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Recursos Tecnológicos na Educação Bilíngue de Estudantes Surdos

RESUMO

Esta pesquisa investiga o uso de recursos lúdicos estruturados com a ferramenta Power Point no ensino bilíngue de estudantes surdos, em uma escola situada no município de Timon, no estado do Maranhão. O objetivo é analisar a contribuição de jogos digitais no processo de aquisição linguística. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de campo, do tipo exploratória e de cunho qualitativo. Para coleta e análise dos dados, foram realizadas observação das aulas, aplicação de questionário semiaberto e pesquisas bibliográficas. Os resultados demonstram que os jogos promovem engajamento e motivação para a aprendizagem. Observa-se ainda que a presença de elementos culturais surdos proporciona a criação de um ambiente escolar mais empático e inclusivo.

Palavras-chave
Recursos Tecnológicos; Inclusão; Aprendizagem; Surdos

ABSTRACT

This research investigates the use of playful resources structured in Power Point for the bilingual education of deaf students in a school located in the municipality of Timon, in the state of Maranhão. This study aims to analyze how digital games contribute to language acquisition. Methodologically, this is a exploratory and qualitative field research. Class observation, a semi-open questionnaire, and bibliographic research were carried out for data collection and analysis. Results show that the games used promote engagement and motivation for learning. We also observed that the presence of deaf cultural elements creates a more empathetic and inclusive school environment.

Keywords
Technological Resources; Inclusion; Learning; Deaf

Introdução

Os avanços tecnológicos no âmbito educacional estimulam uma prática pedagógica conectada aos inúmeros recursos e possibilidades de ensino e aprendizagem disponibilizados. As competências digitais necessárias para o uso produtivo desses ambientes de aprendizagem não são de todo trabalhadas na formação docente e, desta feita, não são vivenciadas pelos estudantes como deveriam.

Uma realidade marcada por mudanças acentuadas em diferentes setores da sociedade impulsiona a novas concepções, paradigmas, experiências interativas e formas de perceber o mundo (Schlemmer; Di Felice; Serra, 2020SCHLEMMER, Eliane; DI FELICE, Massimo; SERRA, Ilka Márcia Ribeiro de Souza. Educação OnLIFE: a dimensão ecológica das arquiteturas digitais de aprendizagem. Educar em Revista, Minas Gerais, v. 36, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.76120. Acesso em: 10 ago. 2022.
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). Nesse sentido, os múltiplos estímulos visuais dos espaços digitais e possibilidades comunicativas podem ser utilizados positivamente na escolarização e na inclusão de pessoas surdas.

Os jogos didáticos tecnológicos surgem, portanto, como um recurso que se apresenta como uma possibilidade de potencialização da aprendizagem e do desenvolvimento tanto do aluno quanto do professor, independente da matriz curricular em que são vivenciados (Vieira; Oliveira; Pimentel, 2020VIEIRA, Aldineide Barros; OLIVEIRA, Ednaura Agripino de; PIMENTEL, Fernando Silvio Cavalcante. Games e Aprendizagem: a voz das crianças. Revista Temática, Paraíba, a. 16, v. 16, n. 2, fev. 2020. Disponivel em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/tematica/article/view/50705. Acesso em: 10 jul. 2022.
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). Tal recurso faz parte do cotidiano dos jovens e pode ser utilizado para além do lúdico.

Nesse sentido, o presente trabalho se propõe a ampliar a discussão sobre o uso de jogos tecnológicos como recurso potencializador para a alfabetização de estudantes surdos. Trata-se de uma experiência didática com jogos estruturados com o software Power Point, vivenciada em uma escola da rede estadual no município de Timon, no estado do Maranhão.

Este estudo justifica-se por apresentar uma reflexão sobre a inclusão educacional e digital de estudantes surdos, além de apresentar jogos tecnológicos no processo de ensino bilíngue desses estudantes, numa perspectiva que demonstra como as tecnologias digitais corroboram com o trabalho docente no contexto da aprendizagem significativa.

Importa destacar, ainda, a relevância desta pesquisa ao demonstrar, por meio de seus resultados, os aspectos positivos do uso de jogos digitais no ensino de estudantes surdos. Percebe-se ainda que muitos profissionais necessitam conhecer mais a língua de sinais para entender que aquele que se comunica e se expressa por meio dela percebe o mundo e os avanços científicos e tecnológicos, com criticidade e clareza (Quadros, 2003QUADROS, Ronice Müller de. Situando as Diferenças Implicadas na Educação de Surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 5, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246. Acesso em: 10 ago. 2022.
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). Os estudos bibliográficos e a análise dos resultados desta investigação demonstram que profissionais capacitados e o acesso a ferramentas tecnológicas aliados aos jogos didáticos são potenciais elementos para a aprendizagem e inclusão.

Interações Sob a Perspectiva Bilíngue

O ensino da Língua Portuguesa implica o desenvolvimento de habilidades e competências acerca das regras normativas e da capacidade de compreensão das inúmeras multiplicidades comunicativas que seus usuários podem encontrar, pois todos os documentos legais estão escritos nessa língua. Nesse sentido, o trabalho de apropriação da Língua Portuguesa como L2 por estudantes surdos requer estratégias que contemplem experiências visuais, como base para o ensino e aprendizagem.

É importante pontuar que o ensino da Língua Portuguesa para estudantes surdos, numa proposta bilíngue, requer a experiência natural com a Língua de Sinais refletida nos processos interativos, pois os ganhos cognitivos resultam das habilidades desenvolvidas e da competência linguística adquirida (Quadros, 2003QUADROS, Ronice Müller de. Situando as Diferenças Implicadas na Educação de Surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 5, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246. Acesso em: 10 ago. 2022.
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). Entretanto, os alunos participantes deste estudo, filhos de pais ouvintes, ainda estão em fase de apropriação efetiva da Língua Brasileira de Sinais, que acontece paralelamente ao ensino da L2, visto que a sinalização é associada à escrita, não havendo, portanto, relação com estrutura sonora e sim com as regras ortográficas visualizadas.

Uma proposta educacional bilíngue e bicultural possibilita que o estudante surdo construa sua identidade e se perceba como parte importante dentro de uma comunidade (Quadros, 2008QUADROS, Ronice Müller de. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.). A escola na qual se ambienta este estudo, porém, não possui educadores surdos, e a cultura surda ainda precisa de mais representatividade. Desse modo, trabalha-se sob a perspectiva bilíngue, mas não o bilinguismo que se pretende. A escola precisa ser um ambiente no qual o estudante surdo pode desenvolver a linguagem e manifestar seu pensamento na língua que se pauta na visualidade, possibilitando, a partir daí, o ensino de uma segunda língua (Quadros, 2003QUADROS, Ronice Müller de. Situando as Diferenças Implicadas na Educação de Surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 5, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246. Acesso em: 10 ago. 2022.
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). É fundamental, entretanto, o entendimento de que as duas línguas assumem suas devidas importâncias e funções na vida social e escolar do aluno surdo.

A Libras, por sua vez, é sua forma legítima de comunicação, enquanto a Língua Portuguesa é sua forma de expressão escrita. A Língua de Sinais, embora não seja a língua base do sistema de ensino, é a língua oficial das pessoas surdas. Por essa razão, o fato da Língua Portuguesa escrita ser considerada necessária para competência no âmbito da cultura legítima não invalida a importância da Língua de Sinais (Albres, 2015ALBRES, Neiva Aquino. Intérprete Educacional: políticas e práticas de sala de aula inclusiva. São Paulo: Harmonia, 2015.). Assim, a escola deve criar condições para que o acesso às línguas seja garantido.

Como garantia do cumprimento do Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei de Nº 10.436/2002 que trata do direito de pessoas surdas à educação bilíngue, a escola, campo desta pesquisa, dispõe de profissionais intérpretes e instrutores de Língua de Sinais que acompanham os alunos nos momentos das aulas em salas regulares e também realizam atendimento em sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE), no contraturno, para o trabalho de instrução em Língua Portuguesa e em Língua de Sinais (Brasil, 2005BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 2005. Seção 1. P. 28. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2005/decreto-5626-22-dezembro-2005-539842-publicacaooriginal-39399-pe.html. Acesso em: 20 set. 2022.
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).

As aulas que acontecem no AEE são importantes para que o estudante, a partir de uma abordagem bilíngue, perceba a estrutura da L2 e da sua língua natural, a Libras. Desse modo, o estudante amplia seu repertório linguístico e tem mais possibilidades de se apropriar de sua língua natural.

As línguas de sinais não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas, que, através da visualidade, conseguem compreender e manifestar seu pensamento, não pela oralidade, mas pelo canal espaço-visual (Quadros, 2003QUADROS, Ronice Müller de. Situando as Diferenças Implicadas na Educação de Surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 5, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246. Acesso em: 10 ago. 2022.
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). Assim, são desenvolvidas e utilizadas tanto na comunidade surda quanto por ouvintes, uma vez que a comunicação é uma necessidade dos seres humanos.

No contexto de ensino em análise, a Língua de Sinais não é utilizada como a língua de instrução na classe regular; entretanto, são reconhecidos os esforços dos profissionais, principalmente dos intérpretes, para que a Libras esteja presente em todos os espaços.

Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, a proposta bilíngue para surdos precisa acontecer utilizando técnicas de ensino de segundas línguas (Quadros, 2008QUADROS, Ronice Müller de. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.). Ou seja, é importante valorizar as experiências e saberes relacionados à L1, para que, nos momentos de aprendizagem da L2, enfatize-se o cuidado com a estrutura ortográfica das palavras, pois o aspecto visual é o que tem significância para os aprendentes surdos. Nesse sentido, as ferramentas tecnológicas surgem como importante suporte para o letramento, dado o forte caráter visual que possuem.

Jogos Didáticos e os Estudantes Surdos

Os avanços tecnológicos têm colaborado com muitos setores da sociedade, sobretudo na área da educação, em que as inovações vêm evoluindo e contribuindo significativamente com o fazer pedagógico na perspectiva da inclusão do aluno surdo em situações de aprendizagem.

Nesse sentido, os jogos didáticos tecnológicos, além de desenvolverem competências cognitivas e intelectuais, são, também, responsáveis por potencializar habilidades essenciais para o bom convívio social, tais como: respeito ao próximo, trabalho em equipe e disciplina para superar problemas e atingir os objetivos (Vieira; Oliveira; Pimentel, 2020VIEIRA, Aldineide Barros; OLIVEIRA, Ednaura Agripino de; PIMENTEL, Fernando Silvio Cavalcante. Games e Aprendizagem: a voz das crianças. Revista Temática, Paraíba, a. 16, v. 16, n. 2, fev. 2020. Disponivel em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/tematica/article/view/50705. Acesso em: 10 jul. 2022.
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). Assim, os jogos podem ser utilizados para estimular e desenvolver o aprendizado do aluno, contemplando desde o raciocínio lógico até a capacidade de interpretação e oportunizando o autoconhecimento e o fortalecimento emocional, visto que é uma estratégia lúdica de aprendizagem.

O mundo dos jogos é um exemplo de ambiente que prioriza o usuário e valoriza sua percepção (Prensky, 2012PRENSKY, Marc. Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais. São Paulo: Senac, 2012.). Uma proposta pedagógica centrada no aluno e em sua aprendizagem resulta em um desenvolvimento pleno. Além disso, é comum, nos espaços escolares, a busca por uma padronização das atividades dos processos avaliativos, como se todos aprendessem no mesmo ritmo e da mesma forma. Então, conhecer as características de cada indivíduo dentro do todo da sala de aula e utilizar diferentes metodologias é uma forma de democratizar o ensino.

Nessa direção, Prensky (2012, p. 515)PRENSKY, Marc. Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais. São Paulo: Senac, 2012. afirma que: “[…] a aprendizagem baseada em jogos digitais está sendo, no momento, projetada para públicos de diferentes idades”. Além da faixa etária, os jogos também são elaborados a partir da identificação com um determinado público e intencionalidade. Nesse sentido, em se tratando de jogos didáticos, o perfil do aluno e suas habilidades devem ser consideradas para que a aprendizagem aconteça de maneira lúdica e natural.

Em seus estudos, Huizinga (2020)HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2020. constata que o reconhecimento do jogo é o reconhecimento do espírito, pois, independentemente do jogo, ele é algo além de material. As experiências proporcionadas pelos jogos didáticos digitais não são palpáveis no sentido do tato, mas observadas e constatadas nas relações interpessoais, na aprendizagem e na postura frente ao digital. Experiências essas que necessitam ser cada vez mais presentes nos ambientes de aprendizagem.

Os estudantes surdos, na realidade da escola em que este estudo foi desenvolvido, carecem de jogos digitais que contemplem a cultura surda para que sua identidade cultural seja fortalecida, visto que toda a equipe docente e gestora é ouvinte.

Lorn (2015, p. 83) diz que:

Os jogos didáticos surdos, em minha visão, são necessários, isto é, não podem faltar para a educação bilíngue, pois trazem valores, ideias e possibilitam aquisição de conhecimentos pelo brincar lúdico. Sua tarefa é, sem dúvida, dar prazer à aprendizagem e conduzir o estudante surdo à percepção mais prazerosa do conhecimento.

O caráter lúdico dos jogos, aliado ao engajamento que essa atividade proporciona, mostra uma experiência de envolvimento no ambiente educacional que favorece o interesse em realizar tarefas de maneira colaborativa e a busca pelo conhecimento.

Os jogos surgem como uma proposta educacional que visa fortalecer o processo de aprendizagem, num contexto de muita influência midiática sobre os jovens, e pode despertar o interesse, a curiosidade e o engajamento dos indivíduos, além de utilizar elementos modernos e prazerosos para a realização das atividades propostas e gerenciamento da aprendizagem (Silva; Pimentel, 2021SILVA, Guilmer Brito; PIMENTEL, Fernando Silvio Cavalcante. Produção de Material Didático através da Apredizagem Baseada em Jogos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I. In: PIMENTEL, Fernando Sivio Cavalcante. Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais: teoria e prática. Rio de Janeiro: BG Business Graphics Editora, 2021.). O fortalecimento do processo de aprendizagem permite que o desenvolvimento aconteça mais efetivamente.

No contexto de ganhos cognitivos e de engajamento com jogos didáticos, é interessante que, para uma proposta inclusiva, aspectos culturais surdos também façam parte da constituição dos jogos. Assim, explorar os aspectos visuais que fazem referência à Língua de Sinais ou configuração de mãos é uma proposta que valoriza a cultura surda.

Os recursos visuais, como elementos constituintes dos jogos, possuem valor significativo aos surdos, o mesmo não ocorre com os elementos sonoros, sendo eles relevantes ao público ouvinte. Logo, em um ambiente de aprendizagem com perspectiva inclusiva, conceber jogos didáticos biculturais se constitui em uma estratégia pedagógica inovadora e positiva.

Caminhos Metodológicos

Esta é uma pesquisa de campo, do tipo exploratória que segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 186)LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2003., tem: “[…] o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”. O estudo foi desenvolvido em uma escola da rede estadual, o Centro Educa Mais Anna Bernardes, localizada na cidade de Timon, no estado do Maranhão.

Sendo de cunho qualitativo, o estudo analisa os resultados obtidos em uma vivência pedagógica com a utilização de dois jogos digitais, o “Roleta de Sinais” e o “Ditado Estourado”, que serão descritos adiante. Os participantes desta experiência foram dois estudantes surdos, matriculados no primeiro ano do Ensino Médio, duas intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (LSB). Além de levantamento bibliográfico e observação da prática pedagógica, foram utilizados questionários semiabertos com os participantes antes e depois da atividade com os jogos.

Os estudantes surdos, respectivamente, identificados com as letras iniciais do alfabeto A e B, estão em processo de aquisição de Língua Brasileira de Sinais, concomitante à Língua Portuguesa. As intérpretes C e D acompanham os estudantes em momentos distintos: primeiro em sala de aula regular, com os ouvintes; e em sala especial, espaço no qual promovem a aquisição linguística.

Os jogos propostos utilizam o software Power Point e não necessitam de internet, fato positivo, pois a escola não dispõe de computadores e os alunos não podem levar aparelhos de telefone celular para a escola, devido ao regimento interno que dispõe sobre o impedimento desses dispositivos por parte dos alunos.

O questionário semiaberto aplicado antes da utilização dos jogos investiga os conhecimentos dos alunos sobre jogos digitais em seu aspecto lúdico e para a aprendizagem, além de suas experiências com tecnologia digital na escola. As perguntas elaboradas foram:

  1. Você utiliza alguma tecnologia digital para potencializar a aprendizagem? Se sim, quais?

  2. Se a resposta anterior foi positiva, diga quais e de que maneira esta tecnologia contribui para sua aprendizagem.

  3. Você costuma utilizar jogos digitais para se divertir?

  4. Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.

  5. Em casa ou na escola, você já utilizou algum jogo didático digital?

  6. Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.

  7. Seus professores ou intérpretes utilizam ou já utilizaram jogos digitais em sala de aula? Se a reposta for positiva, diga quais.

Com as intérpretes, o questionário semiaberto busca conhecer sobre suas experiências com jogos didáticos digitais e sobre sua utilização ou não em sala de aula. As perguntas elaboradas foram as seguintes:

  1. Você utiliza alguma tecnologia digital em suas aulas? Se sim, quais?

  2. Você costuma utilizar jogos digitais para se divertir?

  3. Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.

  4. Você utiliza ou já utilizou jogos digitais em sala de aula com finalidade pedagógica?

  5. Se a reposta for positiva, diga quais.

O primeiro jogo aplicado foi o “Roleta de Sinais”. A dinâmica consiste em girar duas roletas. A primeira com configurações de mãos que indicam quantidade de 1 (um) a 6 (seis) e a segunda, com 8 (oito) diferentes configurações de mãos. Depois que a roleta para de girar, o jogador deverá sinalizar diferentes significantes, com determinada configuração, de acordo com a quantidade de vezes que a primeira roleta indicou. O jogo possui recurso sonoro de modo a instigar a participação de ouvintes, sob a perspectiva inclusiva.

A segunda experiência foi com o “Ditado Estourado”. O jogo consiste em uma sequência de 12 gifs (Graphics Interchange Format ou formato de intercâmbio de gráficos) de animais que aparecem após o comando de mudar o slide. Chama-se “estourado” devido ao fato de o gif aparecer após a imagem animada de um balão sendo estourado. O “Ditado Estourado” também dispõe de um recurso sonoro que imita o estouro do balão para que alunos ouvintes também se sintam contemplados na atividade. Nesse jogo, além de sinalizar, é sugerido aos alunos escrever a palavra de acordo com a gramática da Língua Portuguesa. Em seguida, o professor verifica a escrita, contabiliza os acertos ortográficos e compartilha a escrita de acordo com a gramática normativa.

Ambas propostas têm o objetivo de estimular a compreensão e a prática da datilologia e o uso de classificadores em Língua de Sinais, bem como o registro gráfico em Língua Portuguesa para que o aluno analise sua estrutura escrita. A atividade pedagógica também pode ser realizada em salas com alunos ouvintes. Os recursos sonoros incorporados aos jogos são uma forma de estimular a participação do ouvinte para que possam interagir e respeitar suas peculiaridades numa perspectiva inclusiva.

Após a vivência com os jogos, foram aplicados outros questionários com os estudantes e as intérpretes com o intuito de compreender em que aspectos a ludicidade e o suporte tecnológico dos jogos estimula a aprendizagem da Língua de Sinais. Para os alunos, foram feitas as seguintes indagações:

  1. Qual a sua opinião sobre a Roleta de Sinais?

  2. Você acredita que a Roleta de Sinais auxilia a aprendizagem de Libras? Por quê?

  3. Qual a sua opinião sobre o Ditado estourado?

  4. Você acredita que o Ditado Estourado auxilia a aprendizagem de Língua de Sinais e de Língua Portuguesa? Por quê?

  5. Você acredita que o uso de jogos didáticos digitais auxilia a sua aprendizagem? Por quê?

  6. Você acredita que o uso de jogos didáticos digitais melhora a interação entre os estudantes? Por quê?

  7. Você gostaria que os professores e intérpretes utilizassem jogos didáticos digitais em suas aulas? Por quê?

Para as intérpretes, foram feitos os mesmos questionamentos, exceto o último, pois a pergunta tem relação direta a suas práticas pedagógicas e, pelo envolvimento positivo observado com os jogos, as profissionais evidenciaram o seu interesse em buscar mais recursos nesse formato.

Experiências com Jogos na Escola

Na escola em que se realizou este estudo, o uso de jogos com a intencionalidade de auxiliar no aprendizado dos componentes curriculares não acontece rotineiramente. A partir das observações e relatos dos entrevistados, percebeu-se que durante as aulas de Educação Física e em momentos em que não acontecem aulas, visto que é uma escola de tempo integral, os estudantes têm acesso a jogos de tabuleiro, de cartas ou brincadeiras orientadas.

As vivências lúdicas voltadas à aquisição de Língua Portuguesa acontecem com as intérpretes, e elas utilizam jogos confeccionados por elas ou adquiridos em lojas especializadas. Esses materiais consistem em jogo da memória, dominó, roleta, cartas, entre outros, que não utilizam tecnologias digitais. Devido a esse não uso de ambientes digitais e por reconhecer a sua importância para a inclusão digital e social dos estudantes, os jogos analógicos utilizados foram adaptados para o software Power Point para que os alunos experienciem outras possibilidades e ampliem seus conhecimentos linguísticos e tecnológicos.

É importante que os estudantes tenham contato com jogos ou experiências lúdicas que estimulem a expressão do pensamento (Antunes, 2017ANTUNES, Celso. O Jogo e a Educação Infantil: falar e dizer, olhar e ver, escutar e ouvir. Petrópolis: Vozes, 2017.). Nesse sentido, criar ou adaptar jogos que corroborem para o desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem é uma estratégia que enriquece o processo de ensino e aprendizagem.

Roleta de Sinais

A atividade de aprendizagem lúdica utiliza um jogo didático composto por duas roletas criadas com o software Power Point. O objetivo do jogo é auxiliar a aprendizagem da Língua de Sinais de maneira divertida e interativa, uma vez que pode ser utilizado por mais de um jogador e em espaços exteriores à sala de aula (Figura 1).

Figura 1
Imagem do Jogo Roleta de Sinais

O Power Point foi escolhido para desenvolver o jogo, em virtude da dificuldade de acesso à internet na escola em que se realizou o estudo. Além disso, a possibilidade de interagir com o jogo em ambientes que não têm acesso à rede também foi considerada, tornando-o mais democrático e acessível.

A aprendizagem é tão importante quanto o desenvolvimento social, e o jogo se constitui como uma possibilidade pedagógica que promove o desenvolvimento cognitivo, emocional e social (Antunes, 2017ANTUNES, Celso. O Jogo e a Educação Infantil: falar e dizer, olhar e ver, escutar e ouvir. Petrópolis: Vozes, 2017.). Na expectativa de proporcionar experiências interativas em Língua de Sinais que estimulem e potencializem o aprendizado, o jogo não tem limite de idade e qualquer pessoa que esteja aprendendo Língua de Sinais pode utilizar.

A imagética é pensada para prestigiar a cultura surda, pois o jogo utiliza sinais em Libras, contrastando com os jogos que privilegiam a cultura ouvinte, e possui recurso sonoro, de modo que as individualidades sejam respeitadas e a inclusão se efetive. Todas as culturas e identidades são produtivas e estão relacionadas tanto aos discursos produzidos quanto à natureza das relações sociais que se estabelecem naturalmente (Gesser, 2020GESSER, Audrei. O Ouvinte e a Surdez: sobre ensinar e aprender a Libras. São Paulo: Parábola, 2020.). Assim, torna-se salutar essa relação construída através do lúdico para a formação do ser social.

Criar, adaptar ou traduzir os jogos didáticos que contemplem a cultura surda é um aspecto importante, pois, conhecer a configuração identitária do aluno direciona o professor para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça positivamente (Lorn, 2015LORN, Juliana Tasca. Do Jogo Didático ao Jogo Didático Surdo no Contexto da Educação Bilíngue: o encontro com a cultura surda. 2015. 197 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.). Essa interação entre as culturas surda e ouvinte no recurso lúdico é importante para que a percepção das subjetividades e o respeito ao outro se efetivem.

Ditado Estourado

E o que é “ditar”? Etimologicamente, ditar significa dizer em voz alta para quem escreve, repetir, recitar (Michaelis, 2019MICHAELIS. Dicionário Escolar de Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2019.). Palavra comum na cultura ouvinte e sem vivência real na cultura surda. E o que é “estourado”? Estourado faz referência a estourar. “Estourar”, por sua vez, em sua raiz etimológica, significa dar estouro, arrebentar com estouro, fazer grande barulho (Michaelis, 2019MICHAELIS. Dicionário Escolar de Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2019.). Mais uma palavra que, para os surdos, não agrega prática (Figura 2).

Figura 2
Imagem do Jogo “Ditado Estourado”

Analisando o recurso didático pela nomenclatura que o define, a cultura surda não está presente. Cultura essa que, conforme Quadros (2003, p. 86)QUADROS, Ronice Müller de. Situando as Diferenças Implicadas na Educação de Surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 5, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/pontodevista/article/view/1246. Acesso em: 10 ago. 2022.
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, “[…] é multifacetada, mas apresenta características que são específicas, ela é visual, ela traduz-se de forma visual”. A visualidade está presente, há que se analisar, portanto, nos demais elementos que compõem o jogo.

A sugestão apresentada no jogo “Roleta dos Sinais” é muito comum nos processos de alfabetização de ouvintes. Associar o som à letra que compõe cada sílaba da palavra proferida ou imagem apresentada é a proposta de um ditado normal aos ouvintes. Porém, essa associação linguística não acontece da mesma forma com um estudante surdo. Língua de Sinais e Língua Portuguesa são duas línguas distintas com características e formações linguísticas próprias, que se utilizam de canais diferentes para sua construção e manifestação (Gesser, 2020GESSER, Audrei. O Ouvinte e a Surdez: sobre ensinar e aprender a Libras. São Paulo: Parábola, 2020.). Desse modo, percebe-se, na estrutura da atividade, uma sobreposição cultural que privilegia os ouvintes.

Entretanto, há que se reconhecer a ênfase dada aos recursos visuais. A estratégia de apresentá-los como animação estabelece uma atmosfera de surpresa para o que há de vir e demonstra o empenho em envolver o estudante surdo. Além desse aspecto, há uma releitura de uma antiga proposta pedagógica que era oral e, agora, adapta-se ao cenário tecnológico. Nesse sentido, Vieira, Oliveira e Pimentel (2020, p. 279)VIEIRA, Aldineide Barros; OLIVEIRA, Ednaura Agripino de; PIMENTEL, Fernando Silvio Cavalcante. Games e Aprendizagem: a voz das crianças. Revista Temática, Paraíba, a. 16, v. 16, n. 2, fev. 2020. Disponivel em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/tematica/article/view/50705. Acesso em: 10 jul. 2022.
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afirmam que: “[…] os tempos mudaram, as gerações mudaram e com o avanço das tecnologias as brincadeiras também mudaram”. E a escola, por sua vez, vai acompanhando as mudanças e evoluindo com elas.

Experiências Lúdicas e de Aprendizagem

Na esteira dos acontecimentos, diferentes olhares são percebidos e precisam ser validados. Cada vivência é única e os processos de aprendizagens também são únicos. Embora singulares, as experiências necessitam ser compartilhadas para que, por meio da interação, construam-se relações sociais que impactam cognitiva e culturalmente, pois, entendendo como afirma Vygotsky (2003)VIGOTSKI, Lev Semionovitch. A Psicologia e o Professor. In: VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003., as experiências vivenciadas nos contextos individuais trazem ensinamentos que, quando transpostos para o ambiente escolar, tornam mais forte e dinâmico o processo educativo.

Sabendo que por meio da tecnologia da internet muitos conhecimentos são compartilhados e inúmeras possibilidades interativas e colaborativas são construídas, é importante que a escola acompanhe a evolução tecnológica digital e se aproprie dos benefícios que ela agrega aos professores e alunos, de modo que a aprendizagem escolar tenha significado prático fora da escola (Baladelli; Barros; Altoé, 2012BALADELI, Ana Paula Domingos; BARROS, Marta Silene Ferreira; ALTOÉ, Anair. Desafios para o Professor na Sociedade. Educar em Revista, Curitiba, n. 45, jul.-set. 2012.). Questionados sobre o uso de tecnologias digitais para potencializar a aprendizagem, a partir das respostas dos participantes, obteve-se o seguinte Gráfico 1:

Gráfico 1
Resultado do Questionamento sobre Uso de Recursos Tecnológicos

Entre as tecnologias utilizadas, foram mencionados equipamentos como computador, tablet, celular, reprodutores de vídeo e materiais impressos. A internet surge na resposta de apenas um participante. Assim, percebe-se o quanto a exclusão digital é presente e o quanto precisamos avançar em termos de democratização do acesso à internet. Além disso, outro participante afirma não ter acesso às tecnologias digitais de forma a potencializar a sua aprendizagem fora do ambiente escolar.

Para conhecer as vivências de estudantes e intérpretes no universo dos jogos, questionou-se sobre o uso de jogos apenas com finalidade lúdica e apenas as intérpretes afirmaram utilizar jogos em seus momentos de lazer. Dentre eles, foram mencionados dominó, baralho, Sudoku e Bubble Shooter. Já os estudantes não fazem uso de jogos para diversão.

A aprendizagem cognitiva é tão importante quanto o desenvolvimento emocional e social e, nesse sentido, o jogo é uma proposta pedagógica que promove a construção dessas habilidades (Antunes, 2017ANTUNES, Celso. O Jogo e a Educação Infantil: falar e dizer, olhar e ver, escutar e ouvir. Petrópolis: Vozes, 2017.). Sendo o jogo, portanto, um potencializador do desenvolvimento e da aprendizagem. Tendo experiências com jogos apenas no ambiente escolar, os jovens surdos participantes deste estudo afirmaram:

Eu gostaria de que os professores e os intérpretes utilizassem mais jogos nas aulas porque assim os surdos aprendem mais rápido (Estudante A);

Aprender com jogos em sala de aula é diferente e muito bom. Gostaria que os professores utilizassem mais jogos didáticos (Estudante B).

Jogo é uma atividade voluntária e, por tal característica, é engajadora (Huizinga, 2020HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2020.). E na voluntariedade reside o desejo de participação. E na participação, aprendizagens são construídas. O caráter lúdico da atividade com os jogos estimula a vontade de conhecer e aprender mais. Ressalta-se que a aprendizagem não está relacionada apenas a conteúdos escolares. Assim, ao pesquisar palavras ou sinais novos, aprende-se a cultura do outro.

O jogo é fascinante, cativante, lúdico e prazeroso. Apresenta, em sua natureza, o ritmo e a harmonia que se pretende encontrar nas relações com o meio e com as pessoas (Huizinga, 2020HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2020.). Apesar das características que muito somam aos processos de ensino e aprendizagem, os jogos ainda precisam ser mais utilizados nos ambientes educacionais.

Analisando o jogo “Roleta de Sinais”, em seus aspectos de funcionalidade lúdica e pedagógica, alunos e intérpretes relataram da seguinte forma:

Roleta de Sinais é um jogo muito bom. Muito divertido (Estudante A);

Gostei do jogo porque ensina Libras brincando (Estudante B);

É um jogo que estimula o aprendizado dos alunos, como o ensino dos numerais e configurações das mãos. Através deste jogo podemos trabalhar várias dinâmicas que reforçam o aprendizado adquirido (Intérprete C);

É um jogo que estimula a memorização, atenção e principalmente o aprendizado de sinais, pois, à medida em que o aluno for utilizando o jogo, seu leque de sinais aumenta significativamente (Intérprete D).

Os depoimentos dos participantes demonstram motivação para a aprendizagem e possibilidades de abordagens diferentes a partir do jogo. A motivação influencia o processo de aprendizagem, a manifestação do conhecimento prévio e a identificação com a cultura surda, visto que as configurações de mãos são trabalhadas. Nesse sentido, percebe-se que o uso de jogos pode impulsionar conhecimentos além daqueles previstos para a atividade, constituindo-se em elemento positivo para o desenvolvimento cognitivo e inclusão dos estudantes.

O recurso lúdico “Ditado Estourado” objetiva estimular a escrita em Língua Portuguesa e, nessa perspectiva, as observações dos participantes são as seguintes:

Gostei do jogo. O Ditado Estourado auxilia na aprendizagem de Língua Portuguesa porque ensina a escrever (Estudante A);

Acredito que ajuda na aprendizagem porque tem que sinalizar e depois escrever. Gostei também (Estudante B);

O Ditado Estourado é um jogo extremamente interessante, pois foca na alfabetização do aluno, envolvendo a escrita e a sinalização (Intérprete C);

O Ditado Estourado é um jogo que estimula a percepção do aluno, assim como o conhecimento de sinais e do Português escrito. Estimula o aluno a escrever em português e relacionar os sinais com as imagens, pois a leitura de mundo dos alunos surdos é feita por experiências visuais e concretizadas em sua língua natural para que depois esse aluno seja capaz de aprender o Português como L2 (Intérprete D).

As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente, compartilham uma série de características que lhes atribui caráter específicos e as distingue dos demais sistemas de comunicação. Isso porque elas não surgem a partir do canal oral-auditivo, tendo a visualidade como base para sua existência (Quadros; Karnopp, 2007QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2007.). A Língua Brasileira de Sinais, portanto, possui estrutura sintática e lexical, com possibilidade de gerar sentenças diversas, assim como as línguas orais.

A observação da Intérprete 2 demonstra a preocupação em relacionar imagem e escrita, de modo a contemplar a aprendizagem visual, fato que vai ao encontro de Quadros (2003, p. 37) quando afirma que: “[…] a língua portuguesa será ensinada com ênfase na escrita, considerando que o canal de aprendizagem do surdo é visual”. Desse modo, pode-se concluir que o jogo “Ditado Estourado” atende à proposta do ensino de Língua Portuguesa escrita para estudantes surdos, embora de maneira adaptada da cultura ouvinte.

Com relação ao uso de jogos didáticos como potencializadores da aprendizagem que possibilitam de maneira efetiva a inclusão de estudantes surdos em classes regulares mistas (surdos e ouvintes), os participantes afirmaram que:

Os jogos digitais ajudam na aprendizagem porque é um jeito diferente de aprender. Ajudam na inclusão porque é divertido e todos participam (Estudante A);

Com os jogos aprendemos brincando e conversando com os amigos (Estudante B);

Acredito que com os jogos didáticos digitais podemos desenvolver o aprendizado de uma forma dinâmica e com bastante interação entre os alunos, favorecendo a inclusão (Intérprete C);

Além de empolgar os alunos, é uma ferramenta bastante presente no cotidiano deles. […] Os jogos digitais auxiliam na sua ampla utilização, principalmente no que se refere ao uso de imagens que são essenciais no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes surdos. Os jogos digitais funcionam como uma linguagem comum entre os jovens, facilitando a socialização entre eles (Intérprete D).

Face às observações apresentadas, é perceptível que a experiência lúdica de aprendizagem motiva o desenvolvimento cognitivo e a postura inclusiva. A aprendizagem baseada em jogos digitais pode desempenhar um papel importante na interiorização de conteúdos e na compreensão da aplicabilidade desses conteúdos na vida cotidiana (Prensky, 2012PRENSKY, Marc. Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais. São Paulo: Senac, 2012.). Conteúdos tais que vão além do currículo escolar, pois perceber e respeitar as diferenças é essencial para a formação humana.

Desse modo, numa proposta educacional inclusiva entre surdos e ouvintes, entende-se que os recursos imagéticos, com configurações de mãos e/ou escrita de sinais (sing writing), e os recursos sonoros proporcionam maior interação entre os estudantes, potencializando a aprendizagem.

Considerações Finais

Os avanços tecnológicos trazem implicações para todas as esferas sociais. Implicações tais que demandam a busca pelo conhecimento e desenvolvimento de competências digitais, para que os sujeitos possam interagir plenamente na sociedade na qual, independentemente de suas condições físicas, sociais, econômicas ou culturais, estão inseridos.

Nesse sentido, os espaços educacionais também precisam apropriar-se desse conhecimento para que professores e alunos ampliem suas possibilidades interativas e cognitivas por meio das tecnologias. Um processo que busca o constante aprendizado, procura organizar toda a gama de informações e transformá-las em possibilidades pedagógicas, e motiva-se ao perceber estratégias que levem o aluno a também engajar-se com os estudos (Sena et al., 2021SENA, Lílian de Sousa et al. Nuvem de Palavras: estratégia de inclusão e inovação pedagógica. In: SILVA, Rafael Soares (Org.). Alinhavos sobre a Educação Especial na Perspectiva Inclusive. Santo Ângelo: Metrics, 2021.). Assim, a formação escolarizada de estudantes surdos também deve contemplar as tecnologias digitais, pois os ambientes digitais fazem parte da cibercultura na qual a sociedade habita.

Ressignificar estratégias, numa proposta bilíngue, torna-se uma necessidade imprescindível, principalmente porque cada sujeito tem seu ritmo próprio de aprendizagem, e as metodologias engessadas e padronizadas não atendem às necessidades de maneira uniforme, visto a heterogeneidade da sociedade. Consequentemente, alia-se a isso o fato de que elementos da cultura surda necessitam de representatividade para que a inclusão seja realmente efetivada.

Nesse sentido, encontrar algo que aproxime os interesses em sala de aula, seja bicultural e promova o engajamento educacional é a melhor forma de aliar conhecimento e inclusão. À medida em que as culturas surda e ouvinte são experienciadas paralelamente, cria-se um ambiente educacional colaborativo, motivador e inclusivo, pois oportuniza o desenvolvimento cognitivo com valorização das peculiaridades de cada estudante.

As análises dos dados deste estudo demonstram o potencial dos jogos didáticos e tecnológicos na alfabetização e inclusão de estudantes surdos, além da necessidade de formação docente voltada às competências digitais. Assim, enfatiza-se a necessidade de mais estudos sobre a temática para que os benefícios desse tipo de recurso didático sejam mais pesquisados, debatidos e popularizados.

Referências

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  • VIGOTSKI, Lev Semionovitch. A Psicologia e o Professor. In: VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Psicologia Pedagógica Porto Alegre: Artmed, 2003.

Editado por

Editora responsável: Carla Karnoppi Vasques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2021
  • Aceito
    26 Dez 2022
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