Acessibilidade / Reportar erro

EDUCAÇÃO PARA UMA CULTURA DE DIREITOS HUMANOS: compartilhamento intersubjetivo de valores

EDUCACIÓN PARA UNA CULTURA DE DERECHOS HUMANOS: intercambio intersubjetivo de valores

RESUMO:

O conjunto dos Direitos Humanos é uma resposta direta às práticas totalitárias de extermínio de seres humanos, fruto de uma racionalidade técnico-instrumental durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Assim, este artigo busca investigar se a educação é uma estratégia adequada para a formação de uma Cultura multidimensional em Direitos Humanos baseada no compartilhamento intersubjetivo de valores, sem uso da força/violência ou da superioridade política/econômica como elementos promotores do comum. Inicia-se com a apresentação de alguns conceitos e características a respeito da educação e dos Direitos Humanos. Em seguida, apresenta-se a multiplicidade de fundamentos e dimensões da Educação em Direitos Humanos - EDH, conforme delineado a partir da segunda metade do século XX, em documentos internacionais e nacionais. Por fim, são abordadas as principais características de uma cultura-mundo técnico-instrumental e as possibilidades de transformação social por meio da interação humana intermediada pela comunicação. O artigo desenvolve-se em uma abordagem dialética, utilizando como técnica a revisão de literatura, que subsidia a discussão de conceitos e a análise de alguns documentos jurídicos. Após o percurso investigativo, conclui-se que a EDH é estratégia multidimensional para promoção de uma Cultura de Direitos Humanos ao reforçar os aspectos comuns da humanidade, produzindo consensos em torno da dignidade humana, do respeito e da inclusão, sem recurso ao uso da força, da ameaça ou da opressão.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação em direitos humanos; cultura de direitos humanos; educação multidimensional; interação comunicativa; intersubjetividade

RESUMEN:

El conjunto de Derechos Humanos es una respuesta directa a las prácticas totalitarias de exterminio de seres humanos, resultado de una racionalidad técnico-instrumental, durante la Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Así, este artículo busca indagar si la educación es una estrategia adecuada para la formación de una Cultura multidimensional en Derechos Humanos basada en la compartición intersubjetiva de valores, sin utilizar la fuerza/violencia o la superioridad político/económica como elementos promotores del común. Se inicia con la presentación de algunos conceptos y características respecto a la educación y los derechos humanos. Luego, presenta la multiplicidad de fundamentos y dimensiones de la Educación en Derechos Humanos - EDH, tal como se esboza a partir de la segunda mitad del siglo XX, en documentos internacionales y nacionales. Finalmente, aborda las principales características de una cultura-mundo técnico-instrumental y las posibilidades de transformación social, a través de la interacción humana mediada por la comunicación. El artículo se desarrolla con un enfoque dialéctico, utilizando como técnica la revisión de la literatura, que apoya la discusión de conceptos y el análisis de algunos documentos legales. Luego de la trayectoria investigativa, se concluye que la EDH es una estrategia multidimensional para promover una Cultura de Derechos Humanos reforzando los aspectos comunes de la humanidad, produciendo consensos en torno a la dignidad humana, al respeto y a la inclusión, sin recurrir al uso de la fuerza, amenaza u opresión.

PALABRAS CLAVE:
Educación en derechos humanos; cultura de derechos humanos; educación multidimensional; interacción comunicativa; intersubjetividad

ABSTRACT:

The set of Human Rights is a direct response to the totalitarian practices of extermination of human beings, the result of a technical-instrumental rationality, during World War II (1939 - 1945). Thus, this article seeks to investigate whether education is an adequate strategy for the formation of a multidimensional Culture of Human Rights based on the intersubjective sharing of values, without using force/violence or political/economic superiority as elements as promoters of the commons. It begins with the presentation of some concepts and characteristics regarding education and Human Rights. Next, the multiplicity of foundations and dimensions of Human Rights Education HRE as outlined from the second half of the twentieth century, in international and national documents. Finally, the main characteristics of a technical-instrumental world-culture and the possibilities of social transformation are addressed, through human interaction mediated by communication. The article is developed in a dialectical approach, using the literature review as a technique, which subsidizes the discussion of concepts and the analysis of some legal documents. After the investigative path, it is concluded that HRE is a multidimensional strategy for promoting a Culture of Human Rights by reinforcing the common aspects of humanity, producing consensus around human dignity, respect, and inclusion, without resorting to the use of force, threat, or oppression.

KEY-WORDS:
Human rights education; culture of human rights; multidimensional education; communicative interaction; intersubjectivity

INTRODUÇÃO

O conjunto dos Direitos Humanos, na atualidade, é uma resposta direta às práticas totalitárias de extermínio de seres em humanos, fruto de uma racionalidade técnico-instrumental durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Desde então, fortaleceu-se na comunidade internacional a preocupação com os acontecimentos desse período que colocaram em xeque a centralidade do ser humano no debate filosófico e na finalidade das práticas políticas. O extermínio de grupos de seres humano em escala fabril tornou evidente que, em detrimento de valores humanistas, os interesses econômicos (desenvolvimento/mercado) e político-administrativos (poder/domínio/controle), quando guiam em absoluto as práticas coletivas, podem levar a ações baseadas na força e na conquista. As normas e valores sociais comuns, a igualdade de condições materiais, a cultura e a história social, isto é, os aspectos humanos formulados no interior da interação intersubjetiva, foram submetidos a interesses técnico-instrumentais.

Ao contrário da produção de riquezas e do controle da vida, valores éticos, culturais e humanistas, os quais formam os Direitos Humanos, não podem ser impostos pela força ou pela coerção. Para que seja elemento de produção social que leve à liberdade e emancipação humana, tais valores precisam ser compartilhados com base no diálogo, na compreensão e na reflexão para o consenso. A realização dos bens e interesses protegidos como Direitos Humanos depende de condições propícias para a realização de uma cooperação comunicativa entre os sujeitos implicados.

Especialmente a partir das décadas de 1960 e 1970, a comunidade internacional tem se esforçado para inserir a Cultura em Direitos Humanos como dimensão das práticas educativas. Por isso, é necessário investigar se a educação é uma estratégia adequada para a formação de uma Cultura multidimensional em Direitos Humanos baseada no compartilhamento intersubjetivo de valores. Diante desta problemática, requer-se identificar o conceito, as dimensões e as finalidades de Educação em Direitos Humanos - EDH para ao final verificar se tais elementos estão de acordo com uma prática multidimensional de compartilhamento intersubjetivo de valores, sem uso da força/violência ou da superioridade política/econômica como elemento promotor do comum.

Metodologicamente, este artigo toma uma abordagem dialética dos fenômenos educativos e de promoção de uma Cultura de Direitos Humanos. Os conceitos não são tomados como dogmas, mas como formulações críticas e reflexivas sobre as ações sociais e humanas. Faz-se uso de uma revisão de literatura para apresentar as principais ideias sobre o tema e os documentos jurídicos nacionais e internacionais analisados.

Este trabalho, na primeira parte, cuida de responder à questão introdutória: O que é Educação em Direitos Humanos - EDH? Inicia-se com a apresentação de alguns conceitos e características a respeito da educação, enquanto processo de compreensão e transmissão social, que designa a reprodução social ampla ou a prática intencional de ensino-aprendizagem. Em seguida, discute-se os possíveis delineamentos dos Direitos Humanos, assumindo a perspectiva que não se restringe a uma visão jurídico-normativa, mas envolve também valores éticos, políticos, socioculturais e econômicos. Associando os conceitos apresentados, aponta-se a EDH como prática multidimensional de formação de sujeitos de Direitos Humanos, a qual abarca a realização compreensiva e o compartilhamento consensual de valores.

Na segunda parte, abordam-se as múltiplas dimensões da EDH, descrevendo e identificando seus aspectos políticos, éticos, econômicos, jurídico e sociocultural, que extrapolam a transmissão de conhecimento técnico-instrumental. Para tanto, apresentam-se os delineamentos da EDH em planos, declarações e diretrizes internacionais e nacionais, comprometidos com o respeito à diferença, à solidariedade, à liberdade, à justiça social e à paz. A multidimensionalidade da EDH requer a inserção de práticas reflexivas e críticas que afastem ações autoritárias, impositivas ou opressoras da interação humana em comunidade.

Na última parte, o artigo traz a discussão sobre os aspectos simbólicos e compartilhados que formam uma cultura. Discutem-se os elementos centrais da Cultura de Direitos Humanos, fazendo contraponto com uma cultura-mundo alicerçada na satisfação de interesses individuais, mercadológicos, tecnicistas e consumistas. Essas características são apontadas como impedimento para formação de uma cultura alicerçada no compartilhamento intersubjetivo, pois funda-se no domínio e na conquista, isto é, em uma relação homo-machina. A EDH, por outro lado, aponta para possibilidade de formação de uma cultura baseada na dignidade humana, a qual requer uma relação homo-homo . Assim, somente o respeito à diferença e o fomento ao diálogo intercultural podem produzir um ponto comum de articulação das ações sociais, sem recurso à força ou à opressão.

EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: COMPREENSÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO SOCIAL

A educação é um dos principais processos de reprodução simbólicos de uma sociedade, que pode ser percebido em dois sentidos complementares, um mais amplo e outro mais estrito. O primeiro está atrelado aos processos amplos de transmissão de uma visão de mundo das gerações anteriores às posteriores. O segundo diz respeito às práticas específicas e organizadas de ensino e aprendizagem. Ambas as formas coexistem, em que tomam parte diversas instituições como a família, as religiões, a escola, os movimentos sociais, a imprensa, as universidades etc.

No sentido amplo, a educação representa “[...] uma fração do mundo da vida dos grupos sociais [...]” (Brandão, 2007BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 1. ed. 49. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2007. , p. 10-11). A visão de mundo que forma uma comunidade deve ser produzida, reproduzida e compartilhada por todos que a compõem. A educação tem a função de transmitir e construir os elementos comuns, “[...] os códigos sociais de conduta, a regras de trabalho, os segredos da arte e da religião, do artesanato e da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventa, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um dos seus sujeitos [...]” (Brandão, 2007BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 1. ed. 49. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2007. , p. 10-11). Em uma noção ampla, como aqui apresentada, a educação designa os modos de transmissão dos saberes sociais, abrangendo múltiplos meios e objetivos. Todas as instâncias - família, religião etc. - são educadoras, de uma forma não sistematizada atuam para e a partir de saberes que permitem a formação dos novos sujeitos sociais.

Quando o poder, que produz ordem, e o trabalho, que produz bens, são divididos, o saber, que forma a visão de mundo da comunidade, passa a ser instrumento de diferença política também. Daí a necessidade de criação de espaços especializados na transmissão de conhecimento, baseado na distinção entre “[...] o que se faz, o que se sabe com o que se faz e o que se faz com o que se sabe” (Brandão, 2007BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 1. ed. 49. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2007. , p. 27). A escola representa a especialização (espaço-tempo) da educação, advinda da separação entre saber e ensinar a saber. As formas livres: familiares e comunitárias de educação não são extintas, mas sofrem um rebaixamento social em uma hierarquização do saber transmitido.

Em uma visão mais restrita, a educação designa “[...] o processo através do qual indivíduos adquirem domínio e compreensão de certos conteúdos considerados valiosos” (CHAVES, 2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
). A realização da educação dá-se por meio da ação de ensinar, a qual envolve três componentes: “[...] aquele que ensina, aquele a quem se ensina, e aquilo que se ensina”. (Chaves, 2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
). Ensinar diz respeito ao ato intencional de transmitir algo para outra pessoa ou grupo. Quando esse alguém aprende, compreende ou adquire o domínio do conteúdo transmitido, tem-se a concretização da aprendizagem. São muitas as formas de ensinar e aprender, mas a educação pressupõe alguns elementos característicos.

Para Chaves (2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
), a educação só existe quando dois componentes estão presentes. Primeiro, o conteúdo, que não se resume apenas aos “[...] estritamente intelectuais ou cognitivos, mas todo e qualquer tipo de habilidade, cognitiva ou não, atitudes etc. [...]”. O que se ensina é bastante amplo, porém deve ser identificado, mesmo que a ação não produza o resultado pretendido. Além da delimitação, o conteúdo precisa ter valor naquela sociedade onde o processo educativo está se desenrolando. Se o conteúdo não tem valor social, não há educação, apesar de ter ocorrido ensino-aprendizagem.

O segundo elemento é a compreensão, que segundo Chaves (2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
) qualifica o domínio. Conforme esse critério, “Uma coisa é assimilar, pura e simplesmente, os valores de uma dada cultura (domínio). Outra coisa é aceitá-los, criteriosamente, após exame que leve à compreensão de sua razão de ser [...]” (Chaves, 2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
). Compreender envolve entender as razões e finalidades do conteúdo adquirido. Sem esse processo, há apenas condicionamento, que designa “[...] um ensino que estava interessado apenas na aceitação das normas e dos valores, e não na sua compreensão, o ensino também foi não-educacional [...]” (Chaves, 2009CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 .. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/praxi...
). A educação se realiza apenas quando leva à reflexão. Se as práticas educativas conduzem apenas à assimilação, ausente de entendimento, tem-se o fracasso do processo educativo. O mero domínio, que não abrange as razões e finalidade do saber, leva ao enfraquecimento da interação social em torno de valores comuns compartilhados.

A partir dessas duas ideias complementares sobre educação, pode-se entender que ela se faz em duas dimensões interdependentes: individual e coletiva. Como prática social, “[...] compreende o conjunto dos processos, influências, estruturas e ações que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social [...]” (Libâneo, 2001LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176, 2001. , p. 7). No plano individual, o processo educativo transforma o ser humano “[...] nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana individual e grupal” (Libâneo, 2001LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176, 2001. , p. 7). A educação faz parte das estruturas sociais que criam condições para o compartilhamento de uma visão de mundo, nos seus aspectos simbólicos, materiais e subjetivos.

Como forma de comunicação e interação humana, a educação designa o processo amplo e não sistematizado de transmissão cultural, bem como envolve as formas específicas e sistematizadas de ensino-aprendizagem. Assim, as práticas informais e formais de educação compartilham o mesmo fim, que é promover a assimilação de “[...] saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores existentes no meio culturalmente organizado e, com isso, ganham o patamar necessário para produzir outros saberes, técnicas, valores etc.” (Libâneo, 2001LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176, 2001. , p. 7). Não há educação desinteressada, desconectada do contexto social ou das realizações humanas comunitárias. Em um processo de retroalimentação, a sociedade e os indivíduos partem do mundo compartilhado para a reconstrução de um novo mundo compartilhado.

Em relação às finalidades, segundo Libâneo (2001LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176, 2001. , p. 8), “A educação é uma prática social que busca realizar nos sujeitos humanos as características de humanização plena”. Tem-se, desta forma, um duplo processo mutuamente influente - transformação e reprodução. Os saberes culturalmente transmitidos servem para a formação dos indivíduos e manutenção das relações sociais, ao mesmo tempo que reforçam as potencialidades humanas de transformação de si e do entorno. Ao realizar a transmissão de conteúdos socialmente valorados, a educação produz reflexão sobre quais valores, crenças e interesses devem permanecer no conjunto cultural. Se há opressão, dominação e extermínio dos indivíduos ou grupos, diante do antagonismo de interesses, a humanização dos sujeitos pela educação significa a transformação radical dessas relações.

O processo social autorreflexivo, especialmente na segunda metade do século XX, depois das atrocidades praticadas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tem produzido um conjunto de preceitos internacionais que formam o conjunto normativo jurídico, ético e político dos Direitos Humanos. Ao propósito de construir consensos em torno de valores mínimos, a serem respeitados e promovidos para todos os seres humanos, somadas às características externas e particulares, como nacionalidade, raça, sexo, etnia, religião, idade, classe social, capacidade econômica etc.

A experiência totalitária, do período da Segunda Guerra, para Celso Lafer (2015LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. , p. 161), “[...] representa uma proposta de organização da sociedade que almeja a dominação total dos indivíduos”. Como o autor explica, o domínio é realizado em dois níveis, com o isolamento, que impede a vida pública, e a desolação, que destrói as relações privadas. O campo de concentração é a figura mais emblemática da política que considera os seres humanos como supérfluos (Lafer, 2015LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. ). Os humanos deixam de ser o valor-fonte das relações sociais, rompendo assim com o paradigma iluminista da dignidade humana. No seu lugar, coloca-se o progresso, a dominação, a administração e o desenvolvimento econômico, expresso em uma racionalidade técnico-instrumental.

Como resposta a estas ameaças à vida e à humanidade, após a Segunda Guerra, deu-se a criação da Organização das Nações Unidas - ONU, que é um marco na sistematização e normatização dos Direitos Humanos, através de uma instituição de composição internacional1 1 Para um entendimento sobre a importância da criação da ONU na promoção e proteção dos Direitos Humanos, consultar LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. Estudos Avançados, São Paulo: USP, v. 9, n. 25, p. 169-185, 1995. Para uma crítica e contextualização do papel da ONU diante do imperialismo atual, consultar AMIN, Samir. O Imperialismo, Passado e Presente. Tempo, Niterói: Editora Universitária da UFF, v. 8, n. 19, jan./jun., p. 77-123, 2005. . A criação da ONU, por meio da assinatura da Carta das Nações Unidas, em 26 de julho em 1945, por 51 países, deve-se ao reconhecimento de que a sobrevivência da humanidade depende da colaboração de todos os povos, com base no incondicional respeito à dignidade humana (Comparato, 2003COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação história dos Direitos Humanos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.). O esforço vai no sentido de garantir que outros interesses sociais devem ter como limite a liberdade, a igualdade e a justiça social, desdobramentos diretos da dignidade humana. Sem o compartilhamento dessas condições e valores, é impossível a plena realização das potencialidades humanas.

O desejo de formar uma comunidade internacional em torno de tais ideais não é criação do século XX, apesar da inquestionável inovação sistemática de âmbito global. Já nos séculos XVII e XVIII, existiram documentos que afirmavam direitos com pretensões filosófico-normativas universais ou que limitavam a atuação do Estado diante da individualidade e da subjetividade. Pode-se mencionar a Declaração de Direitos inglesa (Bill of Rights - 1689); a Declaração de Independência (1776) e a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte (1787); a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789). No século XIX e começo do século XX, também foram elaborados outros documentos jurídicos, sejam tratados multilaterais entre Estados-nação ou Constituições de organização jurídico-política, os quais em muitos aspectos afirmavam a prevalência da dignidade humana sobre outros interesses sociais (Comparato, 2003COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação história dos Direitos Humanos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.).

Ao longo do século XX, os Direitos Humanos serão elevados a elemento comum na formulação de políticas públicas, nacionais e internacionais, e na atuação de organismos não governamentais. Como referência normativa, segundo Perez Luño (1999LUÑO, Antonio Enrique Pérez Luño.Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 6 ed. Madrid: Tecnos, 1999., p. 48), designam um conjunto de direitos, interesses e instituições: “[...] que concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humana, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional”. Um sentido de Direitos Humanos está atrelado aos elementos normativos que compõem os ordenamentos jurídicos, especialmente as Constituições e os Documentos Internacionais. Porém, o aspecto jurídico não encerra os seus valores e potencialidades.

Ao longo dos anos o conteúdo dos Direitos Humanos foi sendo ampliado, porém, o surgimento de novos interesses não foi acompanhado das transformações sociais necessárias para os sustentar. Por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 1.º, afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela Assembleia Geral da ONU, em Paris, em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao...
). Para Flores (2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. , p. 27), quando colocados nestes termos, “Os direitos, portanto, são algo que já temos pelo fato de sermos seres humanos absolutamente à margem de qualquer condição ou característica social”. Para ele há uma confusão entre a realidade dos Direitos Humanos e as razões para sua existência.

Nesse sentido, os Direitos Humanos extrapolam o sentido jurídico estrito, sendo lidos em torno das “[...] dinâmicas sociais que tendem a construir condições materiais e imateriais necessárias para conseguir determinados objetivos genéricos que estão fora do direito” (Flores, 2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. , p. 29). A positivação em documentos jurídicos representa um reforço, um instrumento à concretização, mas não se pode confundir com a sua realização. Os Direitos Humanos designam os bens que são necessários à dignidade humana, sendo as normas jurídicas (Constituições e Tratados) meios para garanti-los. O surgimento dos Direitos Humanos tem o seu local de formação deslocado do âmbito exclusivamente jurídico para inserir-se na dinâmica social (ética, política, econômica, cultural) de realização de condições materiais. Flores (2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. ), desta forma, aponta que a conceituação de Direitos Humanos deve abarcar a luta social que “[...] consegue obter a garantia jurídica para sua melhor implantação e efetividade (Flores, 2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. , p. 28). A positivação não é o ponto de partida nem de chegada dos Direitos Humanos, mas o caminho para a realização da dignidade humana.

Como designam interesses e bens, os quais estão ou não protegidos por normas jurídicas, a categoria dos Direitos Humanos é volátil, pois as demandas sociais podem provocar a ampliação das garantias. Para Bobbio (2004BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. , p. 18-19), “[...] não existem direitos fundamentais por natureza. [...] a classe dos direitos do homem é também heterogênea2 2 Os chamados Direitos do homem designam, a partir de uma base jusnaturalista, “[...] aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado” (Bobbio, 2004, p. 17). Hoje a expressão tem utilidade para a filosofia do direito, pois trata do que “deve ser”, de um ponto de vista extrajurídico, assim liga-se a investigação dos fundamentos e razões ideais, independentemente de estar ou não positivado. Por outro lado, as expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais relacionam-se ao direito positivado. Segundo Ingo Sarlet (2007, p. 35-36), “[...] o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”. ”. Hoje, os Direitos Humanos têm uma extensão que abarca desde as liberdades individuais - civis e políticas - até os interesses coletivos, os quais dizem respeito à paz, à pluralidade cultura e à justiça socioambiental. O desafio é garanti-los de forma indistinta nos mais diversos contextos possíveis.

Entre os Direitos Humanos está o acesso à Educação, que designa o acesso aos espaços de transmissão formal e informal do conhecimento, bem como as condições que são necessárias à sua realização. A educação, como produção e reprodução social, passa a ser vista como uma condição ao pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. Como afirma Carvalho (2014CARVALHO, Maria Elizete Guimarães. Direitos Humanos e Educação: a formação docente como um direito. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2014. , p. 175), a educação é

[...] essencial ao desenvolvimento humano, pois sem a possibilidade desse desenvolvimento intelectual, da obtenção e ampliação de conhecimentos, do estímulo ao desenvolvimento psíquico e sem receber ensinamentos sobre a convivência e as formas de integração social, o ser humano não alcançará uma vida digna e sem dignidade não terão valor os outros direitos.

Em busca da formação de uma comunidade ligada pelo respeito à dignidade humana, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH, de 1948, tal processo vai observar as seguintes direções normativas: universalização, multiplicação, diversificação e positivação (Tosi; Ferreira, 2014TOSI, Giuseppe; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Educação em direitos humanos nos sistemas internacional e nacional. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014. ). Tais tendências estão ligadas à cosmopolitização do mundo, a qual promoveu a ampliação dos bens e interesses e a especificação dos sujeitos titulares, deixando de lado uma perspectiva abstrata e genérica. As afirmações de Direitos Humanos inerentes à condição humana, como afirma Flores (2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. ), não produzem adesão espontânea, nem a realização imediata. A realização depende de condições adequadas e suficientes3 3 A limitação jurídica inclusive, se dá no próprio formalismo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como a forma de exigibilidade e punibilidade num sistema internacional de justiça e a diferença em que apenas tratados, acordos e convenções definem caráter de exigibilidade e desde que estejam internalizados nos respectivos ordenamentos jurídicos ou seja, que se reconheça a jurisdição internacional. Para uma ampliação da discussão sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e sua arquitetura jurídica, ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos (Volume I). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. .

No intuito de formação de uma comunidade global que compartilhe valores mínimos, um dos pressupostos é o reconhecimento da dimensão educacional dos Direitos Humanos, no sentido amplo e estrito já apresentado. Conforme Tosi e Ferreira (2014TOSI, Giuseppe; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Educação em direitos humanos nos sistemas internacional e nacional. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014. , p. 45), “A educação para a cidadania constitui uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos direitos, tanto na educação formal quanto na educação informal ou popular e nos meios de comunicação”. De forma capilar e diluída, os valores éticos, jurídicos e políticos que formam os Direitos Humanos devem ser compartilhados, espraiando-se nas instituições sociais de comunicação cultural. A cidadania sustenta a participação, a igualdade comunitária e o protagonismo inclusivo na formulação dos rumos sociais.

Seguindo essa linha de pensamento, a EDH é “[...] uma socialização cultural regulada pela Ética, por valores centrados na dignidade de todo ser humano” (Silveira, 2014SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em Direitos Humanos e Currículo. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014. , p. 85). Em outros termos, a EDH rompe com a lógica das relações sociais em que o poder e o lucro são os elementos vigentes da regulação social, que levou à criação de sociedades totalitárias e permitiu o extermínio de seres humanos em massa. A EDH ergue-se a partir da sistematização e normatização do conjunto de normas de Direitos Humanos, que tomam os seres humanos e suas comunidades como valor-fonte para as relações sociais, servindo como instrumento para seu fortalecimento.

Nesse sentido, a EDH designa um processo de transmissão de conteúdo específicos, valorizados internacionalmente como necessários para criar relações sociais livres da opressão, do extermínio e da opressão. Como afirma Zenaide (2016ZENAIDE, Maria de Nazaré. Linha do tempo da educação em direitos humanos na América Latina. In: RODINO, Ana Maria. et al. (org.). Cultura e educação em direitos humanos na América Latina. Brasil: trajetórias, desafios e perspectivas. João Pessoa: CCTA, 2016., p. 41), a EDH trata-se de “[...] educar para o exercício da participação e do protagonismo social de modo a governar a cidade, promover o respeito de todos os povos ao desenvolvimento e a paz [...]”. A EDH é, por estes fins, multidimensional. Seu delineamento encontra-se nos processos educativos socialmente amplos para além do ensino escolar e a transmissão de saberes técnico-científicos. A interação humana é, em última análise, o seu elemento central, pois é o fomento desse aspecto social que o preenche de sentido, fundamento e objetivos.

É possível identificar na EDH “[...] una vocación explícita por construir un proyecto histórico, uma voluntad movilizadora definida por una opción hacia el cambio estructural y un compromiso con los sectores populares” (Sime, 1991SIME, L. Educación, persona y proyecto histórico. In: MAGENDZO, A. Educación en Derechos Humanos: apuntes para una nueva práctica. Santiago: Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación. Programa Interdisciplinario de Investigaciones en Educación - PIIE, 1991., p. 88). A importância de práticas pedagógicas integradoras e reflexivas advém das experiências de educação popular da América Latina, nos anos 1970 e 1980. Tais elementos apontam para a construção de uma prática educativa que comporte a integralidade da vida humana e que questione as relações opressivas e impositivas (gênero, classe, raça, cultural etc.).

No Brasil, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH, compreende EDH “[...] como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos [...]” (Brasil, 2007BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. PROCESSO: 23001.000158/2010-55. Parecer e Projeto de Resolução que Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília (DF), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf .. Acesso em: 24 fev. 2021.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
, p. 25). A EDH resgata a dimensão da produção intersubjetiva de valores, enquanto estratégia formativa. Ao invés de negar validade aos processos comunicativos, o que se dá é um reforço, potencializando os espaços e ampliando os conteúdos éticos, socioculturais, políticos, históricos e econômicos. Conforme o PNEDH, as multidimensões da EDH são:

  1. ) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;

  2. ) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;

  3. ) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político;

  4. ) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados;

  5. ) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações (Brasil, 2007BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. PROCESSO: 23001.000158/2010-55. Parecer e Projeto de Resolução que Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília (DF), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf .. Acesso em: 24 fev. 2021.
    https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
    , p. 25, grifos nossos).

Os Direitos Humanos, como o conjunto de valores éticos, políticos e jurídicos adquirem centralidade nos processos sociais formativos, por isso a essencialidade das práticas educativas. A formação de sujeitos de direitos depende do reconhecimento da insuficiência dos saberes técnico-instrumentais para a construção de uma comunidade humana. A potencialidade de um conjunto de valores universalmente válidos só pode ser explorada se houver espaço para o exercício de interação social projetada para a realização de algo comum. Sem a cooperação intersubjetiva, os Direitos Humanos tendem a ser mais um instrumento de domínio e opressão do que de liberdade e autonomia humana.

AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS - EDH

Tal qual o conjunto de Direitos Humanos, a educação voltada a sua promoção, difusão e fortalecimento é multidimensional. Abrange fundamentos sociais, histórico-culturais, jurídicos, políticos e éticos. É possível verificar essa amplitude nas concepções adotadas na elaboração da Carta das Nações Unidas (1945) e na DUDH (1948). Os esforços internacionais de formação de uma cultura de Direitos Humanos não se resumem a apenas elencar direitos, mas em buscar mecanismos de formação de consenso, baseado na comunicação e no diálogo em torno da dignidade humana como valor social unificador.

Direcionado à interação humana e coordenação das ações sociais, o papel da educação está ligado à transmissão das “[...] experiências culturais vividas enquanto conjunto das relações humanas com a Natureza e entre os membros da espécie, de modo a possibilitar-lhes a produção e reprodução de sua existência” (Silveira, 2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. , p. 245). As experiências humanas não se resumem à reprodução material, por meio do desenvolvimento e da apropriação de técnicas produtivas, mas abarcam todo um arcabouço simbólico que forma um conjunto de valores intersubjetivamente compartilhado.

No espaço social de produção e reprodução imaterial, a EDH busca criar condições para a formação de uma Cultura de Direitos Humanos através de práticas “[...] sobre os sujeitos - produtores de cultura - como virtualidades para a construção de identidades acerca deles próprios e de outros sujeitos, portanto, também da coletividade que integram e de outras coletividades” (Silveira, 2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. , p. 245). Opera-se a socialização de um conjunto de elementos simbólicos (códigos, normas representações, regras, crenças, interesses, valores) que compõem a unidade harmonicamente disposta em torno da dignidade humana “[...] no sentido de capacitar os sujeitos (individuais e coletivos) para a defesa e promoção desta cultura” (Silveira, 2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. , p. 246). A transformação da visão de mundo é capaz de alterar as relações materiais (poder e riqueza), garantindo que não sejam óbices, mas instrumentos para a realização plena da dignidade humana.

A EDH, por essas premissas, não se exaure na transmissão de saberes cognitivo-instrumentais. A multidimensionalidade exige práticas educativas interdisciplinares, seja através da transversalidade temática, seja na articulação de saberes já estabelecidos. No âmbito escolar, não há que se identificar EDH com disciplina curricular, como diz o professor Tosi (2005TOSI, Giuseppe. Os direitos humanos como eixo articulador do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. In: ZENAIDE, M. de N. et alii. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. , p. 37), “Não se trata de uma mera disciplina na qual se estudam os direitos humanos, mas um aprendizado para os valores éticos coletivos [...]”. A EDH serve à socialização em torno da dignidade humana, que envolve a articulação entre os espaços e os saberes de interação humana (família, religião, governo, imprensa, empresas etc.). Também busca transmitir conteúdos (teorias e práticas) interdisciplinares: éticos, histórico-culturais, jurídicos, política e econômica. Por esses motivos, EDH jamais pode ser resumida às práticas escolares, apesar de estas serem espaços privilegiados para inserir a construção de tais valores.

A perspectiva ampliada da EDH está desenhada nas normativas internacionais e nacionais que institucionalizaram e organizaram os princípios que devem horizontalizar suas práticas. No plano internacional, a preocupação com a EDH vem explicitada no preâmbulo da DUDH (1948), afirmando o papel instrumental da educação na formação de um ideal comum. No seu Art. 26.2, são fixados como fundamentos da educação o “[...] fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. [...] a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos [...]” (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela Assembleia Geral da ONU, em Paris, em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao...
).

Especialmente a partir da década de 1960 alguns Tratados Internacionais trouxeram maior detalhamento sobre a EDH. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PDESC, no Art. 13, ao tratar da educação como Direito Humano, estabelece que são pressupostos básicos “[...] o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais” (ONU, 1966ONU. Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. Disponível em: Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_internacional.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_i...
). O PDESC é um exemplo de normativa jurídica que garante a exigibilidade de ações de EDH, “[...] deixam, assim, de serem orientações éticas, ou de direito natural, para se tornarem um conjunto de direitos positivos que vinculam as relações internas e externas [...]” (Tosi, 2014TOSI, Giuseppe; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Educação em direitos humanos nos sistemas internacional e nacional. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014. , p. 43). Como destaca Flores (2009FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. ), a positivação não realiza o direito, mas garante mais instrumentos para a realização dos bens e interesses reconhecidos. A partir de então, a ONU irá desenvolver uma série de ações para promover a EDH ao redor do mundo.

Em 1974, na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, realizada em Paris, foi elaborada a Recomendação da UNESCO sobre a Educação para a Compreensão, Cooperação e Paz Internacionais e a Educação Relativa aos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (UNESCO, 1974UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a educação para a compreensão, cooperação e paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Conferência Geral da UNESCO na sua 18.ª sessão, em Paris, França, 1974. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf .. Acesso em 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
). A Recomendação reconhece a importância e a necessidade da educação para implementação e concretização de uma Cultura de Direitos Humanos. Para tanto, os Estados-parte devem assumir o compromisso de elaborarem e executarem planos de educação que abranjam todos os processos sociais através do “[...] qual os indivíduos e grupos sociais aprendem a desenvolver conscientemente [...] o conjunto das suas capacidades, atitudes, aptidões e conhecimentos pessoais” (UNESCO, 1974UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a educação para a compreensão, cooperação e paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Conferência Geral da UNESCO na sua 18.ª sessão, em Paris, França, 1974. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf .. Acesso em 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
). A concepção que deve guiar a política educacional é de uma prática múltipla, em forma e conteúdo.

As dimensões normativas de respeito às diferenças, solidariedade e cooperação com as minorias socioculturais, ausência da guerra e promoção da paz são integrantes essenciais de práticas sociais baseadas nos Direitos Humanos. Além de estruturar as relações coletivas, deve-se integrar tais valores à formação da “[...] personalidade em desenvolvimento de cada criança, adolescente, jovem ou adulto, aplicando estes princípios na realidade quotidiana da educação a todos os níveis e sob todas as formas [...]” (UNESCO, 1974UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a educação para a compreensão, cooperação e paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Conferência Geral da UNESCO na sua 18.ª sessão, em Paris, França, 1974. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf .. Acesso em 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
). De forma mutuamente influente, os sujeitos de direito em interação social estarão em constante formação e transformação, ajustando-se aos interesses e necessidades contextuais, sem abandonar a centralidade da dignidade humana como alicerce individual e coletivo.

Nesse contexto, Munhoz (2017MUNHOZ, Maria Letícia Puglisi. Educação em Direitos Humanos e a Promoção da Diversidade. In: FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; et al. (org.). Anais do IX Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. Desafios e perspectivas da democracia na América Latina. João Pessoa: CCTA, 2017, p. 460-477. Disponível em: Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content/uploads/2017/11/IX-SIDH_Anais-Eletr%C3%B4nicos_24_11_17.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content...
, p. 461-462) aponta várias iniciativas regionais e globais compatíveis com os objetivos traçados pela recomendação da UNESCO (1974UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a educação para a compreensão, cooperação e paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Conferência Geral da UNESCO na sua 18.ª sessão, em Paris, França, 1974. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf .. Acesso em 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
). No âmbito da América Latina, há a educação popular, praticada pelo “[...] Consejo de Educación de Adultos de América Latina (CEAAL), que, desde 1982, tem se dedicado à construção de uma democracia latino-americana por meio da educação popular” (Munhoz, 2017MUNHOZ, Maria Letícia Puglisi. Educação em Direitos Humanos e a Promoção da Diversidade. In: FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; et al. (org.). Anais do IX Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. Desafios e perspectivas da democracia na América Latina. João Pessoa: CCTA, 2017, p. 460-477. Disponível em: Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content/uploads/2017/11/IX-SIDH_Anais-Eletr%C3%B4nicos_24_11_17.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content...
, p. 461-462). No mesmo sentido, o “Instituto Interamericano de Direitos Humanos, desde os anos 1980, criado por convênio entre o Estado de Costa Rica e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, já se dedicava a realizar cursos interdisciplinares em direitos humanos” (Munhoz, 2017MUNHOZ, Maria Letícia Puglisi. Educação em Direitos Humanos e a Promoção da Diversidade. In: FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; et al. (org.). Anais do IX Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. Desafios e perspectivas da democracia na América Latina. João Pessoa: CCTA, 2017, p. 460-477. Disponível em: Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content/uploads/2017/11/IX-SIDH_Anais-Eletr%C3%B4nicos_24_11_17.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content...
, p. 461-462). As duas ações inserem-se no contexto de espaços informais e formais de educação, rompendo com qualquer prática limitada ao espaço escolar, distante da realidade local ou sem articulações entre atores sociais.

No plano internacional, a década de 1990 foi especialmente importante na produção de documentos estratégicos para dar viabilidade aos interesses e necessidade em torno da implementação de uma EDH em âmbito global. Alguns marcos foram

a Declaração de Viena e o Programa de Ação para os Direitos Humanos, adotados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, junho de 1993), o Plano de Ação Mundial em Favor da Educação para os Direitos Humanos e a Democracia, adotado pelo Congresso Internacional sobre Educação para Direitos Humanos e Democracia (Montreal, março de 1993) e a Estratégia e o Plano de Ação do Plano de Escolas Associadas para 1994-2000 [...] (UNESCO, 1995UNESCO. Declaração e Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia. Conferência-Geral da UNESCO na sua 28ª sessão, Paris, França, 1995. Disponível: Disponível: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000112874_por .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 7).

Ainda em 1994, diante das diretrizes já fixadas, foi elaborada a Declaração da 44ª sessão da Conferência Internacional sobre Educação (Genebra, outubro de 1994), da qual resultou o Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia (Paris, novembro de 1995). O Plano de Ação sugeriu “[...] diretrizes básicas que possam ser traduzidas em estratégias, políticas e planos de ação nos âmbitos institucional e nacional, conforme as condições das diferentes comunidades” (UNESCO, 1995UNESCO. Declaração e Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia. Conferência-Geral da UNESCO na sua 28ª sessão, Paris, França, 1995. Disponível: Disponível: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000112874_por .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 7). Ao invés de um projeto monolítico, a EDH se apresenta como proposta a ser conformada aos contextos locais, em seus processos culturais e materiais. Uma pretensa Cultura universal/unitária/homogênea dos Direitos Humanos, baseada na substituição e apropriação simbólica, não está de acordo com o respeito à diferença e construção de uma comunidade internacional baseada na pluralidade, na solidariedade e na cooperação entre os povos. Esta última perspectiva representaria uma continuidade de práticas violentas de imposição de uma visão de mundo sobre outra.

As práticas de domínio político e econômico não podem ser copiadas para concretização de uma EDH. Edgar Morin (2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.) faz uma distinção entre Cultura Humanística e Cultura Científica, as quais apontam para duas direções distintas na relação com o saber humano. A primeira diz respeito àquela que “[...] enfrenta as grandes interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos” (Morin, 2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003., p. 17). Porém, “[...] tende a se tornar um moinho despossuído do grão das conquistas científicas sobre o mundo e sobre a vida, que deveria alimentar suas grandes interrogações [...]” (Morin, 2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003., p. 17). Ligados às reflexões filosóficas, esses saberes buscam pensar sobre o sentido das relações humanas e fixar os valores, crenças e interesses sociais, formado todo o arcabouço simbólico, necessário à interação e ao pleno desenvolvimento da personalidade humana.

Por outro lado, a Cultura Científica tende a “[...] separar as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência” (Morin, 2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003., p. 17). Ao contrário da Cultura Humanística, a científica é elaborada de tal forma que não tende a realizar “[...] reflexão sobre os problemas gerais e globais, torna-se incapaz de pensar sobre si mesma e de pensar os problemas sociais e humanos que coloca” (Morin, 2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003., p. 17). Não é possível defender uma cisão absoluta entre os tipos de cultura, tendo em vista que, pelo menos em partes, ambas realizam conquistas e constroem respostas aos problemas da vida. Ao invés de propor uma pureza teórico-prática, o que Morin (2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.) chama atenção é para o fato de que o processo de reprodução social, no aspecto material e imaterial, é formado por múltiplos saberes que se integram.

A EDH deve, por essas vias, estar voltada à formação de uma ética da compreensão planetária (Morin, 2000MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000., p. 99). Assim, o progresso científico-tecnológico (Cultura Científica) não pode ser o único guia para as ações humanas e suas práticas educativas. A compreensão (Cultura Humanista) insere a argumentação no lugar da excomunhão e anatematização do outro ou do diferente, rompendo com a lógica da incompreensão como estratégia social (Morin, 2000MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.). Se as práticas de violência e opressão são fruto de uma cultura que enxerga o ser humano como mais um instrumento para a realização do poder e da riqueza, as práticas compreensivas devem buscar uma articulação comunicativa e dialógica entre sujeitos de dignidade. As bases de uma ética da compreensão estão presentes na EDH, como afirma o Art. 78 da Declaração e Programa de Ação de Viena, sua finalidade é “[...] a promoção e a obtenção de relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades, bem como para o favorecimento da compreensão mútua, da tolerância e da paz” (ONU, 1993ONU. Declaração e programa de ação de Viena. Conferência Mundial sobre Direitos Humanos. Viena, 14-25 de junho de 1993. Disponível em: Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1993%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20e%20Programa%20de%20Ac%C3%A7%C3%A3o%20adoptado%20pela%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20de%20Viena%20sobre%20Direitos%20Humanos%20em%20junho%20de%201993.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www.oas.org/dil/port/1993%20Decl...
).

Em razão da urgência dos tempos, em 1994, na Conferência Internacional sobre Educação, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 49/184, que estipulou o período de 1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2004 como a Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos Humanos. Assim como os documentos anteriores, a Resolução entende que a EDH se refere a “[...] um processo abrangente e contínuo pelo qual as pessoas em todos os níveis de desenvolvimento e de todos os estratos sociais aprendam a respeitar a dignidade dos demais [...]” (ONU, 1998ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) . Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos 1995/2004: lições para a vida. Genebra: ONU, 1998. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
, p. 80). No mesmo sentido apresentado, foram aprovados um Plano de Ação Internacional da Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos Humanos e as Diretrizes para os Planos de Ação Nacionais para a Educação em matéria de Direitos Humanos (ONU, 1998ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) . Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos 1995/2004: lições para a vida. Genebra: ONU, 1998. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
).

Todos os documentos têm como fundamento a necessidade de “[...] transpor os direitos humanos da expressão de normas abstractas (sic) para a realidade das respectivas condições sociais, económicas, culturais e políticas” (ONU, 1998ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) . Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos 1995/2004: lições para a vida. Genebra: ONU, 1998. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
, p. 13). Reconhece-se, dessa forma, que o conjunto dos Direitos Humanos precisa dialogar com os contextos socioculturais dos povos. A aproximação entre os preceitos abstratos e a vida cotidiana vai ao encontro da noção de formação cultural comum, no sentido apresentado por Silveira (2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. ). Emerge a necessidade de privilegiar uma dimensão ética e sociocultural da EDH, sem a qual as práticas educativas podem manter o modelo cultural, não reflexivo, de transmissão de saberes cognitivo-instrumentais visando ao poder e à riqueza.

PLANOS E DIRETRIZES PARA A EDH NO CONTEXTO BRASILEIRO

Durante a Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos Humanos, o Brasil elaborou seu primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH I (1996), após a 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. A criação do PNDH I, o primeiro na América Latina e um dos primeiros do mundo, evidenciou que, no Brasil, os “[...] governos civis pós-redemocratização deram início à incorporação de direitos humanos nas políticas governamentais” (Adorno, 2010ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 24 fev. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 9). O movimento brasileiro já foi uma resposta às orientações fixadas internacionalmente para criação de um Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e um Plano de Ação Nacional (ONU, 1998ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) . Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos 1995/2004: lições para a vida. Genebra: ONU, 1998. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf .. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/...
, p. 48).

Nos anos seguintes, foram lançados os PNDH II (2002) e III (2009), todos resultados de revisões do seu antecessor (Adorno, 2010ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 24 fev. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Os três Planos apresentam características comuns. Mantêm uma linha de continuidade, apesar de representarem amadurecimento e acréscimos importantes no compromisso em matéria de Direitos Humanos no Brasil. Para Adorno (2010ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 24 fev. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), os Planos I, II e III são suprapartidários, criando compromissos do Estado brasileiro com a promoção e proteção dos Direitos Humanos, requisito para o fortalecimento das instituições democráticas; contêm propostas de articulação social que envolvem Estado (federal estadual e municipal) e sociedade civil; adotam uma visão de interdependência do conjunto dos Direitos Humanos; resultaram de conferências nacionais e consultas à sociedade civil; e indicam metas (curto e longo prazo) com objetivos claros e precisos.

Em relação ao PNDH I, o PNDH II inovou ao incorporar os “[...] direitos econômicos, sociais e culturais [...] e os direitos de afrodescendentes” (Adorno, 2010ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 24 fev. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 13). Assim, o Estado brasileiro o passou a reconhecer a existência de racismo, o que permitiu a formulação de políticas compensatórias, visando eliminar a discriminação e promover a igualdade racial. O PNDH III amplia os direitos já apresentados nos anteriores, estruturando-os em 6 eixos:

[...] interação democrática entre Estado e sociedade civil; desenvolvimento e direitos humanos; universalização de direitos em contexto de desigualdades sociais; segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; educação e cultura em direitos humanos; e direito à memória e à verdade [...] (Adorno, 2010ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 24 fev. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 13).

Como aprofundamento de compromisso com a EDH, em 2003 foi elaborado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), que tem como fundamento a difusão da EDH em vários âmbitos da educação formal (básica e superior), não formal, do sistema de justiça e segurança e da mídia. Conforme o PNEDH, “[...] a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. [...] direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos” (Brasil, 2007BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-pdf/file .. Acesso em: 24 fev. 2021.
http://portal.mec.gov.br/docman/2191-pla...
, p. 25).

O PNEDH, ao desenvolver as bases e fundamentos da EDH, já expressos em um amplo conjunto de documentos nacionais e internacionais, reforça o compromisso ético da educação. Os Direitos Humanos são apresentados não apenas como um conjunto de normas jurídicas, mas como preceitos universais de respeito ao ser humano e à cultura e comunidade das quais este faz parte (Tosi, 2005TOSI, Giuseppe. Os direitos humanos como eixo articulador do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. In: ZENAIDE, M. de N. et alii. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. , p. 36). Os PNDH I, II e III, ao esboçarem a moldura dentro da qual a EDH deve atuar, afirmam a indissociabilidade do conjunto de Direitos Humanos. Os três Planos ressaltam a estreita ligação entre a promoção da igualdade material, a erradicação da discriminação e a articulação entre o poder público e a sociedade civil (sindicatos, associações, movimentos sociais etc.) para a efetivação desses direitos.

As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH), elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2012, explicitam dimensões de valores éticos, críticos e políticos (CNE, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. PROCESSO: 23001.000158/2010-55. Parecer e Projeto de Resolução que Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília (DF), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf .. Acesso em: 24 fev. 2021.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
, p. 8). A eticidade abarca os valores humanizantes, aqueles que colocam os seres humanos e suas culturas como pontos de partida e chegada das ações, que não tomam a dominação, a opressão e o extermínio como práticas sociais. Sendo crítica, a EDH promove reflexão para a compreensão dos contextos sociais, econômicos e culturais, sendo capaz de fundamentar ações intencionais de respeito e promoção dos Direitos Humanos. Sob o ponto de vista político, a formação dos sujeitos direciona-se para a emancipação, liberdade e autonomia, as quais se ligam à capacidade de interação e inclusão na diversidade de manifestações humanas (CNE, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. PROCESSO: 23001.000158/2010-55. Parecer e Projeto de Resolução que Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília (DF), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf .. Acesso em: 24 fev. 2021.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
).

Na busca por um novo ethos mundial, a EDH fundamenta-se no diálogo e na comunicação não autoritária entre os sujeitos individuais e coletivos. Sem respeito às diferenças culturais e epistêmicas e às distintas necessidades e interesses sociais, não é possível construir uma ligação profunda de laço entre as pessoas, ou seja, impossível uma Cultura de Direitos Humanos. Pensar a EDH é refletir sobre seus objetivos e finalidade, procurando quais as estratégias que são capazes de garantir a interação social alicerçada na dignidade humana ampla e irrestrita.

CULTURA DE DIREITOS HUMANOS: A FORMAÇÃO INTERSUBJETIVA DO COMUM

A multidimensionalidade e a multiplicidade de fundamentos da EDH apontam para a necessidade de uma sociabilidade centrada na interação e comunicação humana. Tais processos, pelo menos diante do produto atual da modernidade, têm sido menosprezados como ineficientes e incapazes de cumprir as promessas de progresso tecnológico, desenvolvimento econômico e organização social. Como aponta Morin (2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.), a cultura científica, que é dominante no processo atual de reprodução social, tem operado sem reflexões profundas acerca das suas práticas e resultados. A autonomização do saber científico produziu um exagerado protagonismo técnico-instrumental e colocou todos os demais sistemas sociais a seu serviço. Com isso, as relações medidas pela força, domínio e conquista tornaram-se o padrão da interação humana.

Segundo Silveira (2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. ), a EDH pode ser instrumento na reformulação dessa relação sistêmica, devolvendo os interesses instrumentais ao seu devido lugar. A técnica e seus produtos - desenvolvimento e progresso - precisam ser guiados pelos sistemas sociais de interação e comunicação humana, submetidos, desta forma, às finalidades produzidas nestes campos. O domínio de todo o processo de reprodução social pela racionalidade técnico-instrumental representa uma desregulação sistêmica, que tem resultado em impedimento para realização da dignidade humana de forma ampla e irrestrita.

O mundo tornou-se, sob alguns aspectos, uno, pois interligado por interesses compartilhados de forma global. Porém o processo unificador não tem sido realizado por meio de instrumentos de interação comunicativa, mas de estratégias de dominação e conquista. Para Lipovetsky e Serroy (2011LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. ), existe uma cultura-mundo, formada nesses moldes, a partir de quatro elementos estruturantes: hipercapitalismo, hipertecnicização, hiperindividualismo e hiperconsumo. Já é possível enxergar a formulação de excessos como esquema do quadro social, o que tem levado à desinstitucionalização e desterritorialização, ou seja, à ruptura de elos coletivos de interação e comunicação humana. Ao invés de formação de elos sociais construídos pela relação dialógica de compreensão mútua, a eficiência e rentabilidade têm sido os fatores mediadores da interação humana (LIPOVETSKY; SERROY, 2011LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. ).

As relações econômicas capitalistas não se resumem apenas à organização da produção e distribuição da riqueza social, mas ao “[...] esquema organizador de todas as atividades, o modelo geral do agir e da vida em sociedade” (Lipovetsky; Serroy, 2011LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. , p. 38). O ethos social/humano converteu-se em ethos capitalista. Como consequência, tem-se a substituição da crença na coordenação social por valores comunitários e coletivos, pelas possibilidades de uma coordenação tecnológica, que é capaz de promover o progresso ilimitado. Os seres humanos, como promotores e produtores da história, foram substituídos pela máquina. Mas não apenas no sentido do equipamento, mas no sentido ideal, na forma de relações mecanicistas de eficiência e produtividade. Os humanos converteram-se a si e ao aos outros em homo-machina.

As relações de poder, nesse modelo, são rearranjadas, formulando novas justificações. A tradição cultural, que sustentava o poder político através da autoridade religiosa, etária, aristocrática etc., perde lugar para outra fonte de legitimação - a base do trabalho social (Habermas, 1997HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução: Artur Morão. Lisboa-PT: Edições 70, 1997. , p. 64). O capitalismo tem como fundamento a equivalência nas relações de troca, designadas pelo mercado, e a manutenção desse processo passa a ser o fundamento da dominação política. As bases de organização social tradicional passam a sujeitar-se à racionalidade estratégia e instrumental, surgindo a “[...] infraestrutura de uma sociedade sob coação da modernização” (Habermas, 1997HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução: Artur Morão. Lisboa-PT: Edições 70, 1997. , p. 65). A instrumentalidade, formulada com base na eficiência e produtividade, penetra em todos os âmbitos das relações humanas, ocupando até os espaços que antes estavam orientados para a reprodução dos valores sociais que sustentassem essa comunicação.

Assim, a técnica é elevada ao centro das relações sociais, substituindo quaisquer outras formas de interação humana. O Estado, como representante moderno da convergência do interesse coletivo, despolitiza-se, pois passa a ter como finalidade a “[...] estabilidade e o crescimento do sistema económico [...] a política visa não a realização de fins práticos, mas a resolução de questões técnicas” (Habermas, 1997HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução: Artur Morão. Lisboa-PT: Edições 70, 1997. , p. 70, grifos do autor). Como regulador das relações de reciprocidade do mercado, o Estado exclui a opinião pública da tomada de decisões. No lugar do debate democrático e das mediações simbólicas, “[...] a ciência e a técnica transformaram-se na primeira força produtiva [...]” determinando uma organização social a partir de uma lógica técnico-científica (Habermas, 1997, p. 72-73). A construção de consensos, a partir do diálogo, em espaços/instituições sociais de interação, é substituída pelas informações técnicas. A sociedade empobrece o seu arcabouço simbólico, cultural, ético, político, histórico etc.

A despolitização do espaço público representa o esfacelamento do comum, dos acordos, das convergências, produzindo um hiperindividualismo. A transmissão social desvencilha-se de “[...] todas as antigas formas e inclusão coletiva [...]” (Lipovetsky; Serroy, 2011LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. , p. 52). Os Direitos Humanos não estão a salvo de tais deformações sociais. Como conjunto heterogêneo de interesses, sofrem um processo de segregação, abandonando qualquer fundamento comunitário ou coletivo, ancorando-se em um processo de atomização identitária e comunidades particulares. Diante dessa tensão, a EDH precisa ser lida na perspectiva do compartilhamento intersubjetivo de valores, não na imposição subjetiva de saberes universais.

Desorientados de qualquer senso comum ou acordo coletivo que direcionem os desejos e as ações, “[...] o essencial das nossas trocas tende a tornar-se relações mercantis, é quase totalidade de nossa existência que se encontra colonizada pelas marcas e pelo mercado” (Lipovetsky; Serroy, 2011LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. , p. 58). O hiperconsumo direciona a realização humana, unifica as ações globais em torno do mercado. Esse processo de convergência é pulverizado, baseado em ações isoladas, condicionadas pela impossibilidade de outras formas de realização. Tem-se grupos de indivíduos em busca de interesses individuais, incapazes de formar uma comunidade diante da ausência de elementos comuns.

A ação humana deixa de ser orientada por processos de interação, como são a formação das normas sociais, das decisões políticas, dos saberes culturais, e passam a responder estímulos técnicos externos. Habermas (1997HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução: Artur Morão. Lisboa-PT: Edições 70, 1997. , p. 76) fala em “comportamento adaptativo”, que é provocado pela “[...] erosão contínua da esfera da interação linguisticamente medida, sob pressão da estrutura da ação racional dirigida a fins”. Apesar da aparente liberdade, pela ausência de normas diretas, o condicionamento do comportamento dá-se de forma imperceptível pelos estímulos indiretos que direcionam os interesses políticos, eleitoral, consumo, profissional etc. O campo da liberdade, diante da hipertecnização, fica cada vez mais restrito, mesmo que não seja facilmente percebido.

A EDH se propõe, por essas vias, a difícil tarefa de alterar o processo de internalização das relações sociais, pensando ser possível, assim, estimular os sistemas de construção intersubjetiva. Para isso, segundo o pensamento habermasiano, é preciso levar em conta dois níveis de valores, aqueles que são ligados estritamente ao contexto sociocultural, portanto só aí tem validade, e outros com pretensões universais, válidos para todos ou para ninguém (Bannell, 2013BANNEL, Ralph Ings. Habermas & a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.). Os Direitos Humanos estariam na segunda categoria. Só que a validade é pensada em termos de pretensão, não de um dado objetivo.

A validade é formada dentro de um contexto discursivo, produto de uma reflexão decorrente da problematização da realidade. Os valores não podem ser tomados como incontestáveis. São produtos da relação intersubjetiva, ou seja, da cooperação racional entre falantes (Bannell, 2013BANNEL, Ralph Ings. Habermas & a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.). Quando determinações técnicas são ampliadas para todas as relações humanas, a comunicação como criação perde espaço, deixando vazio o locus de construção de normas sociais. Diante da ausência, os ideais instrumentais - conquista e dominação - passam a ditar todo o processo de reprodução social. As relações humanas tornam-se relações sujeito-objeto ou homo-machina.

Ao explicitar as dimensões políticas, econômicas, ética, histórico-cultural e social dos Direitos Humanos, a EDH tem como finalidade promover a descolonização dos espaços de interação humana mediados pela comunicação. Retomando Morin (2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.), a cultura científica não é afeita à reflexão, tendo em vista os seus propósitos e finalidades instrumentais. Uma racionalidade instrumental e técnica promove revisões baseadas na eficiência, na produtividade e no sucesso. Os critérios de validade social das ações humanas passam a ser composto de formulações subjetivas e monológicas para só depois serem impostos através do poder e da riqueza. O conhecimento é reduzido a uma dimensão cognitiva.

Por outro lado, a cultura humanista (Morin, 2003MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.) aproxima-se mais da multidimensionalidade da EDH, baseada na “[...] formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político [...]” (Brasil, 2007BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-pdf/file .. Acesso em: 24 fev. 2021.
http://portal.mec.gov.br/docman/2191-pla...
, p. 25). Uma das finalidades da EDH é que a transmissão de conteúdos técnico-científicos seja feita em conjunto de valores que orientem esses saberes. É criar espaços e sujeitos que articulem o conhecimento científico com o contexto social, político, econômico, histórico-cultural e ético.

Como proposta de difusão cultural, a EDH tem como finalidade modificar as relações humanas, redirecionando os fundamentos das ações sociais e intersubjetivas a partir de valores compartilhados intersubjetivamente (Silveira, 2005SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005. ). A partir de uma base valorativa comum, os seres humanos podem se distanciar do ethos totalitário, combustível para opressão, domínio e extermínio. Por meio da alteração do movimento entre ideia-ação é que resultará a manutenção ou transformação das relações sociais.

Nesse cenário, a educação tem grande importância “[...] tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudas as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos [...]” (Mészáros, 2020MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares. 2. ed. 6. reimp. São Paulo: Boitempo, 2020. , p. 65). A autonomia dos sujeitos, capazes de se enxergar como produtores da história, representa uma possível contrainternalização, baseada não apenas na negação do ethos global dominante, mas na realização de uma alternativa concretamente sustentável.

Enquanto produto humano, a EDH é potencialidade. A concretização é sempre feita dentro de contextos que podem maximizar as possibilidades intersubjetivas ou negá-las. A EDH tem como desafio promover e reforçar os aspectos humanos comuns, aquilo que pode ser compartilhado e validado universalmente, sem que, com isso, os indivíduos e as comunidades sejam anulados nas suas particularidades. Ao invés de um hiperindividualismo, que rompe qualquer laço de semelhança, a singularidade precisa encontrar espaço de existência dentro de um amplo e fértil campo de expressão humana.

Com a afirmação de uma dignidade individual, que é anterior e alheia ao contexto coletivo, “[...] o jusnaturalismo moderno cria um novo problema: nesta nova sociedade de indivíduos iguais entre si, à revelia de suas particularidades, nada os une” (Reis, 2020REIS, Helena Esser dos. Dignidade: condição humana compartilhada. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 41-54, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/829/395 .. Acesso em: 27 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 46). Herdeiro dessa corrente de pensamento, os Direitos Humanos, vê-se imerso nessa armadilha: humanos sem humanidade. A homogeneização universal em torno do individualismo, pode levar ao aprofundamento de um identitarismo segregacionista, formando comunidades particulares.

A Cultura de Direitos Humanos deve ir na contramão da sociabilidade que “[...] propicia que cada um faça uma imagem muito grande e positiva de si mesmo, ao mesmo tempo em que relega para segundo plano a imagem do outro” (Reis, 2020REIS, Helena Esser dos. Dignidade: condição humana compartilhada. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 41-54, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/829/395 .. Acesso em: 27 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 47). A técnica como linguagem mediadora das relações humanas cria uma multidão de sujeitos sem interação. A relações são mediadas pela conquista e destinadas à satisfação de necessidades não construídas a partir da comunicação entre falantes (homo-homo), mas em uma relação sujeito-objeto (homo-machina).

Os Direitos Humanos, enquanto valores que pretendem uma validade universal, para “[...] a reconstrução do comum, do comunitário, que envolvam compromissos recíprocos, parece requerer que reconheçam suas semelhanças, que rompam com o mundo restrito ao eu e que se projetem para além de si mesmo” (Reis, 2020REIS, Helena Esser dos. Dignidade: condição humana compartilhada. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 41-54, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/829/395 .. Acesso em: 27 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 48). A multidimensionalidade da EDH mantém a porosidade do processo educativo, indo além da transmissão de saber técnico-científico. Sem abandonar as conquistas e criações modernas, as práticas educativas em Direitos Humanos devolvem o saber ao seu contexto, informando sua dependência e instrumentalidade, ou seja, subordinam-se aos interesses formulados a partir dos valores socioculturais, éticos, jurídicos e políticos que são criação da reflexão comunicativa. Subverter essa ordem, permitindo que o saber instrumental conforme a interação humana, é perpetuar os comportamentos totalitários que negam a dignidade humana.

O discurso dos Direitos Humanos deve ser formado na autorreflexão intersubjetiva, mediada por um amplo processo de interação para formulação de consensos e acordos valorativos. Nesse sentido, para Rodino (2020RODINO, Ana María. De la teoría y la aplicación lingüística a la construcción de la dignidad y los derechos humanos. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 159-171, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/838 .. Acesso em: 28 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 167), “[...] el discurso de los derechos humanos erigió un valor abstracto como común y privativo de la especie humana - la dignidad - y lo hizo fuente de derechos iguales e irrenunciables que los Estados deben garantizar”. Em um primeiro sentido, os Direitos Humanos explicitam uma pretensão valorativa universal, baseada na potencialidade de uma convergência comunicativa que ultrapasse as particularidades e os contextos socioculturais.

Em complemento à postura universalista, os Direitos Humanos “Simultáneamente reconoció las muchas diferencias concretas que distinguen a los seres humanos en la realidad [...] como diferencias legítimas que también merecen respeto y protección” (Rodino, 2020RODINO, Ana María. De la teoría y la aplicación lingüística a la construcción de la dignidad y los derechos humanos. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 159-171, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/838 .. Acesso em: 28 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 167). Assim, aspectos ligados à etnia, gênero, nacionalidade, cultura, ideologia, crenças, capacidade individual têm sido inseridos nas dimensões de proteção e promoção da Cultura de Direitos Humanos. Sem que as particularidades sejam respeitadas e consideradas, não é possível a construção de uma comunicação que leve à compreensão e ao compartilhamento de valores comuns.

A EDH tem a potencialidade de promover a interação humana alicerçada em outros fundamentos que não a conquista, o individualismo e o tecnicismo. A aposta na educação, enquanto ação para o compartilhamento intersubjetivo de valores, parte do reconhecimento que “[...] las prácticas humanas se regulan por medio de las competencias (destrezas o habilidades) lingüísticas y comunicativas. Sin ellas, sólo nos queda recurrir a la fuerza, que es la vía opuesta a la razón” (Rodino, 2020RODINO, Ana María. De la teoría y la aplicación lingüística a la construcción de la dignidad y los derechos humanos. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 159-171, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/838 .. Acesso em: 28 fev. 2021.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
, p. 169). O propósito de superar uma cultura do domínio sobre humanos e natureza passa pelas práticas educativas que estejam organizadas de forma crítica, reflexiva e dialógica. Para que conteúdos multidimensionais possam ser produzidos e transmitidos, o diálogo que leve à compreensão deve ser restabelecido e os espaços de interação intersubjetiva ampliados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A EDH tem sido apresentada como prática social multidimensional para formação de uma cultura de Direitos Humanos em substituição às práticas de conquista e dominação sobre a natureza e outros seres humanos. A partir da criação da ONU, em 1948, a comunidade internacional tem enfrentado o desafio de formação de um consenso mínimo em torno da dignidade humana. Os obstáculos dizem respeito à necessidade de ultrapassar uma visão técnico-instrumental das relações sociais, a qual baseia-se em conhecimento produzido de forma individual e depois imposto ao resto dos indivíduos.

O problema da pesquisa que foi abordado buscou trazer algumas considerações sobre as possibilidades da adequação das práticas educativas para a formação de uma Cultura multidimensional em Direitos Humanos baseada no compartilhamento intersubjetivo de valores. O elemento-chave para a análise é o pressuposto que os valores éticos, culturais e humanistas, que formam os Direitos Humanos, não podem ser impostos pela força ou pela coerção. Para que seja elemento de produção social que leve à liberdade e emancipação humana, tais valores precisam ser compartilhados com base no diálogo, na compreensão e na reflexão para o consenso.

A partir dessas considerações, o artigo desenvolveu a ideia de que a educação designa um processo amplo de compartilhamento de uma visão de mundo, o qual é feito por diversas instituições sociais ao inserir novos sujeitos na comunidade. Também designa as ações intencionais de ensino-aprendizagem, que servem à transmissão de conteúdo - cognitivos, sociais e emocionais - valorado socialmente. Os Direitos Humanos podem ser um desses conteúdos que, quando compartilhados entre os membros de uma comunidade, formam o laço para coordenação das ações coletivas e individuais. Deste feita, a EDH designa as ações planejadas para promover a difusão e promoção da dignidade humana como valor central na formação dos Direitos Humanos.

Algo que o artigo ressaltou foi que os Direitos Humanos não são monolíticos, mas comportam uma pluralidade de interesses - éticos, políticos, socioculturais, econômicos e jurídicos. Assim, para que a EDH seja adequada, é necessário que assuma uma perspectiva multidimensional, a qual engloba diversas instituições sociais, além da escola, bem como práticas interdisciplinares, articulando teorias e práticas socialmente relevantes. Os planos, diretrizes e declarações, no plano internacional e nacional, apresentam o delineamento das EDH em acordo com tal perspectiva plural, holística e integrativa.

A EDH está voltada para uma educação baseada na reflexão crítica e no respeito às diferenças. Suas características exigem um cenário promotor do diálogo que tenha como finalidade a compreensão para o compartilhamento dos mesmos valores, abandonando a imposição de saberes inquestionáveis, não dialogados e imutáveis. Ao contrário de uma cultura cientificista e tecnicista, a EDH representa uma ciência humanista e comunicativa, a qual toma todos os elementos sociais como importantes no processo de formação dos saberes sobre o mundo, as normas e a produção das subjetividades.

Como apontado na parte final do artigo, a técnica, elevada a último critério social de validade das ações humanas, não é suficiente para orientar o uso que faz de si, permitindo que ações humanas sejam do tipo sujeito-objeto (homo-machina). Nesse processo, os elementos comuns não se sustentam, já que não há identidade entre os dois polos da relação. A característica que une o sujeito a um objeto, na sociedade moderna, são o domínio e a conquista. Bem, se esta relação é transportada para as relações intersubjetivas, abra-se caminho para uma dominação total dos indivíduos, destruídos os processos de interação pública e privada. A democracia não encontra espaço para existência, nem resistem as relações sociais particulares.

Uma Cultura de Direitos Humanos só pode ser construída se os processos educativos estiverem comprometidos com os valores formados intersubjetivamente. A emergência de um aspecto comum entre a humanidade não é um dado, mas um construto. Precisa ser fomentado, promovido e protegido. É necessário promover uma contrainternalização da cultura-mundo atual. Eleger a dignidade humana como fundamento das práticas educativas pode garantir espaço para a expressão da individualidade, sem o rompimento dos acordos e consensos coletivamente construídos por meio da comunicação.

O maior desafio à EDH é sucumbir diante de uma leitura individualista de seu conteúdo e práticas. Abandonar uma noção multidimensional dos Direitos Humanos, para restringi-los às normas jurídicas, ou vincular as ações em EDH ao ambiente escolar, preenchido apenas por conteúdos cognitivo-instrumental, representaria um fracasso de um programa de formação de uma Cultura de Direitos Humanos. Repensar de forma permanente a relação entre o delineamento teórico, o contexto social e a execução das atividades de EDH pode ser uma estratégia para evitar que as práticas dialógicas e comunicativas sejam suplantadas diante do projeto mecanização das relações humanas.

Ampliar as pesquisas sobre uma racionalidade substituta à tecnicista e individualista pode fortalecer espaços sociais e ações humanas que tomem por base uma racionalidade comunicativa e dialógica. Esse direcionamento epistêmico contribui para ações e finalidades da EDH, visando à formação de uma cultura multidimensional em Direitos Humanos, baseada no diálogo e no consenso.

REFERÊNCIAS

  • ADORNO, Sérgio. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.Novos estud . - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso Acesso em: 24 fev. 2021.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100001&lng=en&nrm=iso
  • AMIN, Samir. O Imperialismo, passado e presente. Tempo, Niterói: Editora da UFF, v. 8, n. 19, jan./jun., p. 77-123, 2005. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042005000100005 Acesso em: 19 mar. 2021.
    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042005000100005
  • BANNEL, Ralph Ings. Habermas & a educação 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
  • BOBBIO, Norberto. A era dos direitos Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação 1. ed. 49. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2007.
  • BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-pdf/file . Acesso em: 24 fev. 2021.
    » http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-pdf/file
  • BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. PROCESSO: 23001.000158/2010-55. Parecer e Projeto de Resolução que Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos Brasília (DF), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf . Acesso em: 24 fev. 2021.
    » https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf
  • CARVALHO, Maria Elizete Guimarães. Direitos Humanos e Educação: a formação docente como um direito. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2014.
  • CHAVES, Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais. Repositório Institucional da UFSC, 2009. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123 . Acesso em: 17 fev. 2021.
    » https://repositorio.ufsc.br/handle/praxis/123
  • COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação história dos Direitos Humanos 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
  • FLORES, Herrera Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos Tradução: Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
  • HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia” Tradução: Artur Morão. Lisboa-PT: Edições 70, 1997.
  • LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. Estudos Avançados, São Paulo: USP, v. 9, n. 25, p. 169 - 185, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8895 . Acesso em: 19 mar. 2021.
    » https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8895
  • LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
  • LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176, 2001.
  • LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • LUÑO, Antonio Enrique Pérez Luño.Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion 6 ed. Madrid: Tecnos, 1999.
  • MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital Tradução: Isa Tavares. 2. ed. 6. reimp. São Paulo: Boitempo, 2020.
  • MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.
  • MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
  • MUNHOZ, Maria Letícia Puglisi. Educação em Direitos Humanos e a Promoção da Diversidade. In: FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; et al (org.). Anais do IX Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. Desafios e perspectivas da democracia na América Latina João Pessoa: CCTA, 2017, p. 460-477. Disponível em: Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content/uploads/2017/11/IX-SIDH_Anais-Eletr%C3%B4nicos_24_11_17.pdf Acesso em: 20 fev. 2021.
    » http://www.cchla.ufpb.br/ncdh/wp-content/uploads/2017/11/IX-SIDH_Anais-Eletr%C3%B4nicos_24_11_17.pdf
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) . Década das Nações Unidas para a educação em matéria de direitos humanos 1995/2004: lições para a vida. Genebra: ONU, 1998. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
    » https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/serie_decada_1_b_nacoes_unidas_educacao_dh_.pdf
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração dos Direitos da Criança Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil. Disponível em: Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html Acesso em: 20 fev. 2021.
    » http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html
  • ONU. Declaração e programa de ação de Viena Conferência Mundial sobre Direitos Humanos. Viena, 14-25 de junho de 1993. Disponível em: Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1993%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20e%20Programa%20de%20Ac%C3%A7%C3%A3o%20adoptado%20pela%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20de%20Viena%20sobre%20Direitos%20Humanos%20em%20junho%20de%201993.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
    » https://www.oas.org/dil/port/1993%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20e%20Programa%20de%20Ac%C3%A7%C3%A3o%20adoptado%20pela%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20de%20Viena%20sobre%20Direitos%20Humanos%20em%20junho%20de%201993.pdf
  • ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos Proclamada pela Assembleia Geral da ONU, em Paris, em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos . Acesso em: 20 fev. 2021.
    » https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
  • ONU. Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. Disponível em: Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_internacional.pdf . Acesso em: 20 fev. 2021.
    » http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_internacional.pdf
  • UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a educação para a compreensão, cooperação e paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e liberdades fundamentais Conferência Geral da UNESCO na sua 18.ª sessão, em Paris, França, 1974. Disponível em: Disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf . Acesso em 20 fev. 2021.
    » https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/recomunesco-educacao.pdf
  • UNESCO. Declaração e Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia Conferência-Geral da UNESCO na sua 28ª sessão, Paris, França, 1995. Disponível: Disponível: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000112874_por . Acesso em: 20 fev. 2021.
    » https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000112874_por
  • REIS, Helena Esser dos. Dignidade: condição humana compartilhada. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 41-54, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/829/395 . Acesso em: 27 fev. 2021.
    » https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/829/395
  • RODINO, Ana María. De la teoría y la aplicación lingüística a la construcción de la dignidad y los derechos humanos. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos - RIDH / Observatório de Educação em Direitos Humanos/UNESP, Bauru: OEDH/UNESP, v. 8, n. 2, p. 159-171, jul./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/838 . Acesso em: 28 fev. 2021.
    » https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/838
  • SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  • SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em Direitos Humanos e Currículo. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014.
  • SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Educação em/para os direitos humanos: entre a universalidade e as particularidades, uma perspectiva histórica. In: ZENAIDE, M. de N. et al A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005.
  • SIME, L. Educación, persona y proyecto histórico. In: MAGENDZO, A. Educación en Derechos Humanos: apuntes para una nueva práctica. Santiago: Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación. Programa Interdisciplinario de Investigaciones en Educación - PIIE, 1991.
  • TOSI, Giuseppe. Os direitos humanos como eixo articulador do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. In: ZENAIDE, M. de N. et alii. A formação em Direitos Humanos na universidade: ensino, pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2005.
  • TOSI, Giuseppe; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Educação em direitos humanos nos sistemas internacional e nacional. In: FLORES, Elio Chaves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; MELO, Vilma de Lurdes Barbosa e. (org.). Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos Humanos João Pessoa: Editora Universitária da UFPB , 2014.
  • TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos (Volume I). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
  • ZENAIDE, Maria de Nazaré. Linha do tempo da educação em direitos humanos na América Latina. In: RODINO, Ana Maria. et al (org.). Cultura e educação em direitos humanos na América Latina Brasil: trajetórias, desafios e perspectivas. João Pessoa: CCTA, 2016.
  • 1
    Para um entendimento sobre a importância da criação da ONU na promoção e proteção dos Direitos Humanos, consultar LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. Estudos Avançados, São Paulo: USP, v. 9, n. 25, p. 169-185, 1995. Para uma crítica e contextualização do papel da ONU diante do imperialismo atual, consultar AMIN, Samir. O Imperialismo, Passado e Presente. Tempo, Niterói: Editora Universitária da UFF, v. 8, n. 19, jan./jun., p. 77-123, 2005.
  • 2
    Os chamados Direitos do homem designam, a partir de uma base jusnaturalista, “[...] aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado” (Bobbio, 2004, p. 17). Hoje a expressão tem utilidade para a filosofia do direito, pois trata do que “deve ser”, de um ponto de vista extrajurídico, assim liga-se a investigação dos fundamentos e razões ideais, independentemente de estar ou não positivado. Por outro lado, as expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais relacionam-se ao direito positivado. Segundo Ingo Sarlet (2007, p. 35-36), “[...] o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”.
  • 3
    A limitação jurídica inclusive, se dá no próprio formalismo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como a forma de exigibilidade e punibilidade num sistema internacional de justiça e a diferença em que apenas tratados, acordos e convenções definem caráter de exigibilidade e desde que estejam internalizados nos respectivos ordenamentos jurídicos ou seja, que se reconheça a jurisdição internacional. Para uma ampliação da discussão sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e sua arquitetura jurídica, ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos (Volume I). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais Avenida Antonio Carlos, 6627., 31270-901 - Belo Horizonte - MG - Brasil, Tel./Fax: (55 31) 3409-5371 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revista@fae.ufmg.br