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O Educador na Universidade Sénior em Portugal

RESUMO

Os educadores são considerados os elementos-chave no desenvolvimento de propostas educativas das Universidades Sénior em Portugal. Considerando a abordagem teórica da gerontologia educacional, a pesquisa exploratória e qualitativa identificou as principais características recomendadas para os educadores, segundo a perspectiva dos seniores, educadores e técnicos (pesquisadores e especialistas) no campo da educação de idosos. As mensagens de 265 participantes foram submetidas à análise de conteúdo e os resultados apresentaram que aspectos técnicos e, principalmente, afetivos são considerados importantes e aconselháveis para os que ensinam a seniores. Sugere-se a adoção de um modelo técnico-afetivo na condução do ensino-aprendizagem para seniores.

Palavras-chave
Universidade Sênior; Educadores; Idosos; Ensino-Aprendizagem

ABSTRACT

Educators are considered to be key players in the development of educational proposals of Senior Universities in Portugal. In the theoretical perspective of educational gerontology, this exploratory and qualitative research has identified the characteristics recommended for educators, based on the perspectives of older learners and educators, as well as those of technicians (researchers and experts) in the field of education for the older adults. Messages from 265 participants were submitted to content analysis and the results have shown that affective, primarily, and technical aspects of third-age education are seen as important, and thus recommended for those who teach seniors. The adoption of a technical-affective model for the teaching-learning practice regarding seniors is suggested.

Keywords
Senior University; Educators; Older Adults; Teaching-Learning

Introdução

Os processos educativos para os adultos mais velhos têm sido uma temática recorrente de pesquisas (Hachem, 2020HACHEM, Hany. Is There a Need for a Fourth Statement? An examination of the critical and humanist statements of educational gerontology principles. International Journal of Lifelong Education, v. 39, n. 5-6, p. 465-477, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/02601370.2020.1801869. Acesso em: 6 fev. 2022.
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; Flauzino et al., 2022FLAUZINO, Karina et al. Lifelong Learning Activities for Older Adults: a scoping review. Educational Gerontology, v. 48, n. 5, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03601277.2022.2052507. Acesso em: 2 maio 2022.
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). A compreensão de ações educativas para e sobre as pessoas idosas e o processo de envelhecimento é a temática central de investigação do campo multidisciplinar da gerontologia educacional, o qual fundamenta-se no reconhecimento das pessoas idosas como aprendizes ao longo da vida (Hachem, 2020HACHEM, Hany. Is There a Need for a Fourth Statement? An examination of the critical and humanist statements of educational gerontology principles. International Journal of Lifelong Education, v. 39, n. 5-6, p. 465-477, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/02601370.2020.1801869. Acesso em: 6 fev. 2022.
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). A geragogia refere-se à educação de, e para, idosos, embora não tenha sido o único termo para examinar o ensino e a aprendizagem de pessoas mais velhas (Findsen; Formosa, 2011FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116.). Há uma variedade de terminologias semelhantes para referenciar a educação de idosos como, por exemplo, gerontagogia, gerogogia, geragogia crítica e educação permanente, as quais apresentam natureza (campo/programa, ciência/disciplina ou reflexão teórica), ancoragem disciplinar (gerontologia multidisciplinar ou ciência da educação) e abordagens argumentativas distintas.

Conforme apresenta Kern (2018)KERN, Dominique. Research on Epistemological Models of Older Adult Education: the need of a contradictory discussion. Educational Gerontology, v. 44, n. 5-6, p. 338-353, maio 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03601277.2018.1475123. Acesso em: 3 mar. 2022.
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, a gerontagogia aparece ancorada na disciplina da educação e sustenta o argumento de que as práticas educativas podem ajudar os idosos a lidar com as mudanças decorrentes do processo de envelhecimento. A terminologia gerogogia apresenta o processo de ensino e aprendizagem como um empreendimento coletivo, ancorada no campo da gerontologia. Já a terminologia geragogia crítica exprime uma abordagem argumentativa com intenções emancipatórias, fundamentando-se na disciplina da educação. E, por sua vez, a terminologia da educação permanente baseia suas práticas educativas de acordo com as necessidades e os objetivos do educando.

Dessa maneira, afirma-se que as questões relacionadas aos objetivos, à tipologia e à própria designação de educação para idosos não exprime um consenso na literatura (Gil, 2015GIL, Henrique. Educação Gerontológica na Contemporaneidade: a gerontagogia, as universidades de terceira idade e os nativos digitais. Revista Brasileira de Ciências Do Envelhecimento Humano, Passo Fundo, UPF, v. 12, n. 3, p. 212-233, set./dez. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.5335/rbceh.v12i3.6005. Acesso em: 23 abr. 2022.
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). Além disso, o papel do educador se apresenta de maneira distinta ao considerar a perspectiva filosófica adotada no campo da gerontologia educacional. Conforme destaca Hachem (2020)HACHEM, Hany. Is There a Need for a Fourth Statement? An examination of the critical and humanist statements of educational gerontology principles. International Journal of Lifelong Education, v. 39, n. 5-6, p. 465-477, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/02601370.2020.1801869. Acesso em: 6 fev. 2022.
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, a educação de idosos, em uma visão humanista, objetiva a autorrealização e o crescimento pessoal, sendo o educador um facilitador no processo de aprendizagem. Por outro lado, na visão crítica, o objetivo centra-se na mudança social alinhada aos conceitos de empoderamento e emancipação, no qual o educador assume uma posição no direcionamento do ensino.

Findsen e Formosa (2011)FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116. ressaltam que as experiências de aprendizagem tornar-se-ão mais eficientes para os idosos quando os educadores obtiverem uma maior consciência e sensibilidade sobre as questões gerontológicas – “[…] as quais é claro, serão altamente diversificadas, considerando o amplo caráter heterogêneo da fase mais tardia da vida” (Findsen; Formosa, 2011FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116., p. 105). Diante das singularidades dos educandos, a aplicação dos métodos didáticos pode requerer alguma personalização no processo de ensino, pois a educação para os mais velhos não se configura como uma extensão da andragogia1 1 Andragogia é apresentada por Malcolm Knowles como a teoria que ajuda os adultos a aprenderem, O modelo de suposições para a aprendizagem adulta sob uma estrutura conceitual e a inobservância das estruturas sociais e históricas neste processo constituem as principais críticas a esta teoria. Ver Findsen e Formosa (2011). (educação de adultos), a qual se diferencia em muitos aspectos, principalmente, nos âmbitos das necessidades e motivações educacionais (Brink, 2017BRINK, Satya. Learning in Later Years in the Lifelong Learning Trajectory. Journal of Intergenerational Relationships, v. 15, n. 1, p. 14-25, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1080/15350770.2017.1260391. Acesso em: 2 maio 2022.
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).

Jarvis (2004)JARVIS, Peter. Adult Education and Lifelong Learning Theory and Practice. London: RoutledgeFalmer, 2004. explica que, na visão tradicional, o ensino envolve uma seleção de conhecimentos e habilidades do meio cultural, transmitidos pelos educadores por uma técnica habilidosa. Para o autor, tal abordagem demonstra ser inadequada no ensino de alunos mais velhos, pois suas experiências educacionais anteriores devem ser reconhecidas. Nesse sentido, nas práticas geragógicas, cabe aos educadores identificar as necessidades de aprendizagem e diagnosticar o nível de conhecimentos prévios de seus alunos, o que envolve uma interação humana, ou seja, um ensino humanístico que possa “[…] capacitar o ser humano a atingir seu próprio potencial, sem impor-lhe resultados predeterminados, embora se reconheça a importância do que se aprende neste processo” (Jarvis, 2004JARVIS, Peter. Adult Education and Lifelong Learning Theory and Practice. London: RoutledgeFalmer, 2004., p. 195). Isso quer dizer que a forma de ensinar é tão importante quanto os métodos empreendidos nas ações educativas para os mais velhos, os quais devem ser encorajados e motivados para a criação de conhecimentos. As experiências de aprendizagens dos idosos podem ocorrer em diferentes locais como nas associações, centros comunitários, bibliotecas, museus, galerias de artes, centros educacionais, e, na maioria dos casos, em universidades (Flauzino et al. 2022FLAUZINO, Karina et al. Lifelong Learning Activities for Older Adults: a scoping review. Educational Gerontology, v. 48, n. 5, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03601277.2022.2052507. Acesso em: 2 maio 2022.
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). Neste contexto, destaca-se o programa da Universidade da Terceira Idade (U3A)2 2 U3A é a sigla adotada para University of the Third Age. , que é reconhecido mundialmente como um movimento de educação não formal para os idosos (Formosa, 2021FORMOSA, Marvin. Universities of the Third Age. In: GU, Danan; DUPRE, Matthew (Org.). Encyclopedia of Gerontology and Population Aging. Cham: Springer, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-3-030-22009-9_412. Acesso em: 1 maio 2022.
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). Desde a década de 70, os programas das U3A têm se adaptado às peculiaridades socioculturais de cada país, originando dois modelos principais: o modelo francês, no qual as atividades educativas estão vinculadas às instituições de ensino superior formal, e o modelo inglês, ofertadas por intermédio de grupos ou associações sem fins lucrativos, alicerçadas nos princípios de autoajuda e voluntariado (Vellas, 2019VELLAS, François. Origins and Development: the francophone model of universities of the third age. In: FORMOSA, Marvin (Ed.). The University of the Third Age and Active Ageing European and Asian-Pacific Perspectives. Cham: Springer, 2019. P. 19-30. (International Perspectives on Aging, volume 23). Disponível em: https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-3-030-21515-6. Acesso em: 29 jan. 2022.
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).

Em Portugal, a primeira Universidade Internacional da Terceira Idade fundou-se em 1976, em Lisboa (Teixeira, 2017TEIXEIRA, Élia. A Importância da Universidade Sénior para um Envelhecimento Ativo: Universidade Sénior De Machico - um estudo de caso na Ram. Revista UIIPS, Santarém, Instituto Politécnico de Santarém, v. 5, n. 3, p. 142-159, 2017.). Desde então, diversas instituições foram criadas no país com diferentes nomenclaturas – como Universidades Seniores, Universidades da Maturidade e Academias de Cultura e Cooperação – sendo a maioria não vinculada às instituições educativas formais (Páscoa; Gil, 2019PÁSCOA, Gina; GIL, Henrique. As Universidades Seniores e o Envelhecimento Ativo: os impactos junto das pessoas idosas em Portugal. Kairós: Gerontologia, Sorocaba, PUC-SP, v. 22, n. 1, p. 41-58, mar. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.23925/2176-901x.2019v22i1p41-58. Acesso em: 2 mar. 2022.
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). Desse modo, as Universidades Seniores (US) aproximam-se do modelo inglês, por serem criadas por organizações não governamentais e do terceiro setor.

Segundo a Associação Rede das Universidades da Terceira Idade (RUTIS), 249 Academias e Universidades Seniores atendiam mais de 35.000 membros portugueses a partir de 50 anos de idade em 2015, com a oferta de 4.300 disciplinas ministradas, principalmente, por educadores voluntários, 92% (RUTIS, 2016RUTIS. Rede de Universidades da Terceira Idade. Caracterização Sumária das Universidades Seniores Portuguesas. Almeirim: RUTIS, 2016.). Dados recentes sinalizam o total de 368 Universidades Seniores inscritas na RUTIS com, aproximadamente, 61.000 membros matriculados e mais de 7.200 educadores voluntários (Jacob, 2020JACOB, Luis. US em Portugal e Apresentação da Bolsa de Estudos Superiores RUTIS/PSE. In: INTERNATIONAL SCIENTIFIC CONFERENCE OF EDUCATIONAL PROJECTS FOR SENIORS - RIPE+50, 5., 2020, Portugal. Anais […]. Portugal: RUTIS, 9 dez. 2020.).

Diversas pesquisas têm demonstrado os benefícios na vida dos participantes que frequentam as U3A’s (Adamo et al., 2017ADAMO, Chadi et al. Universidade Aberta para a Terceira Idade: o impacto da educação continuada na qualidade de vida dos idosos. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 20, n. 4, p. 550-560, jul./ago. 2017. Disponível em: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160192. Acesso em: 2 maio 2022.
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). Verifica-se maior socialização e percepção de uma vivência mais ativa dos participantes após a frequência nos programas educativos, o que sugere benefícios para a qualidade do envelhecimento (Teixeira, 2017TEIXEIRA, Élia. A Importância da Universidade Sénior para um Envelhecimento Ativo: Universidade Sénior De Machico - um estudo de caso na Ram. Revista UIIPS, Santarém, Instituto Politécnico de Santarém, v. 5, n. 3, p. 142-159, 2017.). Além disso, a participação nas US’s geram impactos em outros âmbitos, tais como: nas relações sociais, no processo de aprendizagem e na promoção de uma vida mais ativa (Santos; Lopes; Lobão, 2018SANTOS, Virgínia; LOPES, Sara; LOBÃO, Catarina. O Contributo da Universidade Sénior de Pombal na Promoção do Envelhecimento Ativo dos seus Estudantes. Research and Networks in Health, v. 1, n. 4, p. 1-4, dez. 2018.). Outros estudos destacam melhora no estado de saúde física e mental, diminuição dos sentimentos de solidão e depressão, bem como a redução no consumo de medicamentos para a ansiedade (Jacob; Lisa; Pocinho, 2019JACOB, Luis; LISA, Valéria; POCINHO, Ricardo. The Senior Universities Students in Portugal and Brazil. Geopolitical, Social Security and Freedom Journal, v. 2, n. 1, p. 11-20. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.2478/gssfj-2019-0002. Acesso em: 5 abr. 2022.
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; Ricardo, 2016RICARDO, Rute. A Educação e a Terceira Idade em Portugal: estudo exploratório de uma Universidade Sénior. Investigar Em Educação, Porto, U. Porto, II série, n. 5, p. 99-116, 2016.).

Porém, as peculiaridades dos educadores de idosos em contextos de educação não formal são pouco exploradas (Cachioni, 2018CACHIONI, Meire. Quem educa os idosos? Campinas: Alínea, 2018.). Pocinho, Lacerda e Santos (2015)POCINHO, Ricardo; LACERDA, João; SANTOS, Gisela. Perceções e Ajustamentos dos Professores de Universidades Seniores nos Contextos Educacionais com Pessoas Idosas em Portugal. Sinéctica, Jalisco, n. 45, p. 1-16, jul./dez. 2015. sinalizam que os educadores desempenham um papel central no funcionamento das práticas pedagógicas das US’s e que, portanto, eles devem estar preparados para atender as necessidades educacionais dos seniores, compreendendo-os como um grupo heterogêneo e diversificado em relação aos níveis educacionais.

A questão de pesquisa deste estudo centra-se em quais atributos principais são necessários para os educadores de idosos nas Universidades Sénior de Portugal? Assim, o objetivo deste artigo foi identificar as características profissionais e pessoais mais recomendadas aos educadores, a partir das percepções de seniores, pessoas maiores de 50 anos; educadores e de técnicos (profissionais e especialistas) do campo da educação de idosos. Os resultados desta pesquisa buscam contribuir com o debate sobre o processo de ensino-aprendizagem de seniores, a partir de reflexões gerontológicas focalizadas nos educadores.

Metodologia

A pesquisa de abordagem qualitativa e de caráter exploratória foi desenvolvida em ambiente virtual e realizada com apoio da RUTIS – reconhecida como uma instituição de Utilidade Pública que representa as US’s portuguesas com objetivos de promover o envelhecimento ativo. A RUTIS é legalmente constituída como uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), fundada em 21 de novembro de 2005, com sede em Almeirim, localizada no distrito de Santarém, Portugal.

Adotou-se a internet como um recurso para a coleta de dados nesta pesquisa devido à maior rapidez no contato com as informações cedidas pelos respondentes. Segundo Faleiros et al. (2016)FALEIROS, Fabiana et al. Use of Virtual Questionnaire and Dissemination as a Data Collection Strategy in Scientific Studies. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, UFSC, v. 25, n. 4, p. 3-8, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-07072016003880014. Acesso em: 2 maio 2022.
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, a utilização dos questionários virtuais configuram-se como um método alternativo diante do crescente uso da internet por diversos públicos e faixas etárias; além de proporcionar aos pesquisadores maior agilidade no desenvolvimento das pesquisas científicas.

O Quadro 1 representa o conjunto de perguntas dos questionários online, de acordo com o público-alvo da pesquisa: alunos seniores, educadores e técnicos (pesquisadores e especialistas). Os questionários online foram construídos a partir da ferramenta Google Docs e compostos por perguntas abertas, com intuito de ampliar as possibilidades de respostas dos participantes.

Quadro 1
Questões Direcionadas ao Público-Alvo da Pesquisa

Os critérios adotados para a escolha dos participantes técnicos (pesquisadores e especialistas) foram sua atuação na área do envelhecimento e em educação de adultos, bem como experiências em atividades desenvolvidas nas US’s. Assim, os questionários online foram enviados como carta-convite por e-mail particular de cada um dos técnicos. Para os educadores e os seniores, os questionários online foram divulgados publicamente em formato de links por intermédio da rede social Facebook da RUTIS, a qual congrega mais de 14.000 seguidores. Os dados da pesquisa foram coletados no período de 7 a 27 de novembro de 2019.

A amostra do estudo foi composta por 144 seniores, 103 educadores e 18 técnicos. Ressalta-se que na amostra de educadores, 89% deles eram voluntários em US; 85% mencionaram estar plenamente ou muito satisfeitos com a função de educador voluntário; e 46% relataram o período superior a quatro anos de vínculo com a US. Além disso, 52% (54) dos educadores informaram apresentar 61 anos ou mais, dos quais 28% (15) tinham entre 71 a 80 anos e 5% (3), mais de 81 anos.

Os resultados da pesquisa foram submetidos à análise de conteúdo, a qual compreende

[…] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens

(Bardin, 2016BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016., p. 48).

Dessa forma, os procedimentos metodológicos da pesquisa seguiram três fases, conforme apresenta Bardin (2016)BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.. Na primeira fase de pré-análise, após a leitura flutuante das mensagens, três áreas temáticas – técnica, afetiva e dificuldades – foram identificadas conforme as regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência ao estudo.

As mensagens foram organizadas e sistematizadas na segunda fase de exploração do material e submetidas à codificação categorial temática. As mensagens relacionadas às perguntas, exceto a P5, foram agrupadas em quatro categorias principais, e demais subcategorias, nas áreas técnica e afetiva, a saber: 1) conhecimentos; 2) capacidade de identificar as demandas dos seniores, de comunicar e de interagir com os seniores; 3) atenção para se disponibilizar, partilhar e ouvir os seniores; e 4) expressão, a qual reuniu um conjunto de qualidades pessoais mencionadas pelos participantes.

As mensagens da P5 destinada aos educadores compuseram a terceira área temática, constituindo o tema sobre as dificuldades, organizada em cinco categorias: 1) capacidades físicas ou cognitivas; 2) heterogeneidade dos seniores; 3) organização e prática didática; 4) outras; e 5) sem dificuldades. A frequência simples e a medida de coocorrência – quando houve mais de uma unidade de registro, ou seja “[…] segmento de conteúdo considerado unidade de base” (Bardin, 2016BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016., p. 134) – em uma mesma unidade de contexto) foram adotadas para o tratamento dos dados.

Na última fase metodológica, a inferência e a interpretação das mensagens foram evidenciadas, conferindo significados à descrição dos dados, adotando-se como referencial os princípios e abordagens geragógica do campo da gerontologia educacional. Todos os resultados foram alocados em um programa computacional3 3 Software NVivo (versão 10). para auxiliar na sua organização e exploração. Para a categoria de análise “expressão”, utilizou-se o recurso de nuvem de palavras para a visualização gráfica dos dados.

Resultados

A pesquisa identificou os atributos profissionais e pessoais dos educadores que atuam, ou que atuarão, com os idosos nas Universidades Sénior de Portugal. As principais dificuldades dos educadores no processo de ensino-aprendizagem também foram encontradas, as quais complementam a reflexão sobre a temática. A área técnica correspondeu aos conhecimentos gerontológicos, educacionais e às competências profissionais alinhadas à temática de ensino, por exemplo, informática, literatura ou fotografia. A área afetiva, por sua vez, como um conjunto de atitudes e qualidades pessoais e expressivas consideradas desejáveis aos que ensinam a seniores.

O Quadro 2 representa a organização categórica das mensagens provenientes dos 265 participantes na pesquisa, de acordo com as três áreas temáticas: técnica, afetiva e dificuldades.

Quadro 2
Áreas temáticas, categorias e subcategorias de análise com exemplos de mensagens correspondentes

A Tabela 1 corresponde à frequência simples das categorias de análise em relação às perguntas, exceto P5 (Quais são as principais dificuldades em dar aulas a seniores?) que corresponde às áreas técnica e afetiva. De maneira geral, observou-se que os aspectos afetivos referentes às habilidades sociais e qualidades pessoais foram indicados como os atributos importantes para os educadores de seniores, de acordo com as unidades de registro analisadas. Para os seniores, em relação à P1 (Enquanto membro, o que considera mais importante para ser um educador numa universidade sénior?), a categoria de conhecimentos (36%) sobressaiu na área técnica e na P2 (Enquanto membro, quais conselhos daria a uma pessoa que começa agora a dar aulas a seniores?), a maioria das unidades de registro foi identificada na categoria de expressão (64%), na área afetiva.

Tabela 1
Frequência das Categorias e Subcategorias de Análise referente às áreas Técnica e Afetiva, de acordo com os grupos participantes e as questões de pesquisa

Para os educadores, tanto na P3 (O que considera mais importante para ser um educador numa universidade sénior?) como na P4 (Quais conselhos dariam a uma pessoa que começa agora a dar aulas a seniores?), a área afetiva foi considerada a mais importante e aconselhada aos educadores que começam a dar aulas a seniores, com destaque para a categoria expressão, correspondendo a 43% e 46%, respectivamente. Já para os técnicos (especialistas e pesquisadores), constatou-se maior evidência da área técnica, em especial, a categoria de conhecimentos nas unidades de registro da P6 (O que considera mais importante para ser um educador numa universidade sénior?) com 44% e P7 (Quais conselhos dariam a uma pessoa que começa agora a dar aulas a seniores?), equivalente a 56%.

Área Temática: Técnica

A formação profissional, o domínio de conteúdos e a aplicação de métodos de ensino adequados aos perfis dos educandos foram considerados importantes conhecimentos para os educadores. Dentre as mensagens dos seniores destaca-se “Dominar o tema da disciplina que vai leccionar, ter formação pedagógica” (S1TC53), o que exprime concordância com as mensagens dos educadores e técnicos: “Preparação cuidada das aulas, adaptação dos materiais a utilizar aos interesses dos participantes, bem como a actualização de conteúdos a abordar [com] ajustes de estratégias sempre que se perceber a necessidade de voltar a abordar assuntos já tratados” (E3TC89); “Ter alguma formação em educação de adultos e, de preferência, de adultos idosos” (T6TC21).

Os resultados apresentam a necessidade dos educadores de criarem condições favoráveis para a convivência nos ambientes de aprendizagem, sendo importante e aconselhável interagir e comunicar com os seniores, conforme observado nas seguintes mensagens: “Conhecer cada um dos alunos e suas dificuldades especificas” (E4TAI10); “Procurar conhecer o grupo que tem à sua frente e tentar descobrir os seus interesses” (S2TAI117).

Além disso, a capacidade de identificar as demandas dos seniores e reconhecê-los como um grupo heterogêneo, de maneira a não os infantilizar no contexto de aprendizagem, também foram pontos de destaque nas mensagens, como em: “Que [o educador] se conscientize de que vai dar aulas a seniores e não a crianças!” (S2TAI78) e “Não nos tratem como crianças” (S1TAI96).

Área Temática: Afetiva

A Figura 1 representa a nuvem de palavras que compuseram a categoria expressão – com maior frequência na área afetiva (53%). Diante do conjunto de 34 palavras diferentes, a palavra paciência foi referida 70 vezes, com maior frequência (47 vezes) nas mensagens dos seniores; e a palavra empatia, 38 vezes no total das mensagens.

Figura 1
Nuvem de Palavras representativa da Categoria de Análise Expressão

Os técnicos e os educadores destacaram a importância da paciência como um atributo inerente ao ensino, conforme constam nas mensagens: “Ser paciente e compreensivo, dado que cada pessoa tem o seu ritmo de aprendizagem” (T6AE8) e “Conhecimentos e dedicação ao outro. É muito importante ter a capacidade e a paciência para respeitar a condição de cada aluno mantendo-os interessados e motivados” (E3TCAE60).

Cabe destacar que do total de respondentes (N=265), a complementariedade das áreas técnicas e afetivas foi constatada em 25% da amostra na P1, P3 e P6 e em 14% na P2, P4 e P7, o que se refere às medidas de coocorrência entre as temáticas, categorias e subcategorias de análise.

Área Temática: Dificuldades

Do total de 76 educadores respondentes, 35% deles mencionaram a dificuldade de organização e prática didática, as quais estiveram relacionadas a diferentes tópicos, como: escassez de materiais e recursos pedagógicos disponíveis, ausências e faltas constantes dos seniores, o tempo de duração das aulas e a quantidade de seniores por turma. Sobre estas questões, observaram-se as seguintes mensagens: “Aulas com muitos participantes e absentismo elevado” (E5DP52); “Ter tempo para dar atenção a todos, gerir expectativas e alguns desentendimentos” (E5DP20); “Não haver manuais nem material adequado” (E5DP27); “Mantê-los [os idosos] ativos durante a aula” (E5DP72) e “Contextualizar as aulas” (E5DP10).

A heterogeneidade dos seniores relacionada às experiências de vida, conhecimentos, expectativas e motivações para a aprendizagem apresentou-se desafiadora para 24% dos educadores, os quais identificaram essa dificuldade no ensino como, por exemplo, um “Desnível abismal entre os alunos” (E5DP59). Na mesma frequência, 24% dos educadores informaram não apresentar dificuldades em dar aulas a seniores. Já as categorias Capacidades Físicas e Cognitivas e Outras corresponderam a 14% e 3% das mensagens, respectivamente.

Discussão

A pesquisa demonstrou um conjunto de atributos necessários para exercer o cargo de educador nas Universidades Seniores de Portugal. As múltiplas perspectivas sobre a temática evidenciaram que os investimentos em áreas técnica e, principalmente, afetiva são fundamentais para os educadores, auxiliando-os na superação das principais dificuldades encontradas no processo de ensino-aprendizagem.

A importância do educador em identificar as principais demandas de aprendizagens dos seniores tornou evidente a observância de não os infantilizar no contexto educativo. Para as pessoas mais velhas, o uso da linguagem infantil – identificada como secondary baby talk (Caporael; Lukaszewski; Culbertson, 1983CAPORAEL, Linnda; LUKASZEWSKI, Marlene; CULBERTSON, Glen. Secondary Baby Talk: judgments by institutionalized elderly and their caregivers. Journal of Personality and Social Psychology, v. 44, n. 4, p. 746-754, 1983. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.44.4.746. Acesso em: 2 maio 2022.
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) – manifesta atitudes preconceituosas, o que reforça a visão estereotipada de que todas as pessoas idosas possuem déficits nas habilidades cognitivas e que, portanto, exigem uma linguagem simplificada e lenta (Nelson, 2005NELSON, Todd. Ageism: Prejudice against our feared future self. Journal of Social Issues, v. 61, n. 2, p. 207-221, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.2005.00402.x. Acesso em: 26 abr. 2022.
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). Como relata Palmore (2015)PALMORE, Erdman. Ageism Comes of Age. Journal of Gerontology: Social Sciences, v. 70, n. 6, p. 873-875, nov. 2015. Disponível em: https://doi.org/:10.1093/geronb/gbv079. Acesso em: 2 abr. 2022.
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, adquirir conhecimentos sobre a multidimensionalidade do processo de envelhecimento é uma das ações estratégicas para reverter o ageism (discriminação etária), pois aumenta a conscientização das pessoas sobre os impactos negativos destas situações e as condições práticas para reduzi-las, em nível individual e coletivo.

Conforme a pesquisa apresentou, a aquisição de conhecimentos pelos educadores pode auxiliá-los na organização do ensino, oferecendo-lhes estratégias facilitadoras para superar as dificuldades encontradas na aplicação das práticas didáticas, além de ampliar a compreensão dos aspectos gerontológicos presentes no processo educativo.

Apresentar boa comunicação e saber interagir com os seniores foram outros atributos mencionados nesta pesquisa como importantes e aconselháveis aos educadores, pois buscam favorecer uma relação harmoniosa entre educador-aluno. Boulton-Lewis e Tam (2018)BOULTON-LEWIS, Gillian; TAM, Maureen. Issues in Teaching and Learning for Older Adults in Hong Kong and Australia. Educational Gerontology, v. 44, n. 10, p. 639-647, set. 2018. Disponível em: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1080/03601277.2018.1521902. Acesso em: 2 maio 2022.
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salientam que os instrutores de idosos precisam ser flexíveis em suas abordagens de ensino. No contexto de aprendizagem das US’s, Pocinho, Lacerda e Santos (2015)POCINHO, Ricardo; LACERDA, João; SANTOS, Gisela. Perceções e Ajustamentos dos Professores de Universidades Seniores nos Contextos Educacionais com Pessoas Idosas em Portugal. Sinéctica, Jalisco, n. 45, p. 1-16, jul./dez. 2015. reforçam a pertinência de técnicas de ensino mais cativantes, alicerçadas no diálogo e proximidade com os seniores. Os princípios da prática geragógica alicerçados na coletividade e no diálogo ampliam as possibilidades de negociação sobre os conteúdos e estratégias metodológicas utilizadas no processo de aprendizagem, além de considerar os contextos sociais e políticos dos seniores (Findsen; Formosa, 2011FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116.).

No que se refere às qualidades pessoais do educador, a paciência demonstrou ser uma condição necessária, principalmente na visão dos seniores. Este resultado corrobora com o estudo de Flauzino et al. (2020)FLAUZINO, Karina et al. Letramento Digital para Idosos: percepções sobre o ensino-aprendizagem. Educação & Realidade, Porto Alegre, UFRGS, v. 45, n. 4, p. 1-17, 2020. Disponível em: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/2175-6236104913. Acesso em: 2 maio 2022.
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, no qual a paciência foi considerada pelos seniores o atributo mais apropriado para os instrutores de letramento digital. Os autores argumentam que a internalização de estereótipos negativos sobre o envelhecimento pelos idosos pode justificar a sugestão da paciência aos instrutores. Tal pressuposto também foi observado nos resultados desta pesquisa, quando os seniores indicaram uma generalização das dificuldades de aprendizagem e déficits cognitivos a todos os educandos mais velhos, utilizando-se a terceira pessoa do plural em suas mensagens, conforme observado nas resposta à P2 (Enquanto aluno, que conselhos daria a uma pessoa que começa agora a dar aulas a seniores?): “Ser paciente, uma vez que os seniores têm mais dificuldade a aprender” (S2TAIAE73) e “Ter muita paciência, já que os alunos têm alguma idade e a sua memória já não é muito boa” (S2AE75).

No entanto, nas mensagens de outros participantes da pesquisa (educadores e técnicos), a paciência não esteve atrelada aos problemas cognitivos ou de aprendizagem dos seniores, mas sim à observância da heterogeneidade dos seniores e à ponderação na condução de práticas didáticas. Assim, compreende-se que a característica de ser paciente apresenta diferentes significados no contexto educativo. Ou seja, nas percepções dos seniores, podem refletir as atitudes de implicit ageism, que se constitui de estereótipos relativos à idade manifestados implicitamente, sem a percepção consciente da pessoa (Levy; Banaji, 2002LEVY, Becca; BANAJI, Mahzarin. Implicit ageism. In: NELSON, Tood (Ed.). Ageism: Stereotyping and Prejudice Against Older Persons. Cambridge: MIT Press, 2002. P. 49-75.). Já na visão de educadores e técnicos, podem indicar a necessidade de evitar práticas paternalistas, nas quais os educadores assumem responsabilidades pela motivação e necessidades educacionais dos seniores (Formosa, 2002FORMOSA, Marvin. Critical Gerogogy: developing practical possibilities for critical educational gerontology. Education and Ageing, v. 17, n. 1, p. 73-85, 2002.).

A segunda expressão de maior importância para os educadores encontrada nesta pesquisa – a empatia – pode configurar um componente propulsor para a inclusão no processo de ensino-aprendizagem. Para Ko (2020)KO, Helen. Teaching Older Adults: an instructional model from Singapore. Educational Gerontology, v. 46, n. 12, p. 731-745, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03601277.2020.1807689. Acesso em: 3 mar. 2022.
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, a empatia refere-se à compreensão adequada dos instrutores sobre as dimensões psicossociais, emocionais e de gênero dos seniores, bem como a capacidade de motivá-los e facilitar o vínculo com e entre eles. O autor investigou os padrões de interações bem-sucedidas de instrutores com educandos asiáticos de baixo nível educacional (45 a 80 anos de idade) em um programa de alfabetização. O modelo teórico para o progresso de empoderamento dos educandos apresentado por Ko (2020)KO, Helen. Teaching Older Adults: an instructional model from Singapore. Educational Gerontology, v. 46, n. 12, p. 731-745, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03601277.2020.1807689. Acesso em: 3 mar. 2022.
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– composto por três fases: empatia, engajamento e empoderamento – sugere a criação de um ambiente de aprendizagem confortável e desafiador pelos instrutores para que possam diminuir gradativamente o seu envolvimento à medida que os educandos assumem o controle da própria aprendizagem e compartilhem conhecimentos uns com os outros.

Neste sentido, considerando a abordagem inclusiva no ensino apresentada por Wlodkowski (1999)WLODKOWSKI, Raymond. Enhancing Adult Motivation to Learn. San Francisco: Jossey-Bass, 1999., Findsen e Formosa (2011, p. 108)FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116. relatam que “[…] o relacionamento positivo entre professor e aluno proporciona um sentimento de inclusão social que gera muita motivação e entusiasmo e, consequentemente, um senso de comunidade”. A atenção dos educadores em disponibilizar-se, partilhar conhecimentos e saber ouvir os seniores reforça a compreensão de que uma relação pessoal permeia o processo de ensino-aprendizagem, para além do domínio de técnicas, conforme orienta Jarvis (2004, p. 195)JARVIS, Peter. Adult Education and Lifelong Learning Theory and Practice. London: RoutledgeFalmer, 2004.: “Fundamentalmente, o ensino é um processo humano, no qual os próprios professores podem ser os melhores instrumentos que eles têm para ajudar os alunos a aprender sua matéria e alcançar seu potencial”.

Considera-se como uma das limitações deste estudo o número reduzido de participantes na pesquisa, pois as US registradas na RUTIS apresentam mais de 68.000 colaboradores, entre seniores, educadores e coordenadores. Assim, são necessárias mais pesquisas sobre a temática, com abrangência de outros elementos para possam melhorar a compreensão dos aspectos técnico-afetivos apresentados pelos educadores, como, por exemplo, as crenças em relação à velhice, a finalidade das práticas educativas e das demais características sociodemográficas dos participantes.

Conclusão

Nas práticas geragógicas, a postura do educador representa um elemento-chave no desenvolvimento das atividades educativas. A pesquisa identificou um conjunto de habilidades e qualidades que caracterizam um educador nas US em Portugal. Na visão de seniores, educadores e técnicos, é importante e aconselhável que os educadores de idosos reúnam conhecimentos técnicos e características afetivas, as quais podem implicar diretamente no processo de ensino-aprendizagem.

Desta forma, os resultados da pesquisa demonstram a complexidade da prática geragógica, a qual exige a expressão de qualidades específicas, o domínio de habilidades em comunicação, interação e identificação de demandas educativas dos seniores pelos educadores, para além dos conhecimentos técnicos e abordagens metodológicas. A evidência dos atributos pessoais e profissionais aos educadores é condizente à proposta de um ensino mais humanizado, conforme destaca o teórico Jarvis (2004)JARVIS, Peter. Adult Education and Lifelong Learning Theory and Practice. London: RoutledgeFalmer, 2004..

Neste sentido, sugere-se a adoção de um modelo técnico-afetivo no ensino para seniores, com atenção dos educadores às atitudes de disponibilidade, partilha e escuta, com intuito de estabelecer uma relação empática e paciente com os seniores. Esta pesquisa amplia o debate sobre a educação de idosos e indica a necessidade de mais pesquisas sobre a temática, as quais possam revelar mais informações sobre quem são os educadores de idosos.

Notas

  • 1
    Andragogia é apresentada por Malcolm Knowles como a teoria que ajuda os adultos a aprenderem, O modelo de suposições para a aprendizagem adulta sob uma estrutura conceitual e a inobservância das estruturas sociais e históricas neste processo constituem as principais críticas a esta teoria. Ver Findsen e Formosa (2011)FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin. Geragogy. In: FINDSEN, Brian; FORMOSA, Marvin (Org.). Lifelong Learning in Later Life: a Handbook on Older Adult Learning. Boston: Sense, 2011. P. 103-116..
  • 2
    U3A é a sigla adotada para University of the Third Age.
  • 3
    Software NVivo (versão 10).
  • 4
    Nuvem de palavras desenvolvida com recursos disponíveis no site wordclouds.com.

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Editado por

Editora responsável: Carla Karnoppi Vasques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    19 Dez 2022
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