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Um inédito de Caldas Barbosa: introdução, edição e comentário

RESUMO

Neste artigo, apresentamos a edição de um poema inédito de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), encontrado na Biblioteca Brasiliana “Guita e José Mindlin”, da Universidade de São Paulo. Acompanham essa edição um estudo introdutório sobre o autor, sua obra e o atual estado de sua fortuna crítica, assim como um comentário sobre o genetlíaco, espécie da lírica à qual o poema pertence.

PALAVRAS-CHAVE:
Caldas Barbosa; Manuscrito; Século XVIII; Genetlíaco

ABSTRACT

In this article, we publish for the first time a poem by Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), found by us at Biblioteca Brasiliana “Guita e José Mindlin”, of the Universidade de São Paulo. We also present an introductory study about the author, his works and the current state of his critical reception, followed by a commentary on the poetic genetliacs as a genre produced in Portugal and Brazil during the 18th century.

KEYWORDS:
Caldas Barbosa; Manuscripts; 18th Century; Genetliac

O autor e sua obra

Quando pensamos nas letras coloniais luso-brasileiras do século XVIII, geralmente os primeiros nomes que vêm à mente são os dos inconfidentes Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, ao lado de José Basílio da Gama e de Frei José de Santa Rita Durão. Em um esforço de recuperação histórica, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Manuel Inácio da Silva Alvarenga tendem a ser retomados em seguida como parte de um cânone menor dessas letras. É em uma posição dúbia, entre o cânone e o esquecimento, entre a música e a literatura, que se encontra a obra poética atribuída a Domingos Caldas Barbosa. Este artigo representa um esforço para adicionar mais um texto ao espólio desse poeta, encontrado a partir de pesquisas arquivísticas na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo, com a esperança de que essa adição possa ser frutífera aos estudos de sua obra.

Sendo poeta pouco conhecido por grande parte dos leitores, cumpre aqui apresentá-lo brevemente, para que essa apresentação nos permita contextualizar o poema editado em relação ao seu autor e ao conjunto de sua obra. Até muito recentemente, o nome da mãe de Caldas Barbosa era desconhecido dos estudiosos, tendo sido publicado por José Ramos Tinhorão (2004TINHORÃO, J. R. Domingos Caldas Barbosa: O poeta da viola, da modinha e do lundu (1740-1800). São Paulo: Editora 34, 2004.) em seu estudo já canônico sobre o poeta. Domingos Caldas Barbosa era filho de um funcionário da Fazenda em Angola, o português Antônio de Caldas Barbosa, e de uma mulher negra escravizada, chamada Antónia de Jesus que, já em liberdade, chegou grávida ao Brasil. Nascido em 1740, Caldas teve uma educação jesuítica similar à de muitas outras crianças no Rio de Janeiro da época, estudando no Colégio do Morro do Castelo no início da década de 1750. Após se envolver militarmente na campanha da Colônia do Sacramento, Caldas foi a Portugal para seguir seus estudos na Universidade de Coimbra, em 1763. A morte de seu pai o forçou a interromper seus estudos logo em seu início, e o deixou em uma situação financeira bastante precária, levando-o a viver em Lisboa e Coimbra em uma situação próxima à mendicância durante boa parte da década de 1760. Suas dificuldades financeiras se resolveram apenas na virada da década, quando ganhou os favores de José de Vasconcelos e Sousa, conde de Pombeiro, que convenceu seus irmãos, Antônio e Luís de Vasconcelos e Sousa, conde da Calheta e de Figueiró, respectivamente, a acolherem Caldas sob sua proteção. Vivendo junto aos seus novos mecenas, Caldas produziu inúmeras modinhas e lundus que publicaria muito posteriormente em formato de livro em 1798, sob o título de Viola de Lereno. Antes de sua publicação em livro, no entanto, essas cantigas, modinhas e lundus já faziam sucesso na corte de D. Maria I, a ponto de lhe terem rendido críticas ferrenhas de poetas renomados do tempo, como Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), Filinto Elísio - pseudônimo de Francisco Manuel do Nascimento (1734-1819) -, Nicolau Tolentino de Almeida (1740-1811), e até mesmo do censor régio António Ribeiro dos Santos (1745-1818).

Caldas Barbosa foi poeta bastante prolífico não apenas nos gêneros das cantigas, modinhas e lundus. Em 1777, publicou um poema heroico intitulado A doença, recentemente reeditado no Brasil por Lúcia Helena Costigan e Fernando Morato (Barbosa, 2018); além disso, escreveu a Narração dos aplausos na ocasião da inauguração da Estátua Equestre de D. José I (1775) no Terreiro do Paço, em Lisboa, até hoje uma das melhores fontes para o estudo dos festejos dessa inauguração, que marcou profundamente as letras da segunda metade do século XVIII luso-brasileiro. Caldas também publicou diversos poemas encomiásticos, muitos como parte do famoso Almanak das Musas, uma das principais coletâneas poéticas impressas de diversos autores do século XVIII, organizada também pelo autor.1 1 Os poemas atribuídos a Caldas Barbosa nessa coletânea foram reunidos por Luiza Sawaya (2015), em Domingos Caldas Barbosa: Herdeiro de Horácio. Já na década de 1790, o autor produz a farsa dramática A Saloia namorada ou O remédio é casar, que foi a primeira ópera cantada no Teatro de São Carlos em Lisboa, inaugurado em 1793. Além disso, produziu, também em parceria com Antônio Leal Moreira, a ópera A vingança da cigana. Existe um certo consenso crítico de que as composições de modinhas e lundus se deram sobretudo a partir da década de 1780, sendo a produção anterior marcada majoritariamente pela poesia encomiástica produzida de acordo com os costumes poéticos seguidos por outros autores de sua época, e sistematizados em preceptivas como as de Francisco José Freire e Luís Antônio Verney. Esse tipo de consenso, no entanto, é sempre difícil de se verificar materialmente e tende a partir mais de projetos críticos de interpretação do conjunto da obra de um autor do que de fatos materiais que possam ser localizados em arquivos.

O que sabemos concretamente é que Caldas Barbosa foi poeta que frequentou tanto a corte de D. José I quanto a de D. Maria I, durante o período conhecido como “Viradeira”. A sua introdução à rainha se deu por intermédio de D. Maria Rita de Castelo Branco Correia e Cunha, que se casou com o seu mecenas, D. José de Vasconcelos e Sousa, tornando-o Conde de Pombeiro e, em 1787, intercedendo por Caldas Barbosa junto à rainha para que ela lhe concedesse um Benefício Simples na Igreja Paroquial de S. Pedro da Vila de Terrena, no arcebispado de Évora, permitindo que Caldas finalmente conquistasse a posição de clérigo que ambicionava há anos (Tinhorão, 2004TINHORÃO, J. R. Domingos Caldas Barbosa: O poeta da viola, da modinha e do lundu (1740-1800). São Paulo: Editora 34, 2004., p.66), e uma certa independência financeira (Sawaya, 2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.25). Contudo, antes de poder assinar seus poemas como beneficiário, Caldas Barbosa já dispunha de um vínculo com a Arcádia de Roma, onde era pastor registrado desde 1772, sob o pseudônimo de Lereno Selinuntino (Sawaya, 2015, p.26).

Pode-se dizer com justiça que Caldas Barbosa ocupou um papel de destaque na vida letrada lisbonense das décadas de 1770, 1780 e 1790. Um bom exemplo é a sua participação na Academia de Belas Letras, ou a Nova Arcádia, fundada em 1790; todos os árcades eram convidados semanalmente a participar das Quartas-feiras de Lereno,2 2 O poeta árcade Francisco Joaquim Bingre, em uma de suas cartas, diz sobre a Nova Arcádia: “fazendo as primeiras sessões em casas particulares; e algumas no palácio do conde de Pombeiro no quarto do Caldas, chamadas Quartas-feiras de Lereno, onde depois de um bello almoço se tocavam alguns instrumentos de curiosos e improvisava o Caldas cantando”. A carta foi editada por Vanda Anastácio, e a citamos aqui a partir de Sawaya (2015, p.28). para que recitassem seus poemas e ouvissem as performances de Caldas no Palácio da Bemposta, onde moravam seus mecenas, acompanhados de um farto almoço. Essa tradição foi interrompida após a publicação de um soneto considerado ofensivo aos mecenas de Caldas, que fez que as sessões fossem transferidas por Pina Manique para o Castelo de São Jorge (Sawaya, 2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.26-7). Não faltam evidências de suas demonstrações públicas de engenho, como se nota, por exemplo, no diário do embaixador francês em Portugal durante os anos de 1786-88, o marquês Marc-Marie Bombelles:

[...] encontrei o abade Caldas improvisando, mais por simpatia do que por dever, sobre a próxima partida de Mme. de Bombelles e a minha. Este homem tem indubitavelmente uma imaginação de uma fertilidade extraordinária. O primeiro mote lhe havia sido dado por Mme. D’Oyenhausen: que as Musas choravam a partida das Graças. Ele enobreceu, tornou interessantes os motes que não pareciam se prestar a qualquer desenvolvimento agradável; quando seus primeiros sucessos o levaram a redobrar sua ação, ele de facto teve momentos e tiradas sublimes. Sua cabeça está repleta de tudo o que a Fábula e a História oferecem de melhor; a maneira como ele se apropria de suas riquezas o torna um poeta que reúne ao calor de suas ideias uma justeza, uma sequência de raciocínios dos quais os melhores improvisadores italianos carecem. (Bombelle apud Sawaya, 2011SAWAYA, L. Domingos Caldas Barbosa: para além da Viola de Lereno. Lisboa, 2011. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/5442>. Acesso em: 24 jul. 2022.
https://repositorio.ul.pt/handle/10451/5...
, p.17. Tradução do francês feita por Luiza Sawaya)

E antes mesmo disso, Caldas não se furtava a tecer elogios ao seu próprio engenho quando, em 1777, se refere aos certames poéticos coimbrãos de sua juventude no seu poema heróico A doença. Diz o poeta:

Nos certames Poéticos temido Eu fazia calar-se arrependido Aquele que soberbo se me opunha E disto é muita gente testemunha. ‘Não ia como muitos preparado Com um métrico enfeite decorado De palavras pomposas retinintes Que deixam como absortos os ouvintes Sem saber o que ouviram: nem levava Como algum a cabeça que ajustava A todo o corpo vão que ali fazia E em outros muitos corpos mais servia: Eram versos meus ali formados E aos motes propriamente acomodados: Assim me ouviu Coimbra e tem ouvido As terras por que eu tenho discorrido (Barbosa, 2018BARBOSA, D. C. A doença. Org., apres. e notas de Lúcia Helena Costigan e Fernando Morato. São Paulo: Editora 34, 2018., p.82)

Como, então, se explicaria o atual esquecimento de Caldas Barbosa e sua obra por boa parte dos leitores e da crítica especializada nas letras luso-brasileiras? O apagamento do prestígio de autores do século XVIII é um fato já muito documentado nos estudos sobre a época, e podemos aventar diversas hipóteses sobre a sua motivação, desde a imposição de silêncios para a proteção de ideologias nacionalistas (Souza, 2017SOUZA, C. C. E. de. Alvarenga Peixoto e(m) Seu Tempo. São Paulo, 2017. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-07052018-120804/pt-br.php>. Acesso em: 24 jul. 2022.
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; Chauvin, 2021CHAUVIN, J. P. Considerações sobre a sacralização do cânon e a canonização da crítica. São Paulo, 2021. Tese (Livre Docência) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo.), até deficiências relacionadas à atividade editorial dedicada a autores desse período (Moreira, 2011MOREIRA, M. Critica Textualis in Caelum Revocata? Uma proposta de Edição e de Estudo da Tradição de Gregório de Matos e Guerra. São Paulo: Edusp, 2011.; Hansen; Moreira, 2013HANSEN, J. A.; MOREIRA, M. Para que todos entendais - Poesia atribuída a Gregório de Matos e Guerra: Letrados, manuscritura, retórica, autoria, obra e público na Bahia dos séculos XVII e XVIII - Volume 5. Belo Horizonte: Grupo Autêntica, 2013.; Souza, 2020). Mas fato é que, mesmo diante de tanto esquecimento, diversos críticos discutiram a obra de Caldas Barbosa ao longo dos últimos séculos, ainda que en passant. O cônego Januário da Cunha Barbosa, no oitavo caderno de seu Parnaso Brasileiro, de 1832, indica que “o seu gênio era admirado principalmente quando improvisava com muito acerto e graça, tangendo uma viola, e cantando as glosas que fazia a qualquer assunto lírico, que se lhe dava” (Barbosa, 1832, c.8, p.18). Alguns anos mais tarde, Francisco Adolfo de Varnhagen apresenta um comentário bem mais extenso sobre Caldas Barbosa no segundo volume de seu Florilégio da Poesia Brasileira (1850-1853), que passa por momentos de reconhecimento de seu papel de destaque na sociedade letrada portuguesa do século XVIII - “sociedade onde não se achava o fulo Caldas com sua viola não se julgava completa” (Varnhagen, 1946, v.2, p.89) - até momentos de uma censura ao autor que, por conta da cor de sua pele e do preconceito racial da sociedade lusitana da época, se contentava em ocupar um lugar subalterno em seus próprios versos -

[...] sendo para lastimar que o autor figura neles [i.e. em seus versos] geralmente mais como truão do que como poeta [...]. Mas em abono do nosso trovador, cumpre dizer que [...] [Caldas Barbosa] tinha a consciência do pouco valimento de sua cor num país onde ela era um mau preconceito: preferiu pois passar por bobo, ser o primeiro a escarnecer de si à custa de sua dignidade, mas ir vivendo descansado. (ibidem, p.90)

No juízo de Varnhagen sobre as obras de Caldas, encontramos esse mesmo misto de admiração e censura, como sumariza o autor no seguinte trecho:

O que é sem dúvida é que muitas composições de Lereno são sem merecimento, o que por força devia suceder a quem muitas vezes compunha só por obséquio, e sem inspiração. Mas algumas poesias há suas que são bastantes para que os literatos o tratem com consideração, embora se deva confessar que profundava pouco, sabia menos, não estudava, e tudo devia à natureza. (ibidem, p.96)

Já em inícios do século XX, podemos destacar os comentários feitos por Sílvio Romero à obra de Caldas Barbosa na segunda edição expandida de sua História da Literatura Brasileira, de 1902. Ao comentar a biografia do autor, Romero passa quase todos os seus parágrafos iniciais discutindo o que considerava ser o caráter do homem mestiço com pai branco e mãe negra, o que chama de “mestiço de primeira mão” (Romero, 1902, p.260), questão que foge ao propósito deste artigo. No entanto, ao contrário de Varnhagen, o juízo de Romero sobre a obra de Caldas é totalmente positivo, e está amparado em duas bases: a primeira, a popularidade dos versos do autor para além da sociedade letrada portuguesa de sua época; a segunda, uma necessidade de redefinir os critérios de leitura dessa poesia. Romero relata que, em suas expedições ao norte do Brasil para recolher cantigas populares anônimas, inúmeras vezes acabou encontrando poemas de Caldas Barbosa, que seguiam sendo cantados mesmo entre pessoas iletradas. Para Romero, esses poemas “Formam um material de que o povo se apoderou, modelando-o a seu sabor. [...] [Esse] é o maior elogio que, sob o ponto de vista etnográfico, se lhe pode fazer” (ibidem, p.262). A segunda base de seu juízo positivo propõe que os versos de Caldas exigem uma leitura diferente da de outros autores de sua época:

A crítica diante de um homem destes não deve analisar-lhes as produções; cumpre-lhe antes procurar ouvir fora dos grandes centros populosos, [...] ao som do violão, ao descambar das tardes tropicais, uma dulcíssima voz de moçoila lânguida e inflamável, cálida e apaixonada, cantar despretensiosa e doidamente qualquer destas bagatelas. (ibidem, p.263)

Por fim, conclui o autor que os versos de Lereno “devem ser lidos como um antídoto à depravação palavrosa que de tempos em tempos invade o nosso mundo poético” (ibidem).

Já segundo o juízo crítico de José Veríssimo, em sua História da Literatura Brasileira de 1916, não há nada a ser salvo na poesia atribuída a esse homem que “passou o maior tempo da sua vida em Portugal, como familiar, parasita, quase fâmulo dos condes de Pombeiro, capelão e poeta mercenário dessa família fidalga e generosa” (Veríssimo, 1954, p.103). Em suas menos de duas páginas sobre o poeta, Veríssimo esbraveja contra a “musa mulata” que sua poesia representa, e conclui que suas produções “não enriquecem a poesia brasileira. Na história desta, Caldas Barbosa apenas terá a importância de testemunhar como se havia já operado no fim do século XVIII a mestiçagem luso-brasileira, que, primeiro física, acabara por influir a psique nacional”. Ao contrário do que se passa em Romero, Veríssimo utiliza o adjetivo “popular” de forma pejorativa ao avaliar a produção de Caldas, dizendo que nela prevalece “a musa popular brasileira na sua inspiração dengosamente erótica e no seu estilo baboso” (Veríssimo, 1954, p.104).

Longe de ser um ponto fora da curva, o juízo negativo de Veríssimo é apenas uma representação exagerada da atitude de grande parte da historiografia e crítica literária brasileiras em relação à poesia de Caldas Barbosa durante o século XX.3 3 Cumpre notar que, durante o século XX, a voz que mais claramente se opôs a esse juízo negativo parece ter sido a de Manuel Bandeira que, em sua Apresentação da Poesia Brasileira, diz: “Esses e outros exemplos da poesia simples, de expressão correta e elegante, que se podem colher na Viola de Lereno, mostram a injustiça de José Veríssimo ao se ocupar de Caldas em sua História da Literatura Brasileira”. Para uma visão mais ampla da recepção da poesia de Caldas Barbosa no século XX (cf. Veiga; Ricciardi, 2020). Lúcia Helena Costigan (2007COSTIGAN, L. H. Domingos Caldas Barbosa (1740-1800): A precursor of Afro-Brazilian Literature. Research in African Literatures, v.38, n.1, p.172-80, Spring 2007., p.173) comenta, em artigo mais recente, que “com a exceção de alguns acadêmicos que estão começando a reavaliar os escritos desse poeta brasileiro do século XVIII, muitos dos críticos que escreveram sobre Caldas Barbosa não o representaram de maneira positiva”,4 4 Todos as traduções citadas são nossas, a menos que explicitamente indicada outra autoria. No original: “Except for a few scholars who are beginning to reevaluate the writings of this eighteenth-century Brazilian poet, many of those who have written about Caldas Barbosa have not portrayed him in a very positive light” (Costigan, 2007, p.173). e a autora tem em mente sobretudo essa crítica novecentista. Antonio Candido (2012CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos. 1750-1880. 13.ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2012., p.154), por exemplo, em sua Formação da Literatura Brasileira, de 1959, diz que Caldas “foi um simples modinheiro sem relevo criador”, e que em sua poesia “a palavra se torna mero pretexto para o banho sonoro que deveria provocar a emoção”. O crítico, no entanto, faz uma ressalva, indicando que esse juízo negativo pode estar sendo influenciado pela ausência da música, que acompanharia seus poemas: “É possível que ela lhes desse o relevo que o autor com certeza lhes dava, a julgar pela relativa importância em que foi tido pela gente da Nova Arcádia” (ibidem, p.155-6). No entanto, isso não é suficiente para destacar a qualidade de sua obra: “o fato é que, visto de hoje, o ‘trovista Caldas’, tão simpático e boa pessoa, tão maltratado por Bocage, desaparece praticamente ao lado dos patrícios mais bem dotados” (ibidem, p.156). Algumas décadas mais tarde, Caldas seria reduzido a uma nota de rodapé na História concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi (2007BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 44.ed. São Paulo: Cultrix, 2007., p.79), publicada em 1970, cujo juízo sobre o autor se resume a indicar que sua poesia “é um caso típico de contaminatio da tradição oral, falada e cantada, com a linguagem erudita”.

Mas como disse Costigan no trecho citado, as últimas décadas têm visto uma revalorização do trabalho de Caldas, como testemunham os estudos já citados de Tinhorão (2004TINHORÃO, J. R. Domingos Caldas Barbosa: O poeta da viola, da modinha e do lundu (1740-1800). São Paulo: Editora 34, 2004.) e Sawaya (2011SAWAYA, L. Domingos Caldas Barbosa: para além da Viola de Lereno. Lisboa, 2011. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/5442>. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, 2015), e Costigan e Morato em Barbosa (2018BARBOSA, D. C. A doença. Org., apres. e notas de Lúcia Helena Costigan e Fernando Morato. São Paulo: Editora 34, 2018.). Mas para além dos estudos de maior fôlego, o que tem se destacado recentemente é a presença de Caldas Barbosa como um tema de artigos nos periódicos acadêmicos, o que evidencia o seu retorno como objeto considerado digno de discussão pela crítica especializada. Adriana de Campos Rennó (2004RENNÓ, A. de C. Além da viola: Caldas Barbosa e o cânon poético neoclássico. Gragoatá, n.17, p.247-257, 2º semestre de 2004., p.252), por exemplo, demonstra que boa parte dos juízos críticos feitos sobre a obra de Caldas precede o contato do crítico com seus textos, muitas vezes guardados no pó dos arquivos, “sendo colocados à margem de qualquer paradigma histórico-literário luso-brasileiro já construído, acabando por se tornarem obras de dificílimo acesso”. A autora também traz a primeiro plano a discussão dos encômios escritos por Caldas, geralmente ainda mais ignorados pelos críticos, que parecem se centrar exclusivamente sobre a Viola de Lereno. Para ela, a obra de Caldas demonstra um percurso de dissolução do que considera ser a estética neoclássica, representada pelos encômios das primeiras décadas de sua produção, até o que seria, ainda segundo a autora, uma estética pré-romântica, representada pela Viola de Lereno. Rennó nos lembra que “a prática do encômio era comum entre os literatos setecentistas luso-brasileiros, representando, na verdade, a maior parte da produção poética dessa geração de escritores” (ibidem, p.254). E, por isso, o acesso aos encômios produzidos por Caldas

[...] poderá facultar, ao leitor de hoje, um entendimento mais profundo da Viola de Lereno, última obra do poeta, e esclarecer o caminho percorrido por sua poesia no sentido da diluição formal dos padrões retóricos neoclássicos, bem como o avanço para uma expressão cada vez mais “amolecida”, musical, particular, numa palavra, pré-romântica, que a Viola tão bem entoa. (ibidem, p.256)

Muitos outros autores se dedicaram à obra de Caldas nas últimas décadas, no Brasil e no exterior, e fazer referência a todos fugiria em muito ao escopo deste artigo. Apontamos, no entanto, que uma tendência bastante forte nos estudos barbosianos recentes, sobretudo nos Estados Unidos, tende a ler a sua obra em relação a uma tradição afro-brasileira, trazendo novamente a questão racial ao centro do debate sobre Caldas, mas agora sem o racismo inerente à crítica do século XIX brasileiro que inaugura, em alguma medida, essa discussão em sua recepção. São alguns testemunhos dessa retomada crítica internacional os estudos de Mallinoff (1981MALLINOFF, J. M. Domingos Caldas Barbosa: Afro-Brazilian poet at the court of Dona Maria I. From linguistics to literature: Romance studies offered to Francis M. Rogers. Amsterdam, p.195-203, 1981.), Peres (1998PERES, P. Domingos Caldas Barbosa e o conceito de “Crioulização do Caribe”. Revista Iberoamericana, v.LXIV, n.182-3, p.209-218. Enero-Junio, 1998.), Budasz (2007BUDASZ, R. Black guitar-players and early African-Iberian music in Portugal and Brazil. Early Music, v.XXXV, n.1, p.3-21, fev. 2007.), Costigan (2007COSTIGAN, L. H. Domingos Caldas Barbosa (1740-1800): A precursor of Afro-Brazilian Literature. Research in African Literatures, v.38, n.1, p.172-80, Spring 2007., 2008), e Sadlier (2016SADLIER, D. The Lusophone Diaspora. In: ___. The Portuguese-Speaking Diaspora. Austin: University of Texas Press, 2016. p.53-92.), além de Porter (1951PORTER, D. B. Padre Domingo Caldas Barbosa: Afro-Brazilian Poet. Phylon: The Clark Atlanta University Review of Race and Culture, v.12, n.3, p.264-71, 1951.), que precede a todos esses autores. No Brasil, alguns críticos estão também voltando a sua atenção a Caldas Barbosa sob diversas perspectivas, como é o caso não apenas de Rennó (2004RENNÓ, A. de C. Além da viola: Caldas Barbosa e o cânon poético neoclássico. Gragoatá, n.17, p.247-257, 2º semestre de 2004.), Tinhorão (2004TINHORÃO, J. R. Domingos Caldas Barbosa: O poeta da viola, da modinha e do lundu (1740-1800). São Paulo: Editora 34, 2004.), e Sawaya (2011SAWAYA, L. Domingos Caldas Barbosa: para além da Viola de Lereno. Lisboa, 2011. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/5442>. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, 2015, ambos no entanto publicados em Portugal), mas também dos estudos de Chociay (1995CHOCIAY, R. A poética da reiteração e a concentração temática: uma revisão da “Viola de Lereno”. Revista de Letras, v.35, p.223-38, 1995.), que discute questões poéticas formais na Viola de Lereno ao lado de uma análise temática dessas produções; Costigan e Morato, que recolocaram em circulação A doença (Barbosa, 2018) com estudos críticos que visam evidenciar a presença da matéria autobiográfica de Caldas na composição do poema; Pinto (2018PINTO, R. G. de O. Caldas Barbosa: Seixos, Diamantes e o Misto Poético. Revista de Estudos de Cultura, v.4, n.12, p.71-84, Set-Dez, 2018.), que lê sua poesia em diálogo com as preceptivas poético-retóricas em voga no século XVIII luso-brasileiro; e Veiga (2020VEIGA, P. E. de B.; RICCIARDI, R. R. A poética de Domingos Caldas Barbosa e a historiografia da crítica: reflexões sobre o cânone literário do Brasil Colônia. In: XXXV ENCONTRO NACIONAL ANPOLL. 2020, Anais..., 2020, v.35. p.569-78.), que estabelece paralelos entre a recepção da obra de Caldas e a das obras de Machado de Assis e de Catulo. São muitos os autores que atualmente se debruçam sobre a obra de Caldas e, certamente, ao listarmos alguns fazemos injustiça a outros. Mas essa lista basta para evidenciar a renovada atenção dada pela crítica a esse autor que parecia completamente esquecido no cânone literário luso-brasileiro.

O inédito e sua materialidade

Tendo estabelecido esse contexto acerca da produção do autor e da sua recepção tanto em seu tempo como nos séculos seguintes, cumpre-nos agora apresentar nossa pequena contribuição aos estudos barbosianos, com a edição de um poema até então inédito que localizamos acidentalmente na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da Universidade de São Paulo. O poema, intitulado “No felicíssimo Dia dos Anos da Amável, e Excelente Senhora Dona Filipa Inácia etc.” está presente no primeiro volume da coleção manuscrita Flores do Parnaso,5 5 Cota: rbm0811 composta por cinco códices manuscritos que muito provavelmente foram produzidos nos últimos anos do século XVIII ou nos primeiros do XIX. O códice 1, onde figura esse poema, não apresenta numeração de páginas; no entanto, encontramos, marcada a lápis em sua primeira folha após o ex-libris de Rubens Borba Alves de Moraes, uma anotação onde se lê “Este volume contém ‘No felicíssimo dia dos anos de... D. Filipa Inacia...’ de Domingos Caldas Barbosa. Inédito”.

Seria possível aventarmos a hipótese de que o “Caldas” mencionado no manuscrito seja António Pereira de Sousa Caldas, poeta setecentista conhecido por sua poesia sacra. Mas a proximidade temática do poema com outros do Almanak das Musas e com os demais encômios atribuídos a Caldas Barbosa nos leva a concordar com a anotação moderna na abertura do códice em relação à sua atribuição de autoria.

Quanto à questão do ineditismo de poemas encontrados em cópias manuscritas nos arquivos, é sempre importante notar que se trata um conceito local - a edição manuscrita dessa poesia circulava em sua época e, portanto, o poema deve ser considerado inédito apenas em relação ao nosso tempo, devido ao nosso desconhecimento acerca desse texto. Souza (2020_______. Obras poéticas de Alvarenga Peixoto. Cotia: Ateliê Editorial, 2020. Disponível em: <https://scholar.harvard.edu/caioestevesdesouza>. Acesso em: 24 jul. 2022.
https://scholar.harvard.edu/caioestevesd...
, p.53), ao apresentar sua edição de poemas inéditos atribuídos a Alvarenga Peixoto, diz que “esse ineditismo advém de nossa ignorância sobre os poemas que circulavam no século XVIII luso-brasileiro, e não de uma inovação absoluta de minhas pesquisas arquivísticas”; é com esse mesmo conceito de ineditismo que trabalhamos aqui.

O poema aqui editado está presente em um códice composto por textos de diversos gêneros, muitos deles anônimos, outros atribuídos aos mais diversos autores. Ele é antecedido por apenas dois poemas, sendo ambos apresentados como odes, uma “A ELREY Fidelíssimo no Restabelecimento da Arcádia Lusitana”, e outra sem didascália que a acompanhe, mas com incipit “Não o vil interesse de Ouro, ou Prata”, sem atribuição de autoria no manuscrito, mas que pertence ao corpus poético de Basílio da Gama. As duas odes juntas totalizam cerca de dez páginas. Após o poema de Caldas, seguem-se quatro odes a membros da aristocracia, uma sátira, e uma série de poemas dos mais diversos gêneros, sendo ao menos 43 deles atribuídos a Luís Antônio Verney6 6 Esses poemas foram editados por Francisco Topa em Poesia inédita de Luís António Vernei (Topa, 2001). (16 odes, 1 ode sáfica, 1 piscatória, 1 epitalâmio, 8 cantatas, 3 cantigas, 2 modas, 4 epístolas, 1 elegia, 1 endecha, 2 conjunto de quintilhas, 1 idílio, 5 églogas ditirâmbicas), e a maioria dos demais anônimos. O nosso poema se estende por três páginas do manuscrito e não apresenta grandes problemas de leitura.

Os critérios que adotamos para essa edição são bastante simples. Decidimos pela modernização da grafia das palavras, acompanhada pela manutenção de iniciais maiúsculas em substantivos e adjetivos, manutenção total da pontuação e indentação do manuscrito, desenvolvimento de abreviações e abreviaturas, e manutenção de elisões. Não realizamos qualquer tipo de correção de eventuais “erros” do manuscrito. Também indicamos a paginação no poema, adotando a primeira página em que o poema aparece como “p.1”, uma vez que o manuscrito não apresenta paginação. Os versos iniciais de cada estrofe vão numerados. Após a edição, apresentamos um breve comentário que ampare a sua recepção pelos leitores.

[p.1] No felicíssimo Dia dos Anos da Amável, e Excelente Senhora Dona Filipa Inácia etc. Versos. Caldas. Musa, tornemos a afinar a Lira, [01] Que jazia no chão destemperada, As áureas cordas fira, A mão, que foi a elas costumada: Novo canto se estude, Digno de honrar a sólida Virtude. Não aremos o Mar, co’as curvas Quilhas, [07] Para irmos topar co’a foz do Ganges: A alheias Praias, a desertas Ilhas, Arcos não vamos ver, Lanças, e Alfanges; Nem redondo, mortífero Pelouro, Que o Etíope assusta, o Indo, o Mouro. Deixemos outros, dar Eterno Nome, [13] Ao que, as Terras estranhas, despovoa; Ou tendo de Ouro a insaciável fome, De País em País, rápido voa, E os pacíficos Povos perturbando, Férreos, duros Grilhões, lhe vai lançando. [p.2] Deixemos outros, a que é pouca a Terra, [19] Que ousados sobem, a não vistos ares, Vista que pasma, que confunde, e aterra, E faria outra Gente erguer-lhe Altares; Seja útil, não seja, Tenha assim, outro Nome, o que o deseja. Honremos, a que honra a Natureza, [25] Que sabe encher, cumprindo os seus deveres, Na dureza d’Alma, que é melhor Nobreza, Junta a outra se queres: Coração, que dos Heróis faz paralelo, De Esposas, e de Mães, digno Modelo. Injusta sorte, tu pudeste injusta, [31] Ousar vir perverter-lhe os faustos Dias! Ainda agora me assusta Ver, raivosas, famélicas Harpias, Que sobre a honrada casa revoavam, E que os prazeres seus despedaçavam. Mas tem, Filipa, um coração constante: [37] Cubramos7 7 No manuscrito, lemos “Cobra-mos”, o que poderia ser modernizado verossimilmente como cobramos ou cubramos. Pelo contexto, optamos por “cubramos”, entendendo que mais uma vez o poeta recorre à refutação como técnica na composição desse poema - técnica essa já utilizada vastamente nas quatro primeiras estrofes do poema. esta cena. O que ela guarda em si, era bastante, A dar assunto, a uma melhor camena, A tempestade, ou passa, ou se dissipa, E o Mundo louva, a impávida Filipa. [p.3] Não deixa o Céu, aos célebres Humanos, [43] Co’a Virtude sem prêmio: Ele a premeia: Vive Nestor, por ela longos Anos. Tanto, faz, que ainda um creia, Que o Céu, Santas Virtudes, premiando, Irá, a Digna Idade dilatando. Respeite, o Fado, aquele Nó ditoso, [49] Que a une, a um tal Consorte: Seja a Esposa feliz, feliz o Esposo, E que lhes pague, o que lhes deve a Sorte: Que uma união tão pura Tem um direito, a uma melhor Ventura. Seja-vos Parabéns, Filhas Amadas, [55] Este ditoso Dia: Mil vezes torne a ver-vos consoladas, Com esta justa causa de alegria; E a que um Nome quer ter, que não se gasta, Imite a Digna Mãe, isto lhe basta.

Breve comentário do poema e seu gênero

Propomos apresentar agora um breve comentário do poema sob a lente de seu gênero e de suas características, em confronto com outros poemas afins compostos também em sua época. Nossa análise, portanto, não se dedicará a discussões tocantes à métrica do poema no manuscrito, mas à exposição da prática do genetlíaco nas letras setecentistas luso-brasileiras.

A didascália que encabeça o poema - “No felicíssimo Dia dos Anos da Amável, e Excelente Senhora Dona Filipa Inácia etc.” - faz duas indicações. A primeira é da ocasião para a qual foi composto, ao apresentar-lhe o assunto e guiar o leitor interpretativamente.8 8 João Adolfo Hansen e Marcello Moreira expuseram uma interessante discussão filológica acerca da importância do aparato didascálico no direcionamento de leitura de poemas (Hansen; Moreira, 2013, p.233). A segunda é da espécie de discurso em que o poema é acomodado, ou seja, os aplausos dos anos daquela a quem o poema é endereçado, a Sr.ª D. Filipa Inácia. Essa espécie é a que, no período, era chamada de genetlíaco.

O genetlíaco - ou natalício, seu sinônimo - foi muito praticado ao longo dos séculos XVII e XVIII sobretudo em poesia (mas não somente), e configurava um discurso demonstrativo de circunstância, tal qual o epicédio, o panegírico, o epitalâmio, e, de certo modo, as relações poéticas.9 9 Francisco José Freire tratou do genetlíaco como um gênero e inseriu-o em um grupo que denomina de “silva”, no qual incluiu também o epitalâmio, o epicédio, a ação de graças, o panegírico, o poema votivo e o parenético. Para tal, utilizou-se da poética de Padre Donato (Freire, 1759, p.286); diferentemente, o Padre Antônio Pereira de Figueiredo incluiu-os todos no gênero panegírico (Figueiredo, 1759, p.27). O mais comum era ser utilizado como discurso de celebração apenas do nascimento do elogiado, como definem o padre Antônio Pereira de Figueiredo, religioso da Congregação do Oratório: “[...] [O Genetlíaco] é aquela [oração], que celebra o dia do nascimento de algum Príncipe, ou pessoa grande” (Figueiredo, 1759, p.28), e Francisco de Pina de Sá de Mello: “[O Genetlíaco] é Oração, com que se aplaude o nascimento de algum infante ilustre” (Mello, 1766, p.259). Contudo, no fim do século XVIII e no início do XIX percebe-se um maior uso do termo para celebrações de aniversário, como o poema que aqui editamos. Como preceitua Francisco José Freire (1759FREIRE, F. J. Arte Poetica, ou Regras da Verdadeira Poesia em geral, e de todas as suas espécies principaes, tratadas com juízo critico: composta por Francisco Joseph Freire, Ulyssipinense. Segunda Ediçaõ. Tomo II. Lisboa: Na Offic. Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, MDCCLIX [1759]., p.288), o Cândido Lusitano: “[...] havia dois modos de o fazer: o primeiro era no mesmo dia do nascimento, e o segundo era renovando todos os anos como Aniversário à memória dele, a que nós chamamos parabéns por ocasião de anos”.10 10 Em verdade, o genetlíaco já fora definido por Menandro (1981, p.158), retor frígio que viveu durante o século IV d.C, no segundo tratado de Perì epideiktikón [Sobre o discurso demonstrativo] como um discurso de aniversário. No entanto, é difícil precisar a circulação do texto de Menandro ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, mas é quase certo que seus preceitos foram transmitidos em convenções poéticas por meio da prática da imitação, ou absorvidos em outros tratados retóricos mais difundidos. No caso da poesia, os genetlíacos já eram encontrados sobretudo em elegia romana, e exemplos estão em Propércio (3.10), Tibulo (1.7), Ovídio (Tri. 3.13, 5.5), e Estácio (Silv. 2.7). Sobre a circulação dos dois tratados de Menandro, cf. Zuccaro (2019, p.202, n. 210).

Enquanto gênero poético, o genetlíaco não previa, por sua vez, uma espécie métrica, diferentemente do poema heroico em relação às oitavas, por exemplo, ou o soneto e seus 14 versos. Há genetlíacos de variadas formas. O poema que editamos é uma ode; no volume quarto da mesma coleção manuscrita há uma série de genetlíacos atribuídos a Antônio Diniz da Cruz e Silva compilados no mesmo cancioneiro, todos sonetos; mas há ainda poemas em oitavas heroicas, como o “Genetlíaco ou Natalício augurado da Senhora Dona Maria do Carmo, e Noronha [...]” de 1741, composto por Manuel Rodrigues Correia de Lacerda, ou “No dia Natalício da Ilustríssima, e Excelentíssima Senhora Dona Maria Magdalena Leite de Sousa Oliveira e Castro [...]”, de 1806, por Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos; e no Almanak das Musas - em que abundam, como se verá - há natalícios de insólitas formas, como ditirambos, quintilhas, e cantatas, mas também sonetos e oitavas.

Há de se iniciar um genetlíaco descrevendo o bom tempo que recebe aquele que completa os anos, prometendo augúrios (Mello, 1766MELLO, F. de P. de S. e de. Theatro da Eloquencia; ou Arte de Rhetorica [...]. Lisboa: Na Officina de Francisco Borges de Sousa, MDCCLXVI [1766]., p.259), a fim de amplificar o discurso por meio da evidência, a qual é ajustada à natureza efêmera do discurso natalício11 11 A descrição de tempos, também encontrada sob a sua forma latina temporum descritio, é recurso elocutivo para muitos dos poemas que Melo chama de panegíricos, e que Freire chama de silvas. Cf. Zuccaro (2019, p.121-3). - e a riqueza de elementos varia de acordo com o gênero métrico. Contudo, como se percebe, não é isso que encontramos no exórdio do poema que editamos. A indicação do bom tempo é adiada, e encontramo-la nas estrofes 6ª e 7ª. Mesmo assim, parece que o dia dos anos da Sr.ª D. Filipa Inácia é qualificado como infausto, tempestivo, horrendo, cujo indício no poema está na metáfora das famintas Harpias. No entanto, ao fim, “A tempestade, ou passa, ou se dissipa, / E o Mundo Louva, a impávida Filipa”. Esse modo de descrever o dia, como vimos, não é como instruem os tratados retóricos-poéticos; mesmo assim, não é incomum encontrar o mesmo procedimento em outros genetlíacos. Um exemplo disso encontramos em um soneto impresso no Tomo II do Almanak das Musas (AM), assinado por Alcino Lisbonense, pseudônimo do poeta Joaquim Severino Ferraz de Campos, em que vemos um teatro bélico entre a Inveja, que escurece o dia, e a Fama do elogiado, batalha que se resolve com a intervenção de Jove com um raio que faz o céu se abrir,12 12 Também no Almanak das Musas, algo semelhante consta numa ode alcaica de Francisco Joaquim Bingre, assinado como Francélio Vouguense (AM, III, p.70-73). finalizando com “Respeite o Mundo o dia almo, e brilhante” (AM, II, p.1).13 13 Usaremos esta abreviação para indicarmos os locais do Almanak das Musas, informando o tomo e a(s) página(s), como já fizemos na nota acima. O poeta presenteia a quem faz anos seu poema, o qual carrega consigo os votos de renovação. Logo, o poema aos anos da Sr.ª D. Filipa Inácia, embora traga um aparente desvio da regra, é autorizável pela convenção poética do período.

O poema, portanto, segue outro caminho dispositivo. Prefere principiar exortando sua musa a resgatar uma lira desafinada deixada à parte. Imagem semelhante é encontrada em outro poema, também de possível atribuição a Caldas,14 14 Sawaya (2015, p.114, n.259) crê ser de Caldas Barbosa devido ao nome “Lereno” presente no sétimo verso. Quanto à figura elogiada, vale informar que, de todos os genetlíacos presentes nos quatro tomos do Almanak das Musas, 6 são endereçados a ele, sendo a quem mais poemas foram dedicados. presente no primeiro tomo do Almanak das Musas (AM, I. p.140-142); é o genetlíaco cuja didascália informa “Ao Ilustríssimo E Excelentíssimo Senhor Dom Antônio Maria de Castelo Branco Correia e Cunha, Primogênito dos Ilustríssimos, e Excelentíssimos Senhores Condes de Pombeiro”, e que principia: “Deixa que a Lira / Nas mãos eu tome” (vv. 1-2). Embora apareçam em disposições diferentes, encontramos outras imagens em comum entre os dois textos. O poema presente no Almanak das Musas é encerrado pelos seguintes versos: “O Céu vigie / Na tua idade, / E esta verdade / Verás chegar [...]” (vv. 57-60); tal imagem ecoa os versos que encabeçam a 3ª página do poema que editamos: “Não deixa o Céu, aos célebres Humanos, / Co’a Virtude sem prêmio: ele premeia: / Vive Nestor, por ela longos Anos. / Tanto, faz, que ainda um creia, / Que o Céu, Santas Virtudes, premiando, / Irá, a Digna Idade dilatando”. Se, de um lado, os primeiros versos são destinados a um menino, que, devido à ainda curta existência, há de aguardar a glória evocada pela imagem do “Céu”, a Sr.ª D. Filipa Inácia, por suas virtudes, já a tem, engrandecendo de acordo com a idade que avança. Daí a figura do velho Nestor, cuja glória é a sabedoria que a idade lhe proporciona. Temos, até agora, uma grande diferença entre os dois poemas condicionada aos destinatários, que é a idade de cada um (cf. Freire, 1759FREIRE, F. J. Arte Poetica, ou Regras da Verdadeira Poesia em geral, e de todas as suas espécies principaes, tratadas com juízo critico: composta por Francisco Joseph Freire, Ulyssipinense. Segunda Ediçaõ. Tomo II. Lisboa: Na Offic. Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, MDCCLIX [1759]., p.289).

Outro conceito compartilhado por ambos os poemas é o da dignidade como modelo hereditário. Ao menino D. Antônio Maria, o poeta aconselha: “Se um nome queres / Digno de Glória, E que a Memória / O haja de honrar: / Tens os modelos, / Não busques mais / Os dignos Pais / Te hão de guiar” (vv. 9-16); na peroração do poema aos anos da Sr.ª D. Filipa temos “E a que um Nome quer ter, que não se gasta, / Imite a Digna Mãe, isto lhe basta”. É extremamente comum, em genetlíacos a meninos e meninas, apontamento do exemplo moral na própria família, seja imediatamente nos pais, mas também, por se tratar de discursos quase exclusivamente aristocráticos, em toda a linhagem familiar que se acumula no nome do elogiado.15 15 Sobre isso, dizem Francisco José Freire (1759, p.289): “[...] para que lhe comunique os seus atributos, de modo, que na maior idade praticando as virtudes dos seus ascendentes, seja glória da sua pátria”; e Francisco de Pina de Sá e de Mello (1766, p.259): “se disporá o elogio dos Genitores, trazendo alguns motivos, para se vaticinar a felicidade do infante”. A diferença entre os dois poemas, no entanto, é exatamente o endereçamento: a fim de elogiar a Sr.ª D. Filipa, o poeta desvia o olhar a suas filhas (“Filhas Amadas”), e aponta-lhes a mãe como modelo a ser seguido. Há uma mudança de destinatário, reelaborando o topos a fim de acomodar-se ao objeto do elogio.16 16 No Almanak das Musas (AM, I, p.110-114) há um poema em louvor ao primeiro ano de vida de D. Antônio Maria, mas que é endereçado à sua mãe, expediente análogo ao operado na peroração do genetlíaco à Sr.ª D. Filipa Inácia.

No fim do século XVIII, com a persistência da instituição retórica, grande parte da poesia, especialmente aquela cujo fim é o louvor, ainda era regrada pelos preceitos e convenções de composição que estabeleciam a relação entre invenção, disposição e elocução retóricas e o gênero praticado, o que chamamos de “decoro”. No entanto, não só o gênero havia de ser considerado pelo poeta na invenção de seu discurso, mas também a adaptação do discurso em relação ao seu objeto. Isso seria, portanto, a verossimilhança. Francisco José Freire bem adverte: “Em que o Poeta deve ter grande cuidado, é em ter sempre diante dos olhos a condição do menino, que lhe serve de argumento, de modo que não venha a ser impróprio, e inverossímil o que fingir” (ibidem).

A partir da segunda estrofe, até a quarta, é introduzida uma série de recusationes. Cada uma das estrofes se inicia respectivamente nesta sequência: “Não aremos o Mar [...]”, “Deixemos outros [...]”, e mais uma vez “Deixemos outros [...]”. As matérias recusadas são as empresas heroicas, como as navegações, os confrontos com os gentios, a conquista de terras etc. A recusatio, aqui, se justifica não pelo decoro do gênero, mas sim pela verossimilhança. Convencionalmente, um genetlíaco, como toda a composição de louvor, deve ressaltar os atributos daquele que é elogiado e, quando jovem, deve exaltar o aniversariante para as boas práticas que se esperam dele. Por exemplo, a um príncipe convém que seja conduzido à educação que o espera, para que aja com prudência e justiça de acordo com o que preceituam os specula principium;17 17 Para uma discussão mais completa sobre a educação de príncipes, cf. Hansen (2019, p.123-52). se, por outro lado, o aniversariante vier a ser um militar, encontraremos no discurso muitos elementos da ética apropriada a seu cargo, sendo operadas imagens de guerra e navegações evidenciadas pelo uso metafórico dos deuses Marte, Belona, e Netuno. É o que ocorre em outro poema do Almanak das Musas, mais uma vez dedicado ao filho dos Condes de Pombeiro, Sr. D. Antônio, desta vez assinado pelo próprio Caldas Barbosa (AM, II, p.115-122), no qual é operado o topos da espada e da pena - como consta na própria didascália - e, portanto, acedemos a diversas imagens marciais.

Para arrematar, Francisco José Freire (1759FREIRE, F. J. Arte Poetica, ou Regras da Verdadeira Poesia em geral, e de todas as suas espécies principaes, tratadas com juízo critico: composta por Francisco Joseph Freire, Ulyssipinense. Segunda Ediçaõ. Tomo II. Lisboa: Na Offic. Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, MDCCLIX [1759]., p.289) preceitua:

Se este Poema for feito como Aniversário, entraremos a louvar as virtudes, que brilham naquela idade, que conta a tal pessoa, que nos serve de assunto; e depois passaremos a acender-lhe o ânimo (se o sofrerem os anos) para que se faça memorável, praticando, ou dispondo-se a poder executar ações gloriosas.

Não sabemos quem era a Sr.ª D. Filipa Inácia.18 18 Até o momento, não conseguimos rastrear quem poderia ser D. Filipa Inácia a partir das investigações genealógicas que empreendemos. Parece não pertencer à família dos Vasconcelos e Sousa nem ser sua agregada. Porém sabemos que era nobre, como indica o apelativo “Senhora Dona”, mãe e casada. Logo, as recusationes são apropriadas à sua condição. Evidenciam-no os versos da 5ª estrofe: “Coração, que dos Heróis faz paralelo, / De esposas, e de Mães, digno Modelo”;19 19 Há um exemplo disso em um poema do próprio Caldas Barbosa, dedicado à D. Maria Rita Castelo Branco Correia, cujo incipit é “Enfeitam Graças a formosa trança”. No verso nono deste soneto encontramos: “Aos Pais, ao Esposo, à Prole, aos servos dada”. Cf. Sawaya (2015, p.82). como já vimos, tal conceito é arrematado na peroração, quando a mensagem é expedida às suas filhas.

Desse modo, temos diante de nós mais um poema atribuído a Caldas Barbosa que demonstra a sua faceta menos estudada: a da poesia erudita, claramente imitando os antigos, e que segue preceitos e convenções, mas ajustando-os de acordo com o conveniente; ou seja, como diz Luiza Sawaya, “desempenhando o papel de contraponto da Viola de Lereno” (Sawaya, 2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.40). É um poema que, em suma, considerando a atribuição de autoria indicada pelo copista no códice que consultamos, bem que poderia ter estado entre outros no Almanak das Musas,20 20 A ausência talvez seja explicada pelo fato de a Sr.ª D. Filipa Inácia supostamente não ter tido nenhuma relação familiar ou social com os Condes de Pombeiro, os grandes beneficiários do Almanak das Musas. e passa agora a figurar como parte do espólio da poesia atribuída a Domingos Caldas Barbosa.

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  • [VERNEY, L. A.]. Verdadeiro Metodo de Estudar, Para Ser Util à Republica, e à Igreja: Proporcionado ao Estilo, e Necesidade de Portugal. Exposto em Varias Cartas, Escritas polo r.p.*** Barbadinho da Congregasam de Italia, ao r.p.*** Doutor na Universidade de Coimbra. Valença: Oficina de Antonio Balle, 1746, 2t.
  • VERÍSSIMO, J. História da Literatura Brasileira: De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954.
  • _______. História da Literatura Brasileira: De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). 4.ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.
  • ZUCCARO, L. O discurso evidente: um estudo da descrição na obra impressa de Manuel Botelho de Oliveira. São Paulo, 2019. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-26112019-110507/pt-br.php>. Acesso em: 24 jul. 2022.
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Notas

  • 1
    Os poemas atribuídos a Caldas Barbosa nessa coletânea foram reunidos por Luiza Sawaya (2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015.), em Domingos Caldas Barbosa: Herdeiro de Horácio.
  • 2
    O poeta árcade Francisco Joaquim Bingre, em uma de suas cartas, diz sobre a Nova Arcádia: “fazendo as primeiras sessões em casas particulares; e algumas no palácio do conde de Pombeiro no quarto do Caldas, chamadas Quartas-feiras de Lereno, onde depois de um bello almoço se tocavam alguns instrumentos de curiosos e improvisava o Caldas cantando”. A carta foi editada por Vanda Anastácio, e a citamos aqui a partir de Sawaya (2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.28).
  • 3
    Cumpre notar que, durante o século XX, a voz que mais claramente se opôs a esse juízo negativo parece ter sido a de Manuel Bandeira que, em sua Apresentação da Poesia Brasileira, diz: “Esses e outros exemplos da poesia simples, de expressão correta e elegante, que se podem colher na Viola de Lereno, mostram a injustiça de José Veríssimo ao se ocupar de Caldas em sua História da Literatura Brasileira”. Para uma visão mais ampla da recepção da poesia de Caldas Barbosa no século XX (cf. Veiga; Ricciardi, 2020VEIGA, P. E. de B.; RICCIARDI, R. R. A poética de Domingos Caldas Barbosa e a historiografia da crítica: reflexões sobre o cânone literário do Brasil Colônia. In: XXXV ENCONTRO NACIONAL ANPOLL. 2020, Anais..., 2020, v.35. p.569-78.).
  • 4
    Todos as traduções citadas são nossas, a menos que explicitamente indicada outra autoria. No original: “Except for a few scholars who are beginning to reevaluate the writings of this eighteenth-century Brazilian poet, many of those who have written about Caldas Barbosa have not portrayed him in a very positive light” (Costigan, 2007COSTIGAN, L. H. Domingos Caldas Barbosa (1740-1800): A precursor of Afro-Brazilian Literature. Research in African Literatures, v.38, n.1, p.172-80, Spring 2007., p.173).
  • 5
    Cota: rbm0811
  • 6
    Esses poemas foram editados por Francisco Topa em Poesia inédita de Luís António Vernei (Topa, 2001TOPA, F. Poesia inédita de Luís António Vernei. Porto: Edição do Autor, 2001.).
  • 7
    No manuscrito, lemos “Cobra-mos”, o que poderia ser modernizado verossimilmente como cobramos ou cubramos. Pelo contexto, optamos por “cubramos”, entendendo que mais uma vez o poeta recorre à refutação como técnica na composição desse poema - técnica essa já utilizada vastamente nas quatro primeiras estrofes do poema.
  • 8
    João Adolfo Hansen e Marcello Moreira expuseram uma interessante discussão filológica acerca da importância do aparato didascálico no direcionamento de leitura de poemas (Hansen; Moreira, 2013, p.233).
  • 9
    Francisco José Freire tratou do genetlíaco como um gênero e inseriu-o em um grupo que denomina de “silva”, no qual incluiu também o epitalâmio, o epicédio, a ação de graças, o panegírico, o poema votivo e o parenético. Para tal, utilizou-se da poética de Padre Donato (Freire, 1759, p.286); diferentemente, o Padre Antônio Pereira de Figueiredo incluiu-os todos no gênero panegírico (Figueiredo, 1759FIGUEIREDO, A. P. de. Elementos de Invençam e Locuçam Retorica, ou Principios da Eloquencia [...]. Lisboa: Na Officina Patriaercal de Francisco Luiz Ameno, MDCCLIX [1759]., p.27).
  • 10
    Em verdade, o genetlíaco já fora definido por Menandro (1981, p.158), retor frígio que viveu durante o século IV d.C, no segundo tratado de Perì epideiktikón [Sobre o discurso demonstrativo] como um discurso de aniversário. No entanto, é difícil precisar a circulação do texto de Menandro ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, mas é quase certo que seus preceitos foram transmitidos em convenções poéticas por meio da prática da imitação, ou absorvidos em outros tratados retóricos mais difundidos. No caso da poesia, os genetlíacos já eram encontrados sobretudo em elegia romana, e exemplos estão em Propércio (3.10), Tibulo (1.7), Ovídio (Tri. 3.13, 5.5), e Estácio (Silv. 2.7). Sobre a circulação dos dois tratados de Menandro, cf. Zuccaro (2019ZUCCARO, L. O discurso evidente: um estudo da descrição na obra impressa de Manuel Botelho de Oliveira. São Paulo, 2019. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-26112019-110507/pt-br.php>. Acesso em: 24 jul. 2022.
    https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
    , p.202, n. 210).
  • 11
    A descrição de tempos, também encontrada sob a sua forma latina temporum descritio, é recurso elocutivo para muitos dos poemas que Melo chama de panegíricos, e que Freire chama de silvas. Cf. Zuccaro (2019ZUCCARO, L. O discurso evidente: um estudo da descrição na obra impressa de Manuel Botelho de Oliveira. São Paulo, 2019. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-26112019-110507/pt-br.php>. Acesso em: 24 jul. 2022.
    https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
    , p.121-3).
  • 12
    Também no Almanak das Musas, algo semelhante consta numa ode alcaica de Francisco Joaquim Bingre, assinado como Francélio Vouguense (AM, III, p.70-73).
  • 13
    Usaremos esta abreviação para indicarmos os locais do Almanak das Musas, informando o tomo e a(s) página(s), como já fizemos na nota acima.
  • 14
    Sawaya (2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.114, n.259) crê ser de Caldas Barbosa devido ao nome “Lereno” presente no sétimo verso. Quanto à figura elogiada, vale informar que, de todos os genetlíacos presentes nos quatro tomos do Almanak das Musas, 6 são endereçados a ele, sendo a quem mais poemas foram dedicados.
  • 15
    Sobre isso, dizem Francisco José Freire (1759FREIRE, F. J. Arte Poetica, ou Regras da Verdadeira Poesia em geral, e de todas as suas espécies principaes, tratadas com juízo critico: composta por Francisco Joseph Freire, Ulyssipinense. Segunda Ediçaõ. Tomo II. Lisboa: Na Offic. Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, MDCCLIX [1759]., p.289): “[...] para que lhe comunique os seus atributos, de modo, que na maior idade praticando as virtudes dos seus ascendentes, seja glória da sua pátria”; e Francisco de Pina de Sá e de Mello (1766MELLO, F. de P. de S. e de. Theatro da Eloquencia; ou Arte de Rhetorica [...]. Lisboa: Na Officina de Francisco Borges de Sousa, MDCCLXVI [1766]., p.259): “se disporá o elogio dos Genitores, trazendo alguns motivos, para se vaticinar a felicidade do infante”.
  • 16
    No Almanak das Musas (AM, I, p.110-114) há um poema em louvor ao primeiro ano de vida de D. Antônio Maria, mas que é endereçado à sua mãe, expediente análogo ao operado na peroração do genetlíaco à Sr.ª D. Filipa Inácia.
  • 17
    Para uma discussão mais completa sobre a educação de príncipes, cf. Hansen (2019HANSEN, J. A. Agudezas seiscentistas e outros ensaios. Org. de Cilaine Alves Cunha e Mayra Laudanna. São Paulo: Edusp, 2019., p.123-52).
  • 18
    Até o momento, não conseguimos rastrear quem poderia ser D. Filipa Inácia a partir das investigações genealógicas que empreendemos. Parece não pertencer à família dos Vasconcelos e Sousa nem ser sua agregada.
  • 19
    Há um exemplo disso em um poema do próprio Caldas Barbosa, dedicado à D. Maria Rita Castelo Branco Correia, cujo incipit é “Enfeitam Graças a formosa trança”. No verso nono deste soneto encontramos: “Aos Pais, ao Esposo, à Prole, aos servos dada”. Cf. Sawaya (2015_______. Domingos Caldas Barbosa Herdeiro de Horácio: Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico. Lisboa: Esfera do Caos, 2015., p.82).
  • 20
    A ausência talvez seja explicada pelo fato de a Sr.ª D. Filipa Inácia supostamente não ter tido nenhuma relação familiar ou social com os Condes de Pombeiro, os grandes beneficiários do Almanak das Musas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2022
  • Aceito
    11 Ago 2022
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