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Novas Mídias Digitais e Democracia: desafios à educação republicana

RESUMO

O estudo tematiza os desafios postos à educação dada em um cenário em que o modo de operar das mídias digitais põe dificuldades ao estabelecimento de uma forma de vida democrática e à configuração de um mundo humano comum. Contextualiza o atual cenário sociopolítico à luz dos modos de apropriação, de crítica e de abandono da racionalidade, destacando consequências práticas vinculadas a determinadas posições pós-modernas. Em um esforço de recuperar ‘energias utópicas’ presentes no ideário da modernidade iluminista, tanto na educação como na política, aposta em uma razão ancorada na intersubjetividade linguística como forma de legitimação das ordens sociais e políticas e como sustentação e orientação dos processos de formação das novas gerações.

Palavras-chave
Razão; Pós-modernidade; Democracia; Educação Republicana

ABSTRACT

The study addresses the challenges posed to education in a scenario where the operating mode of digital media presents difficulties in establishing a democratic way of life and shaping a common human world. It contextualizes the current sociopolitical landscape in light of modes of appropriation, criticism, and abandonment of rationality, highlighting practical consequences linked to certain postmodern positions. In an effort to recover ‘utopian energies’ present in the ideals of enlightenment modernity, both in education and politics, it relies on a reason anchored in linguistic intersubjectivity as a means of legitimizing social and political orders and as a foundation and guiding force in the process of educating new generations.

Keywords
Reason; Postmodernity; Democracy; Republican Education

Introdução

Do ideário da educação republicana, na forma como foi estabelecido na modernidade iluminista do século XVIII, sobressaem alguns sentidos que certamente podem ser considerados válidos e desejáveis ainda para os dias atuais: uma educação para todos, que forme sujeitos esclarecidos, capazes de deliberar, cada um por si, sobre os destinos de uma sociedade que a todos concerne. O esclarecimento de todos resultaria de uma formação baseada nos critérios da ciência e demais formas de pensamento racional. Já o sentido inclusivo desse ideário proviria do espírito democrático que se encontra em sua base, em uma clara contraposição tanto à educação elitista da época, como à sociedade aristocrática e baseada em privilégios então vigente (Maamari, 2009MAAMARI, Adriana Mattar. A fundamentação filosófica da escola republicana. Contexto & Educação, Ijuí, Ano 24, n. 82, p. 59-81, 2009. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/issue/view/31. Acesso em: 8 jun. 2023.
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).

O caráter revolucionário desse ideário se expressava na ideia de uma sociabilidade que a todos concernisse e cujo destino comum seria estabelecido a partir da opinião dos sujeitos, com base no princípio do direito individual de cada qual indicar suas preferências. O esclarecimento de todos através de uma educação comum garantiria, por sua vez, a qualificação das opiniões individuais, do que decorreria a qualidade da escolha dos destinos da coletividade, isto é, das escolhas políticas1 1 É importante destacar que não se pretende aí uma relação direta entre instrução e qualidade das escolhas políticas, haja vista que a república se assenta nas opiniões e não em uma suposta verdade. “A verdade se refere ao que é, foi ou será. Ora, não há política sem a dimensão do futuro, que sempre é o campo do inseguro. Não temos certeza do que virá. Podemos conhecer ou saber o que é, não o que não é. A política é o lugar da opinião, não da verdade – de crenças e valores, mais que de conhecimento. Evidentemente, os conhecimentos, e em especial a ciência, podem ajudar a política, mas o verbo é exatamente este: ajudar. O saber tem, na política, um papel subordinado. Pode servir de suporte, porém não basta para escolher” (Ribeiro, 2017 p. 160). .

Passados mais de dois séculos, a impressão que dá é que os modernos fizeram uma aposta demasiadamente otimista nos humanos, pressupondo que esses viessem a se orientar por uma objetividade inerente aos princípios de uma forma de racionalidade. O século XX, com seus totalitarismos, guerras e genocídios, foi especialmente emblemático na indicação das dificuldades de implementação dos ideais de liberdade, de solidariedade e de uma forma de sociabilidade emancipada baseada no esclarecimento dos sujeitos (Garcia, 2009GARCIA, Cláudio Boeira. Considerações sobre república, democracia e educação. Contexto & Educação, Ijuí, Ano 24, n. 82, p. 189-204, 2009. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/issue/view/31. Acesso em: 28 jun. 2023.
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). Mas é neste início de século XXI que o ideário iluminista parece ser uma quimera cada vez mais distante da realidade humana, soando como uma aposta feita para sujeitos que não os deste nosso planeta.

No tempo atual, como sabemos, se sobressai uma característica que tem produzido impactos profundos em todas as esferas da vida humana, que é o desenvolvimento de formas de interação cada vez mais rápidas mediante o fluxo e o acesso a informações em escala mundial e de forma instantânea. Nessa aparente democratização das informações oportunizada pela omnipresença das mídias digitais, boa parte das opiniões vem sendo formada à revelia de qualquer horizonte de objetividade a partir do qual pudessem ser confrontadas, distinguidas ou avaliadas. A ausência desse horizonte, por sua vez, vai minando as condições do que se tem construído, ao longo dos últimos séculos, como estado democrático de direito, especialmente pela possibilidade de estabelecer controles monopolizados e formas de manipulação desse fluxo informativo2 2 Emblemático, nesse sentido, é o que revela o livro Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, de Giuliano da Empoli (2019), mostrando como processos eleitorais em diferentes países têm sido manipulados com o apoio de estudiosos da informática e de sistemas e com o uso de algoritmos e big data. , com riscos de um retrocesso civilizacional mediante a instauração da tirania da maioria ou dos mais fortes, bem ao modo das hordas primitivas, só que agora com técnicas digitais e mais sofisticadas, mas análogas às de assalto, usurpação e linchamento. Com o estabelecimento de redes sociais de comunicação e interação, as chamadas “bolhas” da internet, proliferam os fanatismos e apagam-se as subjetividades críticas, com nítidos efeitos de esgarçamento do tecido social.

Deparamo-nos, portanto, com uma situação que recoloca os temas da racionalidade e da formação como questões já não restritas ao campo da educação, mas como demandas, certamente, da sociedade como um todo, à medida que essas novas dinâmicas impactam as formas de organização e de distribuição dos bens materiais e culturais, os governos e todo o aparato administrativo, além de questões relativas à própria vida humana e de sua saúde, como se pode ver ao longo da pandemia de coronavírus. E o paradoxo deste nosso tempo está no fato de muitas pessoas adotarem um estilo de vida que usufrui dos últimos avanços da ciência, como o aparelho celular e a internet, ao mesmo tempo que se movem por concepções mais propriamente medievais, em que já não se distinguem ciência de crendice, medicina de bruxaria, química de alquimia…

Nossa intenção, neste escrito, mira um esforço de compreensão de como chegamos onde estamos, especialmente através da incorporação de perspectivas de pensamento cujos efeitos agora se tornam patentes. Vamos seguir a trilha da tematização da razão, buscando compreender suas apostas, especialmente a partir da modernidade, e seus efeitos práticos, desejáveis ou não. Acompanharemos a crítica da razão e avaliaremos o alcance das teorias que propõem o seu abandono. E no intento de recuperar algumas das energias utópicas presentes no ideário da modernidade, acompanharemos o esforço de reconstrução da razão em uma perspectiva neomoderna.

Quanto ao potencial do ideário educacional republicano, entendemos que esse poderá ser atualizado mediante o enfrentamento, por um lado, dos limites da concepção de racionalidade que o orientou no século XVIII, especialmente no que se refere ao seu caráter subjetivo e autorreferente e que exacerbou a sua dimensão instrumental, e, por outro, das posições reativas aos efeitos patológicos dessa razão estreitada, redundando na negação de toda e qualquer forma de racionalidade, como se pode observar em algumas das perspectivas que se assumem como pós-modernas. Nosso percurso teórico, por isso, vai se pautar em uma reflexão acerca dos modos de compreensão da própria racionalidade, seja na forma paradigmática da razão subjetiva, que inspirou os movimentos revolucionários do século XVIII, seja na forma paradigmática de uma razão intersubjetiva ou comunicativa, nos termos propostos por Jürgen Habermas (2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a.; 2012bHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b.), e que, na aposta que aqui sustentamos, permite recolocar o ideário republicano de educação em bases modificadas, especialmente no que se refere ao entendimento do que possa ser uma forma de racionalidade que esclarece os indivíduos e os qualifica em suas opiniões3 3 A correlação entre “paradigmas da educação” e os grandes modelos de razão historicamente identificáveis é apresentada em texto de Mario Osorio Marques na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (Marques, 1992). .

Mediante esse percurso investigativo, buscaremos sustentar a potencialidade do ideário educacional republicano para o enfrentamento dos grandes desafios que se põem para a escola nos dias atuais e na perspectiva de uma possível contribuição sua para o estabelecimento de uma sociabilidade erigida e sustentada por indivíduos cujas opiniões possam ser consideradas, se não esclarecidas no sentido moderno, o mais possível razoáveis.

Alcances e Limites da Concepção Moderna de Racionalidade

O período moderno foi, sem dúvida, um período revolucionário em função dos novos modos do homem se compreender no mundo, sustentados por uma autoimagem otimista acerca de seu poder de criação e de intervenção no mundo (Rouanet, 1987ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., p. 26ss). O impacto das transformações aí provocadas deve ser apreendido a partir da mudança paradigmática no âmbito do pensamento humano que se operou nesse período da história. Trata-se de uma mudança na compreensão relativa ao seu diferencial de espécie, isto é, a sua capacidade especificamente humana de não apenas se ajustar ao seu entorno, mas de produzir a novidade em meio às coisas existentes e situações dadas (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993., p. 41-47).

Será em relação ao que se tinha anteriormente como compreensão da razão, por aproximadamente dois milênios, que se pode avaliar o impacto que a mudança paradigmática operada na modernidade acabou tendo para o conjunto da sociedade e, por consequência, também para a educação. Remontando às origens da própria filosofia, pode-se identificar um primeiro modo de compreender a racionalidade humana na forma como foi se estabelecendo a partir da corrente hegemônica do pensamento grego, representada por Sócrates, Platão e Aristóteles. Na esteira desses filósofos, consolidou-se a longa e duradoura tradição ontológica.

Se examinamos a Filosofia clássica, assim como a medieval, verificamos que, de Sócrates a São Tomás de Aquino, o problema que se põe de maneira prevalecente é o que diz respeito ao ser como ser, estando a Gnoseologia inserida nos estudos metafísicos. A Filosofia dos gregos, assim como a Filosofia da Idade Média, foi, acima de tudo, uma Ontologia, empregado este termo no seu sentido lato ou tradicional, ou seja, na acepção de teoria do ser em geral, ou parte geral da Metafísica […]

(Reale, 2002REALE, Miguel. Introdução à filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002. Disponível em: https://avauea.uea.edu.br/pluginfile.php/216005/mod_resource/content/2/Introdu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Filosofia%20-%20Miguel%20Reale.PDF. Acesso em: 28 jun. 2023.
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, p. 30).

A ideia de um mundo dado e passível de apreensão em sua essencialidade se mostrou fecunda como parâmetro referencial para o conhecimento face o caráter contingente, passageiro e sempre parcial de tudo o que aos humanos se apresenta. A problemática do conhecimento que o paradigma ontológico buscou resolver passava pela dificuldade de afirmar alguma coisa universal e verdadeira sobre o mundo diante da evidência de uma realidade sempre em movimento. Assim, esses filósofos buscaram algo de essencial, de imutável, ou de estático em meio a um mundo que se transforma constantemente, de modo que fosse possível afirmar alguma verdade que se impusesse de forma objetiva (Prado Júnior, 1984PRADO JÚNIOR, Caio. O que é filosofia. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros Passos).; Schaefer, 1985SCHAEFER, Sérgio. A lógica dialética: um estudo da obra filosófica de Caio Prado Júnior. Porto Alegre: Movimento; FISC, 1985., p. 45-55). Com isso o paradigma ontológico é também o paradigma das essências, das verdades objetivas já postas no mundo, do que se deduz que a racionalidade consiste em uma correta adequação do pensamento ou da consciência à essencialidade constitutiva de tudo o que existe. Em síntese, para esse paradigma o mundo tem uma dimensão essencial em todas as suas manifestações e que permanece inalterável mesmo sob o movimento de mudança e transformação.

Decorrem desse paradigma essencialista as noções, por um lado, de conhecimento como rememoração ou de um aflorar seu a partir de uma potencialidade inata do sujeito (inatismo e apriorismo, na esteira do platonismo) e, por outro, de descoberta a partir de uma organização mental de dados da realidade recolhidos pelos sentidos (realismo no sentido aristotélico) (Becker, 1993BECKER, Fernando. Apresentação. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 2-4, 1993., p. 2-3; Mizukami, 1986MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U., 1986., p. 2-3). De qualquer forma, as possibilidades de realização do humano e de alcance do conhecimento estariam propriamente restritas ao que já está dado, possibilitando, por sua vez, o seu desabrochar ou a sua descoberta. Daí a fácil articulação desse paradigma com a perspectiva religiosa de um mundo criado por Deus e de uma correta condução de uma vida com base em seus desígnios revelados, como ocorreu nos períodos da patrística e da escolástica, ao longo de mais de um milênio (Aranha; Martins, 1993ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993., p. 143).

É contra essa delimitação das fronteiras do que seria o conhecimento possível que a razão moderna se insurge. Ou, em termos históricos, foram as dificuldades de manter a ciência e as aspirações humanas dentro desses limites de um mundo dado que levaram a um novo entendimento do que pudesse ser tomado como sendo o próprio do humano, isto é, a sua racionalidade. Operou-se, então, uma inversão do que se poderia chamar de equação do conhecimento: já não se trataria mais de uma adequação do sujeito e de seu intelecto a um mundo pretensamente dado, mas de uma operação inversa, ou seja, de um ajustamento do mundo ao sujeito, de uma configuração desse mundo com base nas suas possibilidades criativas. Se no paradigma das essências o mundo já estava ordenado e cabia ao sujeito apenas adequar-se ao já estabelecido, aqui ele é partícipe ativo na relação do conhecimento, no sentido de que o mundo objetivo que pode ser conhecido é aquele que a razão humana é capaz de produzir. Em outros termos, a objetividade do mundo passa a ser estabelecida pela própria razão humana que se orienta por sua lógica intrínseca, tornando-se, com isso, o parâmetro e o ancoradouro do processo de conhecer (Bolzan, 2005BOLZAN, Jose. Habermas: razão e racionalização. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005., p. 22-30).

Essa mudança paradigmática, portanto, se dá em um contexto de maior valorização do homem e de sua capacidade inventiva e criadora, bem como na crença nos poderes supostamente ilimitados de sua racionalidade. Exemplo dessa aposta na racionalidade são as primeiras afirmações de René Descartes (2016, p. 37) em seu O discurso do método: “O bom-senso é a coisa do mundo melhor partilhada”, sendo que “[…] a capacidade de bem-julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama o bom-senso ou a razão é naturalmente igual em todos os homens”.

Descartes também contribui para a discussão sobre o método, palavra-chave para os pensadores desse período, já que a crença não é apenas na razão, mas no seu poder de indicar ao homem um caminho seguro para a construção de sua felicidade. Não bastava apenas ser racional. Seria preciso aplicar bem essa capacidade. Assim, se a razão, característica que distingue o ser humano dos demais animais, é universal, ou seja, disponível a todo indivíduo, o único problema que resta para o modo humano de ser, para a condução de sua vida, é como utilizar essa razão. Então, qual o método, ou a mais confiável forma de conduzir a razão?

Descartes, perseguindo esse intento, traz para a discussão em torno do método sua confiança nos modelos matemáticos, ancorados na razão pura a priori. Com isso, a operação racional equivale a uma operação prospectiva que permite projetar novas situações e realidades na forma como o pensamento é capaz de concebê-las. Com isso, infinitas possibilidades se apresentam ao poder criador do homem, haja vista que o seu modo de pensar racional se compreende como uma espécie de domínio do DNA do mundo, ao modo de uma força divina que tudo pode. Tudo começa, por assim dizer, na prancheta do seu pensamento, já que res cogitans (coisa pensante) é o que define o homem. É esse o alcance da razão moderna que encontra em si mesma, isto é, na subjetividade do indivíduo, os critérios de validação do seu operar.

Ao considerar o mundo passível de intervenção, a razão moderna se põe como projeto, com a disposição de refazer tudo. É no âmbito do projeto da modernidade que se realizam as revoluções burguesas e liberais que propõem reformular a sociedade, a política, a economia e todo o conhecimento, cuja base passaria a ser a razão subjetiva. Tem-se, assim, um projeto iluminista, ou o projeto das Luzes, baseado em três grandes princípios, a saber: “[…] a autonomia, a finalidade humana de nossos atos e, enfim, a universalidade” (Todorov, 2008TODOROV, Tzvetan. O espírito das luzes. Tradução de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Editora Barcarolla, 2008., p. 14). Pelo caráter de universalidade, as Luzes “[…] produzem um mundo ‘desencantado’ obedecendo de ponta a ponta às mesmas leis” (Todorov, 2008TODOROV, Tzvetan. O espírito das luzes. Tradução de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Editora Barcarolla, 2008., p. 15) naturais e laicas.

E é justamente a educação, cuja função será a de levar as Luzes a todos, que se torna condição indispensável para esse novo projeto. Daí a ordem de ensinar tudo a todos (Comênio). Através da educação se ativaria a condição de perfectibilidade, no sentido de possibilidade de melhoria de toda a humanidade pelo conhecimento racional, especialmente pela ciência. À educação caberia, em todos os casos, a tarefa de contribuir para a otimização dessas potencialidades da razão. Com isso, as ciências ganham a função de esclarecimento e o professor é aquele que tem a missão de ensiná-las às novas gerações para prepará-las para essa nova sociedade que se projetava. Assim, há uma evidente aposta na educação pública como lugar e oportunidade de desenvolvimento da ciência nas novas gerações, através de um projeto republicano para que os cidadãos, além de terem direitos, pudessem deles usufruir (Condorcet, 2008CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas de Caritat. Cinco memórias sobre a instrução pública. São Paulo: Unesp, 2008.).

No entanto, essa crença na marcha do progresso, característica do pensamento moderno, apresenta seus excessos no tocante à concepção de racionalidade, ao projeto político e em relação à função da educação. Os modernos não perceberam que a suposta razão crítica emancipadora nem sempre era capaz de alcançar seus objetivos, por uma série de fatores. Exemplo dessa crença moderna, de acordo com Habermas (2012a, p. 278)HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a., é o próprio Condorcet, que “[…] se abandona a uma efetividade automática do espírito; ou seja, confia em que a inteligência humana esteja voltada à acumulação de saber e em que ela ocasione avanços da civilização por meio de uma difusão do saber per se”. Ou seja, o engano estaria na crença de que a simples posse do conhecimento pudesse ter efeitos emancipatórios.

Outras ressalvas podem ser feitas aos excessos da crença moderna na ideia de que a educação produziria uma sociedade específica. O perigoso nessa lógica de produzir as novas gerações por meio da educação, de prepará-las para um mundo que já foi projetado, ou de encaminhá-las para algum sentido já previamente estabelecido, está no fato de que provavelmente a geração que o fizesse roubaria dos mais novos a oportunidade de criar, negando sua capacidade instituinte (Arendt, 2016ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2016.). Seria lamentável e até impensável, desse ponto de vista do paradigma moderno, tentar “formar cidadão” (Brayner, 2008BRAYNER, Flávio Henrique Albert. Educação e republicanismo: experimentos arendtianos para uma educação melhor. Brasília: Liber Livro Editora, 2008.), como uma máquina ou autômato que reproduz perfeitamente as funções republicanas e democráticas que desejamos, com o objetivo final de reproduzir a sociedade que queremos. A recusa dos projetos instituídos, ou a sua não aceitação tal e qual, justifica-se a partir da inovação que devemos garantir como um direito às novas gerações, contanto que isso se dê na compreensão da tradição, levando em consideração os meios democráticos para a instauração do novo.

Quanto ao projeto moderno como um todo, é preciso lembrar que muitos daqueles benefícios esperados acabaram por não se concretizar, e “[…] as promessas formuladas outrora não foram cumpridas” (Todorov, 2008TODOROV, Tzvetan. O espírito das luzes. Tradução de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Editora Barcarolla, 2008., p. 23). A ciência que se converteu em cientificismo4 4 Cientificismo ou cientismo é uma concepção filosófica, vinculada ao positivismo, que entende que a ciência constitui um conhecimento superior às demais formas de saber por ser mais rigorosa e trazer benefícios práticas à vida humana. não foi suficiente para tornar o campo social e político necessariamente melhor, mesmo com gerações de educadores tendo se voltado a esse propósito. O racionalismo e o cientificismo, como apostas cegas da modernidade, não tornaram a vida humana necessariamente melhor, mas é certo que contribuíram para a exploração e a destruição da natureza, como também para a formação dos totalitarismos que tiveram efeito devastador, principalmente ao longo do século XX.

A Crise da Razão e os Pós-Modernismos

A razão, na forma subjetiva como a modernidade a concebeu, se mostrou: a) influenciada extremamente por questões materiais inerentes ao capitalismo; b) balizada por fatores psíquicos invisíveis ao homem moderno, portanto, incontrolável e imprevisível; c) pautada por uma fragilidade na capacidade de pensar o mundo comum, recaindo diversas vezes no irracionalismo e na barbárie. Por esses e outros motivos, a razão que se pretendia libertadora mostrou estar a serviço de interesses específicos, e, enquanto se dizia construtora e progressista, destruía a natureza e trazia catástrofe e miséria para grande parcela dos homens. Enfim, sob esses e outros possíveis pontos de vista esboça-se uma crítica avassaladora que põe em crise o projeto da modernidade como um todo e, com isso, também, “[…] os fundamentos da razão, as condições mesmas da possibilidade do conhecimento” (Marques, 1996MARQUES, Mario Osorio. Educação / interlocução, aprendizagem / reconstrução de saberes. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1996., p. 33).

Nesse contexto de crise da razão, emerge o pós-modernismo como um movimento de ruptura paradigmática que não propõe necessariamente uma saída, mas que declara o projeto moderno como uma tentativa finalizada e falha, e que, por isso, deveria ser descartado por se encontrar esgotado em suas possibilidades. A razão sob a qual se erigiu deveria, inclusive, ser declarada incapaz de pensar a sua própria crise por não ser verdadeiramente crítica. A visão pós-moderna, portanto, passa a entender a modernidade como um sistema fechado em si, já em colapso, não acreditando na possibilidade de uma razão crítica, mas a tomando como uma razão que está sempre “[…] a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens […]” (Rouanet, 1987ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., p. 12), ou seja, tomando-a pelo seu lado repressivo. Essa visão é corroborada pela crítica que Adorno (2020)ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2020. faz à razão. Para ele as dimensões da repressão e do progresso são efeitos de uma mesma razão, de sorte que barbárie e emancipação constituem os dois lados de uma mesma moeda. Inerentemente à razão subjetiva, está um movimento de autodestruição, pois quanto mais progride em seu operar, mais a humanidade se torna presa a um atoleiro de reificação. Todas as situações, inclusive as que envolvem humanos, tornam-se alvos de perscrutação racional e de controle objetificador. Quanto mais intensa a racionalização da sociedade, mais intensificadas se tornam as instituições de poder. Na esteira desse pensamento, a ciência e a técnica são os principais fatores da repressão social (Adorno, 2020ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2020.).

Enuncia-se, assim, a característica de ambivalência da razão e da ciência pelos frankfurtianos, no caso, por Adorno e Horkheimer (Habermas, 2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a.). Trata-se de uma crítica da razão em função de seu caráter aporético, uma vez que essa razão que possibilita a libertação e a emancipação é a mesma razão que produz a dominação. Com essas duas faces se estabelece na própria razão uma auto-oposição, uma aporia, que resulta em um agir dela contra si mesma, o que a torna impotente para a consecução de seu projeto crítico. A crítica total da razão, portanto, equivale à anulação total da crítica (Rouanet, 1987ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.).

A identificação do caráter ambivalente da razão moderna pode ser considerada a grande contribuição desses filósofos frankfurtianos, assim como a denúncia de que a sua dimensão instrumental sobrepujou a sua dimensão emancipatória no âmbito do projeto da modernidade. Ou seja, a denúncia de que o modo de operar da razão sobre o mundo objetivo das coisas existentes, na perspectiva de conhecê-las e sobre elas agir, se tornou o modo predominante de uso da razão, dando origem à burocratização e ao fenômeno da reificação (coisificação) desse mundo, com perdas para a noção de civilização e da dignidade da vida humana (Adorno, 2020ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2020.). Enfim, trata-se da denúncia de que, superdimensionada em seu caráter instrumental, a razão passou a servir a um fim objetivo, tornando-se ferramenta de controle, de domínio, de produtividade. Apesar de Adorno e Horkheimer não serem pós-modernos, pode-se dizer que eles jogaram água no moinho do pós-modernismo, ou, então, que ajudaram a produzir um tsunami em cujas ondas o pós-modernismo vai surfar.

O pós-modernismo configura uma forma de pensamento que se expressa por correntes das mais variadas, sendo impossível apresentá-lo de forma suficientemente completa nos limites deste escrito. Para os objetivos que aqui nos colocamos, nos restringiremos a apontar duas características dessa forma de pensamento que, em nosso ver, demarcam uma diferença e uma ruptura para o que indicamos como desejável de manutenção relativamente ao ideário da educação republicana. Lembrando, havíamos sugerido a pertinência atual de uma educação orientada a formar “[…] sujeitos esclarecidos, capazes de deliberar, cada um por si, sobre os destinos de uma sociedade que a todos concerne”. A consecução de uma tal finalidade, que visa articular indivíduos sujeitos em uma forma de vida coletiva, pressupõe, como acima indicamos, uma educação comum baseada em um conhecimento que, no caso, teria que ser racional, no sentido de pautar-se por algum critério de objetividade.

Uma tal orientação presente no projeto iluminista de educação busca ser uma resposta ao modo humano de ser em seu desafio de estabelecer um mundo comum. Nesse sentido, pode-se dizer que, desde os primórdios da tradição filosófica, o reconhecimento de nossa condição errática, haja vista a ausência de um script natural para o estabelecimento de uma existência coletiva, exigiu o forjamento de algum critério que pudesse balizar essa coexistência com os demais. E a busca por um tal critério, já sempre com alguma pretensão de universalidade, ou potencial de concernir, pode ser tomado como correspondente à tematização da razão na tradição filosófica. O projeto moderno de educação, portanto, se orienta por uma pretensão de oferecer um critério que permite estabelecer vínculos e cumplicidades recíprocas, e, assim, permite uma sociabilidade já não assentada no princípio da subjugação ao mais forte, por exemplo.

As duas características que vamos apontar em relação ao pensar pós-moderno se colocam na contramão disso que acabamos destacando na configuração do projeto educacional da modernidade, no caso, da educação republicana de inspiração iluminista. A primeira característica é a da negação de que possa existir algum critério para a crítica, com o que “pensamento crítico” perde todo e qualquer sentido (Silva, 1993SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia da educação e pedagogia crítica em tempos pós-modernos. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. P. 122-140., p. 122). Nesse sentido, trata-se de uma teoria “pós-crítica” que, com a recusa da razão, renuncia a qualquer pretensão de universalidade em suas afirmações e, consequentemente, à pretensão de concernir, de estabelecer cumplicidades recíprocas para a vida em um mundo humano comum. E a segunda característica desse pensar pós-moderno que queremos destacar se articula com a anterior, ao modo do que, então, nos resta: existem apenas narrativas. E narrativas fatalmente parciais (Silva, 1993SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia da educação e pedagogia crítica em tempos pós-modernos. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. P. 122-140., p. 127-128). Ou seja, cada um escolhe a sua história para contar, já não para estabelecer um debate, ou uma argumentação com vistas a produzir um entendimento mais consistente, mas tão somente para marcar posição ou conseguir adeptos. Assim, não há fatos, apenas versões que buscam se impor. Consequentemente, a ciência já não se move em função de alguma verdade ou eficácia, nem o sistema judiciário se orienta por algum princípio de justiça. Tudo não passa de um jogo de cena para estabelecer poder de uns sobre os outros. E não há nada que possa ser feito, pois a aparência configura a própria realidade. Conforme Silva (1993, p. 127)SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia da educação e pedagogia crítica em tempos pós-modernos. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. P. 122-140.,

Do ponto de vista pós-moderno, não existe uma realidade para além e fora da linguagem e dos signos de que a linguagem é formada. A linguagem e os signos não representam uma realidade fora deles, nem estão em correspondência com uma realidade que existe para além deles. Eles são, em vez disso, constitutivos da realidade.

Em um contexto que assim se afigura, como ainda falar em educação? E mais do que isso: em que assentaríamos um projeto de formação se tudo, a princípio, tem mais ou menos o mesmo valor, se não há propriamente critério para escolher uma coisa em detrimento de outra? Um currículo, por exemplo, não passaria de uma guerra de narrativas, que mudaria ao sabor das forças políticas e conforme a cara de quem tem, circunstancialmente, a prerrogativa de baixar decretos ou tomar decisões. De que forma, enfim, um projeto de educação em um contexto desses poderia contribuir para um ganho de civilidade, ou ser expressão de um compromisso ético para com as novas gerações que vêm ao mundo, já que, sob esses pressupostos, a própria ética deixa de ter qualquer apelo universal, tornando-se mera expressão de preferências deste ou daquele grupo?

Da Perda de Referenciais de Objetividade à Morte da Verdade

O que destacamos do pensar pós-moderno são duas características cujo efeito prático é a perda de referenciais de objetividade, o que resulta, por óbvio, em enormes dificuldades para a tarefa educacional. Como seria possível educar, ou mesmo estabelecer um currículo de formação no âmbito de uma política pública, sem que se tivesse um entendimento minimamente compartilhando acerca do que possa ser tomado como verdade5 5 Referindo-se à relativização pós-moderna do conceito de verdade, Fernando Savater (2000, p. 158-159) assim se pronuncia: “Não há educação se não há verdade a ser transmitida, se tudo é mais ou menos verdade, se cada um tem sua verdade igualmente respeitável e não se pode decidir racionalmente entre tanta diversidade. Não se pode ensinar nada se nem o professor acredita na verdade do que está ensinando e que é verdadeiramente importante sabê-lo”. , como correto, como adequado? O estabelecimento de referenciais de objetividade, sob a forma de paradigmas de racionalidade, por exemplo, pode ser tomado como um dos propósitos da filosofia desde sempre. São tematizações dessa ordem que permitem falar de um mundo que se põe além de uma particular percepção das coisas. Em educação, de um modo especial, é preciso saber como o mundo que contamos às novas gerações corresponde ao nosso mundo e que ele é comum a todos nós. Decerto, o que se espera que um professor ensine não pode ser um conteúdo que resulte de sua livre criação, e, sim, que corresponda àquilo que remete a um nós, à coletividade humana de uma nação, ou à herança de uma experiência historicamente estabelecida.

Tomando a reflexão relativamente à crise da razão e, na esteira desta, a perspectiva de abandono da razão e do próprio pensamento crítico6 6 Svi Shapiro, após analisar algumas das tendências do pensamento moderno, conclui que ele “exprime a futilidade de qualquer ideia de pedagogia crítica. Em particular, nega a possibilidade daquilo que é central a uma tal pedagogia: a visão de uma vida pública e de uma luta por ela que tenham sentido” (Shapiro, 1993, p. 107). , e tomando, de outra parte, o que sugerimos como importante e desejável manter do projeto iluminista de sociedade e educação, como analisar o tempo presente em que a formação das opiniões se dá com base no fluxo de informações e manifestações que ocorrem no âmbito das novas mídias digitais? Quais pressupostos embasam esse fluxo comunicativo, de forma mais ou menos explícita, de forma mais ou menos velada? Na análise que segue buscaremos identificar nos posicionamentos pós-modernos, aqui destacados, uma potencialização das situações problemáticas que o fluxo das redes vem apresentando, especialmente no que se refere ao modo de formação das opiniões e seus impactos na constituição de uma vida coletiva, sobremaneira em sua configuração política.

A situação problemática que se põe na esteira dessas perspectivas do pensamento pós-moderno é a seguinte: a verdade objetiva perde importância; as referências são todas relativizadas; os significados são vistos como totalmente subjetivos; e a ciência, como esforço de compreender o mundo objetivo, já não parece possuir tanta relevância. Esse modo de pensar fornece base para o surgimento dos negacionismos, como os movimentos antivacina, as concepções terraplanistas e os revisionismos da história. Não é o caso de que o pós-modernismo se traduz em negacionismo, mas, como entende Kakutani (2018, p. 64)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. os “[…] argumentos pós-modernos abririam caminho para os adeptos do movimento antivacina e os negacionistas do aquecimento global, que se recusam a aceitar a opinião consensual da esmagadora maioria dos cientistas”.

Esse clima de desconstrução da realidade, de esfacelamento das referências e verdades científicas, traz a possibilidade de modificação do que se pensa ser a verdade, bem como as formas com que ela é passada de geração em geração. Essa desconstrução trouxe uma instabilidade extrema de significados, em que “[…] qualquer coisa poderia significar qualquer coisa”, fomentando um panorama intelectual em que “[…] nenhum fato, nenhum evento e nenhum aspecto da história tem qualquer significado ou conteúdo fixo”, bem como “[…] não há uma realidade histórica definitiva” (Lipstadt7 7 LIPSTADT, Deborah. Denyng the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory. In: KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. apud Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., p. 65).

Vale lembrar de ordens recentes do governo dos EUA aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças para que evitassem usar as expressões “base científica” e “baseado em fatos”, tal como na distopia orwelliana 1984 não existia uma palavra no vocabulário do novidioma para “ciência” (Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., p. 42). Nessa realidade distópica, tão semelhante em algumas dimensões com nosso contexto atual ou com o nazismo, no qual não havia palavra para “filosofia”, o Partido e o Grande Irmão controlam a realidade, se apropriando da linguagem e modificando o passado de acordo com sua visão de mundo. No caso da distopia orwelliana, “[…] a História era um palimpsesto raspado a zero e reinscrito com frequência exata da necessidade” (Orwell, 2021ORWELL, George. 1984. Tradução de Karla Lima. Jandira: Princips, 2021., p. 49).

Para ilustrar a consequência da relativização total da verdade, nos coloquemos a pensar em um contexto em que ninguém mais sabe no que acreditar e, por isso, pode acreditar em qualquer coisa, como já falava Hannah Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. em sua leitura sobre as propagandas totalitárias do século XX. É isso que ocorre, também, na realidade atual em que operam as novas mídias digitais, em que as fake news são disseminadas com velocidade nunca vista e movimentos segregacionistas disseminam mensagens de ódio de forma livre, aproveitando-se desse cenário obscuro no qual não há verdade objetiva que possa servir de critério para a crítica. Tanto em uma como noutra situação, trata-se de realidades em que a relativização da verdade se torna instrumento de controle em uma sociedade de massa.

A partir do que sinalizamos acerca do âmbito em que operam as novas mídias sociais digitais, já podemos evidenciar um contexto de comunicação sistematicamente perturbada, assimétrica e manipuladora, para usar os termos de Marques (1993)MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993.. O que alguns pensadores imaginaram acerca da cibercultura, como espaço de diversidade e amplo diálogo dentro de uma nova perspectiva de universalidade, não se concretizou exatamente dessa forma. Para Charlot (2020, p. 124)CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., o ciberespaço “[…] não pode ser o lugar da cibercultura de liberdade, igualdade, criatividade, encontro do outro e de sua diferença, sonhada por Lévy8 8 Pierre Levy é autor de vários livros que tematizam o advento das mídias digitais e da cibernética, com uma abordagem bastante otimista relativamente às possibilidades para a aprendizagem e a difusão da cultura humana. Em seu entender, o surgimento do ciberespaço representa uma nova concepção de universalidade. Com essa universalidade e uma liberdade sem precedentes, o ciberespaço propiciaria uma tomada de consciência global e humana e, consequentemente, maior humanização. e outros autores”, pois, sendo um espaço sem pedagogia, é o espaço que, segundo Charlot, se caracteriza como espaço sem regulação entre desejo e norma. Esse espaço é atualmente “[…] um espaço sem lei, às vezes para o bem, frequentemente para o mal” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 124). Ainda segundo o diagnóstico do autor, a “bela fórmula de Lévy” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 113) é “iminentemente questionável” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 125), isso porque há aí um “[…] projeto construído na total ignorância da questão antropológica do desejo e da norma” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 117), abrindo espaço para a livre circulação do desejo do eu e do imediatismo.

Mesmo sabendo que o ciberespaço não é um território homogêneo, e que ele também permite interações baseadas na cooperação e em sentido democratizante, não vemos de que forma ele poderia apontar para uma humanidade nova e melhorada, em se tratando de um contexto de redes sociais e comunicadores instantâneos. O que se observa é um cenário de maior concentração de pessoas que pensam parecido, reunidas em bolhas, o que potencializa inclusive a polarização política, fragilizando cada vez mais os meios democráticos de diálogo. A crítica de Charlot (2020, p. 116)CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., para quem o ciberespaço é “[…] um lugar que, por natureza, tende a fechar as comunidades de gostos e opiniões em seu ‘mundinho particular’, rapidamente hostil ao que é o outro”, se adequa bem a esse espaço das bolhas que se formam com base no fluxo contínuo de informações sem regulação e curadoria. Pode-se acrescentar, ainda conforme o autor, que nesse espaço o sujeito está abandonado apenas à norma dos códigos, algoritmos e a do neoliberalismo. Por isso, no que concerne às redes e as mídias sociais digitais como espaço de comunicação, o ciberespaço opera sem “nenhuma norma de autorregulação horizontal” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 124). Nesse contexto, sem pedagogia, abrem-se as portas para os ódios, para as guerras santas, as extorsões financeiras e as fraudes políticas.

As redes sociais acabam contribuindo muito para a intensificação desse fenômeno. Segundo Kakutani (2018, p. 16-17)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., elas “[…] conectam usuários que pensam da mesma forma e os abastecem com notícias personalizadas que reforçam suas ideias preconcebidas, permitindo que eles vivam em bolhas […] sem comunicação com o exterior”. Grupos, comunidades ou bolhas, que reforçam apenas convicções limitadas, acabam por impossibilitar o entendimento entre essas pessoas e as demais sobre a realidade compartilhada.

Em relação à noção de verdade, diversos estudos mostram as dificuldades provenientes das notícias falsas, as fake news. Sem saber o que é verdadeiro ou falso, as pessoas não podem mais se entender acerca da realidade vivida. Em A morte da Verdade, Kakutani (2018)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. examina esse problema e como ele pode prejudicar as democracias, bem como outros meios. Para a autora,

O termo ‘declínio da verdade’ […] entrou para o léxico da era da pós-verdade, que inclui também expressões agora corriqueiras como ‘fake news’ e ‘fatos alternativos’. E não só as notícias são falsas: também existe a ciência falsa (produzida por negacionistas das mudanças climáticas e anti-vaxxers, os ativistas do movimento antivacina), a história falsa (promovida por revisionistas do Holocausto e supremacistas brancos), os perfis falsos de norte-americanos no Facebook (criados por trolls russos) e os seguidores e ‘likes’ falsos nas redes sociais (gerados por bots)

(Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., p. 11).

Os ataques à verdade fazem com que as pessoas passem a não saber mais diferenciar o verdadeiro do falso e, entre populismos, nacionalismos, negacionismo e fundamentalismo, “[…] recorram mais ao medo e à raiva do que ao debate sensato, corroendo as instituições democráticas e trocando os especialistas pela sabedoria das multidões” (Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., p. 12). Configura-se, assim, um quadro próximo ao descrito por Arendt (2012, p. 519-520)ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. em sua obra As Origens do Totalitarismo:

Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas haviam chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro […]. Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psicológico correto de que, em tais condições, era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua inverdade, apelariam para o cinismo […].

Uma fake news, portanto, não consiste apenas em uma notícia falsa, mas na criação de uma ilusão que acaba sendo posta no lugar do que é real. E quando não mais se souber o que é real e o que é falso, as pessoas podem decidir escolher acreditar em qualquer coisa, ou em nada. As duas possibilidades parecem bastante aterradoras se levarmos em conta que as repúblicas democráticas são regidas pelas opiniões mais gerais das pessoas.

Como poderíamos combater todo esse lado perverso do ciberespaço e das novas mídias digitais? O problema é que esse espaço, por natureza, se pretende um espaço de comunicações transversais, totalmente aberto em relação a normas e conteúdo, no qual “qualquer norma é considerada como censura” (Charlot, 2020CHARLOT, Bernard. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. Tradução de Sandra Pina. São Paulo: Cortez, 2020., p. 118). E para isso já não importa que os conteúdos sejam os mais racistas, sexistas e extremistas possíveis, contanto que as pessoas que os produzem encontrem outras que também pensam assim.

Esse é um cenário favorável para o surgimento de novas formas de fascismo, ou, no mínimo, para dificultar a coesão do laço social e da esfera pública. Projetos de sociedade que não são democráticos acabam se beneficiando desse cenário, no qual o outro não pode ser aceito e os consensos não passam de um modo de pensar segundo as mensagens sensacionalistas de uma propaganda rapidamente difundida pelas novas tecnologias digitais. Acerca da linguagem propagandista, Kakutani (2018, p. 97)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. afirma que “[…] os políticos sempre distorceram a realidade, mas a TV – e mais tarde a internet – lhes deu novas plataformas para prevaricar”.

Refletindo sobre o fato de que o pensamento está diretamente relacionado à linguagem, e que o ideário autoritário/fascista do passado sempre pretendeu se apropriar da linguagem como forma de domínio da verdade, podemos alertar para esse contexto em que não nos entendemos mais acerca da realidade vivida devido a um empobrecimento da linguagem. “O pós-modernismo não apenas rejeitou todas as metanarrativas, como também enfatizou a instabilidade da linguagem” (Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., p. 65). Esta se evidencia no ciberespaço, em que se encontra cada vez mais empobrecida, veiculada por memes, vídeos, gifs e stickers, nos quais há um sentido previamente dado, limitado. Esses são propagados via aplicativos e plataformas que não exigem mais do que de alguns segundos de concentração dos usuários, que cada vez mais são condicionados a essas formas de leitura e recepção de sinais.

Não parece que temos um espaço de expansão da democracia, haja vista os discursos de ódio e projetos políticos autoritários que ganham força nesse meio, seja por vídeos curtos e “bem” editados, seja por correntes de WhatsApp. A “enxurrada de mentiras” hoje emitidas e impulsionadas através do ciberespaço e das redes sociais desorientam as pessoas. Ao desorientar, trazendo a discórdia e o ódio, preparam as condições ideais para que a sociedade de massa possa aderir aos slogans partidários e clichês propagandísticos. Para Kakutani (2018, p. 111)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018., “[…] foi por isso que os regimes autoritários ao longo da história se apropriaram da linguagem corriqueira na tentativa de controlar não apenas a forma como as pessoas se comunicam, mas também como pensam”.

Ao se apropriar da linguagem de forma mentirosa e reescrever a história aos poucos com fake news, substituem-se as condições linguísticas ideias para a democracia e se instaura um ambiente favorável à autocracia. Nesse âmbito, só funciona o clichê, o slogan, a frase pronta, dita com maior convicção, não importando o conteúdo. Nesse contexto, o nome do livro de Kakutani (2018)KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. parece fazer mais sentido: “A morte da verdade”.

Uma Concepção de Racionalidade ancorada na Intersubjetividade Linguística

Mesmo levando a sério as contundentes críticas feitas à razão moderna por parte dos eminentes pensadores frankfurtianos, especialmente quanto ao caráter instrumental que nela se tornou hegemônico, haveria como retomar um discurso da razão para fazer o enfrentamento dos problemas descritos acima, potencializados pelos esquemas fornecidos pela pós-modernidade e baseados exatamente na descrença da razão? E de outra parte, uma tal retomada permitiria a recuperação de noções caras ao projeto político e educacional moderno, como o esclarecimento dos sujeitos com base em parâmetros referenciais com pretensões de universalidade, isto é, mediante critérios com potencial de agregação com vistas à construção de uma sociabilidade comum, baseada no respeito, na solidariedade e na ética? Bem, nosso intento é responder positivamente e esses dois questionamentos a partir de um breve esboço da perspectiva filosófica estabelecida por Jürgen Habermas.

Em linhas gerais, o teórico alemão, em sua Teoria da Ação Comunicativa (Habermas, 2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a.; 2012bHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b.), reconhece os descaminhos da razão moderna e os efeitos trágicos produzidos em seu nome, mas entende que há um potencial de racionalidade que pode ser recuperado nos contextos do mundo vivido, e que se expressa na própria forma da linguagem comunicativa, mais especificamente, a partir dos pressupostos pragmáticos que a orientam. Trata-se, obviamente, de uma mudança paradigmática relativa ao modo como a noção de racionalidade se estabelece e que, em linhas gerais, consiste na passagem da subjetividade para a intersubjetividade. Racionalidade, com isso, já não será a expressão de um pensamento autorreferente, sustentado pela lógica do próprio pensamento, mas a expressão de um acordo estabelecido no âmbito de uma comunicação orientada ao entendimento. Com isso a noção de racionalidade já não se refere a determinados conteúdos pretensamente racionais, e, sim, à processualidade comunicativa mediante a qual determinados conteúdos venham a ser acordados (Rouanet, 1987ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., p. 13-14).

Assim indicada, a atitude racional opera com vistas ao esclarecimento mútuo, ao mesmo tempo em que se orienta para uma sociabilidade baseada nos princípios da verdade, da justiça e da solidariedade. E ao recuperar as forças utópicas presentes no projeto da modernidade, a perspectiva habermasiana foi cunhada, por Paulo Sérgio Rouanet (1987, p. 26)ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., de neomodernidade, configurando um novo paradigma em que a razão se assenta na linguagem pragmática do mundo da vida, passando a se expressar como intersubjetividade linguística.

Avaliando o alcance desse novo paradigma, Mario Osorio Marques (1993, p. 74)MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993. afirma que “[…] não foi tão radical, como se afigura, a mudança do paradigma ontológico da razão ancorada na ordem objetiva do mundo para o paradigma mentalista da razão”. Por isso, seria apenas após a chamada virada linguística que o conhecimento e a razão passaram a ser concebidos a partir do “medium universal da linguagem” (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993., p. 71). Nos dois paradigmas anteriores, há uma relação linear entre sujeito e objeto que só será superada pelo paradigma comunicativo, no qual a razão se manifesta “na multiplicidade de suas vozes” (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993., p. 71). Dessa forma, não é mais apenas o sujeito que se relaciona com o objeto, ou com uma realidade objetiva, mas os sujeitos. Também não há um sujeito que produz objetividade na razão subjetiva, nem que descobre a verdade objetiva já estabelecida, mas temos a linguagem que concria e corporifica a realidade do conhecimento (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993.), estabelecendo a objetividade do mundo.

É interessante nessa reformulação paradigmática perceber que conhecimento não é mais um espelhar a realidade e a natureza do mundo, mas uma asserção acerca delas perante uma comunidade linguística. O ato de conhecer passa a ser concebido dentro de um espaço de razão lógica, explicável e justificável: conhecer é “situar-se no espaço lógico das razões” (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993., p. 75). Assim, o pensar não mais é independente da linguagem, mas interligado e a ela dependente em sua própria constituição.

Diretamente ligado a isso se evidencia um entendimento no âmbito da linguagem como um “objeto” socialmente construído e uma prática concreta dessa sociedade, refletindo as estruturas das interações sociais. Aqui o uso da linguagem consiste em uma ação, em um ato de entendimento mútuo, em busca de acordos fundamentados mediante interrogação e justificação. O espaço lógico das razões é essa comunidade ou sociedade na qual algo se pretende como expressão de verdade. E, se o conhecer é fazer asserções perante uma comunidade acerca da realidade, essas asserções serão válidas apenas quando se apresentam à comunidade as regras segundo as quais a asserção é colocada; ou quando se apresentam as regras dos jogos de linguagem dos quais a asserção faz parte, para que os demais sujeitos possam interagir, entendendo o que se pretende como verdade, podendo perguntar, discordar e concordar racionalmente. Em outras palavras, há condições específicas para que se possa considerar algo como racional, “[…] o que Habermas denomina situação ideal de fala” (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993., p. 78). Para Marques (1993, p. 78)MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993.:

Tendo como necessário critério prático a situação ideal de fala, isto é, a antecipação e pressuposição de uma interlocução não coercitiva nem distorcida por fatores externos ou internos, mas direcionada pelos princípios da reciprocidade e da simetria, de modo que todos os participantes tenham as mesmas possibilidades de intervir, perguntar e responder, de problematizar, interpretar, opinar, justificar, de decidir, ordenar, assentir ou opor-se.

No interior desse paradigma, são consideradas racionais aquelas pretensões ou asserções que podem ser vistas e entendidas como justificáveis por um processo argumentativo livre e racional entre os sujeitos que se relacionam linguisticamente na situação específica e, por isso, o pensamento habermasiano traz certas vantagens metodológicas. Na linguagem se evidenciam formas de pensar, estruturas e a racionalidade que pode estar sendo expressa, o que não ocorre no paradigma da razão subjetiva. Enquanto no paradigma da razão subjetiva a racionalidade é introspectiva, na linguagem a razão se faz pública, pois ela se dá nas “exteriorizações verbais” (Habermas, 2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a., p. 31).

Sobre as asserções, Habermas (2012a, p. 34)HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a. afirma que “[…] quanto melhor se puder fundamentar a pretensão de eficiência ou de verdade proposicional associada a elas, tanto mais racionais elas serão”. Nessa concepção se atribui racionalidade a uma exteriorização comunicativa de acordo com sua “[…] disposição de sofrer críticas e à sua capacidade de se fundamentar” (Habermas, 2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a., p. 34). Assim, pelo fator de exteriorização e publicidade da linguagem podem haver critérios para a validação do racional. E, por existirem critérios e condições para que algo seja racional, a possibilidade de crítica ao que se pretende verdadeiro não se esvai. Esse é o ponto mais importante nesse posicionamento paradigmático.

E é exatamente em uma realidade tão etérea, como a descrita mais acima, em que tudo parece poder ser relativizado, que se faz necessário o estabelecimento das condições mínimas de entendimento intersubjetivo acerca do mundo vivido e compartilhado. É especialmente aí que a crítica precisa constantemente se fazer presente, para que se possam fixar pontos sólidos de ancoragem na comunidade linguística argumentativa. É isso que reforça Marques (1993, p. 97)MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993. ao se referir às situações de comunicação perturbada.

No contexto concreto de uma comunicação sistematicamente perturbada, assimétrica e manipuladora, em que o próprio uso da linguagem se apresenta distorcido e enganoso, faz-se mister opere a razão crítica no sentido de estabelecer os pressupostos da ação comunicativa ideal, implícitos na própria disposição de participar do processo de busca cooperativa do saber, de forma a produzir-se um consenso fundado no critério da universalização, isto é, na reciprocidade do reconhecimento igual das pretensões de verdade, de retidão e de sinceridade […].

Propomos, assim, uma forma de pensar a questão da verdade, ou o velho problema do conhecimento, nessa ancoragem no paradigma comunicativo, em uma perspectiva neomoderna. A possível resposta a esse contexto conturbado de desconstrução da verdade e das referências básicas acerca do mundo vivido está, em nosso entender, nessa guinada paradigmática para a intersubjetividade em que os sinais linguísticos substituem as relações sujeito-objeto, sem que se perca o caráter de objetividade da verdade. Propomos isso alternativamente ao que oferece o modelo de pensamento pós-moderno, sob os aspectos acima destacados, que potencializa a relativização da verdade como forma de enfrentamento de sua absolutização, reforçando esse contexto problemático. Por isso também não vemos como esse modelo possa dar conta das questões básicas relativas às formas democráticas e republicanas de sociedade, tendo em vista a contingência extrema na qual tudo é relativo, com o perigo de que “[…] a percepção da acentuada complexidade social se transforme na experiência de que estamos entregues a contingências, para cuja superação não existe mais um referencial […]” (Habermas, 1990HABERMAS, Jürgen. O pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990., p. 178).

É nessa perspectiva paradigmática que surge, portanto, a neomodernidade, em um clima de reconstrução da modernidade e da tradição, em oposição ao pessimismo em relação às possibilidades de emancipação e em um operar de forma crítica em relação às patologias do mundo contemporâneo através da razão. A partir dessa visão neomoderna, não são negados os princípios e ideais iluministas (Marques, 1993MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1993.), pois se insiste em continuar levantando as bandeiras da autonomia, da laicidade, da universalidade, bem como se insiste no projeto político republicano e democrático.

Em contrapartida às tendências de um pensar que promove o esvaecimento da noção de crítica e a recusa da razão, se propõe uma reconstrução de um projeto que não deve ser visto como pronto, nem acabado. As críticas que são feitas ao projeto das Luzes, em boa parte justas e fundamentadas, não devem representar o abandono de certos elementos emancipatórios, mas a contínua aposta nos mesmos, com base em uma razão consciente de seu possível irracionalismo. Não são esses elementos emancipatórios modernos que levaram às catástrofes do século XX, como não é a ciência o germe do cientificismo. Esses, sim, foram desvios do projeto moderno, ou até mesmo excessos, que o levaram ao campo do irracionalismo, da reificação do mundo e da barbárie.

Todorov (2008, p. 29)TODOROV, Tzvetan. O espírito das luzes. Tradução de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Editora Barcarolla, 2008., ao analisar o iluminismo, afirma que precisamos “[…] antes de tudo de uma refundação das Luzes […]”. Fala, nesse sentido, em “[…] preservar a herança do passado, mas submetendo-o a um exame crítico, confrontando-o lucidamente com suas consequências desejáveis e indesejáveis”. Parece razoável hoje repensar as potencialidades do projeto moderno e do poder da ciência e pensar a educação também dessa forma, já que não desistimos de projetar para as novas gerações um modelo de sociedade com base na liberdade e na democracia. Sabemos que na república democrática não vale apenas a ideia de que cada um possa ter sua voz, ou um voto, mas também a ideia de esperança que continuemos a viver em uma democracia (Avritzer, 2019AVRITZER, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019.), em continuidade, sem ruptura.

Lembremos que a intensificação da tecnologia, como resultado dos avanços científicos, pode desempenhar um papel ambivalente. Nesse sentido, é preciso evitar a crença cega de que a mera imersão no ciberespaço significa, por si, que escolhemos e decidimos nosso futuro, ou de que estamos caminhando inexoravelmente no sentido do progresso. Que futuro e que progresso? É isso que importa perguntar.

Educar sob o Paradigma da Intersubjetividade Linguística

Levando em consideração os ideais modernos e apostas de educar para uma sociedade republicana e democrática, e de insistir na ideia de que possamos viver coletivamente, é necessário que se atente também para problemas novos e atuais. De certa forma, se faz imprescindível que não caiamos nas apostas cegas e nos excessos do cientificismo como já aconteceu, porém, a atenção deve estar voltada a novos subsistemas da razão instrumental, como as redes, os algoritmos que a controlam e o ciberespaço como um todo. Em boa medida o esforço de educar na perspectiva neomoderna é o de se voltar sempre de novo para o problema do conhecimento, de retomar constantemente o projeto republicano democrático e de uma educação emancipadora, mas sempre de forma crítica, atenta aos novos obstáculos que se colocam à escola e à sua ação em prol da construção de um mundo comum.

O paradigma da razão comunicativa sugere maiores possibilidades para tratar temáticas como a educação, a política, o esfacelamento do tecido social, o esvaziamento da esfera pública e as novas formas de fascismo que têm surgido pelo mundo. Pelo fato de a razão comunicativa e intersubjetiva não se estabelecer em uma relação linear entre sujeito e objeto, sem perder de vista o caráter de objetividade, é possível escapar dos perigos metafísicos – dos discursos políticos baseados em entidades metafísicas e em verdades absolutas – sem cair na relativização total – que abre espaço para os negacionismos, seja da ciência, seja do próprio passado histórico. Inclusive os dois extremos beneficiam os projetos políticos de inspiração fascista.

Para pensar no possível papel da escola republicana no enfrentamento a todas as distorções no projeto das Luzes no que concerne à democracia e à própria república, partimos do suposto que se possa, a partir da razão crítica e comunicativa, firmar pontos em comum, buscar consensos, mesmo que provisórios. Assim, pode a escola, sob inspiração do projeto das Luzes e em uma perspectiva neomoderna, oferecer resistências tanto ao cientificismo, que crê na ciência como um arcabouço de verdades imutáveis e absolutas, quanto ao negacionismo, que se assenta em uma visão relativista acerca do mundo da vida e que impede qualquer tipo de consenso, estendendo-se também para questões da moral e da política; enfim, oferecer resistências a tudo que possa ser contra uma sociedade republicana e democrática na atualidade.

Ao estruturar os processos de ensino e aprendizagem sob os pressupostos de uma comunidade discursiva da argumentação, a escola pode fazer o enfrentamento das formas perturbadas, distorcidas e manipuladoras de comunicação, formando, assim, seus alunos para a criticidade em relação ao cenário que possam encontrar na esfera pública. Assim novamente se mantém um ideal iluminista de aposta nas potencialidades da escola pública e seus possíveis efeitos sociais para um convívio democrático, livre e racional.

Nessa perspectiva, os processos de aprendizagem também implicam a explicitação do modo como a ciência é produzida, isto é, o estabelecimento de uma relação com a sua forma de validação. Se uma teoria científica precisa passar pelo crivo de outros cientistas, ou seja, por uma comunidade de saber para que seja aceita como verdadeira, as asserções que fazemos acerca do mundo são tão racionais quanto se possa comunicá-las, explicitar as regras pelas quais aquilo foi dito, serem entendidas, criticadas, interrogadas e, possivelmente, aceitas. Disso resulta que se possa entender o mundo em sua objetividade através da linguagem – que se deixa conhecer, o que é um processo extremamente frutífero para pensar a própria ciência. Nessa ideia de colocar tudo a “teste” – para lembrar de Karl Popper e o papel do teste da falsificação – se atribui racionalidade a uma exteriorização comunicativa de acordo com sua “[…] disposição de sofrer críticas e à sua capacidade de se fundamentar” (Habermas, 2012aHABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização do social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012a., p. 34), e não pela verificação de sua semelhança com a suposta verdadeira realidade.

Ancorando-se no paradigma da razão comunicativa, a educação pode oferecer sustentação para a democracia na medida em que reforça que o conhecimento, isto é, as asserções – e aqui fazemos um paralelo com a esfera pública – nada mais são que pretensões de verdade que são fundamentadas mediante relações linguísticas livres, racionais e intersubjetivas. Trata-se da aposta em uma educação que tenta encetar um projeto de vida coletiva, de mundo comum, respeitando toda a diversidade existente, e em que sobrevivem os ideais de igualdade e respeito pelas individualidades, coexistindo com noções de universalidade.

A retomada e constante aposta na educação republicana à luz do projeto moderno surge como um processo no qual se oferecem as ferramentas para que o sistema político possa ser constantemente criticado, dessa forma sempre aberto ao novo, livre e democrático. Por isso, na perspectiva neomoderna, retomar o projeto iluminista possibilita reforçar as noções democráticas na república, respeitando as instituições, mas sempre podendo rever o que já foi instituído. Permite o respeito às tradições e a possibilidade de crítica e inovação, quando feitas de forma democrática. E essa retomada, segundo o que pensamos, passa necessariamente pela escola pública devido seu importante papel no interior desse projeto.

Considerações Finais

Pensar pela perspectiva dos paradigmas do conhecimento nos faz perceber potencialidades e insuficiências nas formas de conceber o conhecimento, bem como seus desdobramentos para o mundo humano, especialmente no que diz respeito à educação. Dessa forma, entendemos que, assim como o paradigma essencialista, ao qual contrapusemos uma perspectiva não mais metafísica, o paradigma moderno também está em crise em seu próprio cerne. Por isso, julgamos ser necessário pensar essa crise, pois ela não necessariamente evidencia um projeto exaurido ou encerrado em si, mas permite pensar um modo de sua reconstrução, mantendo alguns dos seus princípios com potencial de produzir mundo humano comum.

Como buscamos mostrar, algumas das perspectivas que se põem a partir de um pensar pós-moderno, pelo que significam em termos de negação de referenciais de objetividade, certamente mais atrapalham do que contribuem para a articulação de uma vida coletiva. Pelo contrário, enquanto a modernidade insistiu em uma aposta para que pudéssemos viver juntos – as repúblicas democráticas –, esses pós-modernismos vão chegar até mesmo a colocar essa dimensão da vida no mar da relativização. Assim, para que seja possível pensar os problemas que evidenciamos, concluímos ser razoável uma ancoragem no paradigma pós-metafísico da comunicação.

Para lembrar Rouanet (1987, p. 325)ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., “[…] se a cultura pode ocasionalmente dobrar-se ao poder, sucumbindo às velhas afinidades genéticas com a barbárie, o poder sente-se mais à vontade onde não há cultura”. Assim, não é pelas incertezas que não devamos buscar referências. Se não podemos mais confiar na entidade metafísica chamada verdade, devemos buscar encontrá-la mediante a comunicação livre, racional e intersubjetiva, e não reduzir a verdade ao status de mentira, a ponto de não sabermos mais no que acreditar.

O neoliberalismo implica uma individualização exponencial, segundo a qual a única coisa que dividimos é uma necessidade de competição, de satisfação dos próprios desejos e impulsos. Esse cenário, acentuado pela forma como as novas mídias digitais operam no ciberespaço, promove um esvaziamento de sentido da esfera pública, da coisa pública, dificultando cada vez mais os comprometimentos éticos, políticos e educacionais de passagem de mundo e de tradição.

Educar sob o paradigma da intersubjetividade linguística, como aqui propusemos, implica uma possível resolução, sempre parcial e nunca acabada, do problema da sociabilidade humana. Isso pressupõe um posicionamento acerca da dimensão republicana da escola e, com isso, a defesa da democracia. E será dessa forma que podemos nos posicionar contra as novas formas de fascismo e proteger as novas gerações dos discursos que tentam se valer como verdades, mas que fogem do jogo linguístico da validação, ou que pendem para a relativização total.

Notas

  • 1
    É importante destacar que não se pretende aí uma relação direta entre instrução e qualidade das escolhas políticas, haja vista que a república se assenta nas opiniões e não em uma suposta verdade. “A verdade se refere ao que é, foi ou será. Ora, não há política sem a dimensão do futuro, que sempre é o campo do inseguro. Não temos certeza do que virá. Podemos conhecer ou saber o que é, não o que não é. A política é o lugar da opinião, não da verdade – de crenças e valores, mais que de conhecimento. Evidentemente, os conhecimentos, e em especial a ciência, podem ajudar a política, mas o verbo é exatamente este: ajudar. O saber tem, na política, um papel subordinado. Pode servir de suporte, porém não basta para escolher” (Ribeiro, 2017RIBEIRO, Renato Janine. A boa política: ensaios sobre a democracia na era da internet. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 160).
  • 2
    Emblemático, nesse sentido, é o que revela o livro Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, de Giuliano da Empoli (2019)DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019. , mostrando como processos eleitorais em diferentes países têm sido manipulados com o apoio de estudiosos da informática e de sistemas e com o uso de algoritmos e big data.
  • 3
    A correlação entre “paradigmas da educação” e os grandes modelos de razão historicamente identificáveis é apresentada em texto de Mario Osorio Marques na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (Marques, 1992MARQUES, Mario Osorio. Os paradigmas da educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 73, n. 175, p. 547-565, 1992.).
  • 4
    Cientificismo ou cientismo é uma concepção filosófica, vinculada ao positivismo, que entende que a ciência constitui um conhecimento superior às demais formas de saber por ser mais rigorosa e trazer benefícios práticas à vida humana.
  • 5
    Referindo-se à relativização pós-moderna do conceito de verdade, Fernando Savater (2000, p. 158-159)SAVATER, Fernando. O valor de educar. São Paulo: Martins Fontes, 2000. assim se pronuncia: “Não há educação se não há verdade a ser transmitida, se tudo é mais ou menos verdade, se cada um tem sua verdade igualmente respeitável e não se pode decidir racionalmente entre tanta diversidade. Não se pode ensinar nada se nem o professor acredita na verdade do que está ensinando e que é verdadeiramente importante sabê-lo”.
  • 6
    Svi Shapiro, após analisar algumas das tendências do pensamento moderno, conclui que ele “exprime a futilidade de qualquer ideia de pedagogia crítica. Em particular, nega a possibilidade daquilo que é central a uma tal pedagogia: a visão de uma vida pública e de uma luta por ela que tenham sentido” (Shapiro, 1993SHAPIRO, Svi. O fim da esperança radical? O pós-modernimos e o desafio à pedagogia crítica. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. P. 103-121., p. 107).
  • 7
    LIPSTADT, Deborah. Denyng the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory. In: KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
  • 8
    Pierre Levy é autor de vários livros que tematizam o advento das mídias digitais e da cibernética, com uma abordagem bastante otimista relativamente às possibilidades para a aprendizagem e a difusão da cultura humana. Em seu entender, o surgimento do ciberespaço representa uma nova concepção de universalidade. Com essa universalidade e uma liberdade sem precedentes, o ciberespaço propiciaria uma tomada de consciência global e humana e, consequentemente, maior humanização.

Disponibilidade dos dados da pesquisa

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referencias

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Editado por

Editora responsável: Carla Karnoppi Vasques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    07 Jul 2023
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