Acessibilidade / Reportar erro

O Jogo da Formação Docente no caso Early Bird: lances, disputas e rupturas

RESUMO

Pressupondo a formação de professores como um jogo disputado entre agentes do campo educacional, o artigo analisa o caso do Projeto Early Bird, que introduziu a língua inglesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas da rede pública paulista por meio de parceria firmada entre a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e instituições holandesas. À luz de categorias teóricas ligadas ao conceito bourdieusiano de campo, e valendo-se de dados documentais e bibliográficos, e entrevistas semiestruturadas com professores do projeto, o artigo focaliza os desdobramentos de sua proposta de formação docente, evidenciando elementos que colocam em xeque a continuidade do jogo e o papel da universidade nesse espaço concorrencial.

Palavras-chave
Formação de Professores; Língua Inglesa para Crianças; Campo; Profissão Docente; Antiuniversitarização

ABSTRACT

Assuming teacher education as a game played among agents in the educational field, this paper analyzes the case of Early Bird Project, which introduced the English language in primary public schools in the state of São Paulo/Brazil through a partnership between the Sa?o Paulo State Secretary of Education and Dutch Institutions. Through the lens of the field concept developed by Pierre Bourdieu, and analyzing documentary and bibliographic data and also semi-structured interviews with teachers from the project, this paper focuses on the ramifications of the proposal’s teacher education of the project, highlighting elements that, together, put at stake the continuity of the game of teacher education and the role of university in this competitive space.

Keywords
Teacher Education; English Language for Children; Field Concept; Teaching Profession; Anti-universitization

Introdução

Agendas reformistas vêm há algumas décadas impondo-se no espaço social da formação docente, segundo as quais os sistemas formativos tradicionais deveriam ser substituídos por estruturas menos dispendiosas e mais performáticas (Ball, 2010BALL, Stephen. Performatividade e Fabricações na Economia Educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 32, p. 37-55, maio-ago. 2010.; Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.). Tais agendas, afinadas ao ideário da Nova Gestão Pública – NGP (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Dalila Andrade. A Reestruturação da Profissão Docente no Contexto da Nova Gestão Pública na América Latina. Revista FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Cabula, UNEB, v. 27 n. 53, p. 43-59, set.-dez. 2018.), mais ou menos evidentes nos diferentes contextos, impactam significativamente as configurações locais da formação dos professores, considerada aqui como um espaço de disputas, um jogo (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.).

Esse espaço concorrencial reúne diferentes instâncias que buscam produzir a formação docente, estabelecendo “[…] o que os professores devem saber, como devem agir profissionalmente, onde, como e por quem devem ser formados” (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., p. 332). Diferente da tendência observada ao longo do século XX, quando a formação de professores foi gradativamente elevada ao nível universitário nos diferentes contextos nacionais, ao encontro do movimento mais amplo de profissionalização do magistério (Bourdoncle, 1990BOURDONCLE, Raymond. De l‘Instituteur à l’expert. Les IUFM et l’évolution des instituitions de formation. Recherche et Formation, Paris, n. 8, p. 57-72, 1990.; 2007BOURDONCLE, Raymond. Univesitarisation. Recherche et Formation, Paris, n. 54, p. 135-149, 2007.; Tardif, 2013TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013.), os últimos anos vêm sendo marcados por um processo de fragilização por partes das universidades, questionadas em suas possibilidades de, em seu modo atual de organização, oferecer formação profissional aos professores (Bourdoncle, 2009BOURDONCLE, Raymond. L’Universitarisation: structures, programmes et acteurs. In: ETIENNE, Richard et al. L’Université Peut-Elle Vraimment formar les Enseignants? Bruxelas: De Boeck, 2009. P. 19-28.; Zeichner, 2010ZEICHNER, Kenneth. Repensando as Conexões entre a Formação na Universidade e as Experiências de Campo na Formação de Professores em Faculdades e Universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, set./dez. 2010.).

Nessa direção, emergem tendências antiuniversitarização (Bourdoncle, 2009BOURDONCLE, Raymond. L’Universitarisation: structures, programmes et acteurs. In: ETIENNE, Richard et al. L’Université Peut-Elle Vraimment formar les Enseignants? Bruxelas: De Boeck, 2009. P. 19-28.), que preconizam que a formação profissional docente deva ser assumida por setores independentes das universidades. Tal fenômeno foi identificado já há uma década por Zeichner (2013), no que se refere ao cenário da formação de professores estadunidenses. De acordo com o autor, naquele contexto de lutas intensas sobre o significado e o controle do magistério e de sua formação, bem como sobre a sobrevivência da educação pública, três grupos principais estariam em disputa. O primeiro denominado por ele como reformadores, considera o sistema universitário como estando falido. É formado sobretudo por empreendedores do mercado educacional, que de fora das universidades e dos departamentos de Educação, esperam substituir a formação docente universitária pela competição da economia de mercado. Esse grupo orienta-se por princípios ligados às agendas neoliberais e da NGP, propondo alternativas formativas que se alinhem mais diretamente à lógica rápida e aplicada do mercado, esperando do Estado apenas um papel regulador no acompanhamento dessas propostas.

Em contraponto a essa posição, um segundo grupo, os defensores, advoga pelo atual sistema universitário, reivindicando maior apoio e investimento em seu aperfeiçoamento. O terceiro grupo, formado por agentes ligados ou não às universidades, é denominado por Zeichner como transformadores. Empenhados em uma grande transformação do sistema atual de formação docente, o grupo propõe mudanças, contando com o envolvimento das instituições de ensino superior e reivindicando que sua natureza pública seja mantida.

Como consequências desse cenário de disputas, que já ultrapassa as fronteiras estadunidenses, as novas configurações assumidas em torno da formação docente trazem mudanças importantes para o lugar ocupado pela universidade, mas também – e esse é o principal ponto que aqui queremos discutir – acarreta graves rupturas para o jogo nele estabelecido, insinuando, no limite, possibilidades de sua dissolução. Nessa direção, o presente trabalho tem por objetivo discutir processos que se fazem presentes nas disputas entre esses grupos, que concorrem pelo poder de definir a formação dos professores. Tal discussão é aqui realizada a partir do caso do Projeto Early Bird. À luz de categorias ligadas ao conceito bourdieusiano de campo, partimos da análise de seus lances e disputas, procurando identificar quem são os agentes envolvidos no caso, quais estratégias utilizam para se legitimar e atuar no espaço concorrencial da formação docente e que tipos de consequências esses movimentos acarretam para o jogo nele estabelecido.

Implementado na Rede Estadual Paulista de Ensino em 2013 com o objetivo de ofertar a disciplina de Língua Inglesa para os anos iniciais de algumas escolas selecionadas, o Projeto Early Bird chama atenção para aspectos relativos à formação docente por mostrar-se, como destacou Lima (2016)LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663., bastante próximo ao que Zeichner (2013, p. 32)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. denomina como rota alternativa, caminho capaz de “[…] reduzir muito o papel das universidades na formação de professores e se mover em direção a programas mais curtos, mais ‘práticos’ e baseados em uma formação clinica”. No entanto, um exame longitudinal do caso permite-nos evidenciar aspectos que, nele presentes, ultrapassam os contornos de uma rota alternativa de formação docente, apontando para elementos mais amplos que colocam em questão a sua illusio e, nessa direção, o próprio sentido desse jogo.

As discussões e os dados aqui apresentados resultam de pesquisa orientada por uma perspectiva qualitativa, de natureza descritiva-interpretativa, e realizada por meio de um estudo de caso. Os dados empíricos explorados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com dez professores e ex-professores participantes do projeto Early Bird1 1 Todos os dados foram coletados em atenção aos procedimentos estabelecidos pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) que aprovou a realização do trabalho. Para preservar a identidade dos participantes, eles foram identificados por pseudônimos. . O processo de seleção dos professores participantes da pesquisa foi iniciado pelo contato com as 56 escolas implicadas no projeto, divulgadas pela Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Daquelas 56 escolas contatadas, somente 6 aderiram à pesquisa e, nelas, foram 10 os professores que aceitaram participar, concedendo entrevistas. Esse grupo de professores mostrou-se heterogêneo quanto à sua vinculação ao projeto: duas professoras assumiram-no desde o início, sendo as únicas entrevistadas que participaram de algum tipo de formação disponibilizada pela rede. Das duas, uma já não atuava mais no projeto no momento da entrevista. Três professores ingressaram na fase de transição do projeto, em que ele passou a constar como disciplina regular da matriz curricular (2015-2016); e os outros cinco professores assumiram as aulas com essa mudança já estabilizada, a partir de 2016.

Os dados bibliográficos e documentais também integram o conjunto analisado e resultam de uma seleção de textos públicos (notícias veiculadas pela imprensa e resoluções) e videoconferências realizadas pela Rede Estadual Paulista.

O projeto Early Bird na Rede Estadual de Ensino Paulista

Em novembro de 2013, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE-SP) anunciou em uma cerimônia realizada em sua Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EFAP) o lançamento de um programa de ensino de inglês nos anos iniciais do Ensino Fundamental chamado Early Bird, que seria fruto de uma parceria com o Ministério da Cultura e Educação da Holanda (Alunos…, 2013ALUNOS da rede estadual terão aulas de inglês a partir dos 6 anos. Portal do Governo, São Paulo, 4 nov. 2013. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/alunos-da-rede-estadual-terao-aulas-de-ingles-a-partir-dos-6-anos/. Acesso em: 20 fev. 2022.
https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-n...
).

Em linhas gerais, o projeto objetivou introduzir a Língua Inglesa (LI) em, primeiramente, 10 escolas pilotos da rede, até totalizar 203 unidades escolares no ano de 2016. A novidade do projeto, divulgada em diferentes órgãos da imprensa, consistia na adoção de uma abordagem metodológica proposta e desenvolvida pelo centro holandês Early Bird2 2 Mais informações sobre o centro Early Bird e sua metodologia podem ser acessadas em: https://www.earlybirdie.nl/. Vale ressaltar que, de acordo com as informações disponibilizadas pelo site do centro, ele se trata uma iniciativa privada que desde 2003 atende a diferentes redes e escolas na Holanda, incluindo universidades, faculdades e editoras. , ancorada em estratégias lúdicas de ensino e voltada para as habilidades relativas à compreensão e produção oral do idioma, em detrimento de atividades escritas (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
). Para levar a efeito essa parceria, a SEE-SP anunciou a implementação de uma série de atividades formativas relativas ao programa que, sob a sua responsabilidade, contariam com a assistência do Centro Early Bird e da Universidade de Ciências Aplicadas de Roterdã (RUAS); esta última responsável pela produção do material didático que viria a ser utilizado pelos professores.

O projeto inovava no que diz respeito à oferta de uma língua estrangeira nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede, mas o caminho da parceria entre as instâncias envolvidas mostrou-se afinado às políticas públicas correntemente implementadas pela SEE-SP nas últimas décadas (Barbosa et al., 2022BARBOSA, Andreza et al. Contratação, carreira, vencimento e jornada dos profissionais da Educação Estadual Paulista (1995-2018). Educação & Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 43, e245702, 2022.). Tais políticas, voltadas à reorganização pedagógica e administrativa da rede, iniciaram-se em 1995 sob a orientação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal da Reforma do Estado, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf. Acesso em: 9 fev. 2023.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
). Alinhadas aos princípios da NGP e prevendo, portanto, crescente inserção do setor privado nas atividades de gestão do ensino (Hall; Gunter, 2015HALL, David; GUNTER, Helen. A Nova Gestão Pública na Inglaterra: a permanente instabilidade da reforma neoliberal. Educação e Sociedade, Campinas, v. 36, n. 132, p. 743-758, jul.-set. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015152454. Acesso em: 2 fev. 2022.
https://doi.org/10.1590/ES0101-733020151...
), as parcerias público-privadas fizeram-se sobremaneira presentes nas ações formativas realizadas pela EFAP que, somente no período compreendido entre os anos de 2018 a 2019, por exemplo, estabeleceu mais de 40 parcerias do tipo, com arranjos institucionais diversos (Souza; Feldmann, 2021SOUZA, Ana Cristina Gonçalves de Abreu; FELDMANN, Marina Graziela. Políticas de Formação Docente: as parcerias público-privadas na rede de ensino estadual paulista. Ensino em Revista, Uberlândia, UFU, v. 28, n. Contínua, p. e053, 2021. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/63662. Acesso em: 9 jan. 2023.
https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/...
).

Seguindo nessa direção, para dar início à implementação do projeto, em 2013, o coordenador do centro holandês Early Bird visitou por uma semana as 10 primeiras escolas pilotos (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
) com o intuito de apresentar aos professores a metodologia estrangeira, bem como conhecer o sistema de ensino da rede paulista. Após alguns meses de trabalho com as 10 escolas, em 2014, uma série de resoluções (SE-3, SE-29 e SE-43, respectivamente de janeiro, maio e agosto) sobre o projeto foram divulgadas pela SEE-SP, nas quais se formalizavam diretrizes normativas para o seu desenvolvimento e para a formação dos professores de todas as escolas que passassem a ter o projeto em sua grade curricular. Em setembro daquele ano, o projeto foi ampliado para 56 escolas e antigos e novos professores Early Bird foram convocados para o primeiro dia de atividades formativas presenciais realizadas na EFAP. O encontro teve como objetivo discutir as estratégias de ensino baseadas na abordagem estrangeira.

Nos anos subsequentes, 2015 e 2016, duas outras ampliações do projeto ocorreram (totalizando 203 escolas) e outros dois encontros foram realizados pela direção do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) da SEE-SP. Sem caráter convocatório, a SEE-SP transmitiu via videoconferência, por meio de sua plataforma virtual Rede do Saber, atualizações sobre o programa. No encontro de maio de 2015, a diretora do CEFAI à época retomou as orientações metodológicas do projeto e apresentou “boas práticas” (informação verbal, 2015)3 3 Todos os dados resultantes de fontes orais deste trabalho, como os coletados na cerimônia de lançamento do projeto ou em videoconferências realizadas pelo CEFAI e transmitidos pela Rede do Saber da SEE-SP, bem como os dados coletados junto aos participantes da pesquisa estão transcritos em Assis (2018). de ensino de inglês.

Na videoconferência realizada em março de 2016, por sua vez, algumas mudanças foram anunciadas pelo CEFAI: informou-se que, a partir daquele momento, o trabalho relativo ao ensino de inglês para crianças da rede não seria mais denominado como Projeto Early Bird, sendo assumido como parte integrante – disciplina obrigatória – da matriz curricular das 203 escolas que já o implementavam. Os motivos que levaram a esse desfecho não foram mencionados no encontro virtual. De todo modo, informou-se que o material didático da rede, relativo ao ensino de inglês para crianças e continuamente requerido pelos professores do programa durante os encontros, ainda se encontrava em construção e que, a partir daquele momento, os direcionamentos metodológicos das aulas passariam a ser mais flexíveis e “adaptáveis ao contexto” (informação verbal, 2016) podendo, inclusive, incluir atividades escritas; diferente do que previa o projeto de matriz holandesa.

Com a publicação da Resolução SE-6 de 19 de janeiro de 2016, na qual se retira nomeadamente o Projeto Early Bird da matriz curricular dos anos iniciais (São Paulo, 2016SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 6, de 19 de janeiro de 2016. Dispõe sobre a organização curricular do Ensino Fundamental, nas Escolas de Tempo Integral – ETI, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jan. 2016. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/6_16.HTM?Time=28/09/2018%2000: 29:40. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
), o fim da parceria com a instituição europeia fica datado. A partir dessa reconfiguração, as aulas de Língua Inglesa para as crianças (LIC) continuaram a ocorrer na rede sem o vínculo com o Projeto Early Bird até 2020 – ano em que a disciplina foi retirada do currículo, tendo sua carga-horária substituída pelo Projeto de Convivência (São Paulo, 2020SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 85, de 19 de novembro de 2020. Estabelece as diretrizes da organização curricular do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e das respectivas modalidades de ensino da Rede Estadual de Ensino de São Paulo e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 19 nov. 2020. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=202011190085/. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sisle...
).

A (Falta de) Formação Específica para Professores de LIC no Caso Early Bird e o Estabelecimento de Rotas Formativas Alternativas

Entre os possíveis questionamentos suscitados pelo Projeto Early Bird estão aqueles referentes à falta de diretrizes norteadoras oficiais para a oferta e ensino de LIC (Rocha, 2006ROCHA, Claudia Hilsdorf. Provisões para ensinar LE no Ensino Fundamental de 1a a 4a Séries: dos parâmetros oficiais e objetivos dos agentes. 2006. 340 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.; 2007ROCHA, Claudia Hilsdorf. O Ensino de LE (Inglês) para Crianças do Ensino Fundamental Público na Transdisciplinaridade da Linguística Aplicada. In: TONELLI, Juliana Reichert Assunção; RAMOS, Samanta. (Org.). O Ensino de LE Para Crianças: reflexões e contribuições. Londrina: Moriá, 2007. P. 1-34.) e à lacuna formativa experimentada por seus professores, posto que a licenciatura em Letras – requisito para lecionar línguas estrangeiras na Educação Básica – é voltada para a atuação no Ensino Fundamental II e Médio, e não para os Ensinos Infantil e Fundamental I4 4 De acordo com Santos (2005), ainda que haja o alerta por parte dos pesquisadores a respeito da lacuna formativa teórico-metodológica desses docentes, a letra da lei permanece até hoje igual, e professores de inglês para crianças continuam a atuar nas salas de aula do país, sejam elas particulares ou públicas, sem formação específica para tal. , sendo poucos os programas que se dedicam à formação desse especialista nos anos iniciais (Miller et al., 2019MILLER, Ines et al. Teaching English to Young Learners: some reflective voices from Latin America. In: GARTON, Sue; COPLAND, Fiona (Ed.). The Routledge Handbook of Teaching English to Young Learners. New York: Routledge, 2019. P. 508-522.). Esse complexo cenário de escassez e inconsistências contrasta com o aumento do número de escolas ofertando, cada vez mais cedo, o inglês em suas grades curriculares (Tonelli; Pádua, 2017TONELLI, Juliana Reichert Assunção; PÁDUA, Lívia Souza de. O Estado da Arte de Pesquisas sobre Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. In: TONELLI, Juliana Reichert Assunção; PÁDUA, Lívia de Souza; OLIVEIRA, Thays Regina Ribeiro (Org.). Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. Curitiba: Appris, 2017, p. 17-39.). Em justificativas de implementação, essas iniciativas vêm caminhando, muitas vezes, junto a um processo de neoliberalização do ensino de LIC (Kawachi-Furlan; Tonelli, 2021KAWACHI-FURLAN, Claudia Jotto; TONELLI, Juliana Reichert Assunção. Re(thinking) Critical Language Education with Children and Teacher Education During (and After) Pandemic Times. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 467-496, abr./jun 2021.), no qual o idioma – justamente hegemônico e de grande valor simbólico no campo social (Bourdieu, 2003bBOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 2003b.) – funciona como “[…] um impulsionador de carreiras ou algo que será objetivamente importante para o futuro da criança” (Kawachi-Furlan; Tonelli, 2021KAWACHI-FURLAN, Claudia Jotto; TONELLI, Juliana Reichert Assunção. Re(thinking) Critical Language Education with Children and Teacher Education During (and After) Pandemic Times. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 467-496, abr./jun 2021., p. 469, tradução nossa5 5 No original: “[…] functioning as a career booster or something that will be objectively important for the child’s future”. ).

Esses elementos envolvidos na configuração atual da LIC no Brasil, e aquilo que deles resulta, parecem compor e fomentar o que Ball (2004, p. 1106)BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar. Educação e Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set.-dez. 2004. chama de um “novo acordo político global”. Embora de longa data, esse acordo é fruto de um conjunto de processos contemporâneos que atuam por meio de reformas educacionais objetivando diminuir a ação provedora do Estado e aumentar a sua mão reguladora. Como um avalista (White, 1998WHITE, Steve. Interpreting the “Third Way”: a tentative overview. Department of Political Science, MIT, Cambridge: MA, 1998.), o Estado passa a dirigir as atividades do setor público “a distância” (Ball, 2004, p. 1106), celebrando uma cultura mais performática competitiva de suas práticas educacionais, baseada em valores do mercado privado como o “espírito empresarial, competição e excelência” (Ball, 2004BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar. Educação e Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set.-dez. 2004., p. 1105), em detrimento de acordos que visam a educação como bem comum e a formação de professores como um dos pilares do processo de profissionalização do magistério. Para dar efeito a esse arranjo institucional, políticas educacionais deixam de ser assunto de um único Estado-Nação e passam a ser regionais e globais, fazendo parte de um fomentado comércio internacional, no qual relações binárias entre Estado e instituições privadas vão se construindo, fronteiras entre os campos social e econômico vão se tornando porosas e noções como a de “parceria” vão sendo cada vez mais articuladas (Ball, 2004BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar. Educação e Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set.-dez. 2004.).

No caso da formação de professores, essa cultura da performatividade (Ball, 2004BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar. Educação e Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set.-dez. 2004.; 2010BALL, Stephen. Performatividade e Fabricações na Economia Educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 32, p. 37-55, maio-ago. 2010.) se reverte no que Zeichner (2013)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. nomeia por rotas alternativas. Em geral, a definição do autor para essas rotas é a de programas de formação não universitários, com muito pouca ou nenhuma preparação para professores assumirem total responsabilidade por uma sala de aula, baseados na visão de aplicabilidade técnica do trabalho docente e sem as características intrínsecas da profissão e de sua profissionalização, como as de dimensões sociais, culturais e políticas (Nóvoa, 2017NÓVOA, Antonio. Firmar a Posição como Professor, afirmar a Profissão Docente. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.). Abertas às dinâmicas já estabelecidas pelo mercado, essas rotas são menos dispendiosas e mais rápidas e, muitas vezes, descontextualizadas do ambiente em que são propostas: uma espécie de “formação tamanho único” (Silva, 2015SILVA, Ivani Ruela de Oliveira. Por uma Formação Tamanho Único: curso de formação específica para professores da SEE/SP. 2015. 180 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., p. 153). Na maioria dos casos, esse modelo formativo é promovido pelo grupo de empreendedores já mencionado, chamados por Zeichner (2013)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. de reformadores. Os reformadores, em nome de uma necessidade de inovação e reformulação da formação docente, vêm propondo “[…] reduzir muito o papel das universidades na formação de professores e se mover em direção a programas mais curtos, mais ‘práticos’ e baseados em uma formação clínica” (Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013., p. 32).

Nesse contexto, em que aspectos o Projeto Early Bird se relaciona com o proeminente arranjo institucional proposto para a educação do século XXI? Como mencionamos, o caso Early Bird coloca em relevo aspectos do intricado cenário da LIC no Brasil, no qual a não oficialização da formação inicial e continuada de seus professores e a falta de diretrizes claras para seu ensino tornam processos de implementação da disciplina na Educação Básica um campo fértil para a proliferação de propostas emergenciais que desconsideram a participação universitária, tais quais as rotas alternativas relatadas por Zeichner (2013)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.. Lima (2016)LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663., ao analisar a proposta de formação docente do Projeto Early Bird, no ano de seu lançamento em 2013, chama a atenção para o fato de que a SEE-SP, na tentativa de universalizar o ensino de inglês nos anos iniciais em um curto espaço de tempo e sem professores habilitados para tal, valeu-se da oferta de “[…] uma formação rápida (uma semana) e de baixo custo (fora da universidade)” (Lima, 2016LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663., p. 661) que, por assim se caracterizar, indicava configurações muito próximas as das rotas alternativas.

De fato, nas resoluções publicadas pela SEE-SP no ano subsequente ao lançamento do projeto, 2014, a exclusividade da parceria teórico-metodológica e formativa com o centro holandês pode ser notada. Na resolução SE-29 de 28 de maio de 2014, por exemplo, os Artigos 1º e 6º estabeleceram que o professor do Early Bird deveria ministrar suas aulas “mediante a aplicação de metodologia específica” e, igualmente, “Planejar e desenvolver com os alunos atividades diferenciadas, vinculadas à proposta pedagógica do Projeto” (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
):

Fica instituído, a partir do ano letivo de 2014, o Projeto Early Bird que tem por objetivo introduzir o ensino da Língua Inglesa no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mediante a aplicação de metodologia específica, que propiciará ao aluno a utilização de várias estratégias para avançar na aprendizagem do referido idioma, apropriando-se de conteúdos básicos e adquirindo condições de continuar aperfeiçoando esse aprendizado nos anos finais do Ensino Fundamental

(São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
, grifos nossos).

Além disso, determinou-se que somente professores com “[…] disponibilidade para participar do processo de formação específica, planejamento e avaliação do Projeto” (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
) poderiam nele atuar. Essas atividades formativas deveriam ocorrer “[…] tanto em unidades escolares, quanto em nível central e regional, com dias, locais e horários” (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
) previamente definidos pela SEE-SP. Os professores que já atuavam no programa desde 2013 só poderiam continuar a fazê-lo caso tivessem “[…] participado da formação oferecida por esta Secretaria da Educação” (São Paulo, 2014bSÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
). Seguindo o mesmo caminho, a resolução SE 43 de 5 de agosto de 2014 continuou a vigorar os estabelecidos nas anteriores ainda sem conter qualquer menção a respeito de uma participação universitária, fosse em etapas de implementação ou execução do projeto (São Paulo, 2014aSÃO PAULO (Estado). Resolução SE 43, de 5 de agosto de 2014a. Altera dispositivo da Resolução SE 29, de 28 de maio de 2014. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 5 ago. 2014a. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/43_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:29:09. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
).

Dessa forma, tendo em vista o caráter obrigatório da participação dos docentes nos processos de formação específica, parecer ter havido, a princípio, “[…] uma preocupação com a formação do docente responsável pela disciplina LI no EFI da rede estadual” (Lima, 2016LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663., p. 659) por parte da SEE-SP. Com efeito, essa configuração permaneceu no Projeto Early Bird até o fim de 2014, quando, em uma análise longitudinal do caso (Assis, 2018ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018.), outros elementos foram identificados, no que se refere aos caminhos assumidos pelo programa, inclusive com modificações na matriz formativa holandesa. Esse caminho será problematizado a seguir, sob a perspectiva bourdieusiana de campo.

Rota Alternativa ou Rupturas no Jogo de Formação de Professores?

Para exercitarmos o pensamento relacional do conceito de campo proposto por Pierre Bourdieu (2003a)BOURDIEU, Pierre. Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp, 2003a. nesse caso específico do Projeto Early Bird, propomos aqui analisarmos a formação de professores como um jogo, no qual as posições dos agentes podem ser consideradas em um esquema de triangulação definido por Sarti (2012)SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012. como “triângulo da formação docente”.

Nesse triângulo, cada vértice é ocupado por um agente (jogador) do jogo da formação, que estabelece sua posição sempre em relação aos outros e a ele próprio de acordo com o valor de seus capitais. As posições dos agentes, tal qual em um jogo, não são permanentes, mas se reconfiguram por meio de alterações quanto ao valor dos capitais em disputa e dos modos pelos quais eles estão distribuídos. Nesse jogo, os vértices do triângulo vêm sendo historicamente representados pelos “[…] professores e as instâncias que os representam; as universidades, fundações e institutos de pesquisa, com seus especialistas; e o poder público, representado por secretarias de educação e outros órgãos administrativos” (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., p. 329) e as relações que os mesmos estabelecem configuram diferentes modelos de formação docente.

É importante destacar que ao longo dos séculos XIX e XX, a illusio, no sentido de Bourdieu (2003a)BOURDIEU, Pierre. Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp, 2003a., do jogo da formação de professores – o que o mobiliza e confere o seu valor – vem ancorada na necessidade de professores receberem formação específica para o exercício do magistério. O reconhecimento dessa necessidade, no entanto, afirmou-se tardiamente e por meio de um longo e descontínuo processo, tendo suas primeiras iniciativas no final do século XVIII, com os revolucionários franceses da Convenção de 1794, como indica Butlen (2014)BUTLEN, Max. Lire, analyser, sélectionner catégoriser la Littérature pour la Jeunesse: quels critères? Pour quels usages? Les Cahiers de L’Association Internationale des Études Françaises, n. 66, maio 2014..

Esse processo de produção de uma formação específica para o magistério ganhou novos contornos nas últimas décadas com a emergência de um movimento político internacional voltado para a profissionalização docente (Tardif, 2013TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013., p. 561), que prevê a mudança do estatuto do magistério para uma “profissão em sua integralidade”, isto é, uma profissão baseada em conhecimentos científicos legítimos, adquiridos através de uma formação universitária de alto nível e atualizada através de “aperfeiçoamentos constantes” (Tardif, 2013TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013., p. 558) que, assumido sob a ótica do NGP pelos reformadores, tem em vista, sobretudo, aumentar a eficácia da escola e dos professores. Assim, para que a docência alcance o estatuto de uma profissão e, por sua vez, os professores passem a ser reconhecidos como profissionais, sua formação tem sido universitarizada, ficando a cargo das universidades e outras instâncias acadêmicas.

Nesse contexto, seja como “locus de formação propriamente dita” (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., p. 328) ou como “instância de produção de saberes mais sofisticados e esotéricos sobre o ensino, a aprendizagem e mesmo sobre os próprios professores” (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., p. 328), a universidade vem ocupando lugar como agente central no movimento de profissionalização docente, tanto nacional quanto internacionalmente, assumindo destaque nos modelos formativos que lhes são então dirigidos (Holmes Group, 1995HOLMES GROUP. Tomorrow’s Schools of Education. East Lansing: Holmes Group, 1995.; Nóvoa, 1999NÓVOA, Antonio. Os Professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999.). Por essa razão, sua ausência no processo de implementação da disciplina de LIC nas escolas da rede pública estadual de São Paulo chamou-nos a atenção.

Sobre esse tema, Zeichner (2013)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. explica que, em um sentido contrário ao movimento de profissionalização do magistério, a exclusão das universidades em programas de formação de professores tem se mostrado gradativamente como uma tendência internacional, que ganha forças conforme o Estado se desobriga de investir em políticas educativas de formação docente (Sousa Santos, 2011SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011.). Pela “magia da nomeação oficial” (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 114), o Estado tem delegado o controle dos processos formativos a instâncias que, por vezes, são externas ao campo educacional.

De fato, ações como essa vêm se intensificando desde as décadas finais do século XX e fazem parte de um processo maior que Sousa Santos (2011)SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011. define por três crises que atualmente atingem as universidades: a crise de hegemonia, que retira da universidade a responsabilidade por seus processos formativos, transferindo-os a agentes externos em ações deliberadas pelo próprio poder público; a de legitimidade, na qual o Estado retira a universidade da participação da construção de políticas públicas, justificando ser ela incapaz de formar professores integrados às demandas reais da sociedade; e a crise institucional, que se configura quando a universidade “[…] pela consequente secagem financeira e descapitalização” (Sousa Santos, 2011SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011., p. 8) se vê sucumbindo aos critérios de eficácia e de produtividade de natureza mercadológica e empresarial que, muito alimentados pelo Estado, decide reduzir significativamente o seu compromisso com o investimento em políticas educativas.

No caso Early Bird, aqui focalizado, esses processos identificados por Zeichner (2013)ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. e por Sousa Santos (2011)SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011. podem ser observados quando, contrariando as estruturas mais convencionais do triângulo da formação docente, o Estado (aqui representado pela SEE-SP) favorece a entrada de um outsider (o centro holandês) no jogo da formação docente, autorizando-o a fazer parte da regularização e execução dessa política pública em detrimento da participação das universidades. E, para viabilizar esse novo arranjo institucional, a SEE-SP utilizou de estratégias discursivas legítimas ao campo educacional e que, também, se justificam em outros dois campos a ele relacionados: o científico e o econômico (Assis, 2018ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018.).

Preocupada em justificar a presença do outsider, a SEE-SP evocou, durante a cerimônia de abertura do projeto em 2013, transmitida pela Rede do Saber, estudos da educação linguística que discutem métodos e abordagens no processo de aprendizagem de uma língua adicional na infância. Nos respectivos dados coletados em Assis (2018)ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018., os argumentos da SEE-SP advogam a respeito da necessidade, ou vantagem, de se aprender um novo idioma “[…] na medida que você está se alfabetizando na língua materna” (informação verbal, 2016). De acordo com o ex-secretário adjunto à época, a interação entre língua materna e língua adicional no momento de alfabetização “pode até facilitar” (informação verbal, 2013) a aprendizagem ou “[…] pelo menos é o que os estudos e pesquisas mostram em nível internacional” (informação verbal, 2013). Dessa forma, ao contratar o instituto holandês, a SEE-SP apresenta o método por ele proposto como a melhor alternativa à rede paulista uma vez que, por ser oral, o método não interferiria “no ensino da língua materna” (informação verbal, 2013) e seria “adaptável a qualquer contexto e realidade” (informação verbal, 2013).

Já os argumentos econômicos utilizados para justificar a presença do outsider no projeto relacionam a implementação da disciplina de LIC ao discurso neoliberal da globalização que, muitas vezes, focaliza a aprendizagem do idioma no futuro profissional da criança e, consequentemente, no seu possível sucesso no mercado de trabalho. Na cerimônia, o então secretário da educação da SEE-SP afirmou que “A introdução da LIC visa preparar as crianças para esse mundo onde o inglês é cada vez mais presente como língua da comunicação” (informação verbal, 2013) ou “Quem não dominar o inglês tem consequentemente hoje dificuldade até de poder trabalhar na internet. E quanto mais cedo nossas crianças começarem a dominar a língua inglesa tanto melhor” (informação verbal, 2013). Nesse contexto, a ideia de que um país estrangeiro “referência no ensino de uma língua estrangeira já́ na infância” (informação verbal, 2013) atuaria e auxiliaria a rede estadual paulista se mostra promissora e justificável.

Assim, justificada a presença do outsider por parte da SEE-SP, a ausência das universidades na formação oferecida aos professores foi considerada por Lima (2016)LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663., como já mencionado, como indicativa de uma possível rota alternativa de formação docente (Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.). A situação parecia apontar para mais um indício de que mudanças significativas estariam ocorrendo nas configurações dos modelos formativos indicados no triângulo da formação docente proposto por Sarti (2012)SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.. Entretanto, a análise dos depoimentos dos professores participantes do projeto – seja por fontes documentais resultantes das transcrições das videoconferências de 2015 e 2016 ou os coletados por meio das entrevistas semiestruturadas em 2017 – apontam para um outro caminho de interpretação.

De que Dados dispomos e o que Eles sugerem

Entre os dados coletados nas transcrições das videoconferências realizadas pela CEFAI na plataforma virtual da SEE-SP Rede do Saber e os das entrevistas com professores do projeto, alguns nos chamaram especial atenção, oferecendo indícios mais evidentes sobre o lugar a ser ocupado (ou não), no âmbito do projeto, pelas diferentes instâncias tradicionalmente envolvidas nas disputas concernentes à formação docente (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.) e, para além, acerca dos impactos dessas disputas sobre a própria illusio que as orienta e lhes confere sentido.

Nas videoconferências, como mencionado anteriormente, com o objetivo de informar e atualizar os novos professores do projeto a respeito da “metodologia holandesa” (informação verbal, 2015), a SEE-SP realizou em 2015 sessões sobre “boas práticas” (informação verbal, 2015) nas aulas de LIC. Quando o encontro foi aberto às perguntas dos ouvintes, alguns professores questionaram sobre a inexistência do material didático que seria fornecido pela RUAS e sobre a falta de documentos e/ou subsídios norteadores para o desenvolvimento do projeto. De acordo com esses professores, sem informações mais claras a respeito da metodologia estrangeira, se sentiam “muito inseguros” (informação verbal, 2015) para dar continuidade ao projeto. Além disso, um outro grande obstáculo que os professores estavam enfrentando era, segundo os depoimentos, “como desenvolver um sistema e até́ onde poderiam ir com os alunos” (informação verbal, 2015), em acordo com a metodologia exigida. Segundo os professores, era necessária a criação de um quadro de conteúdos e expectativas para as aulas e para cada faixa etária.

Já na videoconferência da SEE-SP de 2016, quase um ano após a anterior e três anos após a implementação do projeto, foi anunciado que o Programa Early Bird seria destituído como projeto e integrado como disciplina regular e obrigatória na grade curricular das escolas que já o possuíam. Pautando-se na nova resolução divulgada (São Paulo, 2016SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 6, de 19 de janeiro de 2016. Dispõe sobre a organização curricular do Ensino Fundamental, nas Escolas de Tempo Integral – ETI, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jan. 2016. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/6_16.HTM?Time=28/09/2018%2000: 29:40. Acesso em: 5 jul. 2021.
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
), a SEE-SP informou na videoconferência que o vínculo com o parceiro holandês tinha chegado ao fim e que as especificidades metodológicas do programa passariam a ser flexibilizadas, ainda que a matriz holandesa continuasse a servir de norte para a organização das aulas. Nesse contexto de finalização da parceria, nos chamou atenção a posição de uma supervisora de ensino e que afirmou: “[…] somente neste momento tomo conhecimento de que as aulas são atreladas a essa metodologia” (informação verbal, 2016). O desconhecimento da supervisora a respeito da organização das aulas de LIC sugere que os professores, coordenadores e supervisores vinculados ao projeto continuavam sem muitas informações a seu respeito ainda em 2016. Nesse sentido, alguns coordenadores que participavam da videoconferência também questionaram como deveriam instruir seus professores sem o uso de materiais específicos e sem dispor de informações necessárias uma vez que essa situação precária poderia ocasionar o “naufrágio do projeto” (informação verbal, 2016).

A partir da consideração desses dados iniciais, fomos a campo entre os meses de outubro e dezembro de 2017 para realizar entrevistas semiestruturadas com professores e ex-professores do Projeto Early Bird. Os dez professores entrevistados atuavam em diferentes escolas da rede paulista, localizadas em seis cidades do Estado de São Paulo. Esses professores tinham atuado em diferentes etapas do programa: cinco deles entraram no projeto em 2017 (Margot, Edna, Selena, Leandro e Val), dois em 2016 (João e Valentina), uma em 2015 (Diana) e duas em 2014 (Kelli e Aurora). Interessava-nos, por meio das entrevistas, ampliar e aprofundar os dados já obtidos pelas videoconferências. Para tanto, os professores responderam questões como: “Você já ouviu falar do nome Early Bird?”, “É de seu conhecimento que as aulas de inglês são baseadas em um método holandês de nome Early Bird?” ou “Você participou de alguma formação a respeito do projeto Early Bird?” A análise das entrevistas nos permitiu avançar com a investigação.

Observou-se que os professores ingressantes no projeto mais recentemente, em 2017, experimentavam uma situação bastante diferente daquela vivida pelos demais entrevistados. Quando eles iniciaram sua atuação nas aulas de LIC da rede, o projeto já estava extinto e as atividades formativas dirigidas aos professores não aconteciam havia mais de um ano. Por essa razão, quando nos dirigimos a eles, nossa intenção era compreender se, e de que modos, as prerrogativas da proposta Early Bird ainda se faziam presentes na rede. Uma única professora, Margot, entre os cinco entrevistados em 2017, afirmou total desconhecimento sobre o projeto Early Bird. Já os demais professores ingressantes a partir de 2017 sabiam da existência de uma metodologia norteadora para as aulas, mas ofereceram informações divergentes sobre a forma como tomaram conhecimento da proposta e o que de fato sabiam sobre ela. As professoras Edna e Selena, por exemplo, somente descobriram que as aulas de LIC deveriam seguir uma abordagem metodológica específica quando iniciaram efetivamente o trabalho na escola. No caso da professora Edna, a coordenadora informou-lhe que as aulas deveriam ser ministradas de acordo com a metodologia Early Bird: “orais, lúdicas e sem atividades escritas” (Edna, entrevista, 2017). Já a professora Selena, após ser informada pela secretária da escola sobre uma proposta diferenciada, obteve informações que elas deveriam ser realizadas “apenas em inglês e que não poderia ter escrita” (Selena, entrevista, 2017).

A quarta professora que ingressou no projeto naquele ano, Val, conhecia a denominação Early Bird e, de acordo com ela, tinha sido informada que o projeto “foi criado pela secretaria de educação para algumas escolas” (Val, entrevista, 2017). Ao ser questionada, a professora afirmou não ter recebido nenhuma informação além do nome do projeto e, por isso: “Eu mesma programei e como fui eu que fiz o projeto, eu determinei no plano de aula as situações de aprendizagem e como eu as desenvolveria” (Val, entrevista, 2017). Já o último professor ingressante em 2017, Leandro, sabia da existência do projeto Early Bird e, também, tinha sido informado sobre sua finalização, ainda que as aulas de LIC continuassem a tê-lo como norte. Quando questionado a respeito da metodologia, o professor respondeu:

Foi passado para nós que é um projeto que busca aprimorar o inglês nos anos iniciais partindo da oralidade, o que não significa que você̂ precisa banir a escrita, apenas que você̂ parte da oralidade e busca pela imersão. Foi basicamente isso

(Leandro, entrevista, 2017).

Já os dois professores que ingressaram no projeto em 2016, Valentina e João, também apresentaram uma situação similar aos ingressantes de 2017. Ambos afirmaram que não conheciam profundamente a proposta, apesar de terem sido instruídos pelas coordenadoras de suas respectivas escolas que se tratava de um projeto chamado Early Bird:

Sim, foi dito esse nome, porém inicialmente não recebi muitas informações. Me disseram que existia um projeto chamado Early Bird, que eu já sabia que existia na escola pois já trabalhava aqui, e resumiram como “aula de inglês para crianças pequenas.” Também me disseram que era algo lúdico. Quando eu fui começar, eu conversei com a professora de inglês que já dava aulas no projeto e perguntei como ela costumava dar essas aulas

(Valentina, entrevista, 2017).

Em entrevista, o professor João relatou: “Eu não conheço a proposta. Tudo o que eu sei é que tenho que ter os 30 minutos de imersão, eu não posso deixar de ter as dinâmicas, não se pode escrever ou ter qualquer tipo de registro, com o foco sendo a oralidade” (João, entrevista, 2017). Tanto João quanto Valentina não participaram de nenhuma formação oferecida pela rede.

No caso da professora ingressante em 2015, Diana (entrevista, 2017), ao ser questionada sobre o projeto, afirmou ter recebido “informações superficiais da coordenação”. De acordo com ela, as informações discorriam a respeito de “[…] um projeto lúdico para crianças e que eu teria que ter o domínio do inglês fluente para trabalhar com as crianças, e foi somente isso que me foi falado” (Diana, entrevista, 2017). Por ter entrado em 2015, ano em que o projeto ainda era vigente, perguntamos à professora se ela havia recebido algum tipo de material, recurso ou portfólio norteador: “Não recebi nenhum tipo de recurso, então eu mesmo construo as aulas” (Diana, entrevista, 2017). A professora também relatou não ter participado de nenhum momento formativo desenvolvido pela rede.

O caso das duas professoras que ingressaram no projeto em 2014, Kelli e Aurora, apresentou especificidades. Elas foram as únicas, entre os entrevistados, que efetivamente participaram de alguma formação ligada ao Early Bird. Ambas já vinham atuando no projeto em suas escolas quando foram convocadas à formação realizada na EFAP em 2014. A professora Kelli nos informou que havia recebido previamente, por parte da coordenação, documentos sobre o projeto Early Bird: “Eram materiais específicos do Early Bird, todos em PDF. Desses materiais, eu fui extraindo o que funcionaria no meu dia a dia na escola e fui adaptando para os meus alunos” (Kelli, entrevista, 2017). A professora Aurora, por sua vez, não recebeu qualquer material específico ao Early Bird e relatou que somente depois da formação na EFAP é que passou a compreender o que, para ela, seria o princípio metodológico do projeto: “Não pode falar em português com os alunos, só inglês” (Aurora, entrevista, 2017).

Nesse contexto, após a análise dos dados documentais e empíricos reunidos pela pesquisa parece ser possível afirmar que, gradualmente, a presença na rede do outsider holandês foi sendo apagada. A parceria/assessoria anunciada em 2013 não se concretizou em diversos aspectos, entre eles, na falta de material didático, na inexistência de documentos norteadores e subsídios metodológicos e, principalmente, na não realização de momentos formativos para professores. O que coube, então, ao agente holandês? A análise longitudinal do processo de implementação do Early Bird sugere que a SEE-SP considerou a inserção do instituto europeu como um elemento de legitimação para sua iniciativa de incluir o ensino de LIC na rede de escolas. O valor simbólico atribuído pela SEE-SP a essa parceria com um outsider seria de tal maneira elevado que, mesmo após sua finalização, poderia imprimir legitimidade às suas ações subsequentes ligadas à LIC. A remanescência da parceria, com a presença apenas de um mero “espectro metodológico” (Assis, 2018ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018.) nas escolas – algumas recomendações didático-pedagógicas esparsas, atribuídas ao projeto, como o foco na oralidade –, bastaria para garantir a implementação da LIC em seu currículo.

Aos professores de LIC da rede, sem formação profissional específica para ensinar inglês a crianças e sem receber orientações metodológicas mais sistematizadas, restava o expediente da tentativa e erro para enfrentar o desafio que lhes fora atribuído. Questionados sobre os procedimentos didático-pedagógicos assumidos em aula, explicavam: “Por instinto” (Kelli, entrevista, 2017), “Eu vou me virando com base no que eu sei que eu tenho de material disponível” (Valentina, entrevista, 2017), “Eu fui preparando o material, mas são muitas crianças dentro da sala e eu não tinha noção de por onde começar” (Margot, entrevista, 2017), “Eu tive muito medo de trabalhar, mas eu tinha que desenvolver essas aulas de alguma maneira. A minha segurança era o meu conhecimento do idioma e eu acho que isso já é muito importante” (João, entrevista, 2017) ou “Me senti um pouco apreensivo em relação ao público. Não foi nada em relação à língua, metodologia ou relacionados, foi algo com o público mesmo” (Leandro, entrevista, 2017). Para alguns dos professores, as dificuldades eram acrescidas pela preocupação em ser fiel ao projeto inicial:

A minha insegurança é a respeito da falta de treinamento para trabalhar com esse projeto, o que faz com que eu use informações que adquiri com a minha prática. Nós não temos nenhum treinamento além do que a nossa coordenadora e a PCNP da secretaria de ensino repassaram para nós. Nós não fomos treinados para esse projeto

(Diana, entrevista, 2017).

A gradual exclusão das iniciativas de formação docente no projeto Early Bird se impôs como fonte de angústia para os professores entrevistados. Nos depoimentos, termos como “apavorada”, “frustrado”, “perdida”, “receoso” e “assustada” foram recorrentes para explicar como se sentiam diante da responsabilidade de ministrar as aulas de LIC na rede (Assis, 2018ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018.). Todos eles mostraram-se dispostos e interessados em participar de atividades formativas: “Acredito que seria acredito que seria fundamental a existência de alguma palestra ou workshop no começo do ano” (Valentina, entrevista, 2017), ou como afirmou Selena (entrevista, 2017):

Não, eu não tive uma formação específica, mas até gostaria de ter. Acho importante para você desenvolver um outro olhar sobre o projeto, você não cai de paraquedas. Eu até gostaria de fazer uma formação desse tipo e se tivesse, com certeza faria.

Diferente do que parecia de início, a falta de mobilização da SEE-SP em torno das atividades formativas para os professores de LIC sinaliza que a Secretaria não se mostrava interessada em estabelecer rotas alternativas (Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.) para a formação de seus professores. Em um movimento mais radical, colocava-se em xeque até mesmo a illusio que move este espaço: a necessidade de formação específica para o ensino. Na perspectiva bourdieusiana, é a illusio que garante a adesão dos agentes ao jogo, estando “[…] preso[s] ao jogo, preso[s] pelo jogo, acreditar[em] que o jogo vale a pena” (Bourdieu, 2005BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2005., p. 140). Assim, a aparente ataraxia da SEE-SP diante dos saberes específicos dos professores para a introdução da LIC nas escolas da rede agia no sentido de uma suspensão do jogo da formação docente.

Entretanto, os dados reunidos sugerem que os professores permaneciam, talvez por um efeito de histerese (Bourdieu, 2005BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2005.), no jogo, reivindicando a formação que consideravam ser-lhes necessária para atuar na disciplina de LIC na rede paulista. A despeito do “espectro metodológico”, que fazia referências cada vez mais tênues às influências do programa holandês, os professores reconheciam que lhes faltavam saberes profissionais específicos para a atuação junto a crianças. Consideravam que esse era um problema a ser enfrentado por meio de formação específica, valiosa, portanto. No entanto, suas reivindicações, ecoantes nas entrevistas realizadas, não eram capazes de afetar o cenário que se delineava. Como explica Sarti (2012, p. 332)SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., no Brasil, os professores vêm ocupando o “lugar do morto” no jogo da formação de professores, “um referencial passivo para os demais jogadores”, mostrando suas cartas, mas não tendo capitais suficientes para interferir efetivamente no desenrolar das ações; como é o caso em questão.

Parece possível afirmar, dessa forma, que o cenário que se configurou naquele caso – da versão paulista do Projeto Early Bird – aponta para um certo esvaziamento das disputas em torno da formação de professores para o ensino de LIC. Nesse processo, o Estado – representado pela SEE-SP – insinuou a implementação de uma rota alternativa de formação (Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.) ao se valer de seus metacapitais – “[…] com poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores” (Bourdieu, 2005BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2005., p. 99) – no jogo da formação docente, excluindo as universidades e inserindo um outsider no contexto. Nesse cenário, se o outsider tivesse de fato permanecido na rede como formador e a SEE-SP continuasse realizando a série de atividades de formação que havia anunciado, essas, ainda que esporádicas e desconexas, poderiam se constituir como indícios de que a SEE-SP estaria promovendo uma espécie de rota alternativa de formação docente, tal qual sugeriu Lima (2016)LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […]. Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663.. Entretanto, por meio de certa prestidigitação, a SEE-SP subverteu a lógica do jogo, colocando em xeque a necessidade da formação – illusio que o orienta, deixando assim de reconhecer o valor da disputa (Bourdieu, 1976BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. Actes de la Reserche en Sciences Sociales, Tradução de Paula Montero, n. 2/2, p. 88-104, jun. 1976.) e, portanto, do próprio jogo – uma vez que retirou do projeto tanto as universidades quanto a “rota alternativa” insinuada.

Dessa forma, caso Early Bird aqui explorado, ao revelar certas rupturas no jogo da formação docente, oferece elementos para a discussão de processos mais amplos que vêm afetando outras disputas estabelecidas no campo educacional e, consequentemente, os seus desdobramentos futuros.

Algumas Considerações, buscando Concluir

As possibilidades de ruptura no jogo da formação docente, discutidas neste artigo a partir do caso Early Bird, trazem implicações mais diretas para os dois movimentos interligados ao campo educacional aqui trabalhados: o da profissionalização do magistério (Bourdoncle, 1990BOURDONCLE, Raymond. De l‘Instituteur à l’expert. Les IUFM et l’évolution des instituitions de formation. Recherche et Formation, Paris, n. 8, p. 57-72, 1990.; 2007BOURDONCLE, Raymond. Univesitarisation. Recherche et Formation, Paris, n. 54, p. 135-149, 2007.; Tardif, 2013TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013.) e o da universitarização da formação docente (Bourdoncle, 2007BOURDONCLE, Raymond. Univesitarisation. Recherche et Formation, Paris, n. 54, p. 135-149, 2007.; Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.). É sabido que, historicamente, o caminho da profissionalização da docência vem sendo marcado por “[…] continuidades, de desvios, de retrocessos e de avanços temporários” (Tardif, p. 553, 2013TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013.), enfrentando inúmeros e difíceis obstáculos para a sua estabilidade, como a precariedade das condições de trabalho dos professores nas escolas. O caso aqui discutido revela mais um desses obstáculos: assumindo a perspectiva reformadora, no sentido previsto por Zeichner (2013), a SEE-SP rompe com a illusio do jogo de formação docente e, assim, com a cumplicidade que historicamente estabelece com os demais jogadores, professores e instâncias de formação (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.) e, portanto, com o próprio jogo (elemento fundamental na profissionalização do magistério, segundo Bourdoncle, 1990BOURDONCLE, Raymond. De l‘Instituteur à l’expert. Les IUFM et l’évolution des instituitions de formation. Recherche et Formation, Paris, n. 8, p. 57-72, 1990.).

Como antes mencionado, os professores têm ocupado tradicionalmente o “lugar do morto” no jogo de sua formação (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.), enquanto que ao longo do século XX o lugar ocupado pelas universidades foi gradualmente investido de poder. Entretanto, essa configuração vem sendo alterada, como ocorre no caso Early Bird, em função de ações empreendidas pela “mão direita do Estado” (Bourdieu, 1998BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1998., p. 9) que subvertem capitais legítimos à universidade e acentuam suas crises (Sousa Santos, 2011SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011.). Ao perder capital financeiro e prestígio institucional (Cruz; Souza, 2020​​CRUZ, Edilson da Silva; SOUZA, Denise Trento Rebello. Formação de Professores de Espanhol e a Descapitalização Simbólica da Universidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, p. 1-17, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/187162. Acesso em: 12 abr. 2023.
https://www.revistas.usp.br/ep/article/v...
), a universidade pode estar na iminência de se tornar o novo agente a assumir o “lugar do morto” (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.) no jogo de formação docente – pela instituição de rotas alternativas de formação (Zeichner, 2013ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.), sob a perspectiva de antiuniversitarização (Bourdoncle, 2009BOURDONCLE, Raymond. L’Universitarisation: structures, programmes et acteurs. In: ETIENNE, Richard et al. L’Université Peut-Elle Vraimment formar les Enseignants? Bruxelas: De Boeck, 2009. P. 19-28.) ou, em um desfecho mais peremptório, pela dissolução do jogo da formação. Diante dessa possibilidade mais radical, cabe-nos questionar: que reações serão assumidas por parte da universidade? E que impactos para o processo de profissionalização do magistério? No que se refere ao caso aqui focalizado, temos notícia de que, em outubro de 2020, um grupo formado por pesquisadores universitários, professores da Educação Básica e estudantes de línguas de todo o Brasil divulgou por meio da plataforma YouTube6 6 O Manifesto transmitido pelo YouTube pode ser acessado no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=5gI1CEji8pk. o manifesto A Educação Linguística na Infância: em Defesa do Direito à Formação Cidadã e à Aprendizagem (Rocha; Tonelli; Santos; Gattolin, 2020ROCHA, Claudia Hilsdorf; TONELLI, Juliana Reichert Assunção; SANTOS, Leandra Ines Seganfredo; GATTOLIN, Sandra. Educação Linguística na Infância: em defesa do direito à formação cidadã e à aprendizagem de línguas nos anos iniciais da educação básica brasileira. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZvaVyEWc0vpV6SD7sPIhiYOtBpc/view. Acesso em: 9 jan. 2023.
https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZv...
) que, entre outras demandas, reivindica urgência por políticas públicas que reconheçam a importância de se institucionalizar o ensino de línguas nos anos iniciais da escolarização de todo país, reconhecendo oficialmente os “[…] cursos de Letras e suas respectivas habilitações como os responsáveis pela formação linguístico-pedagógica do profissional que atuará no ensino de línguas adicionais nos anos iniciais de escolarização”, e estabelecendo “[…] diálogos profícuos entre poder público, universidades e escolas para viabilizar formas de atender às demandas futuras com maior solidez” (Rocha; Tonelli; Santos; Gattolin, 2020ROCHA, Claudia Hilsdorf; TONELLI, Juliana Reichert Assunção; SANTOS, Leandra Ines Seganfredo; GATTOLIN, Sandra. Educação Linguística na Infância: em defesa do direito à formação cidadã e à aprendizagem de línguas nos anos iniciais da educação básica brasileira. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZvaVyEWc0vpV6SD7sPIhiYOtBpc/view. Acesso em: 9 jan. 2023.
https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZv...
, s. p.).

O manifesto parece apontar para uma tentativa de fortalecer/restaurar a illusio do jogo da formação, preservando, portanto, sua viabilidade. Por meio dele, universidade e professores da escola esboçam uma aliança pouco recorrente na história da formação docente. Apontam, assim, para possibilidades de emergência de um outro modelo de formação docente, feito de contornos profissionais, resultante da união “[…] entre dois vértices do triângulo da formação - professores da escola e professores da universidade – que historicamente mantêm frágeis ligações (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012., p. 334). Tal manobra permite considerar, com arriscado otimismo diante de cenário tão adverso, que o envolvimento direto de professores da escola com o tema da formação docente, empreendendo esforços, inclusive, para sua subsistência, traz importante contraponto para a configuração mais convencional do jogo da formação (Sarti, 2012SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.), marcando posição (Nóvoa, 2017NÓVOA, Antonio. Firmar a Posição como Professor, afirmar a Profissão Docente. Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.) por parte desses professores. Sair do lugar de passividade é condição para que os professores aumentem o controle sobre os processos relativos ao trabalho que realizam (Freidson, 1998FREIDSON, Eliot. Renascimento do Profissionalismo: teoria, profecia e política. São Paulo: EDUSP, 1998.) e, assim, movimentem-se no sentido da profissionalização do magistério (Bourdoncle, 2000BOURDONCLE, Raymond. Professionnalisation, Formes et Dispositifs. Recherche et formation, Paris, n. 35, p. 117-132, 2000.).

Nesse sentido, pressupondo que o jogo segue então vigente, cabe-nos questionar: que novos lances no jogo da formação de professores (de LIC, mas não somente) podemos esperar? Que posições e estratégias por parte de seus agentes? Que novas configurações para o jogo da formação docente? Alea jacta est.

Notas

  • 1
    Todos os dados foram coletados em atenção aos procedimentos estabelecidos pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) que aprovou a realização do trabalho. Para preservar a identidade dos participantes, eles foram identificados por pseudônimos.
  • 2
    Mais informações sobre o centro Early Bird e sua metodologia podem ser acessadas em: https://www.earlybirdie.nl/. Vale ressaltar que, de acordo com as informações disponibilizadas pelo site do centro, ele se trata uma iniciativa privada que desde 2003 atende a diferentes redes e escolas na Holanda, incluindo universidades, faculdades e editoras.
  • 3
    Todos os dados resultantes de fontes orais deste trabalho, como os coletados na cerimônia de lançamento do projeto ou em videoconferências realizadas pelo CEFAI e transmitidos pela Rede do Saber da SEE-SP, bem como os dados coletados junto aos participantes da pesquisa estão transcritos em Assis (2018)ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird. 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018..
  • 4
    De acordo com Santos (2005)SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011., ainda que haja o alerta por parte dos pesquisadores a respeito da lacuna formativa teórico-metodológica desses docentes, a letra da lei permanece até hoje igual, e professores de inglês para crianças continuam a atuar nas salas de aula do país, sejam elas particulares ou públicas, sem formação específica para tal.
  • 5
    No original: “[…] functioning as a career booster or something that will be objectively important for the child’s future”.
  • 6
    O Manifesto transmitido pelo YouTube pode ser acessado no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=5gI1CEji8pk.

Referências

  • ALUNOS da rede estadual terão aulas de inglês a partir dos 6 anos. Portal do Governo, São Paulo, 4 nov. 2013. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/alunos-da-rede-estadual-terao-aulas-de-ingles-a-partir-dos-6-anos/ Acesso em: 20 fev. 2022.
    » https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/alunos-da-rede-estadual-terao-aulas-de-ingles-a-partir-dos-6-anos/
  • ASSIS, Emanuelle Perissotto. A Formação de Professores de Inglês dos anos Iniciais: um estudo sobre o projeto Early Bird 2018. 245 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2018.
  • BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar. Educação e Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set.-dez. 2004.
  • BALL, Stephen. Performatividade e Fabricações na Economia Educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 32, p. 37-55, maio-ago. 2010.
  • BARBOSA, Andreza et al. Contratação, carreira, vencimento e jornada dos profissionais da Educação Estadual Paulista (1995-2018). Educação & Sociedade, Campinas, Unicamp, v. 43, e245702, 2022.
  • BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. Actes de la Reserche en Sciences Sociales, Tradução de Paula Montero, n. 2/2, p. 88-104, jun. 1976.
  • BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
  • BOURDIEU, Pierre. Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp, 2003a.
  • BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 2003b.
  • BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2005.
  • BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
  • BOURDONCLE, Raymond. De l‘Instituteur à l’expert. Les IUFM et l’évolution des instituitions de formation. Recherche et Formation, Paris, n. 8, p. 57-72, 1990.
  • BOURDONCLE, Raymond. Professionnalisation, Formes et Dispositifs. Recherche et formation, Paris, n. 35, p. 117-132, 2000.
  • BOURDONCLE, Raymond. Univesitarisation. Recherche et Formation, Paris, n. 54, p. 135-149, 2007.
  • BOURDONCLE, Raymond. L’Universitarisation: structures, programmes et acteurs. In: ETIENNE, Richard et al. L’Université Peut-Elle Vraimment formar les Enseignants? Bruxelas: De Boeck, 2009. P. 19-28.
  • BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado Brasília: Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal da Reforma do Estado, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf Acesso em: 9 fev. 2023.
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
  • BUTLEN, Max. Lire, analyser, sélectionner catégoriser la Littérature pour la Jeunesse: quels critères? Pour quels usages? Les Cahiers de L’Association Internationale des Études Françaises, n. 66, maio 2014.
  • ​​CRUZ, Edilson da Silva; SOUZA, Denise Trento Rebello. Formação de Professores de Espanhol e a Descapitalização Simbólica da Universidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, p. 1-17, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/187162 Acesso em: 12 abr. 2023.
    » https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/187162
  • FREIDSON, Eliot. Renascimento do Profissionalismo: teoria, profecia e política. São Paulo: EDUSP, 1998.
  • HOLMES GROUP. Tomorrow’s Schools of Education East Lansing: Holmes Group, 1995.
  • HALL, David; GUNTER, Helen. A Nova Gestão Pública na Inglaterra: a permanente instabilidade da reforma neoliberal. Educação e Sociedade, Campinas, v. 36, n. 132, p. 743-758, jul.-set. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015152454. Acesso em: 2 fev. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015152454
  • KAWACHI-FURLAN, Claudia Jotto; TONELLI, Juliana Reichert Assunção. Re(thinking) Critical Language Education with Children and Teacher Education During (and After) Pandemic Times. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 467-496, abr./jun 2021.
  • LIMA, Ana Paula. A Formação de Professores de Língua Inglesa para Crianças: a EFAP como um caminho alternativo. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 3., 2016, Águas de Lindóia. Anais […] Águas de Lindóia: CNFP, 2016. P. 652-663.
  • MILLER, Ines et al. Teaching English to Young Learners: some reflective voices from Latin America. In: GARTON, Sue; COPLAND, Fiona (Ed.). The Routledge Handbook of Teaching English to Young Learners New York: Routledge, 2019. P. 508-522.
  • NÓVOA, Antonio. Os Professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999.
  • NÓVOA, Antonio. Firmar a Posição como Professor, afirmar a Profissão Docente Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.
  • OLIVEIRA, Dalila Andrade. A Reestruturação da Profissão Docente no Contexto da Nova Gestão Pública na América Latina. Revista FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Cabula, UNEB, v. 27 n. 53, p. 43-59, set.-dez. 2018.
  • ROCHA, Claudia Hilsdorf. O Ensino de LE (Inglês) para Crianças do Ensino Fundamental Público na Transdisciplinaridade da Linguística Aplicada. In: TONELLI, Juliana Reichert Assunção; RAMOS, Samanta. (Org.). O Ensino de LE Para Crianças: reflexões e contribuições. Londrina: Moriá, 2007. P. 1-34.
  • ROCHA, Claudia Hilsdorf. Provisões para ensinar LE no Ensino Fundamental de 1a a 4a Séries: dos parâmetros oficiais e objetivos dos agentes. 2006. 340 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.
  • ROCHA, Claudia Hilsdorf; TONELLI, Juliana Reichert Assunção; SANTOS, Leandra Ines Seganfredo; GATTOLIN, Sandra. Educação Linguística na Infância: em defesa do direito à formação cidadã e à aprendizagem de línguas nos anos iniciais da educação básica brasileira. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZvaVyEWc0vpV6SD7sPIhiYOtBpc/view Acesso em: 9 jan. 2023.
    » https://drive.google.com/file/d/1XSJCAZvaVyEWc0vpV6SD7sPIhiYOtBpc/view
  • SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 43, de 5 de agosto de 2014a. Altera dispositivo da Resolução SE 29, de 28 de maio de 2014. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 5 ago. 2014a. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/43_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:29:09 Acesso em: 5 jul. 2021.
    » http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/43_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:29:09
  • SÃO PAULO (Estado). Resolução SE-29, de 28 de maio de 2014. Institui o Projeto Early Bird – Língua Inglesa destinado a alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 28 maio 2014b. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07 Acesso em: 5 jul. 2021.
    » http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/29_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:28:07
  • SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE 3, de 16 janeiro de 2014. Altera dispositivos da Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2014c. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/03_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:26:48 Acesso em: 5 jul. 2021.
    » http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/03_14.HTM?Time=28/09/2018%200 0:26:48
  • SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 6, de 19 de janeiro de 2016. Dispõe sobre a organização curricular do Ensino Fundamental, nas Escolas de Tempo Integral – ETI, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jan. 2016. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/6_16.HTM?Time=28/09/2018%2000: 29:40 Acesso em: 5 jul. 2021.
    » http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/6_16.HTM?Time=28/09/2018%2000: 29:40
  • SÃO PAULO (Estado). Resolução SE 85, de 19 de novembro de 2020. Estabelece as diretrizes da organização curricular do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e das respectivas modalidades de ensino da Rede Estadual de Ensino de São Paulo e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 19 nov. 2020. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=202011190085/ Acesso em: 5 jul. 2021.
    » http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=202011190085/
  • SARTI, Flavia Medeiros. O Triângulo da Formação Docente: seus jogadores e configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 323-338, 2012.
  • SILVA, Ivani Ruela de Oliveira. Por uma Formação Tamanho Único: curso de formação específica para professores da SEE/SP. 2015. 180 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
  • SOUSA SANTOS, Boaventura. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011.
  • SOUZA, Ana Cristina Gonçalves de Abreu; FELDMANN, Marina Graziela. Políticas de Formação Docente: as parcerias público-privadas na rede de ensino estadual paulista. Ensino em Revista, Uberlândia, UFU, v. 28, n. Contínua, p. e053, 2021. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/63662 Acesso em: 9 jan. 2023.
    » https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/63662
  • SOUZA, Sérgio Augusto Freire de. O Movimento dos Sentidos sobre Línguas Estrangeiras no Brasil: discurso, história e educação. 2005. 258 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
  • TARDIF, Maurice. A Profissionalização do Ensino Passados Trinta Anos: dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, jun. 2013.
  • TONELLI, Juliana Reichert Assunção; PÁDUA, Lívia Souza de. O Estado da Arte de Pesquisas sobre Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. In: TONELLI, Juliana Reichert Assunção; PÁDUA, Lívia de Souza; OLIVEIRA, Thays Regina Ribeiro (Org.). Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil Curitiba: Appris, 2017, p. 17-39.
  • WHITE, Steve. Interpreting the “Third Way”: a tentative overview. Department of Political Science, MIT, Cambridge: MA, 1998.
  • ZEICHNER, Kenneth. Repensando as Conexões entre a Formação na Universidade e as Experiências de Campo na Formação de Professores em Faculdades e Universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, set./dez. 2010.
  • ZEICHNER, Kenneth. Políticas de Formação de Professores nos Estados Unidos: como e por que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

Editado por

Editora responsável: Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    11 Jan 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educação Avenida Paulo Gama, s/n, Faculdade de Educação - Prédio 12201 - Sala 914, 90046-900 Porto Alegre/RS – Brasil, Tel.: (55 51) 3308-3268, Fax: (55 51) 3308-3985 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: educreal@ufrgs.br