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Modos de Habitar o Mundo: uma educação em ciências com/em meio à/pela vida

RESUMO

Este texto se faz ao modo de um manifesto, por meio de uma escrita-oficina (Pontin; Godoy, 2017), provocando uma tessitura que instaura a urgência de se pensar e agir na construção de relações outras com a educação em ciências da natureza nos espaços educativos. Mobilizando, assim, ensinagens e aprendizagens que se tecem nas brechas de observações simpáticas, experimentações atentas e processos autoeducativos, com/em meio à/pela vida, que cultivem múltiplos modos de habitar e constituir o mundo. Emerge, desse manifesto, a partir de um fazer escritural-oficineiro, um convite aos/às educadores/as, não menos desassossegador, mas banhado de vitalidade, alegria e boa sorte, de que criem circunstâncias e pensamentos com-vida na educação e nas ciências da natureza.

Palavras-chave
Manifesto; Educação em Ciências; Escrita-Oficina; Habitar; Vida

ABSTRACT

This text presents itself as a manifest, through a writing-workshop (Pontin; Godoy, 2017) to provoke a weave that establishes the urgency of thinking and acting in the construction of other relationships with education in natural sciences in educational spaces. Thereby mobilizing teachings and learnings that weave themselves in the gaps of sympathetic observations, attentive experimentation, and self-educational processes in the midst of life, which cultivate multiple ways of inhabiting and constituting the world. Through a writing-workshop, an invitation to educators emerges from this manifest, no less unsettling, but bathed in vitality, joy and good luck, for them to create circumstances and thoughts with-life in education and in natural sciences.

Keywords
Manifest; Science Education; Writing-Workshop; Inhabit; Life

Introdução

Acorda-se pela manhã com um despertador. Interage-se pelas redes sociais, levanta-se da cama, toma-se um banho rápido e, logo em seguida, come-se e bebe-se algo – talvez um pão com queijo, algumas frutas, um café. Rapidamente, busca-se a saída de casa em direção a um lugar: a escola. Chegando lá, a primeira aula será a de ciências, logo às sete da manhã. Qual será o tema? Assuntos de biologia, química ou física? Moléculas, células, tecidos? Interações físico-químicas, interações ecológicas, interações humanas? Animais, plantas, fungos, leis, relações, evoluções, mudanças biofísicas, reações orgânicas, energias, matérias, astros, mutações genéticas. Corpos: múltiplos organismos, processos, transformações, fenômenos, ambientes, fluxos de vida que podem atravessar as aprendizagens de uma aula do campo das ciências da natureza.

Quantos desses corpos animais, vegetais, fúngicos, protistas, procariotos, virais, minerais, materiais, imateriais e virtuais se encontraram nesse trajeto antes da hipotética cena que delineia a ficção de uma aula de ciências? Quantas das leis e transformações bio-físico-químicas podem permear os múltiplos cotidianos das crianças, adolescentes e adultos da escola? Quanto das temáticas científicas, ensinadas naquela aula, não habitam a banalidade diária, coexistem conosco, fazem morada em nós? A partir desse breve trajeto que delineia cotidianidades, realizadas diariamente por tantos/as estudantes e professores/as, entreabrimos, ao modo de um manifesto, um espaço inicial com o intuito de ativar um pensamento em educação em ciências que aconteça com/em meio à/pela vida. Seguindo a reflexão de Ailton Krenak (2020, p. 28)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. “A vida atravessa tudo, atravessa uma pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa de norte a sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial”. A vida que reside aqui, em nós, e em você, e nos outros: outros humanos, outros seres não humanos, outros seres mais que humanos, nas plantas, e nos protozoários, e nos vírus, e nos minerais, e na energia, e nos raios de luz, e na lua, e nos rios, e nas rochas, e no céu, e na noite, e nas substâncias e… e… e… Inspirados no conceito de rizoma, de Gilles Deleuze e Félix Guattari (2019, p. 48-49)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. I. São Paulo: Ed. 34, 2019.:

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como tecido a conjunção ‘e… e… e…’ Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões inúteis […]. É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio.

Quando falamos de vida, pensamos nela como um fluxo incapturável que, segundo Tim Ingold (2015a, p. 235)INGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a. “[…] não começa aqui ou termina ali, mas está acontecendo continuamente”. Desse modo, viver implica em conceber esse nascimento contínuo, geração de seres em devir – que é “[…] jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele de justiça ou de verdade […]. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, núpcias entre dois reinos” (Deleuze; Parnet, 1998DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998., p. 10): testemunhar a continuidade da vida, onde nada é pré-ordenado, retornando sempre às correntes de sua formação, onde as coisas tornam-se coisas e o mundo torna-se mundo. Rastrear esse caminho onde a vida irrompe tem sido a nossa aposta para habitar o mundo da/na/com a educação em ciências da natureza, já que “O ocupante ocupa uma posição em um mundo já pronto; o habitante contribui através da sua atividade para a contínua regeneração do mundo” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a., p. 247).

Nas destinações da vida que é ativada em seu próprio percurso, buscamos pensar nas potências possíveis de habitar uma educação em ciências que aconteça aquém e além da representação do mundo, e do existir. Hiata Nascimento e Guaracira Gouvêa (2020)NASCIMENTO, Hiata Anderson; GOUVÊA, Guaracira. Diversidade, Multiculturalismo e Educação em Ciências: olhares a partir do Enpec. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 20, p. 469-496, 3 jul. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u469496. Acesso em: 2 fev. 2022.
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nos alertam sobre o quanto a trajetória da educação em ciências carrega elementos de pensamento ocidental que lhe são fundantes ou caracterizadores. Assim, ao pensarem nas bases da educação em ciências, os pesquisadores afirmam que:

Ao atuar com base em dispositivos teóricos e metodológicos das Ciências Sociais e Humanas, a Educação em Ciências apreende, por consequência, aportes epistemológicos de perfil eurocentrado e estruturados a partir da concepção ocidental de racionalidade que pauta partes expressivas do pensamento científico-social moderno

(Nascimento; Gouvêa, 2020NASCIMENTO, Hiata Anderson; GOUVÊA, Guaracira. Diversidade, Multiculturalismo e Educação em Ciências: olhares a partir do Enpec. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 20, p. 469-496, 3 jul. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u469496. Acesso em: 2 fev. 2022.
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, p. 475).

É na dissonância do perfil eurocêntrico, ocidental, ultrarracional e representacional que desejamos pensar, sonhar e mobilizar formas outras de (co)criar-habitar uma educação em ciências. Como podemos mobilizar as nossas aulas e ensinagens, práticas, dizeres e fazeres, em direção à construção de um território que, mais do que retoricamente inclusivo, seja multiplamente povoado por quantas existências – processos, devires, materiais, transformações, histórias – forem possíveis?

Criar um território-aula como esse tem certa dose de sonhos – inspirados pelo filósofo Paul Preciado (2020, p. 19)PRECIADO, Paul B. Um Apartamento em Urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.: “Com o passar dos anos, não sei se por consolo ou sabedoria, aprendi a considerar os sonhos como parte integrante da vida” –, além de delírios e de desejos não-organizados na consciência de um mundo dado e pré-ordenado. Cultivar uma noção de conhecimento em educação em ciências que não seja legislador e limitador de pensamentos, em prol de conhecimentos que sejam o próprio pensamento em fluxo, em ativação. Portanto, que não submetem a vida à racionalização das experiências, mas a potencializa e eleva: “Em lugar de um conhecimento que se opõe à vida, um pensamento que afirma a vida. A vida seria a força ativa do pensamento, e o pensamento, a potência afirmativa da vida” (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 130).

Nosso ato de singularização corrobora em direção à modulação de pensamentos em ciências da natureza que sejam porosos às múltiplas formas de vida que irrompem e acontecem indefinidamente, em territórios heterotópicos (Foucault, 2013FOUCAULT, Michel. O Corpo Utópico, as Heterotopias. São Paulo: Edições n-1, 2013.). Territórios esses que quebram continuamente com as tramas dos estatutos das humanidades, como escreve Juliana Fausto (2020)FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., justamente por estarem vinculados à força ativa do pensamento que expande as prerrogativas do conhecimento abstrato e racionalizado (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018.), aproximados das questões vivas da existência.

Ao mobilizar uma educação em ciências com/em meio à/pela vida, colocamo-nos em contato com “Habitar o problema […] um modo de hesitar, de desacelerar as soluções que se pretendem mágicas. […] é agir também, engajar-se em ações, fabulações e narrativas […]” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 96). Escrevemos uma constelação de modos que se contaminam, que se engendram com vontade para dar o que pensar na educação em ciências, para além do que tem sido pensado, dito e sentido, para além do instituído e institucionalizado. Agenciamos1 1 A noção de agenciamento à qual nos vinculamos parte das escritas de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que respingam em outras produções, como é a de Deleuze e Parnet (1998). Embora Deleuze e Guattari não tenham se debruçado em apresentar uma conceituação restrita de agenciamento, buscaram criar condições para pensá-lo dentro da sua operacionalização, como sendo simbioses, “[…] um cofuncionamento, isto é, o esforço entre os corpos, sendo que os corpos podem ser ‘físicos, biológicos, psíquicos, sociais, verbais’. Por isso, agenciar é estar no meio, entre os corpos, de forma que todo e qualquer agenciamento se dá entre diversos outros agenciamentos” (Deleuze; Parnet, 1998, p. 43). O agenciamento, portanto, carrega consigo dimensões que tramam desde o estado das coisas ou dos corpos, até as linhas de enunciação, territorialidades e movimentos desterritorializantes. Dessa maneira, agenciar no viés deleuzo-guattariano é diferenciar-se em todos os âmbitos da vida, traçar linhas intensivas de fuga. um modo de habitar um problema, a saber: dar a ver múltiplas maneiras de perceber a vida e o viver agenciado às possibilidades da educação em ciências.

Para tanto, arriscamo-nos em provocar escritas-ações-pensamentos que mobilizem “arranjos provisórios” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 101), estando dispostos/as a (co)constituir mundos e reconhecer a “[…] capacidade da vida de continuamente ultrapassar as destinações que são atiradas em seu percurso” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a., p. 26). Engajamo-nos em produzir uma escrita-oficina que performa um manifesto, a qual, segundo nos ensinam Vivian Pontin e Ana Godoy (2017, p. 1563)PONTIN, Vivian Marina Redi; GODOY, Ana. Das Escritas, dos Corpos: afetos e entretempos. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 31, n. 63, p. 1559-1569, 30 dez. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n63a2017-13. Acesso em: 2 fev. 2022.
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, “[…] para além da experimentação, exige a feitura de alianças, exige uma trama de fios, exige que se criem laços, muitas vezes de conexões estranhas, esquizas, não esperadas, que a escrita encontra a ocasião de trazer à tona”.

O manifesto se faz, assim, como um caminho possível de agenciar linhas escriturais e forças afectivas que demandam passagem. “A escrita é inseparável do devir” (Deleuze, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2011., p. 11). Devir, movimentar-se em vida, entre-vidas, provocar possíveis, “[…] agenciamento com multiplicidade intensiva de que se compõe aquela metade do mundo que é puro movimento, puro devir, puro fluir” (Tadeu; Corazza; Zordan, 2004TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra Mara; ZORDAN, Paola. Linhas de Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 129). Com o manifesto, rizomamos esperanças e(m) modos de habitar o mundo, de criar mundos, de criar encontros, de nos criarmos em educação. Para tal, buscamos ativar o nosso “corpo-vibrátil”2 2 Suely Rolnik (2016, p. 12-13) chama de “corpo vibrátil” a capacidade – reprimida – dos nossos órgãos de sentidos que “[…] nos permite apreender a alteridade em sua condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a forma de sensações. […] Com ela, o outro é uma presença que se integra à nossa textura sensível, tornando-se, assim, parte de nós mesmos. Dissolvem-se aqui as figuras de sujeito e objeto, e com elas aquilo que separa o corpo do mundo. […] Entre a vibratilidade do corpo e sua capacidade de percepção há uma relação paradoxal. É a tensão desse paradoxo que mobiliza e impulsiona a potência de criação, na medida em que nos coloca em crise e nos impõe a necessidade de criarmos formas de expressão para as sensações intransmissíveis por meio das representações de que dispomos. Assim, movidos por esse paradoxo, somos continuamente forçados a pensar/agir de modo a transformar a paisagem subjetiva e objetiva”. (Rolnik, 2016ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2016.): colocarmo-nos porosos no mundo, nos afetos que nos atravessam; agitarmos nossas capacidades criativas e sensitivas nas artes da educação, nas experimentações com as ciências, nos encontros com as múltiplas formas de vida. Assim, nessas criações e travessias intensivas, foi necessário estarmos atentos aos fluxos que deslocam qualquer tentativa de permanecermos parados: impermanência, devir-intensivo, visceral.

Desse modo, fomos arregimentando um fazer escritural fecundado pelos múltiplos encontros e vibrações que tecemos juntos: nunca escrevemos sozinhos, mas somos banhados, inspirados, avizinhados pela relação não harmônica com outros seres, humanos ou não humanos3 3 O texto Entre humanos e não-humanos: o que pode a Educação em Ciências? (Rigue; Sales, 2022) mobiliza possibilidades de pensar as potências que habitam a educação em ciências em perspectivas para além do antropocentrismo. . São linhas contaminadas e contagiantes, promíscuas, às quais não saímos ilesos em sua feitura, já que “[…] as palavras nos fazem pensar e sentir” (Stengers, 2002STENGERS, Isabelle. L’Hypnose entre Magie et Science. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond; Seuil, 2002., p. 137). Apostamos que, quem com elas se encontrarem, também sairão diferentes de si mesmos, pois, os “[…] corpos também o fazem sendo formados pelas palavras, formados com as palavras, criados nas palavras […]” (Pontin; Godoy, 2017PONTIN, Vivian Marina Redi; GODOY, Ana. Das Escritas, dos Corpos: afetos e entretempos. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 31, n. 63, p. 1559-1569, 30 dez. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n63a2017-13. Acesso em: 2 fev. 2022.
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, p. 1560-1561).

“A travessia é o lugar da incerteza, da não evidência, do estranho. E isso não é uma fraqueza, é uma potência” (Preciado, 2020PRECIADO, Paul B. Um Apartamento em Urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020., p. 32). Assim como Preciado, aceitamos a aventura da travessia4 4 Um texto que relata e poetiza as travessias intensivas na formação docente em ciências da natureza, juntamente da pesquisa em educação, é Quando o Cartógrafo vai a Campo: Travessias e Poéticas de um Jovem Professor (Sales, 2022b). , abandonando o que restava em nós de antigo e estagnado, dando passagem ao inusitado, à impermanência, ao monstruoso em nós, ao estranho que somos e ao que deixamos de ser, incessantemente. “Mudanças, deslocamentos, intensidades” (Sales, 2022bSALES, Tiago Amaral. Quando o Cartógrafo vai a Campo: travessias e poéticas de um jovem professor. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 71, n. 23, p. 24-41, nov. 2022b. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/70186/43952. Acesso em: 6 dez. 2022.
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, p. 27). Travessia insana entre devir-educador/a e devir-cientista, um salto aos fluxos de vida pensante, ao que pulsa em nossos corpos, no mundo que habitamos e nos mundos que constituímos na educação, nas aulas e nas relações afectivas que permeiam as relações educativas.

Nossos arranjos oficineiros, que designam também conversações entre três pesquisadores/as e professores/as, são palco, do qual emergem desejos transformadores do que temos feito de nós no que tange à educação em ciências. Por isso, uma escritura-oficineira nos pareceu uma ponte interessante para que nossos caóticos tensionamentos pudessem emergir como um manifesto. Provocamo-nos a escrever com os ruídos do mundo, como propõe Leandro Belinaso (2016, p. 101)BELINASO, Leandro. Como escrever com os Ruídos do Mundo? In: CHAVES, Silvia Nogueira; BRITO, Maria dos Remédios de (Org.). Focar: Formação, Ciência e Arte. Autobiografia, arte e ciência na docência. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016. P. 89-102., que não ousa “[…] calar a vida que fervilha”. Logo, pelo seu caráter comunitário, que extravasa às suas próprias autorias, esses escritos produzem linhas que suscitam um manifesto, tecendo e mobilizando pensamentos que nos inspiram nas contaminações múltiplas entre vida, ciência e educação. O texto, afinal, é engendrado a partir de uma intensa vontade de fazer, em desejos transbordantes, “[…] a invenção de um outro da educação. A afirmação de um conhecer com vontade” (Corrêa, 2006CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, Comunicação, Anarquia: procedências da sociedade de controle no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006., p. 17).

Múltiplos encontros nos inspiraram e contagiaram para a feitura dessas linhas que se seguem: leituras acadêmicas e literárias, músicas, filosofias, produções artísticas, experiências educativas, éticas-políticas-poéticas de vida-educação. Tais atravessamentos nos permitiram escrever com vontade de fazer, arremessados por velocidades, pois “Escrever deve produzir velocidade” (Deleuze; Parnet, 1998DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998., p. 43).

Nesse manifesto, ganhamos velocidades ao mobilizarmos alguns afetos que nos permearam ao pensar na educação em ciências e nas suas conexões com as múltiplas possibilidades de ser e de existir, de habitar, constituir, incidir e criar (n)o mundo. Tal pensar significa “[…] descobrir, inventar novas possibilidades de vida” (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 130). Na sequência, seguem duas seções, além das considerações finais. A primeira seção Assombro. Envolvimento. Brincadeira é animada, sobretudo – mas não somente – pelas dimensões da atenção, imaginação simpática, brincadeira e auto-educação, em suas múltiplas conexões possíveis com a educação em ciências da natureza. Já na segunda seção Educação. Ciência. Vida afirmamos com vontade a urgência de estabelecermos relações outras com a educação em ciências da natureza nos espaços educativos, em prol de desterritorializar, provocar aprendizagens que se abrem nas observações, experimentações e inconsistências que encontramos na medida em que habitamos o mundo.

Ao deslocarmos as nossas maneiras de engajarmo-nos com as ciências da natureza e com a vida, também alteramos as possibilidades de criar e habitar mundos nas tessituras educativas. Pretendemos que essas linhas sejam ferramentas úteis a quem com elas se encontre, visto que, como pontuou Deleuze em seu diálogo com Foucault, em Os Intelectuais e o Poder (Foucault; Deleuze, 2019FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os Intelectuais e o Poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísicas do Poder. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019. P. 129-142., p. 132), “Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. […] É preciso que sirva, é preciso que funcione”. Dessa maneira, as escrituras aqui presentes não ensejam esgotar as possibilidades de pensar e mobilizar na educação em ciências, mas contaminar tal campo com suspiros de vida, com movimentos desejantes, sendo ferramentas de sonhos/delírios/aulas possíveis de serem implementadas pelos/as educadores/as que com elas se encontrem.

Aos/às leitores/as, afinal, nosso ímpeto é que essas palavras e conjugações de ideias soem como clima, ora fresco, ora árido, de um pensar que não deseja cavalgar unicamente pelas linhas dos processos de escolarização, os quais desejamos fazer implodir seus cristais de nossos corpos demasiadamente carregados de identidades e sonhos escolarizados, dando espaço para modos outros de aprender e de ensinar, logo, de fazer/criar/viver a educação.

Que a vida-fluxo de quem nos lê acasale com a estranheza do não-lugar, da não idealidade de um texto, da segurança do mundo usual: que o meio, que o pousar de territórios e performances do eu possam ser suspensos e dar a ver imagens não representacionais de educação, de ciências e de vida. Um manifesto não conclui, limita ou define. Ele congrega, arrasta, pulveriza, faz dançar. Que os/as leitores/as possíveis deste texto dancem conosco, ávidos pelo movimento.

Assombro. Envolvimento. Brincadeira

Acoplamento estreito entre observadores/as e os aspectos do mundo que se tornam o foco da nossa atenção. Na construção do que denominamos de pensamento científico, observar, um verbo-ação que renasce, outrora esquecido, ou negligenciado, mas que designa um interesse pelo que se põe entre um “eu” e o mundo, para assim conhecê-lo, desvendá-lo, decifrá-lo: é preciso abrir-se e não se encerrar no viver. Estar atento/a e vivo/a para o mundo que se abre e nasce sob a nossa percepção ativa, produzindo múltiplas vias de participação sensorial, pondo-nos ao engajamento no mundo e não afastamento do mesmo. Isso é, efetivamente, habitar e constituir mundo(s).

“É preciso estar atento e forte” (Veloso; Gil, 1969VELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. Divino Maravilhoso. Intérprete: Gal Costa. Rio de Janeiro: Philips Records, 1969. 1 faixa (4:21 min.).). É o pensamento que agita e é agitado pelos sons, cheiros, cores, formas do seu meio: fazer é fazer-se. Educar é educar-se. Trata-se de reanimar nossos poros, recuperar as condições esquecidas do espanto e da surpresa, para não mais apenas “[…] roçar pela superfície de um mundo que foi previamente mapeado e construído para elas ocuparem […]” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a., p. 86). Oferecer meios para construir essa condição atencional, a qual o mundo se abre e se faz presente para nós, para que nós mesmos/as possamos estar expostos/as e sermos transformados/as por ele (Ingold, 2020INGOLD, Tim. Antropologia e/como Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.).

Uma educação em ciências poderia se reorientar pelas arestas de assombro e engajamento com os movimentos da vida que se tem, cotidiana e mundana em suas ocorrências.

Em um mundo em devir, no entanto, até mesmo o comum, o mundano ou o intuitivo causam espanto – o tipo de espanto que advém da valorização de cada momento, como se, naquele momento, estivéssemos encontrando o mundo pela primeira vez, sentindo seu pulso, maravilhando-nos com a sua beleza e nos perguntando como um mundo assim é possível. Argumento que reanimar a tradição ocidental de pensamento significa recuperar o sentido de espanto banido da ciência oficial

(Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a., p. 112).

Porém, entrelaçada por e emaranhada em relações, seres, conteúdos, coisas, materiais, elementos, transformações, seres vivos e não-vivos – como insistem as categorias científicas escolarizadas –, toda ordem de encontros multifacetados de um “[…] deambular por percursos intensos” (Guarienti, 2012GUARIENTI, Laisa Blancy de Oliveira. A Potência do Espaço como Desvio no Aprender dos Corpos Deambulantes. Geograficidade. Niterói, UFF, v. 2, n. especial, p. 202-217, 2012., p. 214). Como anda a “[…] nossa potência de dar atenção ao que desconhecemos da força ativa de materiais, dos movimentos das coisas e dos seres, e da maneira como nomeamos tudo isso a ponto de nascermos junto dessas formações, reciprocamente?” (Dalmaso; Rigue, 2021DALMASO, Alice; RIGUE, Fernanda Monteiro. A Criança é um Mundo Todo Vivo: composições de escritas para pensar a educação. Aceno - Revista de Antropologia do Centro-Oeste, Cuiabá, v. 8, n. 16, p. 261-276, 26 nov. 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.48074/aceno.v8i16.11095. Acesso em: 3 mar. 2022.
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, p. 274).

Depois de atravessar um assombroso e angustiante período pandêmico, em que a convivência humana foi colocada em questão a partir da coexistência com um, para nós, novo vírus (o SARS-CoV-2), preenchemo-nos com um desejo – e, às vezes, também medo – de nos encontrarmos, tanto com outros humanos quanto com seres não humanos: sair à deriva, permearmo-nos com os encontros possíveis, com o que habita no inusitado e nas frestas, nas fecundas divagações e perambulações do existir.

“Viajar… Você já pensou ir mais eu viajar? Quando o sol desmaiar… Ah, vou viajar…” (Azevedo; Valença; Ramalho; Ramalho, 1996AZEVEDO, Geraldo; VALENÇA, Alceu; RAMALHO, Elba; RAMALHO, Zé. Intérprete: AZEVEDO, Geraldo Talismã. Rio de Janeiro: Sony Music, 1996. 1 faixa (2:16 min.).). Acolher a viagem inerente à vida, adentrar nos seus movimentos é deslocar incessantemente, aceitar o convite, envolver-se, dizer sim, pois, como já nos ensinou Clarice Lispector em A Hora da Estrela (2019, p. 11)LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 2019., “Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou”. Dizer o sim é aceitar os movimentos intensivos, imprevisíveis e impensáveis do viver e logo, de também aprender, posto que aprender é estar vivo e estar vivo solicita o desencadeamento do aprender (Rigue; Dalmaso, 2020RIGUE, Fernanda Monteiro; DALMASO, Alice Copetti. Estar Vivo: aprender. Criar Educação, Criciúma, v. 9, n. 3, p. 130-147, 3 dez. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354. Acesso em: 3 mar. 2022.
https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354...
).

Compreendemos que a educação trata de “[…] qualquer movimento que produz uma modificação” (Corrêa; Preve, 2011CORRÊA, Guilherme Carlos; PREVE, Ana Maria Hoepers. A Educação e a Maquinaria Escolar: produção de subjetividades, biopolítica e fugas. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba, v. 37, n. 2, p. 181-202, 2011., p. 187) logo, é um processo que acontece em múltiplos espaços, tempos e sujeitos, sendo produto dos encontros aos quais os corpos são submetidos. Mas reconhecer isso não é retirar a dimensão da agência que existe nos processos educativos. O/a educador/a é um/a agenciador/a de encontros, um/a artista na artesania de mobilizar conceitos, afectos e perceptos (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio de Janeiro: Ed 34, 1992.), unindo linhas, tecendo narrativas: o/a educador/a tem a oportunidade de produzir, inaugurar modos de vida.

Sobre o/a educador/a, Fernand Deligny (2018, p. 126)DELIGNY, Fernand. Os Vagabundos Eficazes – operários, artistas, revolucionários: educadores. São Paulo: n-1 edições, 2018. afirma que ele/a é um/a criador/a de circunstâncias: “Criador de circunstâncias, assim é o educador a se debater com todas as inércias. Boa sorte. Eu aconselho a preservar um modo de expressão pessoal. Mesmo que seja apenas para absorver essa espuma de delírio que borbulha em torno de toda ação intensa”. Criar circunstâncias, criar modos de viver no mundo, criar modos de incidir no mundo. Cocriar. Incidir no mundo. Existir. Educar. Boa sorte, nos deseja Deligny (2018)DELIGNY, Fernand. Os Vagabundos Eficazes – operários, artistas, revolucionários: educadores. São Paulo: n-1 edições, 2018., e nós aceitamos. Precisaremos, ao adentrar nessa empreitada que é viver a educação e ao nos engajarmos ativamente como educadores/as em meio às “espumas de delírio” que se apresentam nos nossos territórios, aceitar a vulnerabilidade e o devir, e submergir nos movimentos esquizos e aberrantes que se fazem no educar, no aprender, nos encontros, nas criações de possibilidades, para além das capturas neoliberais, dos mecanismos disciplinarizantes e dos processos normalizadores e hierarquizantes. Já que:

Encontramos efeitos dos mecanismos disciplinares e de controle por onde quer que deambulemos. São gestos e movimentos que se estipulam conforme uma determinada sociedade […] são micro-relações, cada uma com seus códigos de obediência e servilismo. O espaço, o lugar em que estamos inseridos; nossa localização no espaço geográfico como pontos, nos localiza e nos faz emitir signos a serem realizados e reproduzidos

(Guarienti, 2012GUARIENTI, Laisa Blancy de Oliveira. A Potência do Espaço como Desvio no Aprender dos Corpos Deambulantes. Geograficidade. Niterói, UFF, v. 2, n. especial, p. 202-217, 2012., p. 204).

Tal processo de aceitação e de submersão se fazem ainda mais precisos sobretudo quando embarcamos no posicionamento ético-estético-político de afirmação, reconhecimento e defesa das múltiplas formas de vida, das existências esquizo, das menoridades, das minorias, do que racha o delírio egóico e se revela outro, incessantemente outro. Essa defesa é um trabalho de criar e habitar pelas-com múltiplas expressões dos modos de existência, de percebermo-nos sempre outros:

Se por um lado enfrentamos esse cenário que vigora pelo esclarecimento, que prima por seu potencial concentrado no pensamento racional das ideias, numa educação pela representação, pela certeza e clarificação das significâncias, por outro, podemos experimentar as singularidades, essa potencialidade de abrir espaços para o que de fato somos e se abrir para uma educação das expressões dos diferentes modos de vida

(Guarienti, 2018GUARIENTI, Laisa Blancy de Oliveira. Aprender com René Schérer. Linha Mestra, Campinas, ALB, n. 35, p. 116-122, mai./ago. 2018., p. 117).

A potência de viver a educação em ciências dentro desse prisma múltiplo que são os saberes e os fazeres que emergem dos encontros com os seres é uma linha tênue, complexa e inevitavelmente aberta ao “[…] cuidado ético com o que se sente, passa pelo corpo” (Rigue; Dalmaso, 2020RIGUE, Fernanda Monteiro; DALMASO, Alice Copetti. Estar Vivo: aprender. Criar Educação, Criciúma, v. 9, n. 3, p. 130-147, 3 dez. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354. Acesso em: 3 mar. 2022.
https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354...
, p. 146). Uma dimensão atencional que expande a mecânica de estímulo e resposta de premissas de ensinagem e aprendizagem das técnicas behavioristas, aproximando-se de uma ética do encontro de cada corpo com os conhecimentos, com os outros, até mesmo com a “[…] auto-educação – ou a leitura que o indivíduo faz do mundo a partir de suas experiências e capacidades” (Corrêa, 2000aCORRÊA, Guilherme Carlos. O que é a Escola? In: OLY PEY, Maria (Org.). Esboço para uma História da Escola no Brasil. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000a. P. 51-84., p. 74).

Dizer sim aos movimentos autoeducativos – modificações de si – é abrir-se aos encontros, estando poroso aos agenciamentos possíveis nos territórios imprevisíveis os quais experienciamos nossas existências. Ao puxar os fios de sua trajetória de docência no ensino de ciências e na formação de professores/as de ciências e biologia, Lucia Estevinho (2020)ESTEVINHO, Lucia de Fátima Dinelli. Quando “as Coisas” ganham Vida: ensinando biologia pela arte. In: FERREIRA, Marcia Serra et al. Vidas que Ensinam o Ensino da Vida. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. P. 149-162. nos inquieta com a narrativa de uma estudante que, mesmo advinda de uma família que cultivava laranjas, não percebia ou reconhecia as árvores como seres vivos. “Fixando a vida em um conceito científico, o ensino de biologia se reduz, não permitindo o próprio entendimento biológico da vida. Como constatei no caso da aluna, que na 5a série não entendia que a árvore era um ‘ser vivo’” (Estevinho, 2020ESTEVINHO, Lucia de Fátima Dinelli. Quando “as Coisas” ganham Vida: ensinando biologia pela arte. In: FERREIRA, Marcia Serra et al. Vidas que Ensinam o Ensino da Vida. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. P. 149-162., p. 153). Esses atravessamentos também tensionam um dos eixos principais que estão no cerne do que conhecemos popularmente no ensino de ciências e biologia: a dimensão da vida biológica e do organismo, do que é vivo e do que não é. Estevinho (2020, p. 161)ESTEVINHO, Lucia de Fátima Dinelli. Quando “as Coisas” ganham Vida: ensinando biologia pela arte. In: FERREIRA, Marcia Serra et al. Vidas que Ensinam o Ensino da Vida. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. P. 149-162. encontra nos processos criativos, artísticos e fabulativos, mobilizados na formação de professores/as de ciências e biologia, brechas para “[…] estar aberto para os fluxos que nos atravessam”.

Malha intrincada (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a.), em que não se tem classificações de seres vivos e não-vivos, mas uma zona indiscernível de existência, tecida por linhas emaranhadas de seus habitantes, em mistura com substâncias e meio, em que um é impensável sem o outro. Como escreve Ailton Krenak (2020, p. 71)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., em A vida não é útil, “Os outros seres são junto conosco, e a recriação do mundo é um evento possível o tempo inteiro”. A partir desse esperançar ativo é que proliferamos, como descendentes de um porvir em educação, desejando pensar a vida que flui na educação em ciências da natureza5 5 No caminho de pensar a vida que flui na educação em ciências, o texto Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no ensino de Ciências Naturais (Sales; Rigue, 2022) defende a noção de direito à vida nesse campo como possibilidade de alargar as noções de Diversidade e Direitos Humanos: “Rachar o dualismo – humanos e não humanos – é explorar um caminho aberto para valorização da vida que se regenera com os diferentes seres, que partilham de múltiplas experiências no nosso território. Portanto, pensar na importância de dimensionar diálogos envolvendo o direito da vida de forma alguma nega as reflexões atinentes aos Direitos Humanos, justamente por estar expandindo essa discussão” (Sales; Rigue, 2022, p. 7). como linhas e forças que se atravessam e se emaranham num mundo que nunca está completo, mas sempre em nascimento contínuo.

No caminho de pensar a vida que flui na educação em ciências, o texto Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no ensino de Ciências Naturais (Sales; Rigue, 2022RIGUE, Fernanda Monteiro; SALES, Tiago Amaral. Entre Humanos e Não-Humanos: o que pode a Educação em Ciências? In: SANTOS, Sandro Prado; MARTINS, Matheus Moura. Gêneros e Sexualidades em Redes: conversas com/na educação em ciências e biologia. Uberlândia: Culturatrix, 2022. P. 99-110.) defende a noção de direito à vida nesse campo como possibilidade de alargar as noções de Diversidade e Direitos Humanos:

Rachar o dualismo – humanos e não humanos – é explorar um caminho aberto para valorização da vida que se regenera com os diferentes seres, que partilham de múltiplas experiências no nosso território. Portanto, pensar na importância de dimensionar diálogos envolvendo o direito da vida de forma alguma nega as reflexões atinentes aos Direitos Humanos, justamente por estar expandindo essa discussão

(Sales; Rigue, 2022RIGUE, Fernanda Monteiro; SALES, Tiago Amaral. Entre Humanos e Não-Humanos: o que pode a Educação em Ciências? In: SANTOS, Sandro Prado; MARTINS, Matheus Moura. Gêneros e Sexualidades em Redes: conversas com/na educação em ciências e biologia. Uberlândia: Culturatrix, 2022. P. 99-110., p. 7).

John Maxwell Coetzee (2009)COETZEE, John Maxwell. A Vida dos Animais. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., na obra A Vida dos Animais, ensaia que há de se operar permanentemente com uma “imaginação simpática” nesses distintos modos de ser-no-mundo para que seja possível ressoar processos de criação e fabricação de vidas com os seres. Como impulso desejante de adentrar pensamentos rizomáticos, Coetzee (2009, p. 43)COETZEE, John Maxwell. A Vida dos Animais. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. aponta para a urgência de acionar a simpatia como linha que vem ao encontro de “[…] partilhar o ser do outro”, sendo as distintas variações da literatura – como é a poética – caminhos potentes para habitar o “[…] compromisso com ele” (Coetzee, 2009COETZEE, John Maxwell. A Vida dos Animais. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 61), com os múltiplos seres.

Rizomar uma educação em ciências contaminada por essa imaginação simpática convoca nossos corpos a experimentarem uma postura ética, estética e política perante a vida, a ponto de não mais excluirmos suas dissonantes variações dos espaços de pensamento da educação em ciências da natureza. Ao contrário, é preciso comprometer-se com “[…] reimaginar o mundo e contar outra história” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 81), fabricando implicações outras, suscitando “[…] eventos nos quais esteja em jogo um ‘tornar-se capaz’” (Stengers, 2007STENGERS, Isabelle. La Proposition Cosmopolitique. In: LOLIVE, Jacques; SOUBEYRAN, Olivier. L’Émergence des Cosmopolitiques. Paris: La Découverte, 2007. P. 45-68., p. 62). Tornar-se capaz de estar presente com os seres em nossos processos educacionais – ativando os/as estudantes nas aulas de ciências a estarem envolvidos com a observação do mundo, numa experimentação a céu aberto, atentos/as, perplexos/as a tudo que se vê.

O conhecimento de fato leva à sabedoria? Ele abre nossos olhos e ouvidos para a verdade daquilo que há no mundo? Ou, pelo contrário, ele nos mantém reféns dentro de um compêndio feito por nós mesmos, como uma casa de espelhos que nos cega para tudo o que esteja além? Nós veríamos mais, experimentaríamos mais, e compreenderíamos mais, se conhecêssemos menos? E seria porque sabemos demais que parecemos tão incapazes de lidar com o que acontece em torno de nós, e de responder com cuidado, bom senso e sensibilidade? Quem é mais sábio: o ornitólogo ou o poeta – quem sabe o nome de cada pássaro, mas já os têm pré-classificados na mente; ou quem não conhece nenhum nome, mas olha encantado, admirado e perplexo para tudo o que vê?

(Ingold, 2015bINGOLD, Tim. O Dédalo e o Labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 21-36, jul./dez. 2015b. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002. Acesso em: 24 mar. 2022.
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, p. 22-23).

Um envolvimento com atravessamentos da urgente aliança afetiva que precisamos estabelecer com/pelo o mundo, sendo, portanto, a educação em ciências um interessante elo para que esse gesto de germinação seja possível. Um gesto implicado na educação em ciências da natureza corresponde também a ativar a presença do/a estudante para com as relações de forças que, cada vez mais, tem exaurido desse planeta recursos e formas de vida como se pudéssemos consumi-lo incessantemente. Provocar com os/as estudantes uma postura ética-estética-política de vinculação com o planeta, com os seres, com os rios, para além de um antropocentrismo, já que tudo é natureza, nós somos a natureza (Krenak, 2020KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.).

Inspirados em Brian Massumi (2021, p. 48)MASSUMI, Brian. O que os Animais nos ensinam sobre Política. São Paulo: n-1 edições: 2021., cocriamos junto à noção de uma imaginação simpática em prol de uma educação em ciências pela brincadeira, acionando um campo que “[…] cria o território que mapeia, em novas variações emergentes numa arena de atividade já existente”, vislumbrando um cartografar que expressa e imagina a existência com os seres. Uma noção de brincar que “[…] envolve seus participantes, tornando-a trans-situacional e transindividual” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 170), indo ao encontro de instantes intensivos que modifiquem todos que brincam – como acontece no âmbito das políticas animais – “Quanto mais se brinca, mais se inventa; quanto mais se inventa, mais apto ao improviso se é tornado, ou seja, mais apto à própria vida” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 165).

Quantos risos, conversas, gritos e atitudes rotuladas como indisciplinadas nos desconcertam em nossas práticas educativas, a partir das brincadeiras movimentadas por nossos/as estudantes? Por que, dentro da perspectiva de uma cultura docente, essas atitudes nos afetam tanto, levando a certa sensação de desautorização? Seria possível, em nossas situações de aula, tecer parcerias com os/as estudantes, juntos/as, em relações coletivas, na força ingovernável de um devir-criança e devir-animal, contaminados pelo brincar, pela diversão, pelos sorrisos, pela alegria de um encontro?

Desacelerar as tendências que propagam respostas imediatas no mundo e, ao mesmo tempo, na educação em ciências, vem ao encontro de mobilizar os corpos para que estejam dispostos a fazer emergir instantes de aprendizagem – inventivas e improvisadoras – com os seres do-no mundo, rachando e expandindo nossos regimes humanos, previsíveis e abstratos, que inibem a chance de devir e experimentar com-na vida. O brincar apresenta-se, então, como aspecto inerente a um motor cocriador que reconfigura nossos modos de resposta, indo ao encontro de uma abundância de experimentação que é espontânea e instintiva. Um lambuzo com a natureza impermanente do viver, que permite recepcionarmos a novidade.

Uma educação em ciências que nos interessa ecoa molecularidades fabuladoras, simpáticas e menores, que escapam da “[…] dualidade sujeito/objeto e do caráter pronto de um objeto, assim reinserindo a simpatia em um campo transindividual” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 170-171). Um gesto de invenção contínua que é possível quando vivemos intensivamente “com” os outros, quando, ao mesmo tempo, a vida tem a chance de se fazer presente nos pensamentos que ativamos (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018.) na educação em ciências.

Com o relato da estudante presente nas escritas de Estevinho (2020)ESTEVINHO, Lucia de Fátima Dinelli. Quando “as Coisas” ganham Vida: ensinando biologia pela arte. In: FERREIRA, Marcia Serra et al. Vidas que Ensinam o Ensino da Vida. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. P. 149-162., é possível perceber que, para algumas pessoas, não existe um reconhecimento das plantas como seres vivos. Talvez seja justamente pelo caráter anormal e estranho, distante da noção do eu-humano que foi historicamente propagado no campo ocidentalizado da ensinagem em ciências da natureza, que a jovem não reconhecesse as árvores como seres vivos: elas são o outro. Nesse mesmo trajeto-pensamento, é possível inferirmos que, mesmo a escolarização tramando conhecimentos do campo das ciências da natureza na escola – aulas, materiais didáticos, currículos, entre outros –, as ensinagens canônicas permanecem tão distantes do estar vivo que continuamente nos mobilizam a nos separarmos do que quer que seja: dos rios, das florestas, do mundo.

Cada vez mais, os corpos estudantis são reduzidos a escores que, supostamente, dimensionam o que aprenderam. Provas, testes e exames se sobressaem permanentemente nos diferentes níveis e etapas escolarizadoras, dissociando o conceito da sua realidade, pela prevalência de exercícios que privilegiam a capacidade de memorização (Rigue; Corrêa, 2021RIGUE, Fernanda Monteiro; CORRÊA, Guilherme Carlos. Uma Genealogia da Didática pelo Viés da Formação Inicial de Professores de Química no Brasil. Acta Scientiarum. Education, Maringá, UEM, v. 43, e57322, 29 nov. 2021.). Os conhecimentos cristalizados – vinculados a uma lógica que se rendeu ao sentido utilitário da vida (Krenak, 2020KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.) e da prospecção de futuro das maquinarias institucionalizadas (Corrêa; Preve, 2011CORRÊA, Guilherme Carlos; PREVE, Ana Maria Hoepers. A Educação e a Maquinaria Escolar: produção de subjetividades, biopolítica e fugas. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba, v. 37, n. 2, p. 181-202, 2011.) – nos distanciam do pensamento com-na vida e de experiências outras das existências, fazendo com que a racionalização abstrata impere. Essa racionalização humanista e representacional é justamente a que coloca o humano no centro referencial, perdendo a chance de modular o pensamento que dança com a vida que nos compele, move, conduz, anima.

Os abismos que ecoam na prevalência de uma previsibilidade na escolarização em ciências aproximam a formação de estudantes dos pressupostos dualistas: natureza versus ser humano, sujeito-objeto, natural-cultural, dentro-fora, eu-mundo. Nossas aulas de ciências da natureza acabam, inevitavelmente, distantes do pensamento com/na/em meio à vida, por estarem projetadas em conhecimentos estratificados. Fato que corrobora com a compreensão de que os limites do conhecimento racionalizado na educação em ciências não suportam o estranhamento, o contato, a multiplicação de formas-forças-fluxos-de-vida que habitam – geram – o mundo conosco.

Para germinar e frutificar espaços outros de criação na educação em ciências, para além das pretensões totalizadoras e molares, é preciso que nos ocupemos – educadores/as – com a ativação de um pensamento extraordinariamente outro, dimensionado para além de uma “faculdade natural”. É crucial que cultivemos uma experimentação com o pensamento em ciências que não venha ao encontro de inoperar o próprio pensar, de tornar infértil a capacidade de observar o mundo, não com passividade, mas participando, percebendo e experimentando suas modulações e intensidades intempestivas (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018.), respondendo a ele com ação, atentos e prudentes aos seus sinais. Tais esforços podem habitar o fazer docente em diferentes instâncias do trabalho educativo, desde o planejamento das atividades, até o seu desenvolvimento materializado no acontecimento que uma aula é, juntamente das ressonâncias que seguem ecoando nos sujeitos que se encontram nesses territórios do aprender e do educar (em) ciências da natureza.

Educação. Ciência. Vida

Habitar o meio em que vivemos é ser parte dele, uma prática que permite que esse território se torne, assim, parte de nós. A ciência, em seu longo constructo de autoridade que cria pontos de vista, tem nos dito como esse meio, o mundo e a vida, é ou deve ser, dando-nos pouca liberdade de experimentá-lo, de vivenciá-lo em nascimento constante, percebendo o ambiente sem necessariamente discerni-lo em formas e disposições congeladas e classificatórias de coisas, existências e matérias, mas juntando-se a elas, aos fluxos e movimentos, às correntes da sua – e nossa – contínua formação (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a.).

A educação em ciências, como delineamos até aqui, é potente na medida em que amplia a possibilidade de cocriar e regenerar mundos. Nesse aspecto, a audácia de manifestarmo-nos ao mobilizar a presente ativação de forças escriturais é marcada pela urgência de tensionarmos o que temos feitos de nós – seres – no Antropoceno. Como sugere a antropóloga Anna Tsing (2019, p. 14)TSING, Anna. Viver nas Ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019. “O termo Antropoceno marca uma diferença: à medida que as infraestruturas industriais e imperiais se espalharam, os efeitos perigosos não projetados dispararam”.

Na famigerada era do Antropoceno, as múltiplas e estranhas existências, as quais habitam o mundo e produzem atividades nele, não tomam relevo. Por conta disso, temos vivido tempos de ruínas provocados por modificações violentas e indistintas que incidem na e sob a terra. Viver nesses tempos é um desafio, tanto para nós humanos, quanto para as outras formas de vida que compartilham o território-mundo conosco. Contudo, animando-nos e fortalecendo, Tsing (2019, p. 18)TSING, Anna. Viver nas Ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019. nos lembra que “[…] o mundo do Antropoceno é cheio de coisas estranhas e surpreendentes que precisamos conhecer, e é hora de renovar nosso interesse coletivo no que está acontecendo”.

A pesquisadora Donna Haraway (2016, p. 2)HARAWAY. Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. Tradução: Susana Dias, Mara Verônica e Ana Godoy. ClimaCom – Vulnerabilidade, Campinas, ano 3, n. 5, 2016. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/. Acesso em: 5 out. 2021.
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, seguindo também os rastros do tensionamento do Antropoceno, disserta acerca dos perigos destes tempos: “Penso que nosso trabalho é fazer com que o antropoceno seja tão curto e tênue quanto possível, e cultivar, uns com os outros, em todos sentidos imagináveis, épocas por vir que possam reconstruir refúgios”. Criar refúgios torna-se algo vital para a nossa permanência, para a manutenção da vida, pois “[…] neste momento, a terra está cheia de refugiados, humanos e não humanos, e sem refúgios” (Haraway, 2016HARAWAY. Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. Tradução: Susana Dias, Mara Verônica e Ana Godoy. ClimaCom – Vulnerabilidade, Campinas, ano 3, n. 5, 2016. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/. Acesso em: 5 out. 2021.
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, p. 2). Eis, então, que urge a necessidade de encontrarmos caminhos para forjar esses refúgios na educação, nas nossas relações com os conhecimentos científicos e com as produções tecnológicas, na educação em ciências, nos espaços em que atuamos, nas práticas, estratégias pedagógicas e narrativas que produzimos e atualizamos acerca da vida, das espécies, das interações, das reações, da matéria, das substâncias, dos movimentos, do entre, enfim, dos tantos outros que insistem e resistem em permanecer vivos.

Dentro dos estudos biológicos, um ecossistema é compreendido como o conjunto de comunidades, que são populações de diferentes espécies que coexistem e interagem com elementos físicos e químicos. Essa convivência não é pacífica: existe a caça e o predador, o forrageio, a procura – papéis que, em muitos momentos, se alteram. Existem os produtores que captam a luz do sol e, na mais profunda beleza da existência – tão bem traduzida pela música Luz do Sol, de Caetano Veloso –, transformam os raios solares, juntamente da água e do oxigênio, na glicose, através do processo bioquímico da fotossíntese, alimentando as múltiplas formas de habitação terrestre; os herbívoros, alimentando-se desses primeiros produtores fotossintetizantes; os carnívoros, alimentando-se dos herbívoros; e os decompositores, devolvendo aos movimentos da vida as matérias advindas da morte. Esses ciclos biológicos se tecem em múltiplas relações que nós, pesquisadores/as e educadores/as da vida, constituídos dentro de formações com vieses humanistas, tentamos incessantemente fechar, em esforços de representá-las e, ao mesmo tempo, situarmo-nos, nós, os – pretensos poderosos – humanos, do lado de fora. Contudo, graças à força metamórfica da vida e dos acontecimentos que a cercam, essas relações se mutam e extravasam, traçando linhas esquizas e fluxos de energia outros.

Observar atentamente um território denominado de ecossistema é perceber a incrível beleza e voracidade do existir, visceralmente em risco e em fluxo. Podemos reconhecer isto ao atentarmo-nos aos nossos espaços de vida – e também do fim dela. A morte aproxima-se da vida e, apenas graças a isto, é possível que a vida exista. “Vida e morte estão relacionadas entre tramas e perigos que atravessam uma vida” (Sales, 2022SALES, Tiago Amaral; RIGUE, Fernanda Monteiro. Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no Ensino de Ciências Naturais. Bio-grafía: Escritos sobre la Biología y su enseñanza, Bogotá, v. 16, n. 30, 2022. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/bio-grafia/article/view/17825. Acesso em: 6 dic. 2022.
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a, p. 6). Fluxos de energia, movimentos da matéria, vivacidades, reações, transformações, relações, conexões. Nesses trajetos, é possível, quiçá, “Criar um devir-fênix: renascer das cinzas. Germinar vida a partir do luto, do confronto, da morte, […] da ciência, da filosofia, dos encontros… Embrionar novos mundos em meio às incertezas e aprender formas outras de passar, devir-ave, passar-passarinhar” (Sales; Estevinho, 2021SALES, Tiago Amaral; ESTEVINHO, Lúcia de Fátima Dinelli. Cartografias de Vida-e-Morte em Territórios Pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga. Revista M. Estudos sobre a Morte, os Mortos e o Morrer, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 275-293, 2021. Disponível em: http://seer.unirio.br/revistam/article/view/10487. Acesso em: 6 dez. 2022.
http://seer.unirio.br/revistam/article/v...
, p. 290). Vida e morte, caminhando pari passu, conectadas, em movimento6 6 Dois trabalhos que tensionam as relações entre vida-e-morte, através dos territórios pandêmicos emergentes com a covid-19 e a aids, são Cartografias de Vida-e-Morte em Territórios Pandêmicos: Marcas-Ferida, Necro-Bio-Políticas e Linhas de Fuga (Sales; Estevinho, 2021) e A Aids como Dispositivo: Linhas, Te(n)sões e Educações entre Vida, Morte, Saúde e Doença (Sales, 2022a). – há espaço para, na educação em ciências, romper com os tabus em torno de falar da morte para pensar em vida-e-morte como instâncias que se fazem juntas?

Pulverizar esses escritos-pensamentos, como quem dança freneticamente e agita uma poeira densa do que, até então, estava estagnado, torna-se parte do que temos tentando mobilizar nos espaços educacionais que habitamos, ainda que não tenhamos respostas-caixas-protocolos para assentar o que movimentamos e ebulimos. Sentimos que nas brechas reside a potência de incidirmos ativamente nos estudos das ciências da natureza, passíveis – e necessários – de serem transpostos, traduzidos, transcriados nos espaços educativos: nos museus, nos parques, nas escolas, nas feiras de ciências, nas mediações, nas ensinagens, nas aulas de ciências. Tais temas-atravessamentos podem se conectar com múltiplos campos, como a ecologia, a bioquímica, a zoologia, a botânica, a química orgânica, a termodinâmica, mas sempre extravasam, graças ao seu caráter transdisciplinar, em linhas de fuga (Deleuze; Guattari, 2019DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. I. São Paulo: Ed. 34, 2019.), desterritorializando os espaços por onde passam. A própria existência atômica pode ser compreendida como disforme, anormal, queer, pulsante, como propõe a pesquisadora queer Karen Barad (Barad; Marçal; Ranniery, 2021BARAD, Karen; MARÇAL, Jorge Felipe; RANNIERY, Thiago. Performatividade Queer da Natureza. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, Cuiabá, v. 3, n. 11, p. 300-346, 1 mar. 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.31560/2595-3206.2020.11.11882. Acesso em: 22 mar. 2022.
https://doi.org/10.31560/2595-3206.2020....
). Os átomos, micro-formas e existências mínimas, possibilitam a estruturação da vida-biológica e de fenômenos químicos e físicos, tão caros às ciências da natureza, agenciando-se também em movimentos queer, bagunçando o que se percebia estático-organizado, mostrando-se esquizos, estranhos e múltiplos, assim como a vida é.

Mais uma vez, vê-se o próprio mundo desestruturando as tentativas de representar a vida, de fechá-la, de estereotipá-la em um esforço pedagogizante da escolarização, o qual tem o humano como “espécie modelo” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020.) que dita conhecimentos e roteiros de formação. Como, então, ensaiar uma educação da vida em ciências da natureza – uma educação implicada – que fuja das teias representacionais e limitadas pelos conhecimentos racionalizados que limitam – e sequer animam – a existência e o pensamento?

Uma pista para tal empreendimento é encontrada nos escritos de Emanuele Coccia (2020)COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020. ao pensar nas metamorfoses que participam da manutenção e constante atualização da vida. O filósofo italiano incide críticas à ecologia e à construção da noção do planeta como casa, da “natureza” como espaço estático, afirmando que, para a biologia “Tudo é definido segundo uma relação de utilidade. O mundo biológico é estruturado como a ordem social fundamental entre os humanos: a casa” (Coccia, 2020COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020., p. 162). Para o autor, isso é problemático na medida em que “[…] temos tendência a projetar nas plantas e animais nossa própria experiência de sociabilidade” (Coccia, 2020COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020., 163), pois “Todos estão em casa e devem lá permanecer até a morte. Se alguém sair do seu lar (do seu ecossistema), trata-se de uma invasão de um território estrangeiro ou da ruptura de um equilíbrio” (Coccia, 2020COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020., p. 163).

Essa noção de casa nos aprisiona, nos tranca no lar, como se o lugar em que residimos fosse o único possível de ser habitado e estendemos essa visão aos outros animais, às plantas, aos minerais, aos tantos outros que coexistem conosco na Terra, como se soubéssemos o que cada um deles pode ou deve fazer. Defender a casa é limitar a potência do nomadismo, do movimento, da errância.

Para Coccia (2020)COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020., é justamente a deriva que permite nos mantermos vivos: somos movimentos, nos fazemos em deslocamentos, nos veículos, nos fluxos, fora das casas. Nessas derivas, dentro de cada um, habita muito do outro.

Cada um de nós é o encontro físico de várias espécies, cada um de nós é um pequeno zoológico que sempre veicula muito mais espécies além daquela a que imaginamos pertencer. A vida fez de cada ser vivo uma arca para infinidade de seres vivos e não vivos. Tudo se torna paisagem. […] O nascimento e a morte, por exemplo, estão aqui para permitir a cada um ser uma arca: nascer significa instalar-se na vida de um outro corpo, ser veiculado durante nove meses, para, em seguida, fazer-se veículo, a arca de sua identidade genética, do seu sopro, da sua lembrança durante o resto da vida. […] A vida não é uma qualidade própria a certos corpos, ela é apenas consequência da natureza veicular da matéria, da estrutura planetária deste mundo

(Coccia, 2020COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Desenhos: Luiz Zerbini. Tradução: Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro. Dantes Editora, 2020., p. 154-155).

Multiplicidade constitutiva e assustadoramente coemergente, em que vidas se prolongam, seguem, num continuum sem fim. Insurge, em nós, o desejo por agenciar encontros que aconteçam na educação em ciências da natureza pelas derivas, pela fuga das casas, das seguranças, das inércias, estando atentos/as às multiplicidades que habitam em nossos corpos, em nossas salas de aula, nas comunidades que formamos e nas aprendizagens possíveis pela-na-com a vida.

A nós, escritores/as-oficineiros/as desse manifesto, interessou mobilizar esse desejo cada vez mais latente de pulverizar a urgência de pensarmos em espaços vivos para tensionar os sentidos e práticas em educação em ciências com os/as estudantes, seguindo o conselho de Deligny (2020, p. 61)DELIGNY, Fernand. Semente de Crápula: conselhos aos educadores que gostariam de cultivá-la. São Paulo: n-1 edições, 2020. “MANTENHA-OS vivos”. Distantes da premissa totalizadora que apresenta vias para todos e cada um, “Na escolarização ou fora dela é preciso afirmar as intensidades da vida, daquilo se experimenta na existência, dessa potencialização das capacidades subjetivas” (Rigue, 2021RIGUE, Fernanda Monteiro. O Acesso ao Corpo Mínimo e os Processos Educacionais: tomos-vacúolos de uma escrita-oficina. In: RIGUE, Fernanda Monteiro (Org.). Rizomas em Educação. v. 1. Veranópolis: Editocorrêara Diálogo Freireano, 2021. P. 13-28., p. 27), desse aprender ciências da natureza que permite estar territorialmente colado na terra, podendo “[…] viver a vida ao ar livre” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015a., p. 154). Uma vida que não é, em nenhum momento, segmentarizada, ao contrário, é permanentemente entremeada, atravessada, consubstanciada pelos elos multifacetados que a fazem possível.

Como rastrear os caminhos dos quais a vida irrompe, seguindo o que acontece, se tornando outra coisa nesse percurso? Como estamos vivos/as, narramos esses caminhos e fazemos disso nosso campo de prática na educação em ciências, nas relações entre saberes de crianças, jovens e adultos? Pensar dentro do espectro das ciências da natureza, a partir do que agenciamos, demanda aceitar a viagem pela cocriação da atividade do pensamento com-na-em-meio-à-pela vida, ensaiando-se no improviso, sensíveis ao que nos torna incessantemente outros nas derivas, nos encontros educativos e nas nossas existências.

Rachamos nossas identidades provisórias e nos reconhecemos, assim, estrangeiros/as. De fato, talvez possamos existir graças aos nossos estados de estrangeirismo: ao que nos desloca do conforto, da representação, do eu, das bolhas de identidade, e nos tornamos outros como própria condição de existir no mundo. Demanda-se, aqui, certa porosidade necessária de ser cultivada para a coexistência com o outro, pois, sem ela, não é possível criar um território a ser (co)habitado, tecer malhas de relação com as existências – “É dessa afetação pelos outros que pode sair uma outra compreensão sobre a vida na Terra” (Krenak, 2020KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 104). Essa porosidade caminha conjuntamente da manutenção de um “corpo vibrátil” (Rolnik, 2016ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2016.), um corpo que mantém a sua capacidade de ser afetado pelo mundo que o circunda e, a partir disso, coloca-se ativamente na postura de poder habitar e constituir mundos.

Eis um desafio: em nossos devires-professorais e devires-estudantis, como manter a capacidade de ser afetado/a pelas múltiplas formas de vida possíveis de adentrarem os nossos currículos, as nossas práticas docentes, as nossas (in)constantes aprendizagens e as nossas salas de aula de ciências? Estamos abertos/as à percepção, ao reconhecimento e ao encontro com essas formas outras de existências na educação em ciências? De quais formas podemos ativar o nosso “corpo vibrátil” (Rolnik, 2016ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2016.) aos encontros alegres nos momentos de pensar ciências, criando territórios vivos e altamente férteis de embrionarem e serem habitados por vidas outras?

Os estranhamentos são partes inerentes desse viver. Logo, ensinar e aprender ciências da natureza com/pela/em meio à vida, é estar ativamente disposto/a a viver a imprevisibilidade das perguntas que se abrem nas observações e experimentações do mundo, nas inconsistências que encontramos na medida em que habitamos – e constituímos – o mundo. O processo educativo, interessado em pensar com vontade, demanda criar – e aqui mobilizamos esse intento – uma abertura desejante de espaços de pensamento em educação em ciências, os quais mobilizam um corpo vivo, inquieto, de fato aprendente. Um corpo que é afetado e é capaz de afetar quando respira e movimenta-se no mundo com a seguinte provocação: “Ou você ouve a voz de todos os outros seres que habitam o planeta junto com você, ou faz guerra contra a vida na Terra” (Krenak, 2020KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 73).

Como o que escreve Corrêa (1998, p. 70)CORRÊA, Guilherme Carlos. Oficina: apontando territórios possíveis em educação. 1998. 109 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. ao sinalizar o trabalho educacional com as oficinas:

[…] a oficina põe-se como um trabalho de formação de educadores, de pessoas capazes de criar situações de diálogo com as pessoas interessadas pelo que está sendo proposto. O emprego dessas estratégias visa antes a quebra de hierarquias tanto entre os saberes quanto entre as pessoas, o que levaria a situações de educação não autoritárias.

Da mesma maneira, ao pensar na formação inicial de professores/as de química, Rigue (2020, p. 250)RIGUE, Fernanda Monteiro. Uma Genealogia da Formação Inicial de professores de Química no Brasil. 2020. 279 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2020. sugere a “Oficina como um olhar para o que acontece – para os encontros”, para esses acontecimentos que iniciam “[…] quando se quer conhecer algo” (Corrêa, 2006CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, Comunicação, Anarquia: procedências da sociedade de controle no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006., p. 28), pensando e ativando o corpo para estabelecer relações, instantes de vivacidade em educação. Com a menção ao trabalho das oficinas não se deseja, de maneira alguma, situá-las como “solução” para a educação em ciências do presente, contudo, “[…] a oficina é chance, é meio, é passagem” (Rigue, 2020RIGUE, Fernanda Monteiro. Uma Genealogia da Formação Inicial de professores de Química no Brasil. 2020. 279 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2020., p. 255), é horizonte – saída intensiva e liberdade de aprender – que pode vir a contribuir para que possamos habitar o mundo com os seres, sem negá-los, menosprezá-los, representá-los. Logo, o viés das oficinas tem o compromisso de “Não produzir efeitos escolarizantes […]” (Corrêa, 2006CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, Comunicação, Anarquia: procedências da sociedade de controle no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006., p. 28), abrindo-se para o desconhecido, reduzindo, o que Corrêa (2006, p. 28)CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, Comunicação, Anarquia: procedências da sociedade de controle no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006. denomina de “[…] investimento na segurança do mesmo, é querer o outro; não cultivar esperanças que fazem esperar e que consolam”.

Como um cenário inédito, a educação em ciências se faz com os/as estudantes, com os seres, indo ao “[…] encontro do exercício da autonomia e da auto-educação” (Corrêa, 2000bCORRÊA, Guilherme Carlos. Oficina: novos territórios em educação. In: OLY PEY, Maria (Org.). Pedagogia Libertária: experiências hoje. São Paulo: Imaginário, 2000b. P. 77-162., p. 120). De práticas de transformação de si com os outros, nesse amplo “[…] ‘ecossistema’ de saberes” (Corrêa, 2000bCORRÊA, Guilherme Carlos. Oficina: novos territórios em educação. In: OLY PEY, Maria (Org.). Pedagogia Libertária: experiências hoje. São Paulo: Imaginário, 2000b. P. 77-162., p. 151) que são encontrados no mundo e podem ser cultivados por nós – educadores/as – junto aos/as nossos/as estudantes do presente. Linhas intensivas que podem vazar e produzir rotas de fuga, desterritorializadas, escapando da positivação de uma ensinagem em ciências ocidentalizada, dualista, prescritiva, demasiadamente humana, podendo, portanto, inventar uma educação em ciências que falta (Deleuze, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2011.), o que, conforme Juliana Fausto (2020, p. 201)FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020. comenta, não significa que seja “[…] uma questão de messianismo – não se trata de um povo eleito ou emancipado, exclusivo ou universal –, mas de devir”; e que sejam enunciações coletivas de um povo menor (Deleuze; Guattari, 2017DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. KAFKA: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.).

Nosso corpo professoral e professoralizado fabula a invenção de uma educação em ciências implicada, envolvida, comprometida com a aliança com o próprio mundo, com os seres, “[…] aliança com o fora” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 203). Uma molecularidade que, materializada em escrita, aciona um agenciamento coletivo de enunciação – um afeto não humano, contaminado, sendo “A escrita, então, e o pensamento ele mesmo tornam-se híbridos, escapando para fora de essências e em direção aos encontros que constituem a experiência da vida na Terra” (Fausto, 2020FAUSTO, Juliana. A Cosmopolítica dos Animais. São Paulo: N-1 Edições, 2020., p. 212).

O cultivo desse manifesto, como um ato ético-estético-político de esperança e de movimentação das forças que mobilizamos, não pode ser tomado como garantia de que todos/as os/as estudantes e colegas – trabalhadores/as da/na educação (em ciências) – estarão conosco acompanhando o desejo de uma educação em ciências viva e pulsante. Os processos que permeiam as ensinagens e as aprendizagens são moleculares e afetados por uma variedade infinita de especificidades e elementos. Por conta disso, é crucial que os esforços aqui acionados não sejam admitidos dentro de uma lógica totalizadora e totalizante, como solução e/ou roteiro aplicável a tudo e todos os corpos e vidas – estudantis, professorais, entre outros/as. Intenta-se, então, que sejam ferramentas úteis, possíveis de serem mobilizadas em planejamentos, aulas, em práticas educativas, em experimentações que se façam pelos encontros com os outros, os saberes científicos, as múltiplas formas de vida, em criações de modos de existir, de habitar e de constituir o mundo.

Aqui, agenciamos o interesse desejante de ativar a germinação de uma educação em ciências atenta, que promove saídas intensivas para viver (n)o mundo, com os seres, para constituir-se como mundo, incidir no mundo, atualizar e criar o mundo – ou, quiçá, outros mundos, quando esse se apresentar caduco, necessitando de devir-outro (no) mundo. Algo que a nós é muito caro, urgente e necessário: “[…] o pensamento fazendo da vida algo afirmativo” (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 131) – que rizoma a nossa vontade coletiva de produzir diferença, diferenciação, em meio às práticas em educação que restringem o pensamento à memorização de informações e emissão de respostas.

Considerações Finais

Nesse manifesto, foram materializados tensionamentos e esperanças que nos mantém interessados e vivos/as enquanto professores/as e pesquisadores/as na educação em ciências da natureza. Os próprios agenciamentos tecidos pela escrita sulcaram brechas para escapar das linhas solidificadas que se apresentam nos cotidianos educativos, buscando instaurar espaços que – nas suas sutilezas, menoridades, fragilidades e impermanências – sejam férteis ao sonho, ao desejo, à defesa das múltiplas formas de vida e, sobretudo, à possibilidade de misturar-se com elas, de ser outro e de experimentar a diferença como modo de habitação, capaz de ensaiar a si mesmo, em cocriação contínua com seres e coisas do mundo, outros jeitos de ser, outras perspectivas, outros vínculos corporais e mentais com possibilidades de aprender e de educar.

Uma educação em ciências que seja ela mesma banhada pelas ciências da vida, ultrapassando limites inventados por uma “humanidade” caducada, a ponto de aprender a criar um laboratório de flerte ininterrupto com a linguagem da brincadeira (Massumi, 2021MASSUMI, Brian. O que os Animais nos ensinam sobre Política. São Paulo: n-1 edições: 2021.), da imaginação simpática (Coetzee, 2009COETZEE, John Maxwell. A Vida dos Animais. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.), do jogo vivo do combate relacional, da experimentação infinita, da comunicação gestual, do espanto ao outro que difere e desafia. De um presente encenado pela ludicidade do devir, conduzindo-nos a territórios físicos e mentais díspares, aberrantes, que abrem frestas ao desconhecido e poético entre nós: o continuum da vida. Uma educação em ciências que ative os nossos “corpos-vibráteis” (Rolnik, 2016ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2016.), juntos, na cartografia do movimento de/entre seres, paisagens, ambientes, astros, dias, noites e céus.

Construir relações científicas com o mundo, pelas chances e vias formais ou não formais de educação em ciências, é conduzirmo-nos todos/as, como entidades comunitárias que compartilham o viver junto. Um viver que flui por entre coisas e seres, nas suas conexões dissonantes, nos balanços e partilhas que emergem em meio à constelação de formas de vida que habitam o mundo conosco. É a partir desse viver-com tantos outros seres que se constituem os territórios educativos, nas tessituras entre-vidas e saberes.

É justamente no caminho das margens, dos questionamentos, da fuga dos juízos, das coletividades desarmônicas, dos nomadismos, da deriva, que acreditamos ser possível instaurar um terreno fértil às múltiplas formas de vida na educação em ciências da natureza. Acreditamos que, na potência de uma educação pelo devir, pelo espaço em que as coisas ganham velocidade no meio (Deleuze; Guattari, 2019DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. I. São Paulo: Ed. 34, 2019.), seja possível também fraturar o que percebemos como demasiadamente humano, incidir rachaduras em uma educação excessivamente humanista, identitária e representacional, visto que a própria instituição do humano tem se mostrado limitante no seu caráter maior, dominante, agenciador de indistinções7 7 Conceito produzido por Agamben (2004) e que conota que nessa indistinção não é possível definir se o ser se encarrega de proteger a vida ou de produzir a morte. , estagnando o movimento e a multiplicidade que habitam justamente na vida, logo, afastando-nos dela.

Neste manifesto, aliamo-nos na coletividade de três corpos professores/as-pesquisadores/as, em defesa de uma postura ético-estético-política de relação com a vida, com a educação em ciências da natureza e, a partir dos encontros, acionados nos/com territórios, espaços altamente férteis às aprendizagens. Lançamos aqui um convite aos/às educadores/as e – eternos – estudantes, não menos desassossegador, mas banhado de vitalidade, alegria e boa sorte, de que intensifiquemos nossas relações atencionais (Ingold, 2020INGOLD, Tim. Antropologia e/como Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.) com o mundo e com a vida no âmbito da educação em ciências da natureza. Que provoquemos gestos imaginativos, simpáticos e brincantes para que seja possível mobilizar pensamentos e ações com-vida nas ciências, sem subordinarmo-nos às estratificações cinzas e solidificadas que nos distanciam do mundo, podendo habitar e constituir mundos em meio ao inominável, imponderável e irreconhecível do mundo. Desejamos, por fim, a todos nós, educadores/as, alegria e boa sorte! Que a caminhada continue. Estamos prontos/as.

Notas

  • 1
    A noção de agenciamento à qual nos vinculamos parte das escritas de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que respingam em outras produções, como é a de Deleuze e Parnet (1998)DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.. Embora Deleuze e Guattari não tenham se debruçado em apresentar uma conceituação restrita de agenciamento, buscaram criar condições para pensá-lo dentro da sua operacionalização, como sendo simbioses, “[…] um cofuncionamento, isto é, o esforço entre os corpos, sendo que os corpos podem ser ‘físicos, biológicos, psíquicos, sociais, verbais’. Por isso, agenciar é estar no meio, entre os corpos, de forma que todo e qualquer agenciamento se dá entre diversos outros agenciamentos” (Deleuze; Parnet, 1998DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998., p. 43). O agenciamento, portanto, carrega consigo dimensões que tramam desde o estado das coisas ou dos corpos, até as linhas de enunciação, territorialidades e movimentos desterritorializantes. Dessa maneira, agenciar no viés deleuzo-guattariano é diferenciar-se em todos os âmbitos da vida, traçar linhas intensivas de fuga.
  • 2
    Suely Rolnik (2016, p. 12-13)ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2016. chama de “corpo vibrátil” a capacidade – reprimida – dos nossos órgãos de sentidos que “[…] nos permite apreender a alteridade em sua condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a forma de sensações. […] Com ela, o outro é uma presença que se integra à nossa textura sensível, tornando-se, assim, parte de nós mesmos. Dissolvem-se aqui as figuras de sujeito e objeto, e com elas aquilo que separa o corpo do mundo. […] Entre a vibratilidade do corpo e sua capacidade de percepção há uma relação paradoxal. É a tensão desse paradoxo que mobiliza e impulsiona a potência de criação, na medida em que nos coloca em crise e nos impõe a necessidade de criarmos formas de expressão para as sensações intransmissíveis por meio das representações de que dispomos. Assim, movidos por esse paradoxo, somos continuamente forçados a pensar/agir de modo a transformar a paisagem subjetiva e objetiva”.
  • 3
    O texto Entre humanos e não-humanos: o que pode a Educação em Ciências? (Rigue; Sales, 2022RIGUE, Fernanda Monteiro; SALES, Tiago Amaral. Entre Humanos e Não-Humanos: o que pode a Educação em Ciências? In: SANTOS, Sandro Prado; MARTINS, Matheus Moura. Gêneros e Sexualidades em Redes: conversas com/na educação em ciências e biologia. Uberlândia: Culturatrix, 2022. P. 99-110.) mobiliza possibilidades de pensar as potências que habitam a educação em ciências em perspectivas para além do antropocentrismo.
  • 4
    Um texto que relata e poetiza as travessias intensivas na formação docente em ciências da natureza, juntamente da pesquisa em educação, é Quando o Cartógrafo vai a Campo: Travessias e Poéticas de um Jovem Professor (Sales, 2022SALES, Tiago Amaral; RIGUE, Fernanda Monteiro. Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no Ensino de Ciências Naturais. Bio-grafía: Escritos sobre la Biología y su enseñanza, Bogotá, v. 16, n. 30, 2022. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/bio-grafia/article/view/17825. Acesso em: 6 dic. 2022.
    https://revistas.pedagogica.edu.co/index...
    b).
  • 5
    No caminho de pensar a vida que flui na educação em ciências, o texto Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no ensino de Ciências Naturais (Sales; Rigue, 2022SALES, Tiago Amaral; RIGUE, Fernanda Monteiro. Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no Ensino de Ciências Naturais. Bio-grafía: Escritos sobre la Biología y su enseñanza, Bogotá, v. 16, n. 30, 2022. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/bio-grafia/article/view/17825. Acesso em: 6 dic. 2022.
    https://revistas.pedagogica.edu.co/index...
    ) defende a noção de direito à vida nesse campo como possibilidade de alargar as noções de Diversidade e Direitos Humanos: “Rachar o dualismo – humanos e não humanos – é explorar um caminho aberto para valorização da vida que se regenera com os diferentes seres, que partilham de múltiplas experiências no nosso território. Portanto, pensar na importância de dimensionar diálogos envolvendo o direito da vida de forma alguma nega as reflexões atinentes aos Direitos Humanos, justamente por estar expandindo essa discussão” (Sales; Rigue, 2022SALES, Tiago Amaral; RIGUE, Fernanda Monteiro. Diversidade, Direitos Humanos e Direito à Vida no Ensino de Ciências Naturais. Bio-grafía: Escritos sobre la Biología y su enseñanza, Bogotá, v. 16, n. 30, 2022. Disponível em: https://revistas.pedagogica.edu.co/index.php/bio-grafia/article/view/17825. Acesso em: 6 dic. 2022.
    https://revistas.pedagogica.edu.co/index...
    , p. 7).
  • 6
    Dois trabalhos que tensionam as relações entre vida-e-morte, através dos territórios pandêmicos emergentes com a covid-19 e a aids, são Cartografias de Vida-e-Morte em Territórios Pandêmicos: Marcas-Ferida, Necro-Bio-Políticas e Linhas de Fuga (Sales; Estevinho, 2021SALES, Tiago Amaral; ESTEVINHO, Lúcia de Fátima Dinelli. Cartografias de Vida-e-Morte em Territórios Pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga. Revista M. Estudos sobre a Morte, os Mortos e o Morrer, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 275-293, 2021. Disponível em: http://seer.unirio.br/revistam/article/view/10487. Acesso em: 6 dez. 2022.
    http://seer.unirio.br/revistam/article/v...
    ) e A Aids como Dispositivo: Linhas, Te(n)sões e Educações entre Vida, Morte, Saúde e Doença (Sales, 2022aSALES, Tiago Amaral. A Aids como Dispositivo: linhas, te(n)sões e educações entre vida, morte, saúde e doença. Pro-Posições, Campinas, v. 33, n. 1, p. 1-28, 2022a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/4Z9RTFM6sdgQ8KtHFrJ7Btp/. Acesso em: 6 dez. 2022.
    https://www.scielo.br/j/pp/a/4Z9RTFM6sdg...
    ).
  • 7
    Conceito produzido por Agamben (2004)AGAMBEN, Giorgio. Stato di Eccezione. Torino: Bollati Boringhieri, 2004. e que conota que nessa indistinção não é possível definir se o ser se encarrega de proteger a vida ou de produzir a morte.

Referencias

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Editado por

Editor a cargo: Luís Henrique Sacchi dos Santos; Leandro Belinaso Guimarães; Daniela Ripoll

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2022
  • Aceito
    20 Dez 2022
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