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Dizer ao Mundo de si na Literatura Freireana: o direito humano à palavra

RESUMO

Dizer ao mundo de si, no sentido pleno do ser, do estar e do agir, constitui-se em um dos legados de Paulo Freire para a Educação. Ora, para além do gesto concreto de sua pedagogia, a palavra escrita denunciou negligências e empoderou atitudes de resistência e libertação. Nesse sentido, refletir sobre o direito à palavra como direito humano é o propósito desse texto. A metodologia utiliza-se da pesquisa bibliográfica, problematizando a singularidade dos direitos humanos nos livros: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, entre outras obras, em diálogo com os fundamentos dos direitos humanos. O direito humano à palavra marca a singularidade da obra e pedagogia freireanas, que dizem ao mundo sobre si e sobre o outro.

Palavras-chave
Paulo Freire; Direito à Palavra; Direitos Humanos

ABSTRACT

Telling the world about oneself, in the full meaning of being and acting, is one of Paulo Freire’s legacy to the Education. Well, beyond the concrete gesture of his pedagogy, the written speech has denounced negligence and has powered resistance and liberation attitudes. In this manner, reflecting about the right of speech as human right is this text’s purpose. The methodology uses bibliographical search, discussing human rights singularity at the books: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, and others opus, in dialog with human rights fundaments. The human right to speech marks the singularity of Freire’s opus and pedagogy, that talks about oneself and themselves.

Keywords
Paulo Freire; Right to Speech; Human Rights

Introdução

Entre as heranças dos 21 anos de ditadura militar (1964-1985), destacam-se a censura aos meios de comunicação e à arte, violando o direito à palavra e à liberdade de pensamento; a disseminação do medo através da perseguição política e práticas de tortura; a imposição de uma cultura do silêncio e repressão, entre outras formas de violação acometidas nesse período. Constituem-se em fatos históricos a representar, no sentido freireano, as “situações-limite”, “[…] que se apresentam aos homens como se fossem determinantes históricos, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa senão adaptar-se” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 130).

De acordo com Freire (2011)FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., as “situações-limite” “abrigam” as motivações para sua própria superação, pois, em meio aos contextos adversos, o sujeito fará jus à capacidade humana de se contrapor criticamente perante situações que o colocam no limite de sua dignidade, de forma a superá-las ou quiçá transformá-las. Nesse momento, assumirá o protagonismo de enfrentamento às situações-limite impostas, elaborando o “inédito viável”.

Nessa perspectiva e no tocante à conjuntura arbitrária do regime militar, as mobilizações de estudantes, professores, sociedade civil, imprensa, movimentos e grupos sociais contra as barbáries desse período e em defesa da democracia configuraram o inédito viável da resistência à ditadura. Compreende-se que pessoas/grupos assumiram sua condição de sujeitos históricos e com muita luta, transformaram as situações-limite do autoritarismo no inédito-viável da democracia.

Essa singularidade, materializada na transformação das situações-limite ditatoriais no inédito viável da democracia e resistência, está inscrita e inserida na relação de autoria histórica no mundo como capacidade coletiva e humana de escrita e (re)escrita de si e dos outros sujeitos. É ação dinâmica e reflexiva em que (re)pensar a realidade, suas problemáticas e exclusões implica em um movimento dialógico de olhar para si sem desconsiderar o olhar para o outro. Trata-se, pois, de uma atitude concreta da escrita de si que acontece coletivamente, pois “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 108), de forma dialógica em comunhão com outros sujeitos.

Sendo esse outro a representação do coletivo social e suas conjunturas, a escrita de si é atravessada pela escrita do outro, e, nesse processo de (re)escritura, “dizer ao mundo de si” significa colocar-se no mundo de forma a usufruir do direito humano de ser gente. É também assumir-se como sujeito histórico capaz de formar-se e transformar a si e às realidades em volta.

Assim, “dizer ao mundo de si” trata-se de uma (re)escrita de si entrelaçada em dialogicidade com os demais sujeitos, em que o direito à palavra é, sobretudo, um direito humano, posto que ao pronunciá-la problematizam-se contextos e situações em que a pronúncia se faz denúncia, pois “dizer a palavra” é não se calar diante das injustiças e desigualdades. É projetar-se como sujeito que pensa, repensa, transforma. É (re)fazer-se de forma dialógica e interativa no cotidiano das relações (sociais, culturais, políticas, econômicas, antropológicas, educacionais, entre outras possibilidades); de forma que, “dizer ao mundo de si” compreende o pressuposto freireano de “dizer ao mundo para transformá-lo”.

Nesse sentido, dizer ao mundo sobre si comunica-se com a “[…] vocação gnosiológica do ser humano em querer ser mais” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 95), ser “[…] mais cidadão, mais sujeito de direitos” (Carbonari, 2007CARBONARI, Paulo César. Sujeito de Direitos Humanos: questões abertas e em construção. In. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007., p. 177), mais protagonista, mais capaz de transformar e transformar-se. É lutar pela efetivação dos direitos de todos e de cada um, de forma que, ao “dizer ao mundo de si”, coloca-se em prática o exercício efetivo do direito à palavra como um direito humano que se transforma em afirmação e efetivação da historicidade do sujeito.

Ato político, “dizer ao mundo de si” não se encerra quando o direito à palavra acontece, muito pelo contrário, envolve processos dinâmicos da interação do sujeito com e no lugar que ocupa (ou que pretende ocupar), o qual se expressa nos modos de ser, perceber-se e intervir no contexto que o circunda (ou para além deste). Esse lugar não é apenas geográfico, social ou político, é, sobretudo, histórico e humano. Não existe arrogância nesse ato que se projeta para a compreensão e reflexão de si, do outro e da realidade, mas a realização de um direito humano inegociável.

Por isso, o direito à palavra (como forma de dizer ao mundo sobre si e sobre os outros) encontra-se imbricado na realização/efetivação de outros direitos: o direito de ser gerado, direito de nascer, de ser alimentado, de ser criança, o direito de brincar, de ir à escola, alfabetizar-se, o direito à educação, à saúde, à moradia, à vida digna, ao meio ambiente, à sustentabilidade, à memória, à justiça, à verdade, à liberdade, à felicidade, ao respeito, ao lazer, ao descanso e também à luta, entre outros tantos direitos que assim convergirem para a escrita de si, no sentido freireano do ser mais.

Mas de que forma a vocação humana em ser mais irá se realizar se os direitos humanos forem negligenciados, atacados ou impedidos? Como pronunciar-se para reivindicar ou reconstruir seu lugar histórico se o sujeito que tem o direito à palavra, e com isso o poder de pronúncia (e denúncia), não for capaz de realizar a leitura de mundo de forma crítica e dialógica? Ou sendo capaz de ler criticamente a realidade, algum direito lhe for negado e/ou o Estado Democrático de Direito estiver em risco?

É justamente essa democracia, construída no embate da resistência de grupos, pessoas e movimentos civis, sindicais e religiosos, signatária da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que se encontra veladamente ameaçada por ações e atitudes políticas antidemocráticas, por posturas que ferem ou desrespeitam princípios de cidadania, liberdade e dignidade humana. Essa conjuntura contribui para a desconstrução do direito à palavra, para o silêncio e para a minimização do direito de ser mais.

Somando-se a essa situação, no que diz respeito ao Ensino Superior, o contingenciamento de verbas orçamentárias, praticadas de forma mais acirrada no Governo Bolsonaro (2019 a 2022), prejudicou o funcionamento dos cursos de nível superior, bem como, as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Tal situação afetou não apenas o funcionamento das instituições públicas universitárias, mas, também, o desenvolvimento das pesquisas e, consequentemente, o ato freireano da pronúncia do mundo como caminho para a transformação social. Pois, como promover autonomia, liberdade de gestão e produção do conhecimento científico quando as instituições públicas federais enfrentaram a restrição de recursos?

Não bastasse o risco iminente da crise antidemocrática vivenciada no Governo Bolsonarista, com a retirada/diminuição dos direitos sociais por meio de reformas trabalhistas, previdenciárias, entre outras formas de diminuição/retaliação dos direitos sociais, a exemplo dos cortes de recursos financeiros, congelamentos orçamentários direcionados principalmente para as Pastas da Educação, Saúde e Cidadania, experienciou-se os abalos da crise mundial decorrente da pandemia do coronavírus (covid-19). Essa adversidade agravou a desigualdade social e a inoperância das garantias coletivas dos direitos fundamentais outrora conquistados.

Tais acontecimentos fragilizam a experiência democrática brasileira, o que torna o elemento crítico-reflexivo da pedagogia freireana cada vez mais necessário. Esse elemento pedagógico, o dizer a palavra, a capacidade de (re)escrita de si e do outro, como um direito humano a alavancar outros direitos, deve ser fortalecido em todos os cenários, tanto nos democráticos como nos adversos à democracia. Considera-se que, a partir desse (re)conhecimento, serão alcançadas as condições para a realização do movimento democrático de transformação das realidades e de defesas da dignidade humana e da cidadania.

“Para Paulo Freire, a dignidade humana que se defende na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) passa necessariamente pelo domínio da leitura e da escrita”. (Clarindo; Rena, 2021CLARINDO, Cícero; RENA, Luiz Carlos Castello Branco. Educação e Direitos Humanos: dialogando com Paulo Freire. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte, v. 6, n. especial, p. 1-10, set. 2021. Disponível em: http://rbeducacaobasica.com.br/educacao-e-direitos-humanos-dialogando-com-paulo-freire/. Acesso em: 2 fev. 2022.
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, p. 2). Assim, para o educador, o ato de ler transcende a técnica porque implica a leitura do mundo para nele agir e/ou transformar; e o ato da escrita, além de envolver a alfabetização como forma de materialização da cidadania, diz respeito aos processos de escrita de si como um movimento de libertação e/ou (re)construção de vida (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.).

Ter-se a leitura e a escrita como pressupostos afirmativos de valoração da dignidade humana implica na compreensão da educação em sentido amplo de ato político, voltado para a formação do sujeito “[…] e como instrumento fundamental para a garantia da dignidade humana” (Silva, 2021SILVA, Reginaldo José da. Direitos Humanos e Pensamento Freiriano. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte, UFMG, v. 6, n. especial, p. 1-11, 2021. Disponível em: https://rbeducacaobasica.com.br/direitos-humanos-e-pensamento-freireano/. Acesso em: 2 jan. 2022.
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, p. 06). A educação deve ser compreendida como instrumento fundamental, mas não o único, pois, para que a dignidade humana se realize, a garantia do direito à educação (ou a educação como um ato político) não é o suficiente. Requer a efetivação dos outros direitos, pois não basta ter acesso à educação (mesmo que essa educação exerça sua funcionalidade crítica de ato político), se o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer, à alimentação, à liberdade (e aos outros direitos) estiverem sofrendo negligência.

Nesse sentido, ao contextualizar-se o artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, que anuncia: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (UNICEF, 1948UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Unicef: para cada criança, Nova York, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos#:~:text=1.,nascimento%2C%20ou%20qualquer%20outra%20condi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 2 fev. 2022.
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), problematiza-se: todos os seres humanos nascem livres? Todos nascem em condições iguais de direitos? Ou, percebe-se, apenas, o ideário da dignidade como um direito de todos, como algo validado e em condições de realização?

Ora, nem todas as pessoas nascem livres, muitas já nascem em condições de aprisionamento, quer seja por escassez de recursos materiais, quer seja por questões de desigualdade social (entre outras formas limitantes). Por isso “dizer ao mundo de si” significa utilizar do “espaço” e do “poder de fala” para fazer-se ouvir e/ou para reivindicar direitos e firmar-se enquanto sujeito histórico, capaz de pronunciar o mundo e construir instrumentos de liberdade.

É por essa razão que “dizer ao mundo de si” compreende atitude freireana perante os contextos violadores de direitos que podem ser configurados como “situações-limite”. É justamente no enfrentamento dessas situações que o indivíduo “diz ao mundo de si”, ou seja, através do direito à palavra, como atitude coletiva de embate, age para (re)escrever a si e/aos outros.

E quando o direito à palavra sofre as retaliações de um contexto? Ora, no período ditatorial militar (1964-1985), tal direito foi violentamente “cassado”, censurado, juntamente com outros direitos. A perseguição política se impôs, utilizando-se de práticas violadoras de direitos humanos, naturalizando-se uma cultura de silêncio e de medo. Nesse cenário repressor, situações-limite do direito à palavra foram engendradas, impedindo a “pronúncia de si”, da palavra-ação, como instrumento de reivindicação ou livre expressão do ser humano. Esses fatos estimularam a perspectiva do inédito viável, como força e resistência, e a palavra se fez pronúncia e denúncia do mundo e para o mundo.

Ora, ao recuperar os embasamentos da literatura, pensamento e pedagogia de Paulo Freire para ação na sociedade, não se está apenas tentando proteger direitos já conquistados, mas defendendo a vida e os processos mais profundos que envolvem o ser humano e suas conquistas; significa assumir a capacidade humana de elaborar-se enquanto sujeito histórico que pensa, age e transforma.

Retomar a pedagogia do oprimido e outras “pedagogias freireanas”, como a pedagogia da esperança e da indignação, é envolver os processos da escrita de si ou reescrita do ser humano e ampliá-los para além das garantias formais legalmente estabelecidas. Significa promover e fortalecer as formas de ser e estar no mundo, de forma a ter e exercer o direito à escuta e à voz.

O direito à palavra no sentido freireano da escrita de si configura-se como um direito humano a convocar outros direitos. Por isso, interessa refletir sobre o direito à palavra presente em obras de Paulo Freire, na perspectiva dos direitos humanos, para discutir sobre alguns aspectos dos elementos fundantes do pensamento, pedagogia e práxis freireanos e suas interseções com os direitos humanos.

Nesse sentido, entre as obras analisadas, destacamos Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, Pedagogia da Indignação, em uma perspectiva dialógica com os direitos humanos, em estudiosos como Carbonari (2007)CARBONARI, Paulo César. Sujeito de Direitos Humanos: questões abertas e em construção. In. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007., Comparato (2008)COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008. e Piovesan (2005)PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, FCC, v. 35, n. 124, jan.-abr. 2005..

O Direito Humano à Palavra em Obras Freireanas: por que ‘dizer ao mundo de si’ é uma questão de direitos humanos

Qual o Sentido Freireano de dizer a Palavra?

A palavra que se faz luta, ação e transformação traduz bem o sentido que ela manifesta nas obras de Paulo Freire. Carregada de força e de sentido, anuncia diversas categorias a serem refletidas pensando na relação dos sujeitos com o mundo que os circunda. Palavras em que o anúncio da liberdade e a denúncia da opressão se fazem como partes integrantes, em comunicação, despertando o pensamento crítico acerca das várias problemáticas que envolvem os sujeitos na perspectiva do coletivo: o problema da fome, os processos de violência, a desumanização, exploração, opressão, a necessidade de uma educação de práxis libertadora. Em Freire, a palavra se faz diálogo e é tão somente pelo viés da dialogicidade que a Educação se constituirá uma prática da liberdade.

Produzida na força da experiência de seu tempo no exílio, a Pedagogia do Oprimido é fruto da reflexão de Freire que faz dela um conjunto de análises sobre os processos de educação e práticas educativas. Ele retoma o olhar sobre a condição dos sujeitos que no processo de conscientização têm medo da liberdade e por isso mesmo medo de uma educação libertadora. O medo da consciência crítica irá denunciar o que se inscreve por trás dessa atitude, a vocação para a humanização negada. Tendo sua própria humanização negada, o sujeito experimenta a injustiça, a violência dos opressores, exploração e opressão. A Pedagogia do Oprimido será então construída no âmbito da busca da humanização, tanto do oprimido como do opressor, uma opção pedagógica que parte do próprio oprimido e que, segundo Freire,

[…] tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará

(Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 20).

Nessa perspectiva, garantir o direito à palavra que transforma e liberta os sujeitos é garantir o direito de “dizer ao mundo de si”, pois “[…] dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 109). A palavra como mediadora da condição humana de ser dialogizante se faz a partir de duas dimensões:

Ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada ainda que em parte, uma delas se ressente, imediatamente a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí quer dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo

(Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 109).

A palavra que transforma o mundo atravessa nesse sentido a construção dos próprios direitos humanos e resgata o sujeito que diz ao mundo de si como um sujeito de direitos, uma vez que os direitos humanos refletem um construído axiológico a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. Esse espaço de luta social tecido pela palavra em Freire nos leva a pensar na relação e na dimensão da palavra como categoria de poder, em que falar não é apenas um símbolo, mas necessariamente um ato político de ação histórica do sujeito perante a transformação das realidades.

Ao refletir sobre o direito à palavra ao longo da construção da civilização humana, depara-se com a negação histórica desse direito aos considerados subalternos e súditos ou tidos como humanos de segunda ou nenhuma categoria representativa: os escravos, os negros escravos, os servos, as mulheres, os iletrados, os pobres, os que na linguagem de Freire são denominados de oprimidos. Nesse sentido, o direito à palavra se trata de uma conquista historicamente forjada, por público específico, pois pertencente aos senhores brancos e ricos, que detendo o poder material também detinham (detêm?) o poder da fala. E não somente como ofício próprio, mas por status quo a ditar a ordem social, os costumes, a ideologia, a perspectiva de visão de mundo a partir da lógica do senhorio, cabendo aos “súditos” apenas repetir, obedecer e não questionar a ordem do discurso estabelecida. Esse processo de opressão naturalizado do direito à palavra se torna um problema de humanização e de ausência de direitos. Essa conquista, para os oprimidos, tem sido sofrida; lutas têm sido travadas. Educar para libertar o ser humano de suas amarras é uma ação urgente e irrecusável!

Na vivência educacional com as categorias freireanas, possibilitou-se aos graduandos dizerem a palavra, tanto nas aulas como no desenvolvimento de projetos de extensão e ensino, em que educação e direitos humanos se articulavam e a palavra fluía como pronúncia e como denúncia de arbitrariedades ou desrespeito a direitos. Momentos de reflexão para além do sentimento de opressão que envolvia a muitos, desconstruindo experiências cotidianas de assujeitamento, possibilitavam novos olhares e interpretações, novos fazeres e saberes, abrindo espaço para o início de um processo de empoderamento e humanização, para uma pedagogia como prática da liberdade. Dizer a palavra e construir ambientes de reflexão sobre si e sobre os outros, sobre a realidade e as relações que nela se processam contribuíram para que todos dissessem ao mundo de si. E, nesse espaço interativo, em 2019, em uma sala de aula da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa, foi apresentado , por uma graduanda do Curso de Pedagogia, um relato que marcou a todos e que revelou que o opressor se transveste de várias formas, em relação ao oprimido: a aluna relatou o desrespeito à Lei Municipal nº 1.824/2013, de João Pessoa, quando sua esposa, assumindo seu direito, pediu para desembarcar, fora do ponto de parada, pela razão de já passar das 22h, solicitação que não foi atendida. A lei em vigor tem em vista a proteção da mulher e a diminuição da violência. A graduanda usou a palavra como pronúncia e como denúncia da realidade, pois, mesmo na vigência de uma legislação protetiva, as mulheres continuam sofrendo riscos e desrespeito, naturalizando-se o processo de opressão. Suas palavras, grávidas de vida, denunciaram a situação de violência ainda vivenciada cotidianamente, como tentativa de melhorar o mundo e como possibilidade de intervenção. Vivenciou-se, nessas experiências, a educação como ato político, “[…] educação democrática fundamentando-se no respeito ao educando, à sua linguagem, à sua identidade cultural de classe, da explicação teórica da defesa da educação que desoculta, que desvela, que desafia; […]” (Freire; Mendonça, 2021FREIRE, Ana Maria Araújo; MENDONÇA, Erasto Fortes (Org.). Direitos Humanos e Educação Libertadora: gestão democrática da educação pública na cidade de São Paulo/Paulo Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021. (Coleção Paulo Freire, 1921-1997)., p. 115).

Pensar nas categorias opressor/oprimido e sua relação com o poder de fala e o processo de humanização é, segundo o pensamento freireano, pensar “[…] em torno do homem e dos homens como seres no mundo e com o mundo e em torno do que e do como estão sendo” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 40) e buscar a afirmação dos homens como sujeitos de decisão, em que “[…] se reflete um sentido mais antropológico do que antropocêntrico” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 41). Nessa perspectiva, negar o direito à palavra é um ato de violência, porque é um ato que desumaniza historicamente os sujeitos, em que a violência estabelecida pelos opressores gera a ordem social injusta.

Falar é “dizer ao mundo de si”. Nesse exercício, a palavra se torna um “[…] ato de emancipação, pois a existência porque humana não pode ser muda, silenciosa e nem tão pouco nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras com que os homens transformam o mundo” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 108). Se a palavra vem desprovida do ato de anúncio e denúncia, é para Freire alienada e alienante, e, se não denuncia as injustiças do mundo, torna-se vazia ou oca de sentido.

Na trilha da obra freireana, a palavra é grávida de sentido, de histórias, de memórias e de personagens concretas uma vez que se faz no chão da vida, isto é, no espaço da existência. É a vida que se faz fala, é a fala cheia de vida. Grávida de tudo aquilo que é o sujeito que a produz, torna-se palavra da vida que dá vida a palavra e pode-se, nesse sentido, reinventar o próprio mundo, provocar transformação, empoderar e recriar as realidades de mudança.

Somente tomando posse da palavra é que os sujeitos pronunciam o mundo e dizem de si ao mundo. Por isso, não existirá a possibilidade do diálogo enquanto a pronúncia do mundo seja negada a uns em detrimento de outros. O direito de dizer a palavra deve ser reconquistado por aqueles que se encontram negados desse direito, pois para Freire (2011)FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., negar o direito à palavra é um assalto desumanizante já que “[…] se é dizendo a palavra com que, pronunciando o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 109). Pelo diálogo, a palavra se democratiza e, portanto, não vai haver o direito humano à palavra sem o direito à democracia, considerando que “[…] não há direitos humanos sem democracia e nem tampouco democracia sem direitos humanos” (Piovesan, 2005PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, FCC, v. 35, n. 124, jan.-abr. 2005., p. 44) e, sendo assim, “[…] falar, por exemplo em democracia e silenciar o povo é uma farsa” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 113).

Como exigência existencial (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a.), o diálogo, na concepção freireana, dá-se no encontro entre os sujeitos que se solidarizando entre si, buscam fazer uma reflexão sobre o agir humano no mundo, preocupam com “a pronúncia do mundo” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a.), e é assim que a palavra vai sendo, antes de símbolos a serem decodificados, a possibilidade de leitura do mundo. Há, portanto, no direito à palavra que se faz diálogo, o direito da construção das relações homem-mundo, em que acontece a educação como prática de liberdade.

Em Paulo Freire “[…] não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio” (Freire, 2020bFREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020b., p. 51). Por essa razão, é de fundamental importância partir da compreensão de que o homem não é apenas um ser de relações e contatos e nem apenas está no mundo, mas o homem é com o mundo. Isso significa dizer que “[…] o homem existe – existere – no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica” (Freire, 2020bFREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020b., p. 57). O homem é uma existência e participa ativamente da produção de sua cultura e como sujeito da cultura é sujeito de direitos, não podendo ser tratado aleatoriamente ou de forma genérica.

É a partir dessa particularidade na qual cada sujeito é entendido como peculiar e saindo do mundo genérico e abstrato para o mundo real e concreto, que Freire pensa a alfabetização no e para o mundo. A educação em seu processo de alfabetização do homem para atuar no mundo passa pela preocupação da democratização da cultura em que “[…] o homem não é esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito” (Freire, 2020bFREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020b., p. 136). Sendo assim, “[…] desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas” (Freire, 1989FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989., p. 19) e interligadas.

Direito ao Ensino da Palavra: construindo uma pedagogia da resistência

Há em Freire uma concepção muito clara daquele que se põe na tarefa do ensino da palavra. A relação ensino-aprendizagem é democratizada e dialeticamente posta porque diz de uma práxis em que “[…] ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 95). Nessa perspectiva, há uma superação do ensinante como educador do educando ou educando do educador, mas educador-educando/educando-educador, em que a aprendizagem se faz como diálogo e relação dialética e dialógica e nesse sentido, “[…] ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (Freire, 1996FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996., p. 19). Na ótica freireana, ensinar passa pela construção de uma conscientização crítica na qual estão envolvidos educador/educando como partes de um único processo, em que se implicam questões culturais, econômicas, políticas, pedagógicas e éticas, enquanto caminho de humanização e liberdade pessoal, social, estrutural na qual promove sujeitos comunitários e uma pedagogia popular.

A palavra como repertório de resistência, na obra freireana, é impregnada de intervenção, apresenta-se como modelo de superação das desigualdades em que “[…] a tarefa progressista é estimular e possibilitar nas circunstâncias mais diferentes, a capacidade de intervenção no mundo, jamais o seu contrário, o cruzamento de braços frente aos desafios” (Freire, 2000FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000., p. 28). Em seus escritos, a palavra não se faz de forma neutra, mas “[…] tem uma opção clara pois é dirigida aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo, com eles lutam” (Freire, 2020aFREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020a., p. 10). Construindo uma pedagogia da resistência, seus escritos, ao mesmo tempo que são preenchidos por uma indignação frente às injustiças do mundo, convocam a autonomia dos sujeitos, dos povos e culturas é, acima de tudo, uma pedagogia da esperança e do esperançar.

Entende-se por pedagogia da esperança o direito humano que cada pessoa tem em “dizer sobre si” e sobre o mundo, presente nas palavras do operário, do camponês, da mulher, dos jovens, dos ainda iletrados, configurando-se como sendo uma educação democrática e popular que para Freire tem a tarefa “[…] de possibilitar nas classes populares o desenvolvimento de sua linguagem. Da linguagem como caminho de invenção da cidadania” (Freire, 1992FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992., p. 05).

Em sua Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, o próprio Freire descreve a perspectiva de sua escrita e diz que “[…] é um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não há esperança. Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a conivência da radicalidade; uma crítica ao sectarismo, uma compreensão da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora neoliberal” (Freire, 1992FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992., p. 6). Como um dicionário de resistência, a escrita freireana só pode ser pensada dentro do contexto no qual o texto feito de palavras grávidas de experiências e saberes frutos da práxis estão a favor dos direitos humanos, do processo de libertação dos oprimidos, da educação para a construção de novos sujeitos empoderados, da democracia e cidadania. Daí seu compromisso com a luta, seu gosto pela liberdade e pelo direito de ser mais. Em suas palavras:

A nossa luta, como mulher, como homem, como negro, negra, como operária como brasileiro, norte-americana, francês ou boliviana, em que pesem os diferentes e importantes condicionamentos de sexo, de cor, de classe, de cultura, de história que nos marcam, é a que, partindo da concretude condicionante, converge na direção do SER MAIS, na direção dos objetivos universais

(Freire, 2015FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. São Paulo: Paz e Terra, 2015., p. 260).

Com isso, Freire aponta para a necessidade de todos lutarem unidos, coletivamente, para alcançar o sonho possível do ser mais e de ser sujeitos de direitos.

A Dialogicidade Freireana e os Direitos Humanos: pronunciar a palavra, o amor e a liberdade

Essência da educação como prática da liberdade, a dialogicidade freireana1 1 Essa capacidade interventiva, implícita à dialogicidade freireana, articula-se com a Teoria da Natalidade de Arendt, pois ambas se fundamentam na busca pela dignidade humana e têm por base os princípios de liberdade e justiça social, propõem a intervenção do ser humano no mundo como forma de melhorá-lo e/ou transformá-lo em um lugar mais justo e digno da humanidade. Na compreensão de Arendt (1990), o indivíduo que nasce traz consigo a vida em potencial e quando assume sua capacidade interventiva nas conjunturas antidemocráticas, torna-se presença no mundo. Ao tornar-se presença no mundo, a natalidade da pessoa não se resume ao ato de nascer simplesmente, mas sim, de ser redimensionada para uma perspectiva bem mais ampla, em que o nascimento significa compreender que a pessoa nasceu para relacionar-se e intervir no mundo que a cerca. O nascimento traz a esperança da pessoa tornar-se ser humano em plenitude e direitos. orienta-se pela atitude/ação de pronunciar o mundo, no mundo (e sobre o mundo). Constitui-se em ato concreto elaborado no fazer diário das interações humanas face às situações opressoras e a contextos que, de alguma forma, diminuam ou limitem o ser humano em sua capacidade ontológica de ser mais.

Pela dialogicidade, Freire (2011, p. 107)FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. ensina que a resistência se constrói e/ou se (re)elabora no âmago das relações, no “chão da vida”, em seus contextos de submissão, os quais exigem luta, o que implica ação reflexiva diante da situação opressora, a fim de percebê-la, e atitude para transpô-la.

Essa ação reflexiva significa a práxis dialógica freireana da ação-reflexão que, diante de contextos opressores articula-se com a capacidade humana de intervir no mundo, afinal, os homens são sujeitos histórico-sociais em constante movimento e detentores do poder de fala. Por isso, o direito à palavra, ou seja, o direito de pronunciar o mundo, pronunciar-se no mundo e sobre o mundo é direito humano de todas as pessoas, constatando-se a necessidade de ser construído dialogicamente.

Respaldada pelo comprometimento do ser humano com o outro, consigo mesmo e com a história, a dialogicidade freireana pressupõe a ação coletiva através da ação-reflexão, como forma de intervir no mundo para transformá-lo em um lugar mais digno e menos desigual, tomando a educação como espaço de formação e de humanização. Tal compreensão implica que “Ação e reflexão estão de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra”, e que “[…] não há palavra verdadeira que não seja práxis”, fazendo com que “[…] dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo” (Freire, 1975FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 91). Pois, ao se esvaziar a palavra da ação, a tornamos “palavreria, verbalismo, blá-blá-blá”, ou seja, se transforma em palavra alienada e alienante, descomprometida com a transformação (Freire, 1975FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 92). E quando se dá mais ênfase à ação em detrimento da reflexão produz-se o “ativismo”, a “ação pela ação”, que “nega a práxis verdadeira e impossibilita o diálogo” (Freire, 1975FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 92).

Promover a relação dialógica entre as pessoas, o contexto adverso e a capacidade inventiva dos seres humanos em reinventar-se e transformar é o sentido do amor enquanto categoria freireana, pois “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens [e as mulheres], não me é possível o diálogo” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 111). Nessa perspectiva, a dialogicidade decorrente do amor freireano torna-se amor coletivo gestado nas relações humanas e nas adversidades, que se utiliza do direito humano à palavra para “lutar” contra as violações e pronunciar as possibilidades de transformação dos sujeitos.

A dialogicidade freireana, fundamentada pelo dizer a palavra, existe no amor solidário e fraterno, processo criativo guiado pelo movimento dialógico da ação-reflexão, capaz de perceber as situações de desamor ao próximo, como: contextos de exploração, relações de submissão, violação de direitos ou todas estas situações juntas; e percebendo-as age para transformar o desamor em amor, a exploração em igualdade, a submissão em autonomia e a violação de direitos em justiça social e dignidade. A compreensão desses contextos e injustiças históricas contribui para o conhecimento da “[…] presença do opressor introjetada na figura dos oprimidos […]” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. À Sombra desta Mangueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., p. 89), podendo o educador propor a desconstrução desse paradigma, apresentando situações dialógicas de aprendizagem e reflexão, brotando a solidariedade pela palavra e ação no mundo.

Ato de coragem, “[…] nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa da libertação” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 111). Atitude de coragem e compromisso para consigo, com o próximo e com as gerações futuras, o amor freireano é o amor pelo mundo, pelas pessoas (estejam elas na condição de oprimidas ou opressoras). O amor pelo outro manifesta-se na palavra que educa e liberta, pois, “A libertação é possibilidade; não sina, nem destino, nem fado” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. À Sombra desta Mangueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., [capa]).

É esse o amor freireano – desinteressado de si para interessar-se no outro, em suas causas sociais, em seus direitos violados, em seus sonhos não sonhados, “proibido” de amar dialogicamente porque sua condição de sujeito oprimido lhe impede de enxergar além de si e retira dele a esperança de acreditar primeiramente nele mesmo, em sua capacidade transformadora e criativa – que orienta para o esperançar, pois, o sujeito sem esperança só espera e só esperando não questiona, não age, não transforma, não ama.

De acordo com Freire, a esperança é parte integrante do processo dialógico do ser humano no mundo tão importante quanto o próprio ato corajoso de amar, pois “Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 113). Porém, a esperança freireana não se processa no sentido da espera insignificante do “esperar por esperar”, muito pelo contrário, a esperança na perspectiva dialógica acontece no sentido de esperançar, a confiança que se faz luta, de forma que “Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011., p. 114). Esperançar significa lutar, mas lutar com esperança, de forma destemida e corajosa, interventiva e transformadora das situações de opressão, comprometida com a historicidade de si e dos outros em volta.

Elaborada no contexto do exílio, a Pedagogia do Oprimido pretendeu ser liberdade, pois, quando Freire escreveu ao mundo sobre a opressão do outro, pronunciou-se a si mesmo também oprimido na condição de exilado. No entanto, mesmo diante da intolerância arbitrária, ensinou que o amor é dialógico, reivindicou direitos humanos. Gritou a esperança e a liberdade. E foi sua preocupação com o outro, com sua dignidade, que orientou a criação de uma pedagogia para o ser humano. Tal pedagogia contribuiria para a libertação do sujeito da condição de oprimido, construindo-se como protagonista de sua história e de sua vida. No cenário do exílio, o direito humano à palavra escrita ou falada realiza-se como resistência do oprimido à opressão, rompendo o silêncio e pronunciando ao mundo sobre si e sobre o outro. O direito à palavra configura-se como direito humano à educação, uma educação que liberta, que compartilha, que dialoga.

Um dos princípios dos Direitos Humanos, a liberdade permite ao ser humano usufruir dos demais direitos, como o direito de ir e vir, o direito de expressar-se, o direito a comunicar-se. Mas além disso, possibilita-nos o direito de sonhar, projetar-se para o futuro, refazer trajetos ou até mesmo recomeçar. Por isso, a liberdade freireana se fundamenta nos Direitos Humanos, pois nos permite sonhar e conforme Freire (2014)FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2014., até mesmo os sonhos exigem luta, esforço, resiliência. O sonho freireano é aquele que se sonha junto e articula-se com o direito e o dever de mudar o mundo, pois “Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta” (Freire, 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2014., p. 62).

A luta por direitos constitui a essência de ser dos direitos humanos. Entre os quais a conquista pelo direito à liberdade. No entanto, não basta a liberdade sem as condições e garantias necessárias para que ela se realize ou seja usufruída, pois este direito não se esgota em si, pelo contrário, está arraigado a outros tantos, como o direito à dignidade e o direito humano à educação, por exemplo. Ora, a própria história social dos direitos humanos é marcada pela luta e não se esgota quando se conquista algum direito, mas quando sua garantia acontece de forma efetiva na vida das pessoas.

“Por onde então começar uma história sobre os direitos humanos? Isso depende do ponto de vista que se adote” (Trindade, 2011TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo: Petrópolis, 2011., p. 16). Mesmo podendo ser tratado por diversas vertentes (filosófica, histórica, social, política, religiosa, jurídica, entre outras formas), entende-se que os elementos basilares dos direitos humanos abarcam a dignidade e a liberdade humana. Esses fundamentos remontam ao período axiológico da era pré-cristã, mais precisamente ao século VIII a.C., considerado a proto-história dos direitos humanos, ou seja, o momento dos primeiros mecanismos de valoração da dignidade humana.

O Código de Hamurabi, em 1690 a.C., “A Magna Charta Libertatum, que o Rei João Sem Terra foi obrigado a acatar em 1215” (Trindade, 2011TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo: Petrópolis, 2011., p. 16), a Revolução Francesa do Século XVIII e sua Declaração (burguesa) dos Direitos do Homem e do Cidadão são alguns dos aparatos histórico normativos orientadores dos direitos humanos. Em meio a essa historiografia dos direitos humanos, a proto-história concebia o ser humano em suas características vitais de racionalidade e existência, porém diferente na forma de enxergar e agir sobre o universo. Talvez seja por isso que esse período é apresentado por Comparato (2008)COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008., como a parte mais bela e importante da história:

O que se conta, nestas páginas é a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais

(Comparato, 2008COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008., p. 1).

A partir de então, a pessoa passa a ser reconhecida em sua humanidade. Tal especificidade atribuiu a esta época as primeiras raízes ideológicas de outro princípio: a igualdade essencial que ao reconhecer a pessoa em sua humanidade serviu de fundamento para a universalidade dos direitos humanos, pois

É a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a elas inerentes

(Comparato, 2008COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008., p. 11).

Surgia a compreensão de que os indivíduos apesar das diferenças culturais e biológicas eram dotados de uma particularidade universal presente na essência de toda pessoa, “sua humanidade”. No entanto, a característica peculiar em reconhecer a “pessoa em sua humanidade” de forma universal apenas acontece a partir da promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos (UNICEF, 1948UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Unicef: para cada criança, Nova York, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos#:~:text=1.,nascimento%2C%20ou%20qualquer%20outra%20condi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 2 fev. 2022.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao...
), que constitui marco importante na historiografia dos Direitos Humanos.

Elaborada pela Comissão Internacional de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em resposta às barbáries cometidas durante a 2º Guerra Mundial e como forma de reparar os danos causados à humanidade, a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) “[abre-se com a afirmação de que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade (artigo I)” (Comparato, 2008COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008., p. 15).

Decorrido quatro décadas, entre a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, e sua incorporação ao âmbito legal brasileiro, através da Constituição de 1988, questiona-se: os princípios de direitos humanos, tutelados na Carta Magna, de fato, integram a vida da população ou, apenas, são mecanismos legais preconizados na letra da lei, não se realizando no momento do cumprimento da norma?

Essas reflexões partem da preocupação de Herrera Flores (2009, p. 33)HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)Invenção dos Direitos Humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia, Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jeferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009., quando nos alerta para a compreensão tradicional acerca dos direitos humanos:

A ideia que inunda todo o discurso tradicional reside na seguinte fórmula: o conteúdo básico dos direitos humanos é o ‘direito a ter direitos’. Quantos direitos! E os bens que tais direitos devem garantir? E as condições materiais para exigi-los ou colocá-los em prática? E as lutas sociais que devem ser colocadas em prática para poder garantir um acesso mais justo e uma vida digna?

A preocupação de Herrera Flores (2009)HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)Invenção dos Direitos Humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia, Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jeferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. aponta para a compreensão simplista, por ele assim denominada, acerca dos direitos humanos, que os coloca no patamar da mera formalidade legal, enfatizando os aspectos quantitativos do “direito a ter direitos”, sem considerar a própria luta para conquistá-los. Limitando os direitos humanos à esfera do “direito a ter direitos”, quando, na verdade, os direitos humanos têm uma razão de ser que se sobrepõe a essa questão de ser mais um direito garantido na lei, que implica, sobretudo, ter as condições mínimas para exercê-los ou torná-los efetivos, essa concepção não contribui para firmar sua concretização.

Ora, face à Declaração dos Diretos Humanos, da qual o Brasil é signatário, a incorporação de seus princípios basilares ao rol jurídico da Constituição da República Federativa de 1988 lança olhares à dignidade humana no escopo do ordenamento legal, de forma que:

O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos

(Piovesan, 2003PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003., p. 339).

Nesse sentido, os direitos da humanidade configurados nas garantias fundamentais legalmente instituídas estão justapostos aos ideais democráticos preceituados constitucionalmente. No entanto, o respaldo normativo legal por si só não garante a efetivação de direitos, por isso a necessidade de reconhecimento e proteção das garantias legais dos direitos humanos, pois “[…] sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos” (Bobbio, 2004BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004., p. 1). Por essas questões, garantir a efetivação dos direitos humanos, além de uma condição necessária à libertação dos sujeitos, é atitude política e democrática.

Nesse espaço de construção da dignidade e da democracia, as palavras de Freire ensinam ao mundo sobre o “respeito à dignidade do outro ou da outra” (Freire, 2000FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000., p. 62), sobre possibilidades de ser mais e a luta sem violência. Suas palavras, em consonância com os Direitos Humanos, ecoam em cada um de nós e educam para a liberdade! Porque, “Esse país não pode continuar sendo o de poucos […]. Lutemos pela democratização desse país. Marchem, gente de nosso país […]” (Freire, 2000FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000., p. 63).

Considerações Finais

Encontrar-se diante do pensamento de Paulo Freire para discutir o direito à palavra como um direito humano a convocar outros direitos, como: o direito à liberdade de pensamento e de expressão, o direito à comunicação, o direito a não censura, o direito à educação e tantos outros direitos imprescindíveis à vida de todos e de cada um, das pessoas, cidadãos do mundo, significa “revisitar” a história do oprimido para dela extrair sua palavra, seu silêncio, sua resistência.

Dir-se-ia que é como envolver-se em uma colcha de retalhos, que tecida pela linha da palavra, cada retalho que a constitui é ao mesmo tempo autônomo e dependente, sendo nessa metáfora que se concretiza a dinâmica dialética da obra freireana: a liberdade depende da consciência crítica e essa só se entende livre pelos fios da palavra que educa; a esperança alimenta a indignação e a põe em constante diálogo que se faz protesto: protesta-se pela garantia do direito de “ser mais” no mundo; de aprender a dizer de si; de tomar posse da vocação humana, em que se realiza a existência de forma plena. Esse caminho dialético e crítico é e se entende como direito humano à palavra que reconhece a palavra na vida e a vida na palavra.

O direito à palavra se faz pelo reconhecimento de que as palavras existem no mundo. Assim, Palavra e Mundo não são categorias que se excluem e elas têm uma função mais que pedagógica na obra freireana, pois dizem de uma certa condição ontológica que habita os sujeitos e que os faz se reconhecerem como sujeitos de direitos, quando descobrem que são capazes de ler a realidade do mundo e podem ampliar essa leitura quando preparados para ler a palavra simbolicamente escrita.

A palavra que atravessa o mundo e a vida dos sujeitos confere direitos, liberdade, autonomia, cidadania e consciência crítico-emancipadora. Nessa perspectiva, é possível compreender toda obra freireana como um compêndio a favor da libertação humana, grafado pela palavra ativa, militante, questionadora, denunciante das estruturas de injustiça e ao mesmo tempo anunciadora e promotora de novas possibilidades, novos sujeitos, novas relações e nova sociedade. A obra de Freire abre brechas, derruba barreiras, cria respeito, tolerância, exige postura, propõe direitos e abre diálogos. Sua obra é essencialmente dialogicidade.

A leitura de Paulo Freire, sobretudo nesse tempo marcado por negacionismos, destruição de direitos e desrespeito à dignidade humana, é retomar a utopia, é alimentar-se do pão da palavra que nutre nossos sonhos, que de novo questiona o nosso lugar no mundo e nos põe em condições de fazer da palavra luta, ação e reação. É apropriar-se do inédito viável, percebendo como possível a construção do futuro, pela superação de “situação problemática através da práxis” (Puiggrós, 1998PUIGGRÓS, Adriana. Utopias e Liberdade. In: APPLE, Michael; NÓVOA, António (Org.). Paulo Freire: política e pedagogia. Tradução de Isabel Narciso. Porto: Porto Editora, 1998., p. 106). É fazer da palavra um direito e a partir dele convocar outros direitos fundamentais para realização da existência enquanto projeto de liberdade. Assim, tomando posse do direito à palavra que cria e gera direitos, os sujeitos dizem de si a partir de si e com os outros, numa dinâmica que só quem deseja ser social e politicamente livre entende. Nesse projeto de ser mais, a educação tem um importante papel a desempenhar.

Nota

  • 1
    Essa capacidade interventiva, implícita à dialogicidade freireana, articula-se com a Teoria da Natalidade de Arendt, pois ambas se fundamentam na busca pela dignidade humana e têm por base os princípios de liberdade e justiça social, propõem a intervenção do ser humano no mundo como forma de melhorá-lo e/ou transformá-lo em um lugar mais justo e digno da humanidade. Na compreensão de Arendt (1990)ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1990., o indivíduo que nasce traz consigo a vida em potencial e quando assume sua capacidade interventiva nas conjunturas antidemocráticas, torna-se presença no mundo. Ao tornar-se presença no mundo, a natalidade da pessoa não se resume ao ato de nascer simplesmente, mas sim, de ser redimensionada para uma perspectiva bem mais ampla, em que o nascimento significa compreender que a pessoa nasceu para relacionar-se e intervir no mundo que a cerca. O nascimento traz a esperança da pessoa tornar-se ser humano em plenitude e direitos.

Disponibilidade dos dados da pesquisa

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referências

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Editado por

Editor responsável: Luís Henrique Sacchi dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2022
  • Aceito
    24 Abr 2023
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