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O ato infracional como expressão da vulnerabilidade social no atendimento da justiça restaurativa

Practices of Offensive Conduct as an Expression of Social Vulnerability in the Care of Restorative Justice

RESUMO

Este artigo investiga a justiça restaurativa no atendimento ao adolescente autor de ato infracional em contexto de vulnerabilidade social. Realizamos entrevistas semiestruturadas com adolescentes, familiares, facilitadores e membros da rede de proteção social de quatro cidades do Brasil: Caxias do Sul-RS, Ponta Grossa-PR, Belém-PA e Santarém-PA. Os depoimentos dos participantes foram correlacionados com dados quantitativos secundários disponíveis em bases de dados. Concluímos que o enfrentamento das condições de vulnerabilidade social por meio da articulação intersetorial é uma necessidade no atendimento da justiça juvenil restaurativa.

Palavras-chave:
ato infracional; vulnerabilidade social; justiça restaurativa; intersetorialidade; socioeducação

ABSTRACT

Practices of Offensive Conduct as an Expression of Social Vulnerability in the Care of Restorative Justice investigates restorative justice in the care of adolescents who committed an infraction from a context of social vulnerability. We conducted semi-structured interviews with teenagers, family members, facilitators, and members of the social protection network of four Brazilian cities: Caxias do Sul-RS, Ponta Grossa-PR, Belém-PA, and Santarém-PA. The participants testimonies were correlated with secondary quantitative data available in databases. We conclude that tackling the conditions of social vulnerability through intersectoral articulation is a necessity in restorative juvenile justice.

Keywords:
offensive conduct; social vulnerability; restorative justice; intersectoriality; socioeducation

Introdução

A justiça restaurativa na socioeducação foi prevista na lei no 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e deu prioridade às práticas restaurativas, a fim de responsabilizar o adolescente e atender às necessidades das vítimas (BRASIL, 2012, art. 35, inciso III).

Segundo Braithwaite (2002BRAITHWAITE, John. Restorative Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford, University Press, 2002.), a definição mais aceita de justiça restaurativa é a de Tony Marshall, que a entende como um processo em que todos os envolvidos em uma ofensa se unem para resolver, juntos, como lidarão com as consequências trazidas pela ofensa e suas implicações para o futuro. Morris (2005MORRIS, Alisson. “Criticando os críticos: Uma breve resposta aos críticos da justiça restaurativa”. In: SLAKMON, Catherine; DE VITTO, Renato Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (orgs). Justiça restaurativa. Brasília, DF: Ministério da Justiça/PNUD, 2005, pp. 439-472.) defende que a essência da justiça restaurativa converge para “a adoção de qualquer forma que reflita seus valores restaurativos e que almeje atingir os processos, os resultados e os objetivos restaurativos” (pp. 442-443). Para a autora, o grande objetivo do processo restaurativo é promover o empoderamento de vítimas e ofensores, permitindo que se sintam incluídos e satisfeitos com a sua participação, independentemente da reparação do dano. O encontro tem a potencialidade de promover, como resultado, responsabilização dos ofensores e, por sua vez, reparação à vítima; porém, seu resultado é uma consequência sobre a qual não se tem controle. No entendimento de Morris (Ibid.), a reparação do dano é um objetivo a ser alcançado, mas ela não está no controle dos facilitadores do processo, pois depende da deliberação entre os envolvidos. No Brasil, a metodologia predominante utilizada para o encontro entre todos os envolvidos em uma ofensa é o “círculo de construção de paz”, tendo como principal referência a americana Kay Pranis.

Por mais que a proposta da justiça restaurativa esteja voltada para o protagonismo dos sujeitos, trazendo uma nova possibilidade de enfrentamento dos conflitos, ela se vê diante, muitas vezes, de indivíduos e famílias cujos vínculos familiares, comunitários e sociais encontram-se fragilizados. Essa é uma particularidade observada em nossa pesquisa, que objetivou investigar a justiça restaurativa no atendimento ao adolescente autor de ato infracional em contexto de vulnerabilidade social no Brasil. Desse modo, para que o adolescente e sua família consigam dar continuidade aos comprometimentos assumidos por ocasião do encontro restaurativo, tais fragilizações precisam ser enfrentadas, por meio da articulação com as redes de atendimento das demais políticas públicas de segurança, saúde, educação e, em especial, assistência social. Entretanto, embora existam mecanismos formais de proteção aos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias, e toda uma construção de marcos legais para a proteção social, a articulação desses órgãos é um desafio para todos que trabalham na execução das políticas públicas.

A resolução no 113/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) dispõe sobre o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, que consiste na articulação e integração de instituições e instâncias do poder público para a aplicação de mecanismos de promoção, defesa e controle visando à efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, como apoio para que as normativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se efetivem. E, para que os direitos sejam garantidos de forma permanente e articulada, todas as instâncias responsáveis pelo atendimento socioeducativo (família, sociedade civil e governos) devem estar em sintonia, atuando de forma harmônica e cientes de seu papel e responsabilidade.

Levando em consideração esse cenário de vulnerabilidades e desigualdades, nos questionamos sobre a potencialidade da justiça restaurativa no enfrentamento das condições de vulnerabilidade, promovendo o acesso do adolescente autor de ato infracional e de sua família ao Sistema de Garantia de Direitos. Compreendemos a vulnerabilidade como tendo diferentes dimensões, entretanto, considerando a realidade política e econômica brasileira, nos concentramos neste artigo na vulnerabilidade social. Por esta, compreendemos todas as situações - principalmente processos de exclusão social, ausência ou pouca provisão de serviços públicos, concentração de renda e desigualdade social - que fragilizam indivíduos e famílias e impactam negativamente as possibilidades de enfrentamento das adversidades.

Este artigo é parte de uma pesquisa que investigou a justiça juvenil restaurativa e a articulação com a rede de proteção social no atendimento ao adolescente em contexto de vulnerabilidade social no Brasil. Com o objetivo de contribuir para o entendimento acerca da vulnerabilidade social presente no ato infracional, e, também, subsidiar as intervenções da justiça restaurativa na articulação com a rede de proteção social, apresentamos uma revisão bibliográfica sobre a vulnerabilidade social de forma articulada com os depoimentos dos participantes da pesquisa.

A pesquisa contou com entrevistas realizadas em quatro cidades: Caxias do Sul-RS, Ponta Grossa-PR, Belém-PA (incluindo o distrito de Icoaraci) e Santarém-PA. Os participantes da pesquisa foram: 1) coordenadores/informantes/facilitadores de círculos de construção de paz no atendimento à justiça juvenil restaurativa; 2) adolescentes e familiares; e 3) membros da rede de proteção social. Ao todo, foram realizadas 39 entrevistas semiestruturadas, porém neste artigo contamos com o depoimento de dez participantes - seus nomes foram aleatoriamente substituídos, a fim de preservar o anonimato dos entrevistados. Além disso, a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)1 1 Protocolo no protocolo CAAE 85406918.7.0000.0105 . Com isso, objetivamos visibilizar as histórias de vulnerabilidade dos adolescentes e suas famílias à luz do conhecimento teórico construído sobre vulnerabilidade social.

Em consonância com o método escolhido, utilizamos a triangulação para acessar a essência do fenômeno pesquisado. Segundo Minayo (2005MINAYO, Maria Cecília de Souza. “Introdução”. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; ASSIS, Simone Gonçalves; SOUZA, Edinilsa Ramos (orgs). Avaliação por triangulação de métodos: Abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, pp. 19-51.), ela assume uma postura dialética de superação da dicotomia entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa: “A postura dialética leva a compreender que dados subjetivos (significados, intencionalidade, interação, participação) e dados objetivos (...) são inseparáveis e interdependentes” (p. 32). Prates (2012PRATES, Jane Cruz. “O método marxiano de investigação e o enfoque misto na pesquisa social: Uma relação necessária”. Textos & Contextos, Porto Alegre, vol. 11, n. 1, pp. 116-128, 2012.) defende que o real se expressa e é formado por aspectos objetivos e subjetivos, particulares e universais, que estão em uma relação de complementaridade.

Dessa forma, a pesquisa contemplou informações qualitativas, promovidas pelas entrevistas com questões abertas, e dados quantitativos secundários, obtidos por meio da pesquisa em três principais bases de dados: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil; e Relatório de Informações Sociais do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Os dados quantitativos foram utilizados para contextualizar informações sobre índices de bem-estar e vulnerabilidade nas cidades em que a pesquisa foi realizada, incluídos em nossa análise. Além disso, os documentos obtidos junto aos locais de pesquisa, em especial os planos municipais de atendimento socioeducativo, contribuíram com informações relevantes para a compreensão das condições de vulnerabilidade presentes na vida de adolescentes autores de ato infracional.

Justiça restaurativa e socioeducação no Brasil

Segundo Braithwaite (2002BRAITHWAITE, John. Restorative Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford, University Press, 2002.), a maioria dos defensores da justiça restaurativa chegou até ela por meio da infração juvenil. Entretanto, é importante reconhecer que as justificativas para esse florescimento da justiça restaurativa no sistema de responsabilização juvenil podem variar conforme o contexto. Johnstone (2002JOHNSTONE, Gerry. Restorative Justice: Ideas, Values, Debates. Devon: Willan Publishing, 2002.) pontua que o desenvolvimento ampliado da justiça restaurativa na justiça juvenil se deve ao fato de que historicamente a resposta do Estado à infração juvenil foi diferenciada da resposta ao crime cometido por adultos. Isso porque no atendimento ao adolescente está embutida a lógica do bem-estar, ou seja, o objetivo da responsabilização juvenil não é apenas a punição, mas também o cuidado. Em consonância com o autor, Walgrave (2009WALGRAVE, Lode. Advancing Restorative Justice as the Ground for Youth Justice. Speech at the First World Congress on Restorative Justice, Peru, 2009. Disponível em: https://www.unicef.org/tdad/2lodewalgrave.pdf
https://www.unicef.org/tdad/2lodewalgrav...
) lembra que em praticamente todo o mundo a justiça juvenil direcionou suas preocupações, principalmente, à reabilitação e ao tratamento do ofensor, excluindo, muitas vezes, o castigo ou a punição pela infração cometida. Esse pensamento é corroborado pelas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude (Regras de Beijing, 1985), que apresentam como princípio geral a promoção do bem-estar da criança, do adolescente e de sua família (ONU, 1985).

Apesar de reconhecer a existência da lógica do bem-estar no atendimento do adolescente autor de ato infracional, que é o que diferencia a justiça juvenil da justiça criminal, Johnstone (2002JOHNSTONE, Gerry. Restorative Justice: Ideas, Values, Debates. Devon: Willan Publishing, 2002.) aponta que a distância entre os dois sistemas é cada vez menor, graças aos avanços neoliberais e aos apelos punitivos como resposta aos crescentes índices de violência que sustentam a estratégia perversa de criminalização da pobreza. Tem sido cada vez mais forte a pressão orientada para a ofensa e as responsabilidades do ofensor juvenil, em vez de para suas necessidades de proteção, tratamento e cuidado (WALGRAVE, 2009WALGRAVE, Lode. Advancing Restorative Justice as the Ground for Youth Justice. Speech at the First World Congress on Restorative Justice, Peru, 2009. Disponível em: https://www.unicef.org/tdad/2lodewalgrave.pdf
https://www.unicef.org/tdad/2lodewalgrav...
). Nesse cenário, a justiça restaurativa foi uma saída atraente e necessária, por permitir responder às exigências de responsabilizar os adolescentes e, ao mesmo tempo, manter a lógica do bem-estar e da proteção a esse público (JOHNSTONE, 2002JOHNSTONE, Gerry. Restorative Justice: Ideas, Values, Debates. Devon: Willan Publishing, 2002.).

Atenta ao crescimento das práticas restaurativas no mundo e à sua proximidade com a justiça juvenil, a resolução no 30 do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) da ONU recomendou, em 1997, as “Diretrizes para a ação sobre crianças2 2 Importante esclarecer que, para a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), “criança é todo o ser humano menor de 18 anos” (art. 1o). no sistema de justiça penal”, propondo como meta aos Estados-membros a ampliação de medidas alternativas “aos sistemas de justiça penal clássicos a fim de evitar o recurso ao sistema de justiça penal no caso de jovens acusados de um delito” (ONU, 1997, art. 15). Tais medidas alternativas deveriam abarcar “mecanismos para a resolução informal de litígios nos casos que envolvem crianças delinquentes, incluindo mediação e práticas de justiça restitutiva, particularmente nos processos que envolvem vítimas” (Idem).

Com um lapso temporal de mais de uma década, em 2009 foi realizado o I Congresso Mundial de Justiça Juvenil Restaurativa, em Lima, no Peru. O evento resultou na Declaração de Lima sobre Justiça Juvenil Restaurativa, que buscou conceituar a justiça juvenil restaurativa a partir do que fora preconizado pelo resolução no 12/2002 da ONU e recomendou aos Estados ações para o seu desenvolvimento e fortalecimento. Para a Declaração de Lima (2009), a justiça juvenil restaurativa é:

uma maneira de tratar com (crianças e) adolescentes em conflito com a lei e cuja finalidade é reparar o dano individual, social e nas relações causadas pelo delito cometido. Este objetivo requer um processo de participação conjunta no qual o agressor juvenil, a vítima e, conforme o caso, outros indivíduos e membros da comunidade, participem juntos ativamente para resolver os problemas que se originam do delito. Não existe um só modelo para a prática do enfoque da justiça restaurativa. (...) O resultado deste processo inclui respostas e programas tais como a reparação, restituição e o serviço comunitário, orientados a satisfazer as necessidades individuais e coletivas e as responsabilidades das partes e a conseguir a reintegração da vítima e o agressor.

No ano seguinte, em 2010, foi realizado no Brasil o I Seminário Brasileiro de Justiça Juvenil Restaurativa, em São Luís, no Maranhão, organizado pelo Instituto Terre des hommes (TDH) - Lausanne e por organizações da Rede Maranhense de Justiça Juvenil. Ao final do evento, foi redigida a Carta de São Luís sobre justiça juvenil restaurativa, que reconheceu a justiça juvenil restaurativa como um paradigma em construção no contexto brasileiro e direcionou o conteúdo de seus artigos para o fomento de estudos e pesquisas sobre os projetos com enfoque restaurativo no país e a realização de encontros e fóruns periódicos com o objetivo de trocar experiências sobre as práticas restaurativas na justiça juvenil.

Em reconhecimento à existência e às declarações e resoluções sobre essas práticas na justiça juvenil latino-americana e brasileira, a lei no 12.594/2012, que instituiu o Sinase, tornou prioritárias as práticas restaurativas para a resolução de conflitos envolvendo adolescentes autores de ato infracional (art. 35, inciso III). Enquanto o ECA incluiu, no art. 112, a “obrigação de reparar o dano” como uma medida socioeducativa (BRASIL, 1990), a lei do Sinase, no art. 35, trouxe como princípio orientador da execução da medida socioeducativa a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas” (Idem, 2012).

A resolução no 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sugeriu aos Tribunais de Justiça a criação de programas de justiça restaurativa, com representação de magistrados e de equipe técnico-científica, podendo também apoiar demais instituições que já estejam desempenhando projetos de justiça restaurativa (art. 5°). A mesma resolução sugeriu que a equipe de facilitadores pode ser composta de servidores do próprio quadro de funcionários, cedidos de instituições conveniadas, e voluntários, auxiliados por equipe técnica e de apoio interprofissional (art. 6°). Além disso, os capítulos V e VI da resolução enfatizaram a necessidade de o facilitador ser capacitado continuamente para o desempenho da função e admitiu a capacitação de facilitadores voluntários, sem formação técnica, oriundos da comunidade (CNJ, 2016). O direcionamento adotado por esses documentos leva a uma diversidade de locais em que a justiça juvenil restaurativa pode ser operacionalizada, sendo diversa também a origem dos facilitadores, suas formações e entendimentos (ou a ausência deles) sobre a socioeducação.

O ato infracional como expressão da vulnerabilidade social e os desafios à justiça restaurativa no brasil

Apesar de citar a vulnerabilidade e o risco, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004 não esclarece ou delimita o que entende por esses conceitos, cabendo-nos a tentativa de compreender, entre as tantas conceituações, seu significado e como eles podem auxiliar na explicação dos depoimentos apresentados nesta pesquisa. Santos, Roesch e Cruz (2014SANTOS, Najara Lourenço; ROESCH, Daniele; CRUZ, Lilian Rodrigues. “Vulnerabilidade e risco social: Produção de sentidos no campo socioassistencial”. Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, vol. 4, n. 1, pp. 119-127, 2014.) observaram que no documento Orientações técnicas sobre o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (2012), o conceito de vulnerabilidade e as suas relações com o risco é mais bem explanado. Nele, a vulnerabilidade é entendida como uma condição de pessoas e famílias que se relaciona à “inserção e estabilidade no mercado de trabalho, [à] debilidade de suas relações sociais e, por fim, [a]o grau de regularidade e de qualidade de acesso aos serviços públicos ou outras formas de proteção social” (SANTOS, ROESCH e CRUZ, 2014SANTOS, Najara Lourenço; ROESCH, Daniele; CRUZ, Lilian Rodrigues. “Vulnerabilidade e risco social: Produção de sentidos no campo socioassistencial”. Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, vol. 4, n. 1, pp. 119-127, 2014., pp. 122-123). Caso as situações de vulnerabilidade não forem prevenidas ou enfrentadas, elas podem se tornar situações de risco, uma forma agravada da vulnerabilidade, podendo ocasionar violações de direitos.

A vulnerabilidade social é, ainda, um conceito em construção, apresentando uma infinidade de concepções e enfoques (econômico, ambiental, saúde, direitos entre outros), o que impede uma compreensão única. Adorno (2001ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. Os jovens e sua vulnerabilidade social. São Paulo: AAPCS, 2001.) sintetiza o conceito ao relacioná-lo à oferta de oportunidades e às reais condições da população em acessá-las. Sant’Anna, Aerts e Lopes (2005), em seu trabalho sobre a suscetibilidade de jovens ao homicídio, propõem três componentes para o entendimento da vulnerabilidade: individual, social e institucional. O aspecto individual relaciona-se a comportamentos e atitudes adotadas por adolescentes, compreendendo esse período do desenvolvimento humano - que soma transformações biológicas e psíquicas traduzidas na busca por grupos que ofertem suporte emocional e pertencimento - como potencialmente vulnerável. O aspecto social contempla a estrutura da sociedade e as desvantagens intencionalmente escolhidas para determinados locais e suas populações, como a qualidade de determinadas escolas públicas em contextos de maior violência urbana. O aspecto institucional, por fim, contempla a capacidade de resposta dos serviços públicos/Estado às necessidades de indivíduos e grupos, geralmente limitada e desigual.

A intervenção das políticas públicas, portanto, é fundamental para a diminuição da vulnerabilidade social, por meio do fortalecimento dos indivíduos, para que eles possam “acessar bens e serviços, ampliando seu universo material e simbólico, além de suas condições de mobilidade social” (MONTEIRO, 2011MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. “O marco conceitual da vulnerabilidade social”. Sociedade em Debate, Pelotas, vol. 17, n. 2, pp. 29-40, 2011., p. 35). Esse entendimento converge com o objetivo das ações da proteção social da assistência social.

Em nosso entendimento, as condições de vulnerabilidade diminuem a capacidade dos indivíduos de agir e enfrentar as vicissitudes da vida, sendo o ato infracional uma expressão dessas situações de desvantagem, impostas por circunstâncias fora do controle dos adolescentes e suas famílias.

- Lembro-me daquele menino que não lavava as roupas, que a mãe ficou depressiva depois da separação com o pai, dormia o dia todo, acho que tomava medicamentos muito fortes, e aí eles começaram a lavar as roupas e eles - na verdade, a mãe não tinha dinheiro -, eles faziam sabão em casa. E por conta disso, eles... a assistente social já tinha ido na casa, trocado colchão, arrumado, a casa [ficou] organizada, porque a mãe dormia, também não limpava a casa, e eles não tinham dinheiro pra nada. Aí o menino quis abandonar a escola pra poder começar a trabalhar, pra poder juntar dinheiro pra poder comprar sabão, as coisas em casa, comprar uniforme e tudo mais (...). Depois que o pai se separou da mãe, ele não quis mais saber dos filhos, então ele abandonou a mãe e as crianças. Então eles tiveram que começar a se virar, e aí a mãe fazia sabão para vender, tava sempre muito depressiva, e as crianças, na verdade, ficaram totalmente largadas, né. E (...) assim os vizinhos, um era pedreiro, com dó, né, de ver as crianças passarem dificuldade, ele pegou ele [o adolescente] como ajudante de pedreiro, tanto que [ele] tava faltando a escola porque ele tinha começado a trabalhar. (Fernanda, facilitadora, Ponta Grossa-PR).

- (...) então ele [o adolescente] queria sair trabalhar, queria abandonar a escola, e aí a mãe falava que não. Só que a mãe não providenciava o que eles precisavam, não tinha força. (Facilitadora, Ponta Grossa-PR).

Nesses depoimentos, uma convergência de circunstâncias contribuiu para as condições de vulnerabilidade do adolescente Rodrigo que cometeu a infração, uma vez que, com a separação de seus pais e o abandono paterno, ele, sua irmã e sua mãe ficaram sem renda para sobreviver. Não bastasse o abandono paterno, que se deu devido a um novo relacionamento do pai, a situação se agravou com o adoecimento psíquico da mãe, que deixou de exercer uma função protetiva aos filhos. O sofrimento psíquico é ainda mencionado por outra participante da pesquisa, como expressão da vulnerabilidade e promotor de novas situações de vulnerabilidades aos dependentes:

- (...) porque às vezes a vulnerabilidade... às vezes não, geralmente, o empobrecimento material, ele... ele vai ser um fator gerador de sofrimento, de doenças, de... Como é que eu vou dizer? Sabe, de depressão, que aí se reverbera no cuidado das crianças, que se reverbera nas violências domésticas. (Alice, facilitadora, Caxias do Sul-RS).

O sofrimento citado nos depoimentos acima é denominado por Sawaia (2011SAWAIA, Bader. “O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão”. In: SAWAIA, Bader (org). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2011, pp. 99-119.) de sofrimento ético-político, aquele que advém das condições de vida, uma vez que não se origina no indivíduo, “e sim em intersubjetividades delineadas socialmente” (p. 101). Sawaia (Ibid.) encontra em Agnes Heller, Espinosa e Vigotski a inspiração e o subsídio teórico para sustentar essa ideia no estudo sobre a exclusão:

Perguntar por sofrimento e por felicidade no estudo da exclusão é superar a concepção de que a preocupação do pobre é unicamente a sobrevivência e que não tem justificativa trabalhar a emoção quando se passa fome. Epistemologicamente, significa colocar no centro das reflexões sobre exclusão a ideia de humanidade e como temática o sujeito e a maneira como se relaciona com o social (família, trabalho, lazer e sociedade), de forma que, ao falar de exclusão, fala-se de desejo, temporalidade e de afetividade, ao mesmo tempo que de poder, de economia e de direitos (Ibid., p. 100).

A compreensão de Sawaia a respeito do sofrimento ético-político pode ser exemplificada por mais um depoimento da pesquisa:

- Esse caso foi muito significativo, porque a história do menino... Ele tem um pai, tá, que o pai dele, (...) antes da mãe [se] casar com pai dele, a mãe já tinha outros filhos. Quando ela [se] casou com o pai dele, ela teve ele, que é o Rafael, e ela teve outros dois. Ele [o pai] se envolveu com a enteada e ele engravidou a enteada três vezes enquanto morava com a família, todos juntos. Hoje ele é casado, o pai do Rafael, casado com a irmã do Rafael, tem cinco filhos e a menina tem 23 anos. E aí quando eu fiz o pré-círculo com o Rafael, eu fiz com a mãe e ele, e depois eu fiz só com ele, e ele aceitou participar de tudo, e eu pedi se ele gostaria que o pai participasse. Daí ele foi me contando um pouco da história, assim. Aí eu disse para ele: “Tu já teve algum momento para falar tudo o que tu sente por seu pai?”. (...) Daí ele até dizia: “Mas a gente não tem o que comer em casa, eu sei que a minha irmã tá lá e também tá sem ter o que comer”. Sabe, uma mágoa assim, sabe, e a mãe trabalhando muito, assim. Aí eu pedi para ele: “Tu já teve algum momento para falar com teu pai sobre isso?”. Ele disse “não”. Aí eu disse: “Então, vamos fazer o seguinte. Já que tu quer participar desse encontro com a sua família, com essa moça que vai te atender lá [no Centro de Referência Especializado de Assistência Social, Creas], (...), a gente pode combinar que depois que tu conhecer como é essa conversa, eu posso te oferecer - eu não posso te prometer, mas eu posso te oferecer - um momento para ti conversar com seu pai”. E ele desabou, chorou, chorou, chorou, chorou muito, muito. (Laura, facilitadora, Caxias do Sul-RS).

Heller (1979 apudSAWAIA, 2011SAWAIA, Bader. “O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão”. In: SAWAIA, Bader (org). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2011, pp. 99-119.) entende por sofrimento as dores mediadas por injustiças sociais: “É o sofrimento de estar submetido à fome e à opressão (...). É experimentado como dor, na opinião de Heller, apenas por quem vive a situação de exclusão” (p. 104). Em Vigotski, Sawaia (2011SAWAIA, Bader. “O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão”. In: SAWAIA, Bader (org). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2011, pp. 99-119.) encontrou a unidade analítica que atua na interligação das funções psicológicas com o corpo e a sociedade: o significado, responsável pelas mediações intersubjetivas, o que reforça a ideia de que o sofrimento ético político não “nasce” no indivíduo, mas é mediado por condições excludentes de existência. A visibilidade que ganham os adolescentes pela prática do ato infracional pode ser compreendida no âmbito da “dialética exclusão/inclusão” como “um conceito-processo capaz de explicitar as contradições e complexidade da exclusão” (Ibid., p. 110), o que podemos visualizar no seguinte depoimento:

- (...) se não fosse o círculo, se não fosse eu tá na frente da juíza, se não fosse aquilo, talvez eu não fosse o que sou hoje, talvez eu não tivesse passado no curso de (...), talvez nada teria acontecido. Talvez eu tava até na rua, talvez eu estaria até como meu irmão, na cadeia. (Rodrigo, adolescente, Ponta Grossa-PR)

A contradição expressa no depoimento do adolescente representa a sua “inclusão”, a visibilidade para o Estado do seu processo de exclusão, a partir do ato infracional. Ou seja, ele passa a ser enxergado pelo Estado, efetivamente, a partir da violência que praticou - um processo de inclusão perversa, uma vez que é incluído pelo sistema de responsabilização juvenil. Esse modo de “inclusão” caracteriza fortemente a criminalização da pobreza, com a penalização individual pela violação da lei. A recíproca não é verdadeira quando é o Estado que descumpre a lei de proteger cidadãos. Os apelos punitivos como resposta ao ato infracional transferem as responsabilidades de escolhas políticas e econômicas, notadamente neoliberais, para indivíduos que vivenciam a vulnerabilidade cotidiana dessas escolhas.

Tais vulnerabilidades desencadearam, ainda, outros desafios para a permanência de Rodrigo na escola, além da necessidade de trabalhar para sobreviver:

- Só que daí que a gente viu que o problema era muito mais complexo do que inicialmente parecia. Ele sofria bullying, ele era trocado toda hora de sala, porque os próprios alunos pediam pra trocar de sala por causa do mau cheiro dele, dele e da própria irmã. A gente viu que a própria irmãzinha dele, que era mais nova, também não conseguia fazer amizade por causa do cheiro da roupa, e aí a gente percebeu que o problema... Então assim: tudo em decorrência da separação, da mãe ter ficado deprimida, da mãe não estar lavando a roupa, deles estarem indo com a roupa suja pra escola, e seus amigos começaram [a reparar], e aí eles começaram a ficar excluídos, e dessa exclusão gerou a revolta, e aí da revolta ele pegou, (...) pegou o canivete do pai, (...) e com esse canivete ele machucou o primo. Então... (Fernanda, facilitadora, Ponta Grossa-PR)

Retomando a síntese de Adorno (2001ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. Os jovens e sua vulnerabilidade social. São Paulo: AAPCS, 2001.) sobre o conceito de vulnerabilidade, relacionado à oferta de oportunidades e às reais condições da população de acessá-las, podemos problematizar a noção de “acesso” a esse caso. Por “acesso”, podemos entender a real capacidade do sujeito de buscar a aquisição de bens sociais disponíveis. Tal entendimento é corroborado por Vignoli (2001 apudABRAMOVAY et al., 2002ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; PINHEIRO, Leonardo de Castro; LIMA, Fabiano de Souza; MARTINELLI, Cláudia da Costa. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: Desafios para políticas públicas. Brasília: Unesco/BID, 2002.), ao compreender por vulnerabilidade a situação em que um conjunto de características, “recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade” (p. 30), prejudicando a elevação de níveis de bem-estar ou favorecendo a sua deterioração. Desse modo, o conceito de vulnerabilidade social relaciona-se, indiretamente, à mobilidade social, “posto que as possibilidades que indivíduos em vulnerabilidade social possuem de se movimentarem nas estruturas sociais e econômicas são restritas em termos de modificação de inscrição social” (GUARESCHI et al., 2007GUARESCHI, Neuza; REIS, Carolina; HUNING, Simone; BERTUZZI, Leticia. “Intervenção na condição de vulnerabilidade social: Um estudo sobre a produção de sentidos com adolescentes do programa do trabalho educativo”. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 1, pp, 17-27, 2007., p. 19), ressaltando que a mobilidade social não se reduz à pobreza, pois não se restringe aos aspectos econômicos, contemplando, ainda, questões relacionadas a orientação sexual, gênero, etnia e outros.

Embora a vaga escolar do adolescente Rodrigo estivesse disponível, permanecer na escola tornou-se um desafio cada vez maior, pois ele precisava trabalhar para sobreviver. Além disso, a escola deixou de ser um espaço de pertencimento, porque a todo tempo ele era transferido de turma e seus colegas não se aproximavam dele. Pertencimento a um grupo, a um espaço, a uma causa, demanda o estabelecimento de relações com o outro, em uma construção de identidade. No caso citado, o relacionamento que os integrantes da escola estabeleciam com o adolescente era de oposição à identidade, e não de integração. Qual é o lugar da inclusão e do pertencimento a um grupo para um adolescente? Para responder esse questionamento, é necessário esclarecer sob que perspectiva entendemos a adolescência. De forma coerente com o método do materialismo histórico dialético e a apropriação que a psicologia sócio-histórica fez dele, compreendemos a adolescência não como natural, mas sim construída historicamente, “com repercussões na subjetividade e no desenvolvimento do homem moderno” (BOCK, 2004BOCK, Ana Mercês Bahia. “A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da formação do ser humano: A adolescência em questão”. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, pp. 26-43, 2004., p. 39).

Quando observamos a frequência e a importância que os adolescentes atribuem aos encontros com seus pares de iguais, compreendemos isso como um fenômeno histórico que contribui para a valorização social do pertencimento ao grupo; torna-se importante participar dele, porém, para participar, é preciso ser aceito, e para ser aceito é preciso atender às suas exigências. Grupos se formam por relações de identidade, em oposição ao diferente. Embora o grupo possa representar um espaço de pertencimento (para quem está dentro), a sua delimitação também forja discriminação, exclusão e marginalização (para quem está fora). Estar à mercê desse cenário potencializa o “estar adolescente” com o “estar vulnerável”.

Outros depoimentos de participantes da pesquisa reforçam a presença de condições de vulnerabilidade no contexto dos adolescentes que infracionaram, como podemos observar a seguir:

- (...) a vulnerabilidade dos adolescentes tavam tanto na questão familiar, né, que o pai de um deles agredia ele, agredia o menino né, ele relatou isso no círculo, que ele sofreu violência física do pai dele, e o outro menino, ele (...) tinha uma situação financeira que era bem desfavorável, né, ele e a própria mãe dele no pré-círculo é... comentaram sobre essa realidade deles, de que eles realmente não são uma família com muitas condições, e eu acho que as duas famílias na verdade assim não são famílias assim com muitas condições (...). (Henrique, facilitador, Ponta Grossa-PR)

- Os dois, não têm muito como comparar, né, porque os dois têm vidas complicadas, de problema familiar, com pai... já vem de casa, já trazem problemas de dentro de casa, é... Inclusive, uma das mães dentro do círculo também relatou problemas com o seu próprio pai, com o avô do menino, questões de abuso. E isso a gente percebe também como afetou no filho dela e o problema com o pai, questões de droga, (...) os dois não viviam, não vivem, uma vida fácil. (Beatriz, facilitadora, Ponta Grossa-PR)

- Porque ele não era [revoltado, teimoso], né... Todo adolescente é revoltado, é teimoso, né, até aquele exato momento ele não era. Depois daquele tempo que ele descobriu que até a amante do meu marido mandava foto no celular dele, mandava xingando ele, sabe, então eu acho que foi por causa disso que foi ocorrendo, ficou pior né. (Natalia, mãe de adolescente, Ponta Grossa-PR)

Apesar de a família ter sido apontada nos depoimentos como a principal mediação do sofrimento ético-político e das condições de vulnerabilidade, é necessário refletir que tais questões também não nascem nela. Porém, é nessa unidade que são expressas as contradições da questão social, determinadas pelas desigualdades sociais provenientes do modo de produção capitalista, que se materializam na fragilização de vínculos familiares e na incapacidade de as famílias exercerem sua função protetiva. A dificuldade de acesso à renda associa-se, muitas vezes, à baixa escolaridade, à submissão a trabalhos precarizados, informais, ao subemprego e à diminuição da sociabilidade no âmbito familiar e comunitário (PAUGAM, 2011PAUGAM, Serge. “O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais: Uma dimensão essencial do processo de desqualificação social”. In: SAWAIA, Bader (org). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2011, pp. 69-88.), que se completam com a repetição de padrões violentos na interação familiar e a ausência de repertório diverso para a promoção de relações seguras e equânimes na família:

- A gente tem um caso também, uma situação da mãe que contou que o pai bebe. Daí bebe, “mas ele é, não é agressivo, ele só grita”. Daí, quando a gente conversou com a menina, ela disse: “Não, ele grita, ele bate na minha mãe, ele bate em mim né, ele me ofende, ele me maltrata, ele diz coisas que são desrespeitosas e tal”. E aí a gente não conseguiu dar continuidade, porque a gente chamou o pai e ele não veio pro círculo, e a gente quis dar continuidade, fazer um círculo de apoio, daí, pra mãe e pra filha, pensando em outros parentes, pensando em outras pessoas que poderiam participar e elas não vieram mais também (...). Esse caso de violência, assim, principalmente violência familiar, né, ainda são difícil da gente lidar, porque as pessoas não querem enfrentar isso, não vão abrir isso de uma forma fácil, né. [Elas] têm muita, muita vergonha, muito medo de poder ainda continuar sendo vítimas, né. Então são casos que são difíceis da gente poder ainda atender, né. (Guilherme, facilitador, Caxias do Sul-RS).

Romagnoli (2015ROMAGNOLI, Roberta carvalho. “Problematizando as noções de vulnerabilidade e risco social no cotidiano do Suas”. Psicologia em Estudo. Maringá, vol. 20, n. 3, pp. 449-459, 2015.), ao problematizar as noções de risco e vulnerabilidade na assistência social, alerta para os perigos do desconhecimento integral desses conceitos pelos profissionais, com impactos altamente negativos na intervenção com as famílias. São eles: 1) o risco de psicologização, enfatizando o que as famílias poderiam mudar em sua dinâmica interna; 2) o risco de desqualificação, tendo como parâmetro um modelo de família dominante e desqualificando diferentes arranjos familiares; 3) o risco de sobrecarga das mulheres, ao manter a atenção concentrada nas ações nas mulheres-mães, em vez de na família; e 4) o risco de ressonância da vulnerabilidade, que requer a compreensão das próprias vulnerabilidades dos profissionais como parte da política pública. Essas são preocupações importantes na operacionalização da justiça restaurativa em contexto de vulnerabilidade social, sob pena de se culpabilizar a família por fracassar no cumprimento de seus combinados.

Nossas informações qualitativas, obtidas por meio dos depoimentos para a pesquisa, são ainda analisadas e complementadas por dados quantitativos de fontes secundárias, por meio de indicadores sociais. Estes são definidos por Jannuzzi (2009JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores Sociais no Brasil: Conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2009.) como uma medida quase sempre quantitativa que visa traduzir ou expressar determinados aspectos da realidade social, tanto para exemplificar conceitos teóricos como para formular, monitorar e avaliar políticas públicas. O índice de Gini é um dos indicadores de distribuição de renda. Seu valor mínimo, 0 (zero), representa um cenário de total igualdade na distribuição de renda, e seu valor máximo, 1 (um), representa total desigualdade, em que apenas uma pessoa ou uma família detém toda a riqueza disponível.

Tabela 1:
Índice de Gini por espacialidade, 2010

Apesar de ser empiricamente difícil encontrar índices de Gini 0 ou 1, Jannuzzi (2009JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores Sociais no Brasil: Conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2009.) considera que índices 0,5 “já são tidas como representativas de um grau de extrema perversidade distributiva” (p. 97). Podemos observar, a partir dos dados quantitativos apresentados, que os locais com maiores índices de Gini são também os que apresentam maior porcentagem de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, com destaque para a região Norte, nas cidades de Belém e, especialmente, Santarém.

Tabela 2:
Percentual e renda per capita de pobres e extremamente pobres por espacialidade, 2010

O Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil considerou como parâmetro para definição de pobreza e extrema pobreza o critério de renda. Foram considerados pobres aqueles cuja proporção de renda domiciliar per capita fosse igual ou inferior a R$140,00 mensais em agosto de 2010, e extremamente pobres, aqueles cuja renda domiciliar per capita fosse igual ou inferior a R$70,00 mensais no mesmo período. Importante mencionar que em 2010 o salário mínimo nacional era de R$510,00 (lei no 12.255/2010).

Os dados sobre a pobreza são, ainda, corroborados pelo número maior de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF):

Tabela 3:
Famílias beneficiárias do programa bolsa família por espacialidade, 2018

Apesar de Caxias do Sul ter uma população maior que as de Ponta Grossa e Santarém, o número de famílias beneficiárias do PBF é muito inferior. Não por acaso, seu índice de Gini é o menor de todos os locais pesquisados. Embora ainda possa ser considerado como um índice elevado (0,48), quando comparado com os demais locais pesquisados, percebemos que seu nível de concentração de renda é menor, o que impacta sobremaneira os níveis de pobreza.

Vimos, neste artigo, que a pobreza não é sinônimo de vulnerabilidade social, porém, é entendida como um processo que integra a vulnerabilidade (MONTEIRO, 2011MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. “O marco conceitual da vulnerabilidade social”. Sociedade em Debate, Pelotas, vol. 17, n. 2, pp. 29-40, 2011.), compreendida como um importante indicador de privações que pode se relacionar a outros como fatores sociais, geográficos e biológicos. Nos dados apresentados pelo Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (2010), no que se refere à população pobre e extremamente pobre, juntamente com os dados do Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e CadÚnico (2018), constatamos que Santarém permanece com um número alto de pessoas vivendo em situação de pobreza e extrema pobreza, o que pode representar maiores demandas para a rede de proteção social, em relação aos demais locais pesquisados.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a partir da concepção do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), contempla “um processo dinâmico e permanente de ampliação das oportunidades dos indivíduos para a conquista de níveis crescentes de bem-estar”, por meio de “oportunidades crescentes de acesso à educação e cultura, a condições de desfrutar uma vida saudável e longa e a condições de dispor de um padrão adequado de vida para a população” (JANNUZZI, 2009JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores Sociais no Brasil: Conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2009., p. 120). Dessa forma, o IDH é organizado a partir de indicadores de três importantes dimensões do desenvolvimento humano: 1) nível educacional; 2) a esperança de vida; e 3) produto interno bruto (PIB) per capita (Ibid.). Assim, o índice final é a média das medidas transformadas, tendo valores entre 0 e 1. Os valores inferiores a 0,5 representam um baixo IDH; os valores entre 0,5 e 0,8 representam um IDH médio; e os valores acima de 0,8 indicam um alto nível de desenvolvimento humano (Ibid.). O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma adaptação metodológica do IDH à realidade municipal e tem como fonte de dados o IBGE, notadamente os censos demográficos.

Tabela 4:
IDHM (renda, longevidade, educação) por espacialidade, 2010

Na identificação de índices de bem-estar da população, notamos que o índice relacionado à educação ainda é baixo. Isso pode representar situações de evasão escolar e/ou situações de repetência. Essa informação é particularmente importante para nossa análise, pela constatação de que estar frequentando qualitativamente a escola representa um fator de proteção a crianças e adolescentes e o seu contrário, um fator de risco à prática do ato infracional, o que é corroborado pelos Planos Municipais de Atendimento Socioeducativo das cidades em que a pesquisa foi realizada.

Em Caxias do Sul, o Plano apontou que entre os adolescentes e jovens adultos que ingressaram nas medidas socioeducativas (MSE) entre julho de 2012 e julho de 2014, 43% estavam evadidos da escola. Além disso, a média de idade girava em torno de 15,5 anos, o que em idade escolar corresponde ao ensino médio; porém, o Plano aponta que a maior parte dos adolescentes que estavam frequentando a escola cursava o ensino fundamental, ou seja, do 6o ao 9o ano, o que representa uma defasagem idade-série. Essa tendência se repetiu nos demais locais em que a pesquisa foi realizada. Em Ponta Grossa, a revisão do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo (2017) apontou que a faixa etária dos adolescentes em cumprimento de MSE no segundo semestre de 2016 era entre 15 e 18 anos, porém a maior concentração dos adolescentes estava matriculada no ensino fundamental (60,3%). Ainda, o Plano aponta que é grande a porcentagem de adolescentes autores de ato infracional que apresentam dificuldades de aprendizagem, muitos dos quais são, ainda, analfabetos, apesar de terem sido aprovados no ensino fundamental (fase 1). Em Belém, o Plano de Atendimento Socioeducativo (2015) também apontou a presença de defasagem escolar entre os adolescentes autores de ato infracional. Seguindo a média das cidades citadas, em Belém, 87,8% dos adolescentes que cumpriam MSE tinham entre 15 e 18 anos, porém 67% dos adolescentes em cumprimento de MSE apresentava como grau de instrução o ensino fundamental incompleto. O Plano ressaltou que a presença dos adolescentes na escola é permeada por baixo desempenho escolar, faltas e dificuldades de aprendizagem, o que pode levar à evasão escolar. Por fim, em Santarém, a amostra de adolescentes pesquisada (adolescentes em cumprimento de MSE no Creas em 2013) para o Plano de Atendimento Socioeducativo (2016) seguiu a tendência de idade citada, com predominância do ensino fundamental incompleto (47%) e 17% evadidos da escola.

Essas informações sobre a questão escolar dos adolescentes autores de ato infracional, juntamente com o IDHM dos municípios pesquisados, representam uma variável importante na expressão de vulnerabilidades, objetivadas pelo ato infracional, por estarem relacionadas à capacidade de manutenção de adolescentes na escola. Diferentes variáveis podem convergir para esse cenário de evasão e/ou defasagem escolar, que vão desde a qualidade das escolas públicas, o número de professores versus o número de alunos, o atendimento às necessidades individuais de aprendizagem e o espaço de não pertencimento aos alunos até questões que extrapolam a escola, como necessidades de sobrevivência/ganhar dinheiro (como vimos no depoimento referente ao adolescente Rodrigo), contexto de violência e pouco ou nenhum acesso a políticas de proteção social.

Levando essas circunstâncias em consideração, observamos que, apesar de termos obtido muitos depoimentos que afirmam a potencialidade da justiça juvenil restaurativa em contexto de vulnerabilidade social, os participantes também apontaram alguns limites que essa condição traz para a realização da justiça juvenil restaurativa e/ou para os resultados que se espera com essa intervenção. Os participantes trouxeram limitações e dificuldades que se referem ao deslocamento do adolescente e de sua família, à identificação de pessoas afetivamente conectadas e responsáveis pelo adolescente e a suas possibilidades quanto ao cumprimento do acordo construído no encontro, devido à inexistência de políticas públicas que ofertem suporte às necessidades dos adolescentes autores de ato infracional:

- É, outro limite, olha, outro limite que eu acho muito, muito sério, é a própria condição deles [os adolescentes] de conseguirem participar das atividades. Por exemplo, eles moram todos longe, então para se deslocar até o lugar, independente[mente] de onde for, pode ser no Cejusc [Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania], pode ser lá no Fórum, na UEPG, em qualquer lugar, eles vão ter que gastar para chegar em qualquer lugar, e muitas vezes o gasto com um ônibus para as duas pessoas, ida e volta... Ou se eles tiverem que participar de mais círculos é, são mais dias... Então às vezes é um gasto que a pessoa não consegue, então muitas vezes participar das coisas pode ser penoso, pode acabar gerando dificuldade. Às vezes não é nem pela falta de interesse, mas porque realmente uma pessoa em vulnerabilidade pode não conseguir, sabe. Então eu acho que esse também é o limite bem, bem sério, bem importante que precisa ser considerado. Eu acho que pensando assim agora em um primeiro momento eu vejo isso. (Henrique, facilitador, Ponta Grossa-PR)

- (...) essa também é uma questão importante sim, porque essa vulnerabilidade social, essa falta de recurso, assim, de poder participar, também esse caso que eu te relatei que a pessoa não conseguiu chegar aqui por não ter recursos, né (...). (Guilherme, facilitador, Caxias do Sul-RS)

- [O] primeiro [desafio] é chegar, é vir, né. Muitas vezes as pessoas, se [o lugar em que ela mora] é muito distante, é um problema o deslocamento mesmo. O segundo vejo assim que...é você encontrar as pessoas realmente preocupadas com esse adolescente, dentro do próprio seio familiar, que às vezes não são os pais, e você fica chamando pai, fica chamando pai, chamando pai e mãe, e o pai e a mãe não vem, aí você diz: “Não, tem uma avó”. Aí você começa a ver quem dentro da família é o responsável moral, vamos dizer assim, por aquele adolescente. Eu tenho visto isso assim (...). (Fernanda, facilitadora, Ponta Grossa-PR)

Os depoimentos acima apresentados nos remetem, principalmente, à vulnerabilidade econômica e a fatores geográficos que nesse contexto são vivenciados como limitantes da mobilidade e do deslocamento dos participantes para o atendimento. Além disso, o último depoimento faz menção a uma concepção de família diversa daquela que se costuma conhecer. Sobre esse aspecto, Sarti (2004SARTI, Cynthia Andersen. “A família como ordem simbólica”. Psicologia USP, São Paulo, vol. 15, n. 3, pp. 11-28, 2004.) lembra que as famílias não se definem como uma unidade de reprodução biológica (pai, mãe e filhos), “mas pelos significantes que criam os elos de sentido nas relações, sem os quais essas relações se esfacelam, precisamente pela perda, ou inexistência, de sentido. Se os laços biológicos unem as famílias é porque são, em si, significantes” (p. 18). Em estudo etnográfico sobre as famílias pobres, a autora observou a delimitação de família a partir do eixo moral (SARTI, 1994SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: Um estudo sobre a moral dos pobres na periferia de São Paulo. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.). Assim, a ideia de obrigação está diretamente atrelada à ideia que se tem sobre família - acima, inclusive, dos laços biológicos -, sendo importante para se considerar família a confiança, a obrigação e a retribuição que se estabelecem entre seus membros (Ibid.). O estranhamento gerado no depoimento da facilitadora assume como referência a sua própria família. Sobre isso, Sarti (2004) sugere considerar a definição de família a partir do sentido que as pessoas que a vivem atribuem a ela, em vez de partir de um conceito pré-estabelecido.

Além dessas limitações e dificuldades expressas nos trechos das entrevistas, que se associam a contextos de vulnerabilidade social vivenciados por adolescentes autores de ato infracional, outros depoimentos ampliam essa questão, como podemos observar:

- Eu acho que é questão de saúde mental, né. Eu acho que a questão das drogas, assim, é um limitador. Assim, eu não acho que ela exclui, mas acho que ela é um limitador por uma questão de doença, né. Às vezes até ele [o adolescente] concorda, querem [participar de justiça restaurativa], mas não têm constância ali para se comprometer. Então eu acho que é, para mim, é a questão de drogadição e de saúde mental mesmo, cognitiva até. Eu acho que ela é um limitador. (Laura, facilitadora, Caxias do Sul-RS)

- (...) só que a gente tinha que ter outros serviços, a gente não tem aqui um Caps [Centro de Atenção Psicossocial] I, a gente não tem um Caps AD [Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas] aqui pra população infanto juvenil. Não temos, e aqui nós já temos casos assim de pessoas dependentes químicas com 11 anos; aqui é muito, em uma região que tem muito tráfico de droga, né, tanto uma coisa assim que mexeu muito com a gente né, a gente ficou dois anos no projeto Resgatando Laços, e nós tivemos poucos atos infracionais, né, não só os de menor potencial, mas também os outros mais graves. A gente perguntou “o que que os meninos não tão roubando mais, não tão matando mais, o que que tá acontecendo?”. Aí o que que a gente... [A gente] foi para estatística de morte violenta, né. Aí vê que os meninos estão sendo mortos, né. Então assim... então tem muita entrada de drogas aqui, e nós não temos o equipamento aqui próximo, e eles não vão para Belém porque onera, né. Teve um círculo aí que um compromisso foi a gente conseguir uma bicicleta para o menino poder fazer o atendimento, então nós tivemos que articular uma bicicleta para ele poder fazer o acompanhamento que ele precisava, porque a mãe não tinha condições de pagar o dinheiro para ele participar no serviço de convivência lá. (Helena, facilitadora, Icoaraci-PA)

Nesses depoimentos, são elencados como dificuldades/limitações da intervenção restaurativa o contexto de dependência química que envolve os adolescentes atendidos, a ausência de serviços ofertados pelo Estado para atendimento dessa demanda e a própria violência (homicídios) associada ao tráfico de drogas na região. O Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), verificou que a taxa de homicídios de jovens, por grupo de 100 mil, em 2016, aumentou nos estados do Pará e do Rio Grande do Sul, tendo diminuído no Paraná. A taxa média nacional é de 65,6 jovens mortos a cada 100 mil. No Paraná, esse número é de 57,6; no Rio Grande do Sul, de 62,3; no Pará, esse número salta para 98 jovens mortos a cada 100 mil, corroborando o depoimento de Helena quanto aos adolescentes mortos no contexto do tráfico de drogas (CERQUEIRA et al., 2018CERQUEIRA, Daniel (coord). Atlas da violência 2018. Rio de Janeiro: Ipea/FBSP, 2018. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-cont...
).

Sobre essa questão, Vicentin et al. (2012VICENTIN, Maria Cristina; CATÃO, Ana Lucia; BORGHI, Adriana; ROSA, Miriam Debieux. “Adolescência e sistema de justiça: Problematizações em torno da responsabilização em contextos de vulnerabilidade social”. Responsabilidades, Belo Horizonte, vol. 1, n. 2, pp. 271-295, 2012.) reconhecem que a intervenção da justiça juvenil restaurativa pressupõe responsabilização compartilhada, inclusive com o Estado, e que na ausência da responsabilização do Estado na oferta de políticas públicas, ela dificilmente alcançará o seu propósito teórico. Diante dessas circunstâncias que rondam o ato infracional, as autoras apontam que aquele adolescente que “não participa da construção das normas coletivas e não tem confirmado que o Estado e os adultos respeitam seus direitos e cumprem suas obrigações dificilmente compreenderá e respeitará o código de referências que regem as relações sociais” (Ibid., p. 275). Nisso reside o perigo de se repetir na justiça juvenil restaurativa formas normalizantes de justiça, que culpabilizam indivíduos ofensores pela violação à lei e sua “não responsabilização”, quando, por exemplo, adolescentes e familiares “fracassam” no cumprimento de acordos, na ausência de reciprocidade do Estado. Diante disso, é relevante o depoimento de uma participante da pesquisa, ao considerar esse contexto para a atuação da justiça juvenil restaurativa:

- Porém, a gente tem pé no chão e também um senso de realidade de que a justiça restaurativa não é “planagem” pra todos os males e que ela por si só não é suficiente para fazer com que um adolescente infrator, que ele está inserido em um contexto de múltiplas vulnerabilidades, né, ele consiga superar. Então é necessário que a justiça restaurativa, ela some, seja somada a outras estratégias de atuação perante esse adolescente infrator (...). Justiça restaurativa por si só não é suficiente. O que mais a gente tem que inserir? [O] que a gente tem que incluir? [Por]que a gente pode utilizar a justiça restaurativa como um fio condutor, né, potencializar essa atuação em rede, né. Então (...) fazer com que a intersetorialidade das políticas públicas realmente se efetive, né, e que o adolescente realmente seja contemplado na sua necessidade de escolarização, de profissionalização, de fortalecimento de vínculos familiares, de inclusão dentro da sociedade sem o estigma de infrator (...). (Brenda, informante, Santarém-PA)

Para Cronemberger e Teixeira (2013CRONEMBERGER, Izabel Herica Gomes M.; TEIXEIRA, Solange Maria. Famílias vulneráveis como expressão da questão social, à luz da política de assistência social. Revista Eletrônica Informe Econômico, ano 1, n° 1, ago/2013.), as políticas públicas, “em especial as de caráter social, são constituídas como dispositivos centrais de enfrentamento da questão social, acionados pelo Estado [em sua função protetiva]” (p. 22). Ocorre, entretanto, conforme demonstrado por Pereira-Pereira (2010), que a crise e os ajustes econômicos impulsionados pelo neoliberalismo impediram o Brasil de concretizar as reformas no sistema de proteção social com vistas à sua real universalização, e, com isso, o protagonismo constitucional do Estado como provedor de bem-estar social foi remanejado às famílias (Ibid.). Nessa conjuntura, a resposta restrita do Estado como enfrentamento das vulnerabilidades sociais é insuficiente para proteger os seus cidadãos. Tanto é assim que são comuns depoimentos em que essas vulnerabilidades se repetem ao longo de gerações.

A desresponsabilização do Estado perante a proteção social de seus cidadãos exigiu o comprometimento da família e da sociedade na tarefa de satisfazer às necessidades sociais (Ibid.) - uma conhecida alternativa brasileira de delegar à esfera privada assuntos de ordem pública, sobrecarregando a família já fragilizada e, principalmente, a mulher, pela atenção das mais variadas situações de infortúnio humano (ALENCAR, 2010ALENCAR, Mônica Maria Torres de. “Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família”. In: SALES, Mione Apolinario; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (orgs). Política social, família e juventude: Uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 61-78.). A ilusória família ideal foi concebida pelos conservadores como parâmetro de atendimento aos cidadãos, desconsiderando o caráter contraditório das famílias, seus conflitos, suas tensões e, muitas vezes, seu potencial de violar direitos (PEREIRA-PEREIRA, 2010PEREIRA-PEREIRA, Potyara Amazoneida. “Mudanças estruturais, política social e papel da família: Crítica ao pluralismo de bem-estar”. In: SALES, Mione Apolinario; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (orgs). Política social, família e juventude: Uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 25-42.).

A configuração apenas formal das conquistas legislativas destinadas à proteção da infância, da adolescência e das famílias culminou em uma deliberada escolha pela promoção não de direitos, mas de carências e exclusão social. Não é por acaso a observância de tantas similaridades ao público adolescente que cumpre medida socioeducativa no país. Em 2015, o Ipea publicou uma nota técnica a fim de prestar esclarecimentos ao debate político sobre a redução da maioridade penal e constatou que “o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está associado não à pobreza ou à miséria em si, mas, sobretudo, à desigualdade social, e à dificuldade no acesso às políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado” (SILVA e OLIVEIRA, 2015SILVA, Enid Rocha Andrade da; OLIVEIRA, Raissa Menezes de. “O adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a redução da maioridade penal: Esclarecimentos necessários”. Ipea, Nota Técnica, Brasília, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150616_nt_maioridade_penal.pdf
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
, p. 15).

Para Silva e Oliveira (Ibid., p. 14), a “vulnerabilidade social constituiria uma categoria de mediação entre a desigualdade/exclusão social e a violência entre jovens”, por alimentar frustrações quanto às impossibilidades de consumir e de se identificar com o socialmente valorizado. “A desigualdade social exprime uma circunstância relativa de privação de direitos que amplifica a vulnerabilidade social da população pobre” (Idem). A expressão da revolta e do descontentamento com as condições que lhe são impostas “impulsiona os jovens da periferia a buscarem espaços de participação, mecanismos e formas que possibilitem sair do anonimato e da indiferenciação”, manifestando-se ora pela violência, ora pela participação cultural (Ibid., p. 15).

A especificidade social da condição jovem torna esse segmento especialmente exposto à vulnerabilidade social, uma vez que a definição pouco precisa do seu papel na sociedade contemporânea - em termos de autonomia relativa, (in)dependência financeira e responsabilidades e direitos ambíguos no que se refere a sua participação no mercado de trabalho, por exemplo - submete essas pessoas aos efeitos mais imediatos das adversidades econômicas e sociais e lança uma série de incertezas quanto a sua trajetória futura. Há de se considerar ainda o fato de que os jovens são particularmente suscetíveis ao apelo do risco e têm sua identidade social construída, em grande parte, com recurso à ideia de transgressão, o que configura um complexo quadro de vulnerabilidade, que a pobreza ou, de forma ainda mais ampla, a desigualdade social potencializa (SILVA e OLIVEIRA, 2015SILVA, Enid Rocha Andrade da; OLIVEIRA, Raissa Menezes de. “O adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a redução da maioridade penal: Esclarecimentos necessários”. Ipea, Nota Técnica, Brasília, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150616_nt_maioridade_penal.pdf
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
, pp. 13-14.

Com isso, os autores ressaltam que a dificuldade no acesso de jovens às políticas sociais de proteção, notadamente educação e trabalho, como instrumentos para a mobilidade e inclusão social, contribui para a ampliação da situação de vulnerabilidade social, o que os torna mais desprotegidos e mais expostos, por sua vez, à inclusão no crime organizado e às mortes violentas, por exemplo (SILVA e OLIVEIRA, 2016). É nesse contexto que a justiça juvenil restaurativa se insere no país e é a partir dele que as intervenções e os estudos acerca da justiça restaurativa precisam reconhecer como parâmetro, assumindo o compromisso de fazer o enfrentamento das vulnerabilidades sociais que rondam o ato infracional, mediante a articulação do atendimento à rede de proteção social, visando à responsabilização compartilhada com o Estado.

Conclusão

Neste artigo, exploramos o conceito de vulnerabilidade social, expresso pela prática de atos infracionais, como uma categoria de análise de nossa pesquisa, que buscou investigar a atuação da justiça restaurativa no atendimento a adolescentes autores de ato infracional em contexto de vulnerabilidade social no Brasil.

Diante do recuo do Estado na provisão de políticas públicas de qualidade, observamos o fenômeno da dialética exclusão/inclusão, em que o adolescente autor de ato infracional é “incluído”, torna-se visível ao Estado por seu processo de exclusão, a partir do ato infracional. Observamos que a justiça restaurativa tem o potencial de visibilizar as histórias de vida dos adolescentes e suas famílias, além de ser um espaço para a manifestação e ampliação da responsabilização para além do adolescente e sua família, incluindo o Estado. Isso porque as histórias dos adolescentes e suas famílias trazem a dimensão subjetiva, do particular, mas também apresentam uma dimensão coletiva, relacionada à conjuntura econômica do país e às escolhas políticas feitas. A reciprocidade do Estado é imprescindível para que a justiça juvenil restaurativa alcance o seu propósito teórico.

Observamos, por meio da reflexão empreendida neste artigo, o reducionismo de discursos que compreendem o adolescente autor de ato infracional como um fim em si mesmo. As reflexões aqui desenvolvidas apontam a necessidade de contemplar, no entendimento dos adolescentes autores de atos infracionais, o contexto de desigualdades a que esses adolescentes e suas famílias estão expostos. A ausência de provisão real de proteção social pelo Estado à população em condição de vulnerabilidade e risco resulta, com frequência, em violência e na ampliação do tráfico de drogas. De forma imediata e aparente, os envolvidos diretamente nesses fenômenos são criminalizados e culpabilizados pela violação da lei, como se essa fosse uma escolha unicamente individual.

Alertamos para esse esclarecimento, uma vez que o atendimento da justiça juvenil restaurativa pode, sem esse olhar, ampliar a desproteção social dos adolescentes e suas famílias, quando as vulnerabilidades presentes não são objeto de atenção e planejamento pelos responsáveis do procedimento restaurativo. Articular o atendimento aos serviços da rede de proteção social e aumentar o número de encontros em curto espaço de tempo são estratégias necessárias, uma vez que as necessidades das famílias são amplas e se modificam rapidamente, o que requer acompanhamento e estabelecimento de novas metas e combinados.

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  • 1
    Protocolo no protocolo CAAE 85406918.7.0000.0105
  • 2
    Importante esclarecer que, para a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), “criança é todo o ser humano menor de 18 anos” (art. 1o).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2020
  • Aceito
    26 Mar 2021
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