Davis, 2018a, p. 29). Após a abolição, essas leis foram atualizadas e se tornaram o conjunto de leis discriminatórias chamadas Leis de Jim Crow. O intuito dessas leis era a criminalização das pessoas negras, porque proibiam ações apenas a pessoas negras. Essa “reencenação da escravidão” (Davis, 2018a, p. 30), por meio do trabalho prisional, é considerada uma atualização propiciada pela 13ª Emenda (que abole a servidão forçada, exceto como punição por crime) e, muitas vezes, conceituada como Nova Jim Crow (New Jim Crow) nos EUA. . O narrador defende que “agora são homens condenados e de toda cor: assassinos e desalmados” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 59) para tentar apagar discursivamente o fato de que pessoas racializadas são historicamente vitimadas naquele terreno sob alegações diferentes, mas sujeitadas a procedimentos semelhantes.

Em Estarão as prisões obsoletas? a filósofa estadunidense Angela Davis (2018a)DAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel. expõe e historiciza a situação atual das prisões, composta de uma população racializada desproporcional, especialmente de homens negros14 14 Conforme a nota do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada pelo Jornal Nacional (2022), a população brasileira é composta de 56% de negros (a soma da autodeclaração de pretos e pardos), enquanto a composição carcerária, tanto entre homens como em mulheres, é de 67% (Borges, 2018). . Com base nesse estudo, podemos rejeitar essa alegação alienada defendida pelo narrador.

Assim que os prisioneiros chegam à Colônia e Melquíades confere suas fichas criminais, eles são introduzidos a sua perspectiva desumanizante15 15 O fato de Melquíades ser um homem branco e careca torna-se alegoria de uma ideologia escravagista/racista/fascista no cotidiano. : “Vocês são bandidos. Vocês são a escória. Aqui não é colônia de férias. Eu não tenho o menor respeito por bandido. — Cuspiu no chão” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 41). Não por acaso, o desrespeito do agente público ocorre sob a tutela do Estado, em que “(...) a tortura permanece como via, não ligada diretamente ao Judiciário, mas como prática constante do aparato de vigilância e repressão” (Borges, 2018BORGES, Juliana (2018). O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento/Justificando., p. 33). Como representante do Estado, Melquíades é investido de poder e reitera sempre que cumpre as ordens que vêm de fora ainda que ninguém seja autorizado a questionar a veracidade dessas ordens.

Além do abuso físico, a ideologia que caracteriza Melquíades se assemelha bastante à da nada lúdica época colonial quanto à função do trabalho: “(...) uma atividade disciplinadora e civilizatória aos ‘selvagens’. Os castigos e as punições eram práticas incentivadas para evitar a desobediência” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 55). Ao afirmar que “(...) todo mundo trabalha” e que ele está lá para corrigir e aplicar punições (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 41), Melquíades impõe-se como autoridade máxima, catalisando uma reencenação do passado colonial.

É importante observar que a temporalidade transcorrida em Assim na terra como embaixo da terra foi tecida com base nos vestígios do Brasil colonial no espaço, passando pela formação de Melquíades e Bronco Gil e o período suspenso, de espera do promotor. A história do diretor, por um lado, é sobre estar filiado a uma tradição cristã, herdada de seu pai, que também fora policial. Em uma busca pela autoimagem perfeita, ele acaba desumanizando a si, à medida que desumaniza os outros. A de Bronco, por outro lado, é inevitavelmente uma trajetória marcada pelo estupro de sua mãe — mulher indígena — pelo fazendeiro branco “um tanto cretino” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p.45), que é seu pai.

Embora a representação da experiência desse homem indígena possa parecer deslocada do que Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó. discute em Memórias da Plantação, num primeiro momento, sua condição, análoga à de Valdênio16 16 A população indígena também é excluída das estruturas sociais e políticas, privada de direitos, portanto submetida ao racismo estrutural (Kilomba, 2019). , aponta para o fato de que a população indígena também é marcada por uma realidade traumática de reencenação de um passado colonial e privação de direitos. A história de violência inscrita no corpo e na subjetividade desses indivíduos revela a coexistência entre passado e presente, como memórias vívidas da escravidão (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.), oposta ao lugar social do diretor.

Essa invocação do passado presente no uso do poder, sob pretexto de “medida socioeducativa” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 57), caracteriza a obsolescência do sistema prisional pelo modo como se aproxima do funcionamento de uma plantation (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.). Criado como um tipo de reforma em resposta ao declínio e colapso da escravidão, com a finalidade de controle e exploração da força de trabalho negra, o sistema penal é alicerçado pelo racismo, desde a tipificação do crime e do criminoso até a condenação baseada em estereótipos raciais. Vale ressaltar que todos os 42 prisioneiros de Assim na terra como embaixo da terra foram condenados, o que direciona a discussão para além da questão da privação de liberdade de pessoas não julgadas, a presunção de criminalidade e a desproporção entre contravenção e pena; na realidade, o romance parece mais comprometido em expor a inconsistência da lógica de punição e a urgência da abolição penal.

Já a privação de condições como água potável e saneamento básico, o trabalho forçado, a supervisão constante e o castigo físico, expostos no romance pela sobreposição temporal de arcos narrativos e no desgaste do espaço físico, retratam a violação de direitos no presente como consequência colonial. Apesar disso, representar uma desativação violenta, súbita e incompleta é um modo de demonstrar que a abolição penal é imprescindível para uma sociedade mais justa, mas não é suficiente sem outras medidas.

Desse modo, a preferência estética por mostrar um final sem acabamento é uma clara recusa a oferecer solução fácil. A série de combates sangrentos durante o colapso da Colônia ilustra que o trabalho forçado não mudou as práticas de quem sobreviveu, e, no final do romance, o Bronco assassino ressurge como capataz na fazenda de abate de gado de Milo. A libertação apresenta-se, portanto, como ambivalência, pois rompe o ciclo de confinamento, ao mesmo tempo que simboliza um retorno forçado ao contexto colonial. Esta impossibilidade de libertação plena para Bronco Gil, ao final do romance, ao menos “nos instiga a levantar questões sobre o passado, o presente e o futuro” (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel., p. 39). Quanto ao terreno, embora desabitado, ele permanece como substrato para possíveis reformulações de relações coloniais, como sempre, até uma conquista plena de direitos para todos — a democracia da abolição (Davis, 2018bDAVIS, Angela (2018b). Liberdade é uma luta constante. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo.).

OS DIREITOS HUMANOS, OS HUMANOS DIREITOS E “NÓS” COM ISSO

Sim, valeria a pena estudar clinicamente, no pormenor, os itinerários de Hitler e do hitlerismo e revelar ao burguês muito distinto, muito humanista, muito cristão, do século XX que traz em si um Hitler que se ignora, que Hitler vive nele, que Hitler é o seu demônio, que se o vitupera é por falta de lógica, que, no fundo, o que não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco e o ter aplicado à Europa processos colonialistas a que até aqui, só os árabes da Argélia, os <<coolies>> da Índia e os negros de África estavam subordinados (Césaire, 1978CÉSAIRE, Aimé (1978). Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Noémia de Sousa. Lisboa: Livraria Sá da Costa., p. 18).

Enquanto ainda se discute exaustivamente qual foi o crime mais hediondo da “humanidade”, uma grande injustiça17 17 O capitalismo é um sistema em que manifestações de injustiça são observáveis em diversos campos e contra diversos grupos: a produção de itens de consumo eletroeletrônicos e têxteis, assim como a exclusão educacional, geográfica e o empobrecimento sistemático de populações negras (pretas e partas), indígenas, marrons e amarelas, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e trabalhadores. mantém-se em curso, à vista de todos e sem despertar tanta comoção: a relação entre o passado escravista e sua reformulação como sistema carcerário no presente. Em Assim na terra como embaixo da terra (2017), uma trama sangrenta e angustiante, narrada sob um ponto de vista convencional, convoca o público a testemunhar a maldade e refletir sobre sua (in) capacidade de reconhecer a “humanidade” e sofrimento de quem é marginalizado, mas também cometeu crimes violentos. É uma experiência estética analítica, que questiona em que medida o “ódio a Hitler” e ao fascismo se estende às formas de opressão contemporâneas que negligenciam direitos civis básicos a sujeitos racializados, com deficiência e pobres, por princípios tão higienistas quanto os do líder nazista. Embora não seja amplamente debatida na obra, a conexão entre colonialismo, hitlerismo e sistema prisional aparece na referência plástica aos campos de concentração: “acima do portão [da Colônia Penal], em letras de ferro desgastado, está escrito há muito tempo: ‘a correção nos torna livres’” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 131). Enquanto a frase representa a ideologia perpetrada naquele cenário, a forma tanto enfatiza a correlação entre colonialismo e fascismo como evidencia o caráter arcaico daquele regime.

Aliás, essa relação é frutífera para questionarmos a mistificação de Hitler como “o grande mal”, uma vez que isso minimiza a letalidade do exercício do poder do Melquíades metonímico, que encarna o fascismo em si e também oculta pressupostos relevantes para uma discussão consistente sobre direitos humanos; a primeira é a irrelevância de discutir o grau de opressões pelo mero e inconclusivo prazer de hierarquizar; o segundo: a mistificação de Hitler apenas contribui para uma tentativa de dupla negação, a qual impede os sujeitos brancos18 18 Segundo Grada Kilomba (2019), branco não é uma cor, mas uma posição política que envolve privilégios sociais. de lidarem com o fato de que sua posição política é como uma propriedade herdada, que garante direitos e liberdade (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.). Por conseguinte, considerar “apenas” indefensável o demônio representado pela figura do líder nazista é uma tentativa de se afastar do projeto de colonização que propiciou esse lugar, e, portanto, negar-se a propor modos de reparação para povos racializados que permanecem explorados, humilhados e, em último grau, desumanizados. O terceiro pressuposto é um fato: a “culpa alemã”, materializada como indenização, é um dos fatores que contribui para que a Palestina continue sendo obliterada por Israel, um Estado próspero que exporta tecnologias guerra e de opressão para o mundo inteiro (Davis, 2018bDAVIS, Angela (2018b). Liberdade é uma luta constante. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo.). Mas o que a conexão entre o colonialismo, o ódio ao hitlerismo e a comoção estrita (pelo povo judeu) tem a ver com a obsolescência prisional?

Por meio da atualidade do Discurso sobre o colonialismo, de um dos maiores poetas do movimento surrealista, Aimé Césaire, podemos concluir que a tirania burguesa eurocêntrica tem explorado e vilipendiado diversos grupos sociais há séculos por razões econômicas — grupos que, aliás, têm sua vitimização nos campos de concentração nazistas sistematicamente apagadas —, sustentada pela omissão dos “humanistas”, que se postam no diagnóstico sem dar um passo rumo à emancipação de todos. Césaire (1978)CÉSAIRE, Aimé (1978). Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Noémia de Sousa. Lisboa: Livraria Sá da Costa. afirma, ainda, que “[u]ma civilização que prefere fechar os olhos aos seus problemas cruciais é uma civilização enferma” (Césaire, 1978CÉSAIRE, Aimé (1978). Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Noémia de Sousa. Lisboa: Livraria Sá da Costa., p. 13). Com base nessa reflexão, podemos concluir que centralizar a discussão sobre crimes contra a humanidade no ódio à modalidade de fascismo encapsulada, desculpada, indenizada e encerrada, embora jamais esquecida, e negar-se à compreensão de que o sistema prisional e o nazismo são tributários da expansão marítima e sua lógica colonialista consiste numa contradição teórica e prática grave e inacreditavelmente ordinária.

Em Assim na terra como embaixo da terra, uma substância realista abundante é a presença da violência cotidiana perpetrada há tempos e com consentimento da população. A colônia penal onde se passa a maior parte do romance é um território murado, marcado por camadas históricas de violência, tortura e exploração, onde é “[i]mpossível ver o que há do lado de fora, impossível ver o que há do lado de dentro” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 62). Mesmo visualmente escondida do público, a violência é de conhecimento geral, mas como afirma um dos apenados, Valdênio, “[n]ão se importam com o que acontece aqui dentro” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 91), porque é um lugar para onde homens em conflito com a lei são levados para morrerem, por se tratar de vidas condenadas e esvaziadas de valor.

Essa omissão descorporificada — a população de fora da prisão não é senão mencionada, sempre no coletivo e sem peso real — representa a consistência da articulação entre a licença das autoridades, as políticas de encarceramento e um entendimento fragmentado que a população tem da realidade social. Uma das faces dessa fragmentação é o antropocentrismo, explicado pela dicotomia humano/animal, perpetrada pela filosofia tradicional, porque essa lógica hierárquica define como humano o homem branco como sujeito universal, e, por consequência, este tem direitos assegurados que a qualquer grupo marcado pela différance são negados. A construção do mundo sob essa égide supremacista, com uma noção negativa do animal (que tem plurissignificação, mas pode significar racialização e especismo) é o mundo em que o sub-humano, o não humano e o inumano estão sujeitos à violência e exploração sem gerar comoção19 19 É senso comum que a polícia militar brasileira, treinada pelo exército israelense, extermina jovens negros nas periferias e isso não causa comoção, afinal, as vidas já são esvaziadas de valor social desde uma lógica preexistente. Essa relação é amplamente discutida em Davis (2018b). .

A aguardada chegada do promotor (Heitor), responsável pela desativação da colônia, cria um tipo de esperança de liberdade nos prisioneiros ao longo do romance, mas poucos sobrevivem por tempo suficiente. Quando ele finalmente chega, representando a morosidade judiciária, encontra o sistema já em franco declínio. Nesse contexto, a incompatibilidade entre o número de prisioneiros presentes (três) e o número registrado (42) é ininteligível para ele. O caos, a ameaça de violência, o risco de morte e as diversas camadas de animalidade mostram não apenas a inaptidão do burocrata para o mundo austero que ele conhece em teoria, como propiciam sua rápida aderência ao contexto ameaçador do qual ele se torna ator.

A preocupação com os desaparecidos, demonstrada em sua chegada, é mecânica, tal como o “nós” inferido pela cisão situada pelo aprisionamento, metaforizado pelos muros, e se perde em sua tentativa de cuidar da própria vida. Essa experiência vivida por Heitor representa a mesma lógica de omissão dos cidadãos “livres” odiadores de Hitler e aproxima-o ideologicamente de Melquíades. Apesar de não defender a pena capital para criminosos diretamente, Heitor mantém-se comprometido com o sistema e com a política negligente de deixar morrer, até o instante em que a sua própria existência é ameaçada.

LIBERDADE É UMA LUTA CONSTANTE

Camadas literais de experiências sedimentam uma questão fundamental em Assim na terra como embaixo da terra: a sujeição à morte social representada pelo cárcere enterra o prisioneiro em vida, igualando a existência acima e abaixo da terra. Essa condição não é o ponto de vista que narra a história, mas a que representa a realidade dos personagens. Seus corpos explorados reencenam experiências traumáticas do passado colonial, conectando-as a experiências de violação contemporâneas, como tortura, morte e desaparecimento durante a ditadura militar e o atual sistema de encarceramento.

Embora o encarceramento em massa seja uma questão urgente, como discutido pela escritora brasileira Juliana Borges (2018)BORGES, Juliana (2018). O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento/Justificando., a obra de Ana Paula Maia expõe a raiz desse problema ao narrar a experiência de apenados num espaço com baixa densidade populacional. Noutras palavras: esvaziar, reformar, nada disso resolve o problema; é preciso intervir na raiz — o fato de prisões ainda existirem. Focar a obsolescência prisional torna-se um convite para reflexão a respeito da política de encarceramento como continuidade da exploração, da violação e da privação de liberdade da população negra iniciadas com as políticas coloniais.

Com a passagem de tempo, observável no desgaste da matéria, é possível inferir que as relações mudam de forma aparente, mas permanecem inalteradas em essência. É desse movimento contraditório que emerge, na obra, a discussão imprescindível sobre a obsolescência prisional embasada pela reiteração da consecutividade entre o território das plantations e as prisões como reflexo da institucionalização da colonialidade e do racismo nas Américas.

Diversas camadas discursivas (animalidade, racismo, naturalização da violência) articulam-se no romance, advertindo o leitor a respeito do perigo que a teia ideológica professada pelos oficiais e burocratas e aceita de forma direta ou indireta pela população omissa é um obstáculo para a conquista da cidadania plena para todos.

Assim como a liberdade de Bronco Gil gera um alívio na tensão que sustenta a obra, mas é relativa porque o redireciona ao lugar social de marginalização histórica, fora da diegese, a liberdade coletiva é uma luta constante até que todos estejam livres (Davis, 2018bDAVIS, Angela (2018b). Liberdade é uma luta constante. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo.).

Em suma, Assim como na terra embaixo da terra é uma obra de estética naturalista, repleta de imagens violentas, grotescas e nojentas e com vocabulário cru, mas repleta de movimentos contraditórios que refletem a recusa a entregar soluções simples. Em vez disso, o romance apresenta uma tessitura complexa, articulando ecos coloniais no presente, paralelismo entre animais humanos e não humanos e elementos sobrenaturais, revelando que opressões são conectadas, mas nem sempre visíveis (Davis, 2009DAVIS, Angela (2009). A democracia da abolição: para além do império das prisões e da tortura. Tradução de Artur Neves Teixeira. Rio de Janeiro: Difel.). A fim de encorajar as pessoas “de fora dos muros” — o “nós” que se recusa a fazer o trabalho sujo — a pensarem/pensarmos sobre a obsolescência prisional e a imaginar e propor soluções que concretizem finalmente a liberdade plena — a democracia da abolição — o romance mostra o desumano com tamanha trivialidade que não nos resta nada ao fim da leitura, a não ser imaginar um mundo sem prisões.

  • 1
    Tradução nossa: Em um mundo fascista/mentiroso e covarde/onde o direito de falar/ é silenciado e enterrado/milhões vivem suas vidas/oprimidos pelo Estado/minorias são desrespeitadas/e controladas pelo medo.
  • 2
    “Para esses homens, não há quem lhes confie uma nova chance” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 127).
  • 3
    O solo avermelhado (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 10) e empoeirado (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 16) é típico do Bioma do Cerrado, assim como a vegetação rasteira e espaçada. Isso é reforçado pelo fato de que “Não há nuvens no céu; somente um sol inclemente (...)” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p.16).
  • 4
    “De acordo com a LEP [Lei de Execução Penal], penitenciária é a unidade prisional destinada aos condenados a cumprir pena no regime fechado, enquanto as colônias agrícolas, industriais ou similares são destinadas aos presos do regime semiaberto e a casa do albergado, àqueles em regime aberto” (Conselho Nacional de Justiça, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (2015). Conheça os diferentes tipos de estabelecimentos penais. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: cnj.jusbrasil.com.br/noticias/218953509/conheca-os-diferentes-tipos-de-estabelecimentos-penais#:~:text=O%20Brasil%20tem%20260%20estabelecimentos,do%20Depen%2C%20referentes%20a%20junho. Acesso em 18 set. 2022.
    cnj.jusbrasil.com.br/noticias/218953509/...
    ).
  • 5
    Na obra Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano, Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó. aponta o fato de que a fala é uma ação interditada em nível concreto e metafórico a pessoas negras, no mundo pós-colonial, porque estas ocupam os locais sociais subalternizados e são excluídas da área correspondente aos processos e meios de autorrepresentação. Assim, os grupos marginalizados rebelam-se, resistem, mas são desqualificados e oprimidos sistematicamente por discursos e instituições, o que reitera a falta de poder. Assim, ela discorda da questão “pode o subalterno falar?”, proposta por Gayatri Spivak, ao indicar que a fala, a revolta e a crítica são possíveis, mas são silenciadas e negligenciadas.
  • 6
    Evidentemente, não se trata da capacidade biológica de “falar”, mas o espaço de articulação e o vocabulário que expresse as experiências. Dado o equívoco comum a respeito do conceito de lugar de fala (Ribeiro, 2017RIBEIRO, Djamila (2017). Lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento/Feminismos plurais.), vale ressaltar que este conceito diz respeito ao local social que constrói a perspectiva, o interesse e o poder de sujeitos de dado corpo social situado historicamente, e nada tem a ver com autorização ou não de falar. A autorização à qual Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó. se refere é a exclusão dos espaços de conhecimento e poder, que constituem obstáculos estruturais para grupos marginalizados legislarem, interpretarem e construírem conhecimento pautados por suas próprias perspectivas.
  • 7
    Por humanista, podemos considerar uma acepção antropocêntrica da modernidade, que define um sujeito como universal e medida de tudo o que é “civilizado”.
  • 8
    Opressões não ocorrem separadamente, portanto, interpelar a raiz do problema da “desumanização” não é reivindicar o conceito eurocêntrico de humano para grupos que têm sido vítimas sistemáticas da violação dos “direitos humanos”, mas explicitar como a lógica da animalidade (hierarquização baseada em um ideal de espécie) é a justificativa retórica para a violação física de todos os corpos desviantes (Ko and Ko, 2017KO, Aph; KO, Syl (2017). Aphro-ism: Essays on pop culture, feminism, and Black veganism from two Sisters. Nova York: Lantern Publishing & Media.).
  • 9
    Embora o texto não descreva o modelo de trabalho adotado na fazenda de Eustáquio, essa omissão reflete a negação do valor simbólico da brancura como propriedade herdada (Ko and Ko, 2017KO, Aph; KO, Syl (2017). Aphro-ism: Essays on pop culture, feminism, and Black veganism from two Sisters. Nova York: Lantern Publishing & Media.; Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel.).
  • 10
    Isso também aparece nas reflexões de Bronco Gil, que medita sobre seu desejo de matar o oficial Taborda e as consequências do ato.
  • 11
    “Mija feito um jumento” (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 31).
  • 12
    “Eviscerar não lhe causa mais nenhuma reação, ao contrário das primeiras vezes, em que vomitava continuamente. O cheiro de animais mortos, do sangue, dos restos e sobras tornou-se natural (Maia, 2017MAIA, Ana Paula (2017). Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record., p. 46).
  • 13
    Davis (2018a)DAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel. argumenta que a continuidade entre a escravidão e o sistema carcerário é estruturada pelo Códigos Negros (Black Code), que eram “leis que privavam os seres humanos escravizados de praticamente todos os direitos” (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel., p. 29). Após a abolição, essas leis foram atualizadas e se tornaram o conjunto de leis discriminatórias chamadas Leis de Jim Crow. O intuito dessas leis era a criminalização das pessoas negras, porque proibiam ações apenas a pessoas negras. Essa “reencenação da escravidão” (Davis, 2018aDAVIS, Angela (2018a). Estarão as prisões obsoletas? Tradução de Marina Vargas. Rio de Janeiro: Difel., p. 30), por meio do trabalho prisional, é considerada uma atualização propiciada pela 13ª Emenda (que abole a servidão forçada, exceto como punição por crime) e, muitas vezes, conceituada como Nova Jim Crow (New Jim Crow) nos EUA.
  • 14
    Conforme a nota do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada pelo Jornal Nacional (2022)JORNAL NACIONAL (2022). Total de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas cresce no Brasil, diz IBGE. G1. Disponível em: g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/22/total-de-pessoas-que-se-autodeclaram-pretas-e-pardas-cresce-no-brasil-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 18 set. 2022.
    g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/202...
    , a população brasileira é composta de 56% de negros (a soma da autodeclaração de pretos e pardos), enquanto a composição carcerária, tanto entre homens como em mulheres, é de 67% (Borges, 2018BORGES, Juliana (2018). O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento/Justificando.).
  • 15
    O fato de Melquíades ser um homem branco e careca torna-se alegoria de uma ideologia escravagista/racista/fascista no cotidiano.
  • 16
    A população indígena também é excluída das estruturas sociais e políticas, privada de direitos, portanto submetida ao racismo estrutural (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.).
  • 17
    O capitalismo é um sistema em que manifestações de injustiça são observáveis em diversos campos e contra diversos grupos: a produção de itens de consumo eletroeletrônicos e têxteis, assim como a exclusão educacional, geográfica e o empobrecimento sistemático de populações negras (pretas e partas), indígenas, marrons e amarelas, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e trabalhadores.
  • 18
    Segundo Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., branco não é uma cor, mas uma posição política que envolve privilégios sociais.
  • 19
    É senso comum que a polícia militar brasileira, treinada pelo exército israelense, extermina jovens negros nas periferias e isso não causa comoção, afinal, as vidas já são esvaziadas de valor social desde uma lógica preexistente. Essa relação é amplamente discutida em Davis (2018b)DAVIS, Angela (2018b). Liberdade é uma luta constante. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo..

Referências

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  • DAVIS, Angela (2009). A democracia da abolição: para além do império das prisões e da tortura. Tradução de Artur Neves Teixeira. Rio de Janeiro: Difel.
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  • JORNAL NACIONAL (2022). Total de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas cresce no Brasil, diz IBGE. G1 Disponível em: g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/22/total-de-pessoas-que-se-autodeclaram-pretas-e-pardas-cresce-no-brasil-diz-ibge.ghtml Acesso em: 18 set. 2022.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
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