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Educação Ambiental Menor, Decolonialidade e Ativismo Artístico

RESUMO

Discute-se uma educação ambiental menor que escapa das contradições do desenvolvimento sustentável pautado na ótica econômica neoliberal. Junto à ideia de minoridade, fundamentada no pensamento pós-crítico, apresentam-se proposições decoloniais e transdisciplinares de educação para os ambientes. Para tal, a crítica ao Antropoceno/Capitaloceno e o ativismo artístico de representantes das comunidades indígenas, como ideias para adiar o fim do mundo, são cartografadas no texto e agenciam proposições diferenciadas que podem ser pensadas junto ao Ensino de Ciências.

Palavras-chave
Educação Ambiental; Decolonialidade; Desenvolvimento Sustentável; Sujeito Ecológico; Ensino de Ciências

ABSTRACT

This article discusses a minor environmental education that avoids the contradictions of sustainable development based on neoliberal economic perspectives. Along with the idea of minority, based on post-critical thinking, decolonial and transdisciplinary propositions of education for environments are presented. To this end, the critique of the Anthropocene/Capitalocene and the artistic activism of representatives of indigenous communities, as ideas to postpone the end of the world, are mapped in the text and promote differentiated propositions that can be considered alongside Science Education.

Keywords
Environmental Education; Decoloniality; Sustainable Development; Ecological Subject; Science Education

Introdução

O presente trabalho, anseio de uma escrita-ensaio cartográfica, visa problematizar a educação ambiental da menoridade, com enfoque decolonial, e apresentar uma proposição também menor voltada aos valores político-resistentes de povos indígenas. Criticamos, de início, a visão utilitarista e consumista da sociedade neoliberal, do produtivíssimo, da acumulação de capital, da exploração dos recursos naturais e da expropriação por meio da cultura colonialista e da crise ambiental-humanitária.

Desde que se configurou como epistemologia e campo de estudos para a tomada de atitudes e valores em relação aos ambientes, após a década de 1980, a educação ambiental oscila entre a dimensão técnico-natural e a dimensão histórico-social (Burger, 1994BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.). No entanto, muitas abordagens de educação ambiental, ainda que na perspectiva crítica (Otoni-Reis, 2008TOZONI-REIS, Marília de Freitas de Campos. Educação Ambiental: natureza, razão e história. Campinas: Autores Associados, 2008.), furtam-se ao debate político e apagam a visão étnico-social inclusiva da perspectiva dos povos autóctones/originários na composição de discussões e intervenções didáticas não colonialistas, desconsiderando, assim, a reciprocidade e as trocas de saberes que contemplam essas minorias socioambientais (Lima; Goldman, 2017LIMA, Tânia Stolze; GOLDMAN, Marcio. Prefácio. In: CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. São Paulo: Ubu Editora, 2017. P. 7-20.).

Mediante os apagamentos epistemológicos, ou seja, a desconsideração dos saberes situados e das intersecções identitárias para além da categoria ambiente, muitos enfoques e discursividades de educação ambiental, ainda que conclamem para si a multiplicidade de análises sobre a problemática eco social, acabam por ser unidimensionais, ingênuos, acríticos, disseminadores de relações unívocas e não das pluralidades ambientais. A nosso ver, é necessário problematizar essa ingenuidade discursiva, o termo sustentabilidade e suas implicações, especialmente, para contrapor-se às ideias de desenvolvimento sustentável disseminadas pelo senso comum (Reigota, 2007REIGOTA, Marcos Antonio do Santos. Ciências e Sustentabilidade: a contribuição da educação ambiental. Avaliação: Revista de Avaliação da Educação Superior, São Paulo, Unicamp, v. 12, n. 2, p. 219-232, 2007.), contestar a “[…] perpetuação da colonialidade fundada na racialização, subordinação, exclusão e dominação” (Melo; Barzano, 2020MELO, André Carneiro; BARZANO, Marco Antonio Leandro. Re-existências e Esperanças: perspectivas decoloniais para se pensar uma Educação Ambiental Quilombola. Ensino, Saúde e Ambiente, Número Especial, p. 147-162, jun. 2020., p. 148) e buscar teorizações e aproximações do Sul para o reposicionamento da educação direcionada aos ambientes.

Historicamente, a ideia de desenvolvimento sustentável consolidou-se, desde a década de 1970, a partir de diversas conferências e debates internacionais sobre ambiente1 1 Não é objetivo deste trabalho apresentar uma digressão sobre as Conferências da ONU acerca das questões ambientais. Para saber mais sobre o assunto, sugerimos a leitura de Otoni-Reis (2008). , renovação de recursos naturais e ambientais, clima, poluição, tecnologia, conservação/preservação e economia mundial, tornando-se mais conhecida na ECO-92, Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada no ano de 1992, na cidade Rio de Janeiro, Brasil. A RIO-92 foi responsável pela proposição da Agenda 21 e demais documentos que regem o comprometimento dos países signatários e das organizações civis na adoção de estratégias, soluções e políticas públicas socioambientais em nível local, regional e global. As propostas da ECO-92, que contemplam a alteração de posturas diante das mudanças climáticas provocadas pela queima de combustíveis, a erradicação da pobreza, a redução do consumo e a conscientização, entre outras questões, consubstanciaram-se em esperanças para uma educação (formal e informal) voltada ao sustento/provimento ambiental das gerações atuais e futuras, considerando, obviamente, aspectos biológicos, culturais, políticos, econômicos e éticos como modificadores do modus operandi da sociedade pós-industrial.

Vinte anos após a ECO-92, a Conferência RIO+20 legou ao mundo documentos considerados fundamentais para a promoção do desenvolvimento gerido sustentavelmente, a saber: a Declaração do Rio Sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre Florestas, a Carta da Terra, a reestruturação da Agenda 21 e convenções sobre a diversidade biológica e sobre mudanças climáticas. Pari passu, a ideia de desenvolvimento sustentável foi capturada pela malha econômica neoliberal, a qual traz consigo contradições diretamente perceptíveis em proposições, acordos e recomendações de outras conferências e normativas que misturam economia e natureza, mercado e ambiente, a convocação para uma virada ecológica, por um lado, e, por outro, a “[…] subscrição da necessidade de crescimento econômico, livre-comércio, privatização e desregulamentação” (Misoczky; Böhm, 2012MISOCZKY, Maria Ceci; BÖHM, Steffen. Do Desenvolvimento Sustentável à Economia Verde: a constante e acelerada investida do capital sobre a natureza. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 546-568, 2012., p. 549).

Na visão de Paula Burger (1994)BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994., o termo desenvolvimento sustentável abrangeria dois sentidos: um mais ético e político, com as compreensões de raça, etnia, cor, pertencimento cultural, gênero, classe e trabalho como categorias e modos para se pensar – situadamente – a relação eco ambiental; e outro mais técnico, compreendendo o agenciamento dos recursos naturais na lógica do capital mundial financeiro (Burger, 1994BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.). A primeira acepção foi tragada pela segunda nas últimas décadas.

A noção de desenvolvimento sustentável, conforme a contradição aqui exposta, foi cooptada pela hegemonia capitalista e pelo neoliberalismo – vigente como sistema/paradigma econômico e social ditado pelo Norte global aos países periféricos; ela adequa-se aos interesses mantenedores das desigualdades estruturais e sistêmicas e dos processos opressivos, uma vez que, dada a ótica econômica predominante, o sustento socioambiental tornou-se uma falácia ou um clichê repetido à exaustão e esvaziado de significados transformadores.

Expressões antitéticas como capitalismo sustentável, selo verde, uso sustentável de recursos e empreendedorismo verde (O’Connor, 19942 2 O’Connor, Martín. On the Misadventures of Capitalist Nature. In: O’Connor, Martín (Ed.). Is Capitalism Sustainable? Political economy and the politics of ecology. New York: The Guilford Press, 1994. P. 125-151. apud Misoczky; Böhm, 2012) produzem efeitos nas subjetividades e nas políticas públicas. Assim, pessoas e agendas ambientais (nacionais e internacionais) contemplam ou performam discursos sobre sustentabilidade e ecologia.

Por outro lado, Marcos Reigota aponta que a noção de sustentabilidade, na perspectiva histórica, opõe-se radicalmente à de desenvolvimento sustentável e macropolítica, o que pressupõe mudanças no sistema econômico em seus fundamentos capitalistas e implica “[…] uma dimensão política, social, cultural e biológica e que exige uma extensiva produção e difusão de conhecimentos e de princípios ético-políticos nos espaços das práticas sociais cotidianas” (Reigota, 2007REIGOTA, Marcos Antonio do Santos. Ciências e Sustentabilidade: a contribuição da educação ambiental. Avaliação: Revista de Avaliação da Educação Superior, São Paulo, Unicamp, v. 12, n. 2, p. 219-232, 2007., p. 222); a sustentabilidade abarca também o utópico, a transformação e os saberes transdisciplinares e situados, ou seja, uma bio-geopolítica da ética e da mudança social que contempla modos de vida menos nocivos aos ambientes e com trocas econômicas e relacionais não pautadas no consumo e no utilitarismo.

Embora não sejam consensos, as ideias de sustentabilidade e desenvolvimento enredam uma noção de sujeito ecológico subjacente às políticas ecológicas. Segundo Carvalho (2016)CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Ed. Cortez, 2016., esse seria um sujeito relacionado a um estilo de vida orientado para os discursos criados em relações de poder hegemônicas, que desprezam as possibilidades ambientais de grupos minoritários e a compreensão quanto à opressão que opera na estruturação de nossas relações eco ambientais. Já Inocêncio e Carvalho (2021)CARVALHO, Fabiana Aparecida de; GONÇALVES, Cleberson Diego. Subvertendo os Corpos Ensinados em Arte e Biologia: por uma pedagogia relacional. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SEXUAL, 7., 2021, Maringá. Anais […]. Maringá: UEM, 2021. Disponível em: https://bityli.com/rphLRr. Acesso em: 14 abr. 2022.
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defendem que o sujeito ecológico emerge como acontecimento histórico e, como efeito discursivo-acontecimental, pode, por um lado, agir de acordo com regramentos padronizados e determinados por uma agenda verde, sendo o sujeito universal, do Ocidente, euro ou estadunidense centrado, preocupado com as questões ambientais desde que elas não incomodem sua zona de conforto acumuladora ou seu caráter consumista. Por outra face, esse sujeito não precisa resumir-se

[…] a uma figura identitária cristalizada, pois pode ser construído por práticas de liberdade buscadas no pensar da atualidade […] e negociar suas próprias políticas e suas agendas ambientais subjetivas ao romper com as reiterações ecológicas normativas

(Inocêncio; Carvalho, 2021CARVALHO, Fabiana Aparecida de; GONÇALVES, Cleberson Diego. Subvertendo os Corpos Ensinados em Arte e Biologia: por uma pedagogia relacional. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SEXUAL, 7., 2021, Maringá. Anais […]. Maringá: UEM, 2021. Disponível em: https://bityli.com/rphLRr. Acesso em: 14 abr. 2022.
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, p. 512-513).

Esse modo de pensar o ethos que cuida e interpela a si, numa tecnologia do eu, é um escape das subjetivações operantes nas tecnologias de poder – da ordem da dominação e da objetificação das pessoas e dos ambientes (Foucault, 1990FOUCAULT, Michel. Tecnologias del yo – y otros textos afines. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990.).

A desconstrução da figura identitária cristalizada na adoção de práticas fabricadas nas tecnologias do poder, na visão de Guattari (2001)GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. São Paulo: Tupykurimin, 2001. Disponível em: encurtador.com.br/cmrM5. Acesso em: 20 mar. 2022.
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, passa por uma reinvenção ecosófica não unívoca, mas indicadora de linhas de recomposição da práxis humana em vários domínios individuais e coletivos no cotidiano. A nosso ver, passa-se, também, nas lutas pela democracia, no combate à miséria social e ambiental, na criação artística, social, enfim, na busca de singularizações outras que não as da ordem dos discursos estereotipados, reducionistas, racistas, falocêntricos, misóginos, sexistas, desenvolvimentistas, mercadológicos, exploradores do trabalho ou das subjetividades.

Essa orientação pode inspirar múltiplas possibilidades de educação ambiental movimentadas pelas linhas da ecologia dos ambientes, pelas relações sociais e pelas subjetividades combatentes do capitalismo mundial integrado, descentralizando os focos de poder instituídos e o produtivíssimo econômico-subjetivo. Assim, miradas e práxis ecosóficas buscam integrar aquilo que Guattari (2001)GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. São Paulo: Tupykurimin, 2001. Disponível em: encurtador.com.br/cmrM5. Acesso em: 20 mar. 2022.
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, em linhas gerais, denominou de três ecologias:

a) ecologia subjetiva ou mental que conclama a reinvenção das pessoas em relação à corporeidade, à consciência ambiental, ao caráter deteriorativo e hierarquizante do imperialismo econômico e da globalização;

b) ecologia social orientada pela coletividade e voltada à deposição das relações humanas predatórias, das semióticas econômicas, jurídicas, técnico-científicas e da subjetivação capitalista, e à superação dos punitivismos direcionados aos modos ecológicos não hegemônicos); e

c) ecologia ambiental consciente das intervenções humanas, da imprevisibilidade dos ambientes, direcionada a minimizar os impactos da sociedade industrial e a ressignificar ecossistemicamente a existência humana.

Em outra base analítica, autoras e autores voltados ao Sul global como Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005., Santos e Meneses (2009)SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009. e Lugones (2008)LUGONES, Mária. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, jul./dez. 2008. questionam o utilitarismo, as desigualdades abissais, a dominação sexista, o racismo sistêmico, os processos de hierarquização/classificação de pessoas, os projetos de controle econômico, ecológico e de subjetividades que desqualificam as populações e conhecimentos não situados na Europa ou nos Estados Unidos. De acordo com tal referencial, a crítica à colonialidade e a perspectiva decolonial de educação ambiental visariam a superar a ideia de que o (des)envolvimento gestado em meio aos processos colonizadores e imperialistas converteria todos os povos numa uniforme civilidade progressista (também branca e opressora) que doma os ambientes para seu usufruto. O pensamento decolonial visa, portanto, à resistência contra o pensamento dominante, realocando a memória socioambiental e histórica para a emanação de saberes, territórios geográficos, estéticos, éticos, políticos e subjetivos livres de hierarquizações que condenem povos e lugares.

Quando se pensa a educação ambiental institucionalizada, na educação básica ou no ensino superior, ela tem sido algo – ideológica e discursivamente – subjacente aos currículos ocultos (Brugger, 1994BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.), orientando pessoas sujeitos ecológicos (Inocêncio; Carvalho, 2021INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; OLIVEIRA, Moises Alves. Cartografando uma Educação Ambiental Menor. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, FURG, v. 38, n. 2, p. 94-114, 2021.), muitas vezes, a fim de que cumpram agendas prévias e discursos ambientais homogeneizadores de condutas, práticas e valores.

Os currículos e outras representações ecológicas, na ficcionalização (invenção) da educação ambiental, criam as narrativas e as identidades desses sujeitos acionadores de modos ecologicamente aceitos, porém ingênuos e focados no desempenho individual de cada pessoa: ser eficiente em gestão ou planejamento (com enfoque produtivista e desenvolvimentista no manejo de recursos ambientais) ou, ainda, plantar árvores em datas festivas, fantasiar-se de indígena, reaproveitar materiais, economizar energia, água, reciclar orgânicos, consumir produtos da agenda verde, biodegradável ou sustentáveis e reproduzir discursos midiáticos – com pouco ou nenhum embate político – sobre como é bom ser natural, como é bom ser agro, como é bom ser tech, pop, etc.

Tais práticas mascaram aspectos industrializados, o uso indiscriminado de combustíveis fósseis ou de energias poluentes, a exploração de comodities, o agronegócio (com suas monoculturas e monopecuárias, dinâmica de agrotóxicos e avanço sobre terras pertencentes às comunidades originárias e tradicionais), o racismo estruturante, a expropriação dos trabalhos de mulheres e crianças, o massacre de indígenas, a política da morte direcionada às pessoas negras e ou pobres, a dizimação da América Latina, a lucratividade e a manutenção das demais desigualdades sociais. São ações trabalhadas numa perspectiva não ecosófica e abissal (alargadora das desigualdades), descontextualizada da realidade e ainda coligada a uma resposta econômica hegemônica acerca das práticas ecológicas.

Embora a cena verde possa figurar como prática inter e transdisciplinar, em um currículo colonizado ela compartimentaliza, aliena e fragmenta saberes e conhecimentos ambientais diferenciados. Em nosso pensamento, o contraponto subjaz à adoção de perspectivas que dobram, desterritorializam3 3 Embora o texto não objetive discutir minuciosamente os conceitos de território, desterritorialização e reterritorialização nas teorizações deleuzianas e guattarianas (Deleuze; Guattari, 2010), para efeito desta escrita, podemos apontar que territórios (políticos, geográficos, corporais, conceituais) instituem-se por enunciações e ordenamentos, muitos dos quais, totalitários, coligados às ordens do controle e da sujeição. O movimento de desterritorialização, lido como quebra de discursos e de ordenamentos, opera pela construção de subjetividades e (micro) políticas que agenciam linhas de fuga, no caso aqui empregado, divergentes das imposições disciplinares e das enunciações normativas. Com esse entendimento, o discurso ambiental – território constituído a partir de uma ordem ambiental hegemônica, bem como suas táticas de controle, seleção ou exclusão de outros modos ecológica ou naturalmente orientados –, é desterritorializado, por exemplo, quando práticas ambientais reposicionam saberes dos povos originários, das comunidades tradicionais, das comunidades periféricas, dos movimentos sociais contra hegemônicos, acionando, concomitantemente, outras estéticas ambientais e a visibilização de discursos que não requerem, para si, o estatuto de uma educação ambiental molar, universalizada e padrão. Outras subjetividades, portanto, repaginam os territórios instituídos dos discursos ambientais e se reterritorializam, movendo-se, na correlação de forças, com intensidades, deslocamentos, reinvenções, poéticas, estéticas, usos menores e expansões da educação ambiental. e decolonizam aquilo que está instituído pelas grandes corporações ou por essa educação ambiental a qual chamamos de maior/hegemônica (a do desenvolvimento sustentável apregoado pelo capitalismo/neoliberalismo, desconectada dos saberes locais situados e reproduzida na tradição escolar).

Inspirados por Deleuze e Guattari (1977)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka – por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977., Gallo (2002)GALLO, Sílvio. Em Torno de uma Educação Menor. Educação & Realidade, Porto Alegre, UFRGS, v. 27, n. 2, p. 169-176, jul./dez. 2002. e Inocêncio e Oliveira (2021)INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; CARVALHO, Fabiana Aparecida de. A. O Sujeito Ecológico: objetivação e captura das subjetividades nos dispositivos acontecimentais ambientais. Revista Brasileira de Educação Ambiental, São Paulo, Unifesp, v. 16, n. 5, p. 94-114, 2021., dizemos que a fissura na educação ambiental alienante e nas tecnológicas de subjetivação e dominação seria proporcionada pela adoção de práticas de educação ambiental menor, ou seja, de práticas mais livres e múltiplas no âmbito educacional, aquelas distantes dos protocolos da macropolítica, não domadas pelas propostas e documentos oficiais maiores (currículos, leis, regras, preceitos, códigos uniformizantes e massificadores de condutas, etc.), mas que colocam em evidência político-poética os que singularizam suas militâncias. Cruza-se com essa menoridade a tarefa de decolonizar o pensamento e expor a produção micropolítica dos que re-existem.

A opção pele menoridade e por linhas que abandonam ou deslocam as interpretações ambientais instituídas – nas educações ou em nossas práticas – é sinalizada, em nossa escrita, como um movimento cartográfico. Cartografar é absorver matérias de qualquer procedência (teóricas, imagéticas, escritas, fílmicas, filosóficas, subjetivas) a fim de movimentar o desejo, criar fluxos, agir politicamente e criar contra dispositivos ou contra poderes (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.).

Vale mencionar que a metodologia cartográfica, compreendida junto às demais pesquisas ou metodologias qualitativas nas perspectivas pós-críticas em educação (Passos; Kastrup; Escóssia, 2009PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. A Cartografia como Método de Pesquisa-Intervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virginia; ESCÓSSIA; Liliana da. Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Solima, 2009. P. 17-31.), é da ordem das subjetividades, do agenciamento, da multiplicidade e do diverso. Ela não opera por totalizações e nem por ordenamentos objetivos como se de uma realidade (ou história única) pudessem ser extraídas todas as realidades (de pesquisa, educacionais, históricas e socioambientais). A cartografia pressupõe um texto-agenciamento múltiplo, feito de diferentes afetos, linhas de rumo ou de fuga, velocidades, pontos de entrada e de conexões. O mapa cartográfico (a pesquisa), nesse âmbito, visa a acompanhar processos abertos e de ações minoritárias (negras, feministas, LGBTQIA+, ciganas, palestinas, campesinas, crianças, anárquicas, etc.) tendo em vista o âmbito micropolítico e da produção de subjetividades (Passos; Kastrup; Escóssia, 2009PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virginia; ESCÓSSIA; Liliana da. Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Solima, 2009.) também de quem pesquisa. Essa marca, no entanto, não a torna menos científica e tampouco inválida.

Assim, a cartografia, sem nenhuma objeção ou hierarquização de campos da produção teórica ou do desejo (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.), também é uma possibilidade de decolonizar o pensamento acadêmico, pensando os dados e as análises como pistas agregadas a um mapa que é responsável por orientar o percurso da pesquisa e da crítica ao considerar, por exemplo, múltiplos saberes no processo de pesquisar e a conexão de resultados a lógicas plurais (Passos; Barros, 2009PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. A Cartografia como Método de Pesquisa-Intervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virginia; ESCÓSSIA; Liliana da. Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Solima, 2009. P. 17-31.). Ela não separa o ser do fazer, o pensar acadêmico do pensar subjetivo; a cartografia é, pois, uma prática de acompanhar processos na agência entre sujeito e objeto, teoria e prática, constituída e aberta no plano da experiência.

Interessa-nos, neste texto, fazer deslizar o pensamento a partir das pistas (ou seções escritas e dispostas pela autoria), objetivando a educação ambiental não hegemônica – menor e decolonial. Para tal, o trabalho ganha o espaçamento de manifestações artístico-ativistas produzidas por artistas minoritários e representantes de povos subalternizados no contexto da crise ambiental do Antropoceno. Assim sendo, a primeira pista é a percepção de uma vida não útil e a educação menor como possibilidade de agenciamento curricular a outras subjetividades. Presentificam-se no mapa as impressões estéticas pessoais da autoria e as proposições de Ailton Krenak, Donna Haraway e Aníbal Quijano e outros autores que pensam, direta ou indiretamente, as situações de colonialidade, especialmente com o intuito de fugir de uma educação ambiental reguladora, discutindo as implicações do Antropoceno e da colonialidade do poder.

A segunda seção arrasta obras de artistas indígenas como Jaider Esbell, Denilson Baniwa, Daiara Hori e Úyra Sodoma. Seguindo as linhas cartográficas, a autoria reverbera ecos de educação ambiental menor e decolonialista, valendo-se não da ciência maior, mas do ativismo para propor a discussão de saberes indígenas relacionais, bem como outras lógicas ambientais com o intuito de construir relações de reciprocidade com grupos sociais e culturais diferentes.

Essas são pistas que funcionam não como receita ou sequência de ensino preestabelecida, direcionada a uma série ou público da educação básica, mas como ação desmontável e desdobrável junto a outras cartografias não desejantes da lógica colonial, as quais denominamos de outras discussões no Ensino de Ciências e das educações para os ambientes. O pensamento-escrita, portanto, coloca em evidência a potência estética de trabalhos que não chamam para si a denominação de uma educação ambiental oficial, mas operam por práticas educativas libertárias, questionadoras e atreladas aos saberes do Sul global.

Pensar A Vida Não Útil: a decolonialidade como proposta menor no ensino de ciências

Figura 1
A natureza pede passagem e potência (Digitalização de fotografia)

Que educação ambiental é praticada no ensino de ciências?

Tal pergunta, embora não destinada ao imediato de uma resposta pronta, instiga-nos a pensar as diferentes realidades que descem sob o céu. A realidade de trabalhadores, pessoas do Sul global, mulheres e homens subalternizados e posicionados nas trincheiras das resistências (Maddox, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves; CARVALHO, Fabiana Aparecida de; MAIO, Eliane Rose. Culturas, Artes e “Biologias”: pulverizar os pensares colonizados e marcas outros possíveis para as corpas, os gêneros e as sexualidades que não se dobram. In: ACCORSI, Fernanda; BALISCEI, João Paulo; TAKARA, Samilo. Como pode uma Pedagogia viver Fora da Escola? Estudos sobre pedagogias culturais. Londrina: Syntagma Editores, 2021. P. 237-260.). A realidade de estudantes. A realidade de bancos e corporações? A padronização de todas essas realidades numa experiência única destinada às/aos sujeitos.

O projeto moderno das instituições financeiras imperialistas promove, desde a invenção da América Latina como a outra subjugada do Norte global (Maddox, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves. Decolonização do Pensamento em Arte e Educação. 2021. 278 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2021.), dinheiro e ambientes exploráveis, negligenciando reconhecimentos e apoios para os povos autóctones/originários. A imagem anterior, capturada na paisagem de uma universidade, remete nosso pensamento a tantas histórias que sobrevivem aos colonialismos do ser, do saber e dos ambientes (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.). Grandes projetos colonizados valeram-se de táticas de dominação a direcionar ganhos e lucros expropriados das classes populares, das comunidades tradicionais, da natureza ou dos ambientes transformados por outras interferências, quiçá, menos totalitárias e lucrativas.

Nos espaços universitários atuais, junto aos bancos e aos lucros, existe também a colonização do pensamento embutida nos processos de formação, nos currículos ou nas políticas ambientais, muitas vezes, denominadas de limpas ou ecológicas. Por detrás da maquiagem verde, territorializam-se empreendedorismos, projetos de dominação, formação do pensamento único e do caráter utilitarista que justifica toda e qualquer forma de exploração ambiental.

Em processo reverso, a força da vida pede passagem e potência. A árvore que encobre a logomarca do banco não deve ser compreendida como secundária. Conectamos essa imagem a outra produzida pela cartunista Laerte Coutinho (2022)COUTINHO, Laerte. Sem título. 2022. 1 ilustração. Instagram: @laertegenial. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CcfqYOerhWJ/. Acesso em: 10 abr. 2022.
https://www.instagram.com/p/CcfqYOerhWJ/...
. A charge de Laerte (Figura 2) reporta-nos a um modo de resistência às forças políticas de domesticação dos corpos, dos ambientes, como também a uma negação/desobediência à lógica político-ambiental gestada nos processos coloniais que trouxeram para o centro os entendimentos de mundo da cultura branca.

Figura 2
Sem Título

Com a invenção da América, inventam-se formas eurocêntricas de subjugação ou nominação da natureza. A modernidade/colonialidade4 4 A colonialidade alude a expressões opressivas políticas, econômicas, ambientais, raciais, de gênero e epistêmicas diversas, gestadas na Modernidade e recrudescidas no Capitalismo Global (período demarcado desde a expansão do mercantilismo, da estruturação burguesa e do avanço territorial da Europa sobre outros continentes no século XVI até o predomínio imperialista e fortalecimento do neoliberalismo na atualidade). A colonialidade do poder eurocêntrico e estadunidense se estende a diferentes controles – da economia, da autoridade, dos ambientes, do gênero e da sexualidade e das subjetividades e conhecimentos (Quijano, 2005; Ballestrin, 2017). Grupos ativistas e intelectuais latinos voltam-se às epistemes e práticas que descentram o Norte Global e promovem a interlocução de saberes a partir dos posicionamentos locais. acarretou transformações na maneira de percepção dos ambientes, dos vegetais e animais, dos outros seres, categorizando a vida biológica em função de condições produtivas para a economia. Segundo Thomas (2010)THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500 – 1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2010., cria-se o predomínio humano a partir da visão teleológica de mundo e da sujeição dos ambientes à subjugação humana, à classificação e inferiorização dos seres. E mais que a religião, o surgimento da propriedade privada e da economia monetária conduziram à exploração dos recursos naturais e ambientais.

As imagem-pistas que abrem essa seção, a nosso ver, podem ser interpretadas como uma educação ambiental não homogeneizante, aquela que não deseja o caráter para si de uma educação oficial, mas desestabiliza, traz o campo político da vida, faz pensar, afeta e cria provocações que se tornam educações ambientais.

No ensino de ciências dos currículos de tradição, a visão da educação ambiental oficial é naturalizante e ingênua, muitas vezes restrita aos preceitos dos livros e manuais didáticos e a um discurso oficial de educação que se converte em um dispositivo pedagógico, quase sempre voltado a práticas como reciclagem, conservação, coleta de lixo, feiras verdes, datas comemorativas (Inocêncio; Carvalho, 2021INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; CARVALHO, Fabiana Aparecida de. A. O Sujeito Ecológico: objetivação e captura das subjetividades nos dispositivos acontecimentais ambientais. Revista Brasileira de Educação Ambiental, São Paulo, Unifesp, v. 16, n. 5, p. 94-114, 2021.). Essa concepção despreza os saberes de povos originários e a reciprocidade na troca de conhecimentos, pois necessita, antes de mais nada, do apelo cientificista para também ser validada. Despreza a imagem-árvore encobrindo a imagem-economia, justamente porque a segunda hierarquizou imagens-mundo e inventou uma ordem de importância das coisas.

A educação ambiental, numa abordagem decolonial, pode ajudar a suspender a dimensão fragmentária dos entendimentos ecológicos e as imagens-mundo hierarquizadas como vidas/corpos/espécies ontologicamente pesadas (Butler, 2001BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O Corpo Educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. P. 151-172.) em detrimento de outras vidas, especialmente quando inclui diferentes discussões sobre o meio ambiente e incorpora os saberes étnico-sociais, culturais não hegemônicos.

Para Stortti e Pereira (2017, p. 16)STORTTI, Marcelo Aranda; PEREIRA, Celso Sanchez. Reflexões sobre a Educação Ambiental Crítica em um Grupo de Pesquisa: um estudo de caso do GEASUR. Acta Scientiae & Technicae, Rio de Janeiro, UEZO, v. 5, n. 1, p. 15-21, jun. 2017., o ponto de partida da educação ambiental decolonial é

[…] o reconhecimento da preexistência de uma educação ambiental praticada e pensada a partir das realidades da região por parte dos movimentos sociais, grupos indígenas, povos do campo, comunidades quilombolas, comunidades afroameríndias, favelas, movimentos das periferias urbanas entre outros grupos que produzem uma [luta] contra hegemônica pelo seu modo de produção das suas próprias existências. Tal aspecto, nos remete a necessidade de ampliação da atenção e contextualização às demandas destes movimentos por justiça socioambiental, bem como o aporte do pensamento latino-americano em ecologia política e educação popular (Grifo nosso).

Nesse reconhecimento, é preciso situar que a crise ambiental-humanitária é uma crise originada junto à Modernidade, à acumulação primitiva do capital (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.; Ballestrin, 2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O elo perdido do giro decolonial. Dados, Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, p. 505–540, 2017.; Maddox, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves. Decolonização do Pensamento em Arte e Educação. 2021. 278 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2021.), ao mercantilismo e à inferiorização dos povos não brancos em processos instituídos desde o século XVI, com a expansão europeia e o avanço colonialista por outros territórios no mundo. Embora tenha se convencionado demarcar a história da crise ecológica a partir da década de 1970, com a percepção da esgotabilidade dos recursos na sociedade industrializada e de consumo (Inocêncio; Carvalho, 2021INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; OLIVEIRA, Moises Alves. Cartografando uma Educação Ambiental Menor. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, FURG, v. 38, n. 2, p. 94-114, 2021.), a crise ecológica e a crise do sujeito ambiental não são crises dos povos originários5 5 Para Krenak (2020), o futuro de escassez e de crise não é o futuro gestado por esses povos. .

Não queremos dizer que os povos originários não se encontram perante suas próprias contradições ambientais, mas endossar que as relações socioambientais gestadas no contexto desses povos não é a do consumo indiscriminado. No entanto, são as populações originárias, autóctones ou descendentes ocupantes de modos de vida e nichos relacionais (de África, América e Ásia) que acabam por ser as maiores vítimas dos processos de extermínio ambiental e das políticas exploratórias praticadas pelas indústrias, pela agropecuária, pela desregulamentação das leis ambientais e pelo apagamento epistêmico dos saberes promovido pela manutenção da lógica colonialista.

Haraway (2016)HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantatonoceno, Chthuluceno: fazendo parênteses. ClimaCom Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte, São Paulo, Unicamp, n. 5, p. 139-141, 2016., por outro lado, demarca essa crise ambiental como decorrente do Antropoceno ou Capitaloceno6 6 Não há consenso quanto à definição de Antropoceno e Capitaloceno na literatura científica; explorar todas as definições, nem sempre convergentes, escapa aos objetivos deste artigo. Todavia, empregamos o termo Antropoceno como conceito que compreende as modificações humanas na biosfera numa curtíssima escala do tempo geológico. Tais interferências são legitimadas, na atualidade, pelas lógicas de mercado, consumo, expropriação humana e ambiental, e contribuem para dimensionar o capitalismo mundial integrado como um sistema-mundo ecológico, ou seja, como uma maneira de conceber e organizar natureza e ambientes como matérias-primas baratas e exploradas pelo imperialismo/colonialismo. Nessa visão, a derrocada ambiental (mudanças climáticas, alterações geomorfológicas, perpetuação da desigualdade social e dos quadros de precarização e miséria) não deve ser imputada à humanidade como um todo, mas, sim, às/aos mais abastadas/os, às/aos privilegiadas/os socialmente, ao norte global (Moore, 2015). Ao reforçar hierarquias globais instituídas pelos projetos de modernidade (norte – sul, primeiro – terceiro mundo, desenvolvido – subdesenvolvido), de classe (ricas/os – pobres), de raça (brancas/os – negras/os), entre outras, o Capitaloceno opera extinções massivas, não apenas ecológicas, mas geográficas, linguísticas, epistêmicas cujas consequências, em maior intensidade, são vividas por populações em situação de precarização socioambiental. . Decorrente dos imperialismos e conquistas político-territoriais que levaram à opressão e à subjugação de pessoas e dos ambientes, o Antropoceno iniciou-se com o desenvolvimentismo e a queima de combustíveis fósseis em escala planetária a partir da Revolução Industrial e das fases do capitalismo desdobradas a partir desse evento, ou seja, numa conjuntura que dimensionou a humanidade como uma força ambiental potencialmente destrutiva. Haraway (2016)HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantatonoceno, Chthuluceno: fazendo parênteses. ClimaCom Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte, São Paulo, Unicamp, n. 5, p. 139-141, 2016. adverte que chegamos a um ponto de inflexão (breakpoint), de forma que a possibilidade de retorno a uma vida ecologicamente saudável está comprometida na atual era geológica por conta da relação adversa estabelecida entre humanidade e ambiente. Caracterizam o Capitaloceno as mudanças climáticas, sanitárias (vide a recente pandemia de Covid-19), econômicas em escala planetária, que nos aproximam do fim do mundo como conhecemos e projetam as ações humanas por meio de determinações geradoras de desigualdades extremas (à espécie humana e às outras espécies) no contexto da globalização capitalística.

A ciência de compreensão e alteração, ainda que parcial, desse quadro de final de tempos, nas palavras de Haraway (2016)HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantatonoceno, Chthuluceno: fazendo parênteses. ClimaCom Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte, São Paulo, Unicamp, n. 5, p. 139-141, 2016., está na recomposição biológica-cultural-política-tecnológica que deve incluir a empatia na forma de luto (reconhecimento) pelas perdas e na capacidade de criar parentesco (biológico, semiológico, social, cultural e relacional) entre as espécies. Está lançada a ideia de conexões que dobram e desfiguram os ideários mononucleares entre os seres humanos (família conjugal, postos hierárquicos de comando, patriarcado, etc.), bem como entre os seres humanos e os demais viventes (dominação da natureza, racismo ambiental, subjetivação animal e especismo, entre outros); a superação do Antropoceno alinha-se com a necessidade do resgate arquetípico com os ambientes, porém em associações, cooperações, evoluções biológicas e tecnológicas junto à ancestralidade e à outridade humana e não humana.

O ambientalista indígena Aílton Krenak (2019)KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. também apresenta ideias para o adiamento do fim do mundo, ou seja, para a retomada de uma relação ecológica equilibrada e não consumista, dependente da adoção de posturas que considerem os saberes ancestrais dos povos originários e uma lógica de relação ambiental não predatória e extrativista em termos de acúmulo do excedente. Krenak recomenda o abandono dos modos produtivos capitalísticos.

Nesse sentido, é necessário questionar também uma cultura cientificista que desqualifica outras vias de saberes e que demarca como primitivas ou atrasadas as relações ambientais não mediadas pelo consumo, pela economia capitalística e pelo desenvolvimentismo (Burger, 1994BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.). Nessa valoração do desenvolvimento e do progresso, o acúmulo de riquezas passa a interferir drasticamente na biodiversidade, impondo modos ocidentais do Norte global como modos de vida opressivos e incorporados por todas as pessoas. Assim, há o predomínio da colonialidade dos povos (Maddox; Carvalho; Maio, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves. Decolonização do Pensamento em Arte e Educação. 2021. 278 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2021.) orientada por relações de poder e subjugação dos seres, saberes, natureza, etc. Esses processos também culminam em racialismos, ou seja, na classificação preconceituosa dos povos que não seguem a lógica branca ou eurocentrada e os modos binários de pensar as relações com os ambientes.

Segundo Krenak (2019)KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., é preciso compreender as outras lógicas das sociedades organizadas de modo contrário ao que concebe o Estado e o poder hegemônico. Sob esse prisma, é necessário considerar que outras vidas importam e adotam práticas de educação ambiental menores, por vezes nem reconhecidas como relações positivas de contato com os ambientes ou como saberes estruturados para se adotar condutas ecológicas. Educações menores que desterritorializam o modelo capitalista neoliberal, a necropolítica (o deixar morrer como tática de controle da população e eliminação de grupos minoritários) e o desconhecimento do planeta como organismo bio-semiológico.

No contexto menor, Krenak (2020)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. também se torna um interlocutor das perspectivas dos povos ancestrais e faz um contraponto às medidas adotadas pelos discursos do desenvolvimento sustentável. O ambientalista chama nossa atenção para o fato de que a humanidade tem se distanciado dos ambientes, desconhece a origem dos alimentos, do ar respirável, mas sabe ir ao mercado para comprar o que deseja. E, no cenário nacional, ele alerta para a desregulamentação da legislação ambiental e da precarização na proteção de terras originárias e tradicionais promovida nos últimos governos, mas, em especial, na Gestão Jair Bolsonaro, de 2019 a 2022.

A lógica predatória-ocidental nas discursividades gestadas no bolsonarismo (extermínio ambiental, exploração mineral, morte de indígenas, epistemicídio de saberes) não questiona se seus produtos advêm do roubo ancestral, de terras de grilagem, de solo tóxico ou de modificações e processamentos que interessam à indústria e a outros setores da economia.

A reversão dessa lógica reprodutiva utilitária estaria na evocação das memórias de autopreservação dos ambientes, com procedimentos que envolvem emoções e afetos outros. Complementando Krenak, Segato (2018)SEGATO, Rita Laura. La Crítica de la Colonialidad em Ocho Ensayos – y uma antropologia por demanda. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018. lembra que é tempo de ler a memória de quem somos para deixar de ser aquilo que não somos; é tempo de emanar nossos territórios geográficos, estéticos e éticos expropriados e colonizados e de recuperar os saberes estruturados na ancestralidade com a adoção de políticas ecológicas que contemplem o pluriculturalismo.

No reconhecimento das contradições ambientais coloniais, há uma proposta que curto-circuita a noção econômica de desenvolvimento ou de empreendedorismo verde e nos convida à potência provocativa do pensamento e às criações que resistem aos discursos inventados como verdades únicas ou maneiras homogêneas de praticar, viver e sentir as educações para os ambientes.

Segundo Krenak (2020)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., dar uma utilidade à vida e a tudo que fazemos é uma ficção; a vida não é útil, porque a vida é uma fruição, uma dança, ou, poeticamente dizendo, é a árvore que encobre a fachada do banco e a resistência que teima em re-existir mesmo com “a boiada passando”. A vida não é útil porque não se quantifica. E, por não ser útil, a vida é a educação menor.

Com a força pungente da militância dos não favorecidos, a educação ambiental menor está ancorada no conceito de literatura menor de Deleuze e Guattari (1977)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka – por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977. e na proposição de educação menor de Gallo (2002)GALLO, Sílvio. Em Torno de uma Educação Menor. Educação & Realidade, Porto Alegre, UFRGS, v. 27, n. 2, p. 169-176, jul./dez. 2002.. Uma literatura/educação menor pressupõe a desterritorialização/quebra da literatura ou compreensão de mundo dominante (preceitos, normas, status quo,), mas, também, a admissão de potências político-discursivas não hegemônicas e os agenciamentos coletivos que acionam, mobilizam e valorizam os saberes dos grupos invisibilizados socialmente. A educação ambiental menor não significa abandonar os aspectos legislativos e nem as táticas de conservação/preservação ambiental, tampouco isentar de crédito as práticas e discussões ambientais em escolas e universidades, mas redimensioná-las, a fim de que contemplem a outridade, grupos minoritários como indígenas, mulheres, comunidades tradicionais, migrantes, entre outros, a subjetividade, a poética das relações e “[…] as pedagogias em contextos de luta e resistência” que possam “[…] viabilizar outras maneiras de ser, de existir e de se relacionar com a natureza” (Melo; Barzano, 2020MELO, André Carneiro; BARZANO, Marco Antonio Leandro. Re-existências e Esperanças: perspectivas decoloniais para se pensar uma Educação Ambiental Quilombola. Ensino, Saúde e Ambiente, Número Especial, p. 147-162, jun. 2020., p. 148) e com os ambientes.

Logo, a educação ambiental menor não apregoa o caráter econômico/racionalizado da vida. Com Krenak (2020)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. podemos compreendê-la como anticolonialista, antiantropocêntrica, anticientificista, antipatriarcal, porém centrada nos saberes tradicionais, ancestrais, populares, resistentes das comunidades que estabelecem linguagens simbólicas e cotidianas respeitosas para com os ecossistemas. Ela desestabilizaria o modo orientado pelo discurso ecológico dominante do sujeito ecológico padrão, universal, único, ou seja, um sujeito capturado ou efeito de proposições ambientais que atendem a um único modo de se viver nos ambientes – o do desenvolvimento sustentável regido pelo capitalismo global.

Vale, uma vez mais, dizer que não queremos desprezar as bases da sustentabilidade em acordos maiores ou institucionais, pois elas são importantes para a segurança de práticas ambientais governamentais e não governamentais, por exemplo, a regulamentação da proteção ambiental, dos direitos da terra, a criação de códigos de postura e de conduta. O que sustentamos é a fuga das práticas demarcadas por modos de vida econômicos, ocidentais, colonizados, que não tencionam as dinâmicas de consumo e se orientam por uma etiqueta verde, porém vazia das reais estruturas de dominação e problemas ambientais.

Importa, portanto, a adoção de uma educação ambiental menor, contra hegemônica, não clichê, que traga a valoração de diferentes saberes e que possa, sobretudo, estar atravessada pela lógica acontecimental, ou seja, por uma interação que escapa da normatização, mas problematiza a realidade com saberes subjetivos, éticos e estéticos diferenciados. Para tal, Inocêncio e Oliveira (2021)INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; CARVALHO, Fabiana Aparecida de. A. O Sujeito Ecológico: objetivação e captura das subjetividades nos dispositivos acontecimentais ambientais. Revista Brasileira de Educação Ambiental, São Paulo, Unifesp, v. 16, n. 5, p. 94-114, 2021. sugerem a junção de trabalhos artísticos e ativistas que cumprem um papel de crítica das relações ambientais predatórias naturalizadas na sociedade do consumo.

Acreditamos que essas orientações sejam importantes para se pensar em intervenções pedagógicas no Ensino de Ciências. Além dessa consideração acerca da educação menor, de uma vida ou ambiente não útil, das ideias para se adiar as transformações do Capitaloceno, apostamos, seguindo as pistas de Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. e de Maddox, Carvalho e Maio (2021)MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves; CARVALHO, Fabiana Aparecida de; MAIO, Eliane Rose. Culturas, Artes e “Biologias”: pulverizar os pensares colonizados e marcas outros possíveis para as corpas, os gêneros e as sexualidades que não se dobram. In: ACCORSI, Fernanda; BALISCEI, João Paulo; TAKARA, Samilo. Como pode uma Pedagogia viver Fora da Escola? Estudos sobre pedagogias culturais. Londrina: Syntagma Editores, 2021. P. 237-260., na busca de práticas de educação ambiental decolonizadas, ou seja, não sujeitas à reprodução da colonialidade do poder (perpetuação das lógicas do colonizador em termos políticos), da colonialidade do ser (adoção de valores colonizados em detrimento dos modos de ser originários; expropriação da força de trabalho dos povos minoritários, racialização), do saber (apagamento dos saberes originários em função da ciência e da estética colonial), da natureza (expropriação extrativista do meio ambiente), e do gênero (subordinação dos corpos, sexualidades e gêneros das pessoas a uma lógica classificatória e binária).

Assim sendo, consideramos saberes subjetivos na construção de pistas que se valem de proposições visibilizadoras do conhecimento indígena, especialmente para que seja possível uma educação ambiental de relações não predatórias e não colonialistas com os ambientes.

Ecos-Provocações Possíveis para uma Educação Ambiental Menor e Decolonialista

Conforme discutimos, a educação ambiental orientada pelas políticas normatizadoras das condutas ecológicas e coligada às grandes corporações produtivistas promove o apagamento de necessidades ambientais específicas, da biodiversidade natural e cultural e dos saberes de povos minoritários, dentre os quais estão as comunidades indígenas. Nosso intuito é fugir desse caráter maior do sujeito ambiental que corresponde às discursividades criadas para lhe capturar em uma agência do politicamente correto verde, porém colonizada.

Com a ideia de educação ambiental menor, desejamos reverberar outros modos de experimentação que atravessam e estilhaçam, em efeitos, agenciamentos de subjetividades e críticas, o modo reprodutivo do capitalismo do desenvolvimento econômico escorado na exaustão dos recursos, em crises ecológicas e humanitárias. Essa menoridade, também chamada de molecular (Deleuze; Guattari, 1977DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka – por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977.; Gallo, 2002GALLO, Sílvio. Em Torno de uma Educação Menor. Educação & Realidade, Porto Alegre, UFRGS, v. 27, n. 2, p. 169-176, jul./dez. 2002.; Inocêncio; Oliveira, 2021INOCÊNCIO, Adalberto Ferdnando; OLIVEIRA, Moises Alves. Cartografando uma Educação Ambiental Menor. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, FURG, v. 38, n. 2, p. 94-114, 2021.), pode ser compreendida como linha de fuga das políticas hegemônicas e dos poderes que subalternizam grupos minoritários. Assim, na perspectiva menor, importa a visibilidade e a cotidianidade dos grupos originários, dos diferentes, de outros procedimentos de relação com os ambientes, os quais estão pautados na reciprocidade e na visibilização de outras práticas.

Na contemporaneidade, vivemos rodeados de imagens, signos, representações e outros discursos que se convertem em apelos visuais ou narrativas pedagógicas que também ensinam/criam modos de ser. Na cultura, essas pedagogias se afinam ou se negam à representatividade das diferenças; quando da transgressão e da micropolítica, das revoltas moleculares, podem se consubstanciar em potências pedagógicas agenciadoras de identificações e representatividades dos grupos que, na maioridade, são matáveis, estão apagados, são descritos de forma caricatural ou transformados em fetiche de mercadoria e consumo.

Valendo-se da relação entre ciência e arte, mas considerando saberes não dominantes e formas outras de se educar ambientalmente, pensamos na potência artístico-ativista de artistas visuais representantes dos povos indígenas. Interessa-nos, ao acionar os saberes situados dessas comunidades na voz e na arte de seus expoentes, a compreensão estético-política das transformações promovidas na era Capitalocena/Antropocena.

Para adiar as ideias de uma educação ambiental cúmplice do fim do mundo ou de um ensino de ciências hegemônico, maior, desobrigado da crítica das contradições coloniais ambientais, propomos imagens-pistas baseadas na história, que resgatam cosmovisões de povos indígenas, que promovem denúncias ao mesmo tempo em que apresentam alternativas e possibilidades de linhas de fuga do maior, institucionalizado, colonizado.

As eco propostas aqui apresentadas não se adequam a uma ideia de planejamento fixo, tampouco a objetivos de conhecimento propostos em currículos da educação maior como, por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, em função das competências técnicas, interpela o ensino, a aprendizagem e a educação nacional em termos de metas e habilidades treináveis, muitas das quais também padronizadas e invisibilizadoras dos conhecimentos ancestrais ou tradicionais, especificamente em função da lógica econômica e reprodutibilidade na escola dessa mesma lógica. O eco que trazemos é, propositadamente, desconexo de receitas e caminhos de sucesso, mas faz parte do exercício do pensamento da diferença na posição cartográfica menor da autoria. Podem-se vislumbrar as imagens na potência de suas criações ou desestabilizações de sistemas-mundos com as sugestões apontadas ou, ainda, como provocações acionadas em diferentes contextos ou fases escolares para se pensar uma educação ambiental que acontece sem promover agendas ecológicas alienadas das múltiplas realidades e histórias brasileiras.

Trazendo à tona essas realidades, o artista visual indígena Denilson Baniwa tem composto obras transdisciplinarizando a discussão de usos e recursos da tradição ocidental com imagens e costumes de seu povo. As obras de Denilson podem ser pensadas em propostas para se discutir a questão dos direitos dos povos originários, o impacto do sistema colonial na história, mas também nas condições atuais disponibilizadas para os indígenas, no que concerne à aculturação (Figura 3). Vale demarcar que nossos colonizadores se apropriaram de quase tudo, condicionando as culturas originárias a repetirem padrões da religião, das moralidades, das artes e das estéticas norte-globalistas (Maddox, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves; CARVALHO, Fabiana Aparecida de; MAIO, Eliane Rose. Culturas, Artes e “Biologias”: pulverizar os pensares colonizados e marcas outros possíveis para as corpas, os gêneros e as sexualidades que não se dobram. In: ACCORSI, Fernanda; BALISCEI, João Paulo; TAKARA, Samilo. Como pode uma Pedagogia viver Fora da Escola? Estudos sobre pedagogias culturais. Londrina: Syntagma Editores, 2021. P. 237-260.).

Figura 3
Colagem com imagens da série Ficções coloniais (ou finjam que não estou aqui)

Podemos buscar linhas de fuga da discussão habitual do histórico de colonização do Brasil, dos enredos de bandeirantes que atravessaram os territórios do interior sendo retratados como heróis e desbravadores, embora tenham deixado rastros de assassinatos, feminicídios, roubos, expropriações e de devastação ambiental em função do extrativismo de matéria-prima e da expansão político-territorial. Essas imagens também contribuem para questionar as expedições dos viajantes europeus que criaram o mito do paraíso perdido e da natureza indomada, suscitando olhares sobre a fauna, a flora e os grupos autóctones ameríndios espalhados pelo Brasil.

A obra Kahtiri Eõrõ (Espelho da Vida), da indígena tucana Daiara Hori Tukano (Figura 4), apresentada na 34.ª Bienal de São Paulo, em 2021, também denuncia essa expropriação trazendo à tona a história dos mantos tupinambás roubados de indígenas brasileiros para serem comercializados na Europa e, atualmente, exibidos em exposições museais internacionais como relatos da colonização ou como fetichizações das comunidades originárias (Maddox, 2021MADDOX, Cleberson Diego Gonçalves; CARVALHO, Fabiana Aparecida de; MAIO, Eliane Rose. Culturas, Artes e “Biologias”: pulverizar os pensares colonizados e marcas outros possíveis para as corpas, os gêneros e as sexualidades que não se dobram. In: ACCORSI, Fernanda; BALISCEI, João Paulo; TAKARA, Samilo. Como pode uma Pedagogia viver Fora da Escola? Estudos sobre pedagogias culturais. Londrina: Syntagma Editores, 2021. P. 237-260.).

O manto de Daiara congrega um espelho que reflete o público e o remete a um espaço imemorial de pensar a si nas contradições coloniais e na desagregação ambiental de nossa história que, de imediato, usualmente não se revelam na educação ambiental maior e colonialista.

Figura 4
Kahtiri Eõrõ (Espelho da Vida)

É na afetação de nossos sentidos que as narrativas artísticas de Denilson e Daiara podem, a nosso ver, ser vistas como contra dispositivos e como possibilidade de desestabilização dos modos de subjetivação capitalístico acerca de nossa memória ancestral, da ideia de uma descoberta do Brasil, de desimportância das tribos indígenas e da visão forjada de dependência desses povos em relação aos fundadores brancos. Elas permitem recontar os mitos da fundação das raças cordiais, causando esse estranhamento acerca da invasão de uma cultura com objetos ou ficções do colonizador. Logicamente, não está em questão uma ideia cronológica do tempo, que fixa a colonialidade lá atrás e não posiciona as opressões imperiais de nosso tempo, mas, sim, a transformação das visões unilaterais difundidas numa educação ambiental da tradição que pode, inclusive, omitir nosso papel perante as usurpações, os preconceitos, os apagamentos e as discriminações acerca das diferentes etnias indígenas, seus modos de vida e seus artefatos cuja significância, simbólica e conectada aos ciclos ambientais, não é a do valor monetário.

No contexto atual, como anteriormente mencionado, a desregulamentação dos direitos indígenas toma corpo em discursos, leis, campanhas, frentes parlamentares e incentivos ao extermínio dos povos via armamento de grupos milicianos, mineradores e agropecuaristas interessados nos recursos ambientais de unidades de conservação, reservas e terras que alocam comunidades autóctones que contribuem para a guarda da diversidade biológica e da diversidade de saberes.

Recorrer a Jaider Esbell e a sua denúncia do extermínio ocorrido em terras amazônicas é fugir dos apelos ingênuos à preservação do bioma tropical que não levam em consideração histórias de assentamentos, relações socioambientais, choque de culturas e problemas trazidos pelos colonizadores às comunidades indígenas. Exploração, tráfico, alcoolismo, estupro e outras violações derivadas da exploração desordenada e das opressões do poder são denunciadas na série Era uma vez Amazônia (Figura 5).

Figura 5
Colagem com imagens da série It was Amazon

Jaider traz testemunhos de vivências coletivas com a arte indígena contemporânea realizadas em Roraima, expõe os fazeres coletivos comunitários desenvolvidos com o povo Xirixana, habitante da Reserva Indígena Yanomami, região de floresta amazônica, bem como diversas atividades com indígenas do lavrado e das montanhas e seus confrontos com setores do agronegócio para compor a narrativa de uma Amazônia que já não é – e nunca foi – o idílio do paraíso perdido inventado pelos colonizadores ou, ainda, de uma Amazônia que padece, segundo as palavras do artista desenhadas na imagem, junto a “Cada um de nós destrói a natureza, o Futuro, na medida da construção de nosso Presente, na nossa fardofelicidade pseudomerecida” (Eisbell, 2016ESBELL, Jaider. It was Amazon. 2016. 17 ilustrações. Disponível em: http://www.jaideresbell.com.br/site/2016/07/01/it-was-amazon/. Acesso em: 10 abr. 2022.
http://www.jaideresbell.com.br/site/2016...
, s. p.).

Indicamos que o acionamento dessas imagens quebra a lógica eurocêntrica e branca das discussões ambientais voltadas à questão ambiental brasileira. Em outro contexto, quando se acionam em atividades de educação ambiental no ensino de ciências, as atividades em torno da temática lixo e as ideias de reciclagem, reuso e reaproveitamento são recorrentemente lembradas em livros didáticos ou intervenções pedagógicas. Entretanto, as discussões são desconectadas das dinâmicas de consumo e das degradações ambientais contextualizadas em relação à miséria, à fome, à desigualdade social e aos atravessamentos interseccionais de classe, etnia, trabalho, gênero, pertencimento, identidades e identificações diversas, estando mais focadas em ações individuais e padronizáveis como expectativas de mudanças do quadro socioambiental desequilibrado.

O biólogo e performer indígena Emerson Munduruku, valendo-se das montagens de feminilidades e masculinidades associadas ao universo Drag Queen/King e da categoria gênero como uma dinâmica de análise e contestação, usa seu corpo transformista para denunciar as agressões ambientais e o abandono de povos da floresta (Figura 6).

Figura 6
Colagem com imagens de performances de Uýra Sodoma (Emerson Munduruku)

Em vez de adentrar em uma educação ambiental do consenso, a personagem Uýra Sodoma transfigura-se com elementos orgânicos e inorgânicos para denunciar a superexploração da natureza, a pauperização de seu povo e o racismo ambiental, evocando o alerta sobre o esquecimento e sobre a depreciação de espaços e lugares em função da racialização histórica dos povos. Além disso, Uýra, movendo seu corpo performático para os espaços precários, expõe as tecnologias desintegradoras dos direitos sociais e ambientais, a fim de evidenciar doenças sistêmicas, endêmicas, bem como os abandonos, descasos governamentais e estéticos com os ambientes e a natureza. Nessas junções, Uýra causa incômodos em relação aos nossos modos ecológicos estabilizados, porém cria parentesco, capacidade de associações (Haraway, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantatonoceno, Chthuluceno: fazendo parênteses. ClimaCom Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte, São Paulo, Unicamp, n. 5, p. 139-141, 2016.) com outras espécies, gestando uma irmandade empática com elementos botânicos e zoológicos, levando consigo, em seu corpo, a floresta que anda e denuncia os interesses das ações operadas por projetos do capital.

Uýra Sodoma (ou Emerson Munduruku) pode ser acionada nas atividades de ensino e educação para os ambientes para também problematizar o impacto das colonialidades nos gêneros, em especial, na construção de mulheridades e das diferenças dissonantes dos binarismos. Em ambientes precarizados pela sociedade mercadológica, do consumo e do predomínio da ótica capitalística, mulheres e LGBTQIA+ de todos os grupos minorizados são sempre as/os que mais sofrem com as desigualdades socioambientais. São corpos perseguidos e matáveis nas políticas de expropriação, de modo que necessitam, sistematicamente, de olhares construídos pelos currículos e pelas propostas pedagógicas, a fim de que sejam abarcados também por uma educação ambiental que transgrida o binarismo de gênero e a ideia de afetividade engessada na heterossexualidade, conforme criticam Carvalho e Gonçalves (2021, p. 3)CARVALHO, Fabiana Aparecida de; GONÇALVES, Cleberson Diego. Subvertendo os Corpos Ensinados em Arte e Biologia: por uma pedagogia relacional. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SEXUAL, 7., 2021, Maringá. Anais […]. Maringá: UEM, 2021. Disponível em: https://bityli.com/rphLRr. Acesso em: 14 abr. 2022.
https://bityli.com/rphLRr...
:

[…] o branco, o claro, a civilização, a ordem binária dos gêneros, a heterossexualidade, a diferença sexual, a conjugabilidade, a compartimentalização das estruturas orgânicas, o inatismo, a perspectiva artístico-matemática, os ideários de beleza greco-romanas, as escolas estéticas, a organicidade humana esquadrinhada em hierarquizações tornaram-se mais que metáforas e contingências históricas, dispositivos que configuram pedagogias a nos ensinar, num regime de colonização dos saberes, a como nos comportar, a tomar a anato-fisiologia como a base de nossas existências, a estabelecer normas para regrar, adestrar e padronizar os corpos, a aceitá-los como civilizados, belos e bem educados enquanto se anulam as dissidências, as negritudes, os grupos étnico-culturais, a fluidez sexo/gênero, as dinâmicas afetivas homo-lesbo-bi sexuadas, as transgeneridades e a própria autopoésis orgânica. As epistemes do norte global determinaram, sobretudo, apagamentos para as estéticas originárias de América, África ou Ásia e para os saberes científicos desses povos.

Essas epistemes também determinaram a nossa compreensão ambiental antropo e biocêntrica; essa é uma compreensão que necessita ser discutida nas escolas, a fim de decolonizar o currículo. Vale destacar que as obras e o ativismo deslocados para o nosso texto não possuem também o caráter de obras úteis. São antes desdobráveis, portas de entrada, debates pensados por nós para outras lógicas e para se acionar a força molecular das articulações da resistência. Logo, os indicativos mencionados para certas operações, que podem ser inspiradoras para o ensino de ciências ou de outras áreas do conhecimento, são também desmontáveis e podem estar agenciados à potência criadora das discussões, da desestabilização do pensamento único e outras educações ambientais que decolonizam o currículo e evidenciam a diferença.

Considerações Finais

Optamos por dar visibilidade às produções artísticas que, sem a intenção hegemônica de uma educação ambiental oficial, tencionam e discutem questões ecológicas e sociais dentro de uma temática não colonialista. Esse viés, a nosso ver, é importante para se contrapor à educação ambiental maior e reducionista, justamente porque ela deixa de fora os grupos minoritários e se projeta de maneira produtiva e utilitária.

Recepcionamos autores que embasam possibilidades e indicações que se intercruzam com, por exemplo, o ensino de ciências e a arte produzida no Sul, cartografando uma educação ambiental da ordem molecular, com conhecimentos, experiências e saberes situados nos grupos subalternizados, colocando-os também como sujeitos ecológicos não cristalizados pelos discursos ecológicos hegemônicos e pela contradição do desenvolvimento sustentável. Logo, pensamos com os ecos da menoridade dos protagonistas e propositores de outras verdades – aqueles a quem a maneira normatizada de produzir (valor, capital, saber, ambiente ou modos de ser) segrega à margem, à trincheira da história.

São essas educações menores os gatilhos que nos fazem pensar – ecosoficamente – nas sociedades desgastadas pelo empreendedorismo mercadológico e pelo trabalho produtivo, na necropolítica e no governamento pela morte de minorizados, nos ambientes aprisionados em apocalipses cada vez maiores e próximos. Enfim, nos fazem pensar em todos esses problemas gestados no Capitaloceno e na venda de uma suposta progressão da humanidade que colocam em dúvida a existência de futuros para a civilização e para o planeta.

Nesse contexto, outras percepções, ecologias, relações e sensibilidades que adiam o fim do mundo, ou seja, que geram a cooperação empática além do humano, tornam-se críticas, mas também poéticas e se posicionam como afetações e mudanças de rumo diante dos colapsos ecológicos gerados pelo Ocidente.

O pensamento-escrita apresentado não foi somente para refletir sobre ações ecológicas antropocêntricas e eurocêntricas, ou seja, as ações voltadas para a branquitude como sistema-mundo, mas sim refletir sobre as ações voltadas para uma ideia preservacionista e biológica que desfoca as relações socioambientais situadas. O intuito, aportando subjetividade nas críticas apresentadas, é pensar que outras relações com os ambientes se tornam visíveis quando colocamos em suspensão as verdades e as políticas neoliberais.

Caminhamos, portanto, por uma perspectiva ambiental de valoração das cosmo e sócio visões ancestrais e das pessoas que resistem às opressões históricas. Nesse contexto, as ideias lançadas podem ser conectáveis a outros modos de vida e pensamento, numa relação ecosófica plural que vislumbra a desterritorialização da ordem do mundo, do ensino de ciências e da ordem curricular como fabricadoras de relações ambientais unívocas.

Notas

  • 1
    Não é objetivo deste trabalho apresentar uma digressão sobre as Conferências da ONU acerca das questões ambientais. Para saber mais sobre o assunto, sugerimos a leitura de Otoni-Reis (2008)TOZONI-REIS, Marília de Freitas de Campos. Educação Ambiental: natureza, razão e história. Campinas: Autores Associados, 2008..
  • 2
    O’Connor, Martín. On the Misadventures of Capitalist Nature. In: O’Connor, Martín (Ed.). Is Capitalism Sustainable? Political economy and the politics of ecology. New York: The Guilford Press, 1994. P. 125-151.
  • 3
    Embora o texto não objetive discutir minuciosamente os conceitos de território, desterritorialização e reterritorialização nas teorizações deleuzianas e guattarianas (Deleuze; Guattari, 2010DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.), para efeito desta escrita, podemos apontar que territórios (políticos, geográficos, corporais, conceituais) instituem-se por enunciações e ordenamentos, muitos dos quais, totalitários, coligados às ordens do controle e da sujeição. O movimento de desterritorialização, lido como quebra de discursos e de ordenamentos, opera pela construção de subjetividades e (micro) políticas que agenciam linhas de fuga, no caso aqui empregado, divergentes das imposições disciplinares e das enunciações normativas. Com esse entendimento, o discurso ambiental – território constituído a partir de uma ordem ambiental hegemônica, bem como suas táticas de controle, seleção ou exclusão de outros modos ecológica ou naturalmente orientados –, é desterritorializado, por exemplo, quando práticas ambientais reposicionam saberes dos povos originários, das comunidades tradicionais, das comunidades periféricas, dos movimentos sociais contra hegemônicos, acionando, concomitantemente, outras estéticas ambientais e a visibilização de discursos que não requerem, para si, o estatuto de uma educação ambiental molar, universalizada e padrão. Outras subjetividades, portanto, repaginam os territórios instituídos dos discursos ambientais e se reterritorializam, movendo-se, na correlação de forças, com intensidades, deslocamentos, reinvenções, poéticas, estéticas, usos menores e expansões da educação ambiental.
  • 4
    A colonialidade alude a expressões opressivas políticas, econômicas, ambientais, raciais, de gênero e epistêmicas diversas, gestadas na Modernidade e recrudescidas no Capitalismo Global (período demarcado desde a expansão do mercantilismo, da estruturação burguesa e do avanço territorial da Europa sobre outros continentes no século XVI até o predomínio imperialista e fortalecimento do neoliberalismo na atualidade). A colonialidade do poder eurocêntrico e estadunidense se estende a diferentes controles – da economia, da autoridade, dos ambientes, do gênero e da sexualidade e das subjetividades e conhecimentos (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.; Ballestrin, 2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O elo perdido do giro decolonial. Dados, Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, p. 505–540, 2017.). Grupos ativistas e intelectuais latinos voltam-se às epistemes e práticas que descentram o Norte Global e promovem a interlocução de saberes a partir dos posicionamentos locais.
  • 5
    Para Krenak (2020)KRENAK, Ailton. A Vida não é Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., o futuro de escassez e de crise não é o futuro gestado por esses povos.
  • 6
    Não há consenso quanto à definição de Antropoceno e Capitaloceno na literatura científica; explorar todas as definições, nem sempre convergentes, escapa aos objetivos deste artigo. Todavia, empregamos o termo Antropoceno como conceito que compreende as modificações humanas na biosfera numa curtíssima escala do tempo geológico. Tais interferências são legitimadas, na atualidade, pelas lógicas de mercado, consumo, expropriação humana e ambiental, e contribuem para dimensionar o capitalismo mundial integrado como um sistema-mundo ecológico, ou seja, como uma maneira de conceber e organizar natureza e ambientes como matérias-primas baratas e exploradas pelo imperialismo/colonialismo. Nessa visão, a derrocada ambiental (mudanças climáticas, alterações geomorfológicas, perpetuação da desigualdade social e dos quadros de precarização e miséria) não deve ser imputada à humanidade como um todo, mas, sim, às/aos mais abastadas/os, às/aos privilegiadas/os socialmente, ao norte global (Moore, 2015MOORE, Jason. Capitalism in the Web of Life: ecology and the accumulation of capital. New York; London: Verso, 2015.). Ao reforçar hierarquias globais instituídas pelos projetos de modernidade (norte – sul, primeiro – terceiro mundo, desenvolvido – subdesenvolvido), de classe (ricas/os – pobres), de raça (brancas/os – negras/os), entre outras, o Capitaloceno opera extinções massivas, não apenas ecológicas, mas geográficas, linguísticas, epistêmicas cujas consequências, em maior intensidade, são vividas por populações em situação de precarização socioambiental.

Referências

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Editado por

Editores responsáveis: Luís Henrique Sacchi dos Santos; Leandro Belinaso Guimarães; Daniela Ripoll

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2022
  • Aceito
    07 Mar 2023
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